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sábado, 9 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19564: A Galeria dos Meus Heróis (24): Cirurgião no Hospital Militar de Bissau - II (e última) Parte (Luís Graça)


Luís Graça, CCAÇ 12, CIM Contuboel,
 c. jun/jul 1969


A Galeria dos Meus Heróis >

Cirurgião no Hospital Militar de Bissau, 1968/70 - II (e última) Parte  (Luís Graça)


(Continuação)




Recordo-me da péssima disposição com que me levantei, nessa sexta-feira, dia 26 de fevereiro de 2010 (*). Era o meu último dia de trabalho. Segunda feira era já o início de outro mês. Costumo dizer que só faço anos de quatro em quatro anos, nos anos bissextos.

Nessa semana eu atingia o limite legal de idade para trabalhar na função pública, neste caso no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Já me podia ter reformado alguns anos antes, acumulando os anos de função pública com o tempo da tropa. Mas não quis. Chamavam-me o “dinossauro” do Hospital. 


É uma imposição estúpida: sentia-me ainda, aos 70 anos, em boa forma, física e mental, com forças para continuar a dirigir o serviço de ortopedia. É certo que já não operava há uns tempos. Ou melhor: ia fazendo uns “biscates” para não perder a firmeza da mão… Enfim, umas coisas mais leves: fraturas simples, joanetes, uma ou outra artroplastia da anca…

De qualquer modo reconheço que um tipo, aos 70 anos,  já não tem o mesmo treino de mão, a mesma agilidade, a mesma paciência, a mesma resistência e os mesmos reflexos de quando era mais novo. E sobretudo a mesma pachorra para aturar os diretores clínicos e os administradores hospitalares e as suas folhas de excel, enfim, para lidar com a burocracia e a numeracia da saúde. Um hospital, público ou privado, é uma fábrica e é cada vez mais gerido como uma fábrica.

A maior parte dos meus colegas reformam-se do público, logo que preenchem os requisitos legais, na expetativa de virem a poder trabalhar na privada. Alguns até aceitam ser penalizados na contagem de tempo. Mas é uma ilusão. No privado são esmifrados até ao tutano. E têm que alimentar todos os setores da fábrica, da imagiologia ao bloco operatório, da hotelaria aos cuidados médicos e de enfermagem, do nascer ao morrer...


Nunca pensei em vir a trabalhar na privada, quero eu dizer, numa clínica ou num hospital fora do SNS. E muito menos depois de acabar a carreira no público. Afinal estava cansado de aturar doentes cada vez mais reivindicativos, para além dos constrangimentos impostos pela direção técnica e o conselho de administração, da escassez de recursos humanos e materiais, das birras dos anestesistas, dos narizes empinados das senhoras doutoras enfermeiras… 

Acho que fiz bem em pôr um ponto final na minha aventura terrena no domínio da saúde… Na próxima encarnação, serei o que  Deus ou o Diabo quiserem…

Estava em regime de exclusividade, o que era raro na minha especialidade. De qualquer modo, aos 70 anos,   punha-se o dilema: o que vais fazer agora, com todo o tempo do mundo à tua frente ?!... Cedo me apercebi, depois de reformado,que o tempo é, afinal, depois da saúde e da liberdade, o recurso mais precioso que temos, e que o gerimos mal... Afinal, desperdiçamos uma boa parte da vida. E, de ciência certa, só se vive uma vez.

Não era escritor nem pintor como alguns dos meus colegas médicos, mais talentosos. Vivia em Lisboa e tinha perdido as minhas raízes em Setúbal e no Alentejo. Perdi completamente o rasto aos meus parentes de Grândola e de Estremoz. Também nunca tive o culto da família. E infelizmente também nunca tive um filho. A minha vida conjugal não foi feliz. Casei-me, descasei-me, e acho que fiquei ou estou a ficar cada vez mais... misógino.

Mas,  voltando ao meu almoço de despedida e à minha retirada de cena…

Desde o início do ano de 2010, tinha o sacana do meu adjunto à perna, a contar os dias do calendário, sempre  à espera do "grande dia" em que o "o filho da puta do velho" (sic) arrumasse de vez o bisturi… Se ele não o dizia, bem o pensava: “O filho da puta do velho”…

Reconheço que eu era o último obstáculo para ele subir até ao topo da hierarquia do serviço… Para isso, era preciso "matar o pai"…

Mas eu não o condeno… No lugar dele, eu faria o mesmo. De certo modo, aconteceu-me o mesmo com o meu "patrão" no Hospital anterior, onde comecei a minha carreira. Desisti de esperar que ele arrumasse as botas, tinha mais três ou quatro rivais à frente… O que fiz foi concorrer para outro hospital, que ia abrir e que tinha vagas para ortopedistas. Aliás, fui eu que, aos quarenta e tal anos, fui montar o serviço… 


Em suma,já estava ali, no último Hospital em que trabalhei, há um eternidade… Enfim, chegara a vez do render da guarda, por muito que isso me custasse.

Mas voltando ao meu sucessor: e se eu fui um pai para ele!... Recebi-o de braços abertos, ajudei-o a fazer o internato da especialidade e, se ele hoje é um grande ortopedista, muito melhor do que eu,  talvez o melhor ou o segundo melhor do Hospital, a mim também o deve. Pelo menos em parte. O resto é mérito dele e da estrelinha da sorte que o levou até ao estrangeiro onde aprendeu novas técnicas que eu não dominava... Em contrapartida, ele foi o filho que eu nunca tive.


Reconheço igualmente que eu fui uma espécie de pai tirano. Fui muito mais exigente e menos condescendente com ele do que com qualquer outro dos internos que por cá passaram. Porque ele era melhor do que os outros, ou tinha que ser o melhor. Provavelmente ficou-me a odiar… Mas nunca o deixou transparecer. É apenas o meu “feeling”…

Em suma, tínhamos então, na véspera da minha passagem à reforma, uma relação de amor-ódio, latente.

No almoço, nesse tal sábado, foi ele que fez o discurso da praxe… E que discurso! Deixou-me sensibilizado, quase até às lágrimas… É difícil, se não impossível, saber se foi sincero, ele era um homem, ainda jovem, de verbo fácil, de grande inteligência e um sedutor nato, um "charmoso",  bendito entre as mulheres.

Foi ele e a minha secretária clínica que organizaram tudo… Apareceu quase toda a gente, médicos, enfermeiras, assistentes técnicas e administrativas… O mulherio em peso, não tanto por mim mas mais provavelmente por ele, que era o meu sucessor. 

Veio também o meu colega de Ortopedia B, que nunca foi meu amigo, mas era um colega leal, e mais alguns médicos, esses, sim, amigos, dos poucos que eu tinha no Hospital. Nunca fui um homem muito sociável mas sempre foram vinte e tal anos passados neste Hospital. Acho que era respeitado e até estimado.

O Hospital, ou seja, o conselho de administração, ofereceu-me uma salva de prata com o meu nome gravado, e duas linhas de blá-blá de cujo teor já não me lembro; e o pessoal do serviço, incluindo os participantes no almoço, tiveram a gentileza de me presentear com um “voucher” para eu fazer um cruzeiro à Grécia, com visita ao sul da Itália (Vesúvio,Nápoles, Pompeia...), e uma excursão ao templo de Asclépio, em Epidauro, no Peloponeso, na Grécia, onde começou a aventura da medicina ocidental de que eu, embora insignificante ator, fazia parte.



Não sei porque é que estou agora a recordar o meu passado. E depois, camarada (posso tratá-lo por camarada ?!), a conversa é como as cerejas. Tem piada, há séculos que não falava do meu passado como alferes miliciano médico, entre 1968 e 1970, na Guiné de má memória. Em boa verdade, desde que regressei em 1970... 


Confesso que não tenho saudades desse tempo, a não ser pelo que aprendi como médico e como ser humano.

Com os primeiros tempos de Spínola, logo em meados de 1968, tenho a ideia de que a guerra se agravou, de um lado e do outro. Chegavam feridos graves e muito graves ao Hospital de Bissau, bastante politraumatizados, que era preciso tratar de imediato. O meu maior orgulho foram as muitas vidas que conseguimos salvar, embora alguns tenham ficado deficientes para o resto da vida. 


A Guiné era pequena, aí do tamanho do Alentejo, a Força Aérea chegava a todo o lado, nomeadamente os helicópteros, os Al III, que faziam as evacuações Ypsilon. Eram as nossas ambulâncias, o nosso 112, que estavam equipadas com bom material de suporte de vida, e enfermeiras paraquedistas que prestavam logo, "in loco", no mato, os primeiros socorros, essenciais para manter o fio da vida até Bissau.

Elas eram poucas, mas desdobravam-se em múltiplas missões e foram uma mais-valia para os serviços de saúde militares. Eram muito jovens mas corajosas e competentes. Já não me lembro do nome de nenhuma delas, nem sequer da cara. Sei que, às vezes, ao domingo, chegávamos a almoçar juntos, os médicos do HM 241 e elas. Se bem recordo, os oficiais paraquedistas e os pilotos de Bissalanca guardavam-nas com algum ciúme... patológico. Na realidade, elas pertenciam à Força Aérea, se bem que não dormissem na base de Bissalanca.


Do mato, propriamente dito, tenho poucas recordações. Fotos, devo ter, mas não sei onde param. Uma das situações que me marcou, talvez pela positiva, foi a receção que me fizeram em Bambadinca, ao tempo do batalhão de artilharia, já não me recordo o número do número, talvez o 1904,se a memória não me atraiçoa. 

Eu já estava avisada que os gajos mais velhos gostavam de pregar partidas aos "periquitos"… Mas nunca mais me lembrei desse precioso "lembrete", que já trazia de Mafra… (Ou Máfrica, não era?!)

Recordo-me de ter chegado a Bambadinca, por volta de meados de março de 1968, ainda na estação seca, a de maior atividade operacional, de parte a parte. Creio que o quartel nunca tinha sido atacado, nem nas proximidades havia atividade inimiga, a não ser a norte do rio Geba e ao longo da margem direita do rio Corubal donde o PAIGC nunca fora desalojado...

Fui de avioneta, pelo que nunca cheguei a conhecer o Xime e a temível picada que seguia até Bambadinca. Era a porta de entrada na zona leste. Conhecerei o Xime mais tarde.

Mal acabara de arrumar os meus pertences, num quarto partilhado com mais dois alferes, no edifício do comando, oiço alguns rebentamentos e rajadas de armas automáticas. E depois um profundo silêncio… Nem tive tempo de ficar acagaçado, veio logo um militar chamar-me à pressa, porque tinha havido uma emboscada com mina anticarro, ao fundo da pista, ali a menos de um quilómetro… Havia “manga de mortos e feridos”!…

Logo as Daimlers e o piquete que estava de serviço, partiram a toda a velocidade pela pista fora, ao longo do arame farpado…

Um dos majores, talvez o segundo comandante, já não posso precisar, eufórico, quase histérico, apareceu, equipado a rigor (, o que me surpreendeu, já que tinha estado com ele, há meia-hora!), a conduzir um jipe, mais o furriel enfermeiro, com a bolsa dos primeiros socorros… Os maqueiros já tinham seguido com o piquete, garantia-me o furriel. Havia uma grande excitação no ar, com gente a correr pelo corredor que ia dar à messe, atropelando-se uns aos outros...

O major deu-me ordens, com voz grossa (mas que me pareceu... teatral), para eu subir para o jipe… Eu não sequer estava fardado, de camuflado, nem tinha nenhuma arma de defesa distribuída… Fiquei sem pinga de sangue, devo confessá-lo, mas veio ao de cima o meu sentido do dever hipocrátrico, mais forte do que o do cagarolas do militar "periquito"… Peguei no meu estojo, ali à mão, e lá seguimos a todo o gás…

Só faltavam os helicópteros para as evacuações… Até apareceu uma "enfermeira paraquedista", vinda de não sei donde, de calça de camuflado e T-shirt branca, que, para minha vergonha, era bem  bem expedita do que eu, no socorro aos "feridos"… Eles eram tantos que eu não sabia para onde me virar…


Ainda levou uns bons minutos até eu perceber que tinha caído… na esparrela!... Fora praxado, para gáudio daqueles malandros todos, que estavam a escassos meses de acabar a comissão!... Disseram-me depois que os oficiais "periquitos", de rendição individual, eram todos praxados à chegada... Mas nem todos gostavam da brincadeira!...

A encenação estava tão bem feita que até o sangue era sangue mesmo, embora de galinha ou de vaca, não era mercurocromo, como nos filmes … Soube mais tarde que a "enfermeira paraquedista" era a esposa de um dos furriéis ou dos alferes da CCS, e o que o furriel enfermeiro tinha sido o "cérebro" da brincadeira, com a cumplicidade do major…

Não levei a mal, mostrei o "fair play", fomos para o bar, paguei logo uma rodada de uísque a toda a malta, atores e figurantes… Em boa verdade, duas rodadas, que me custaram o equivalente a duas ou três garrafas!

Pronto, meu caro, são estas as histórias de que ainda me lembro do meu passado, da infância, da juventude, e da guerra, ou das guerras, a da Guiné e dos hospitais onde, num caso como noutro, procurei sempre fazer (e dar) o meu melhor…

Espero que o camarada faça também tão bom uso destas histórias como eu fiz da minha vida (sem falsa modéstia).

© Luís Graça (2019). Revisáo; 5/8/2023
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Nota do editor:

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Guiné 61/74 - P17017: Inquérito 'online' (103): Um novo desafio aos nossos leitores: "Estás reformado? E sentes-te bem?"... Resposta até ao dia 9, às 7h52.. Precisamos de, pelo menos, 100 respostas... É para o nosso Livro Branco sobre a Reforma dos Ex-Combatentes....






Uma amiga minha, e minha doutoranda, que eu muito estimo, e com quem já trabalhei num projeto de investigação, ofereceu-me por ocasião dos meus 70 anos, um livro de atas com a seguinte etiqueta: "Sociologia da reforma"... A Rosa P (omito o apelido, por razões óbvias...) não só define o conceito de reforma, como me propõe um plano de trabalho, incluindo a exaustiva revisão de literatura, desenho metodológica e trabalho de campo, que seguramente me vai dar água pelas barbas: vou estar ocupado pelo menos durante três anos, que é o prazo normal que a universadade  dá para se realizar uma tese de doutoramento... O livro só tem duas folhas escritas... o resto é para o sociólogo da (e não na...) reforma.

Por se tratar de uma prenda muito original, bem humorada, inteligente e  irreverente, não posso deixar de partilhá-la aqui, com os nossos leitores do blogue... Acho que só vou conseguir  escrever esta "tese" com o contributo..., empenhado, ativo, produtivo e saudável de todos vocês, a começar pelos mais velhos, os veteranos... Acabo de chegar aos 70, ainda sou "perito"... 

Para a Rosa P vai um beijinho fraterno: adorei o desafio, a prov(oc)a(ção)... Daqui a até ao fim do verão, quero a sua (dela) tese de doutoramento pronta para eu a poder ler, rever, criticar e eventualmente melhorar...Afinal, estou jubilado, mas trouxe TPC (trabalho para casa)... Ainda tenho doutorandas para acompanhar, o que farei com todo o gosto... E uma delas é a Rosa P... Boa sorte, Rosa. (LG)

Infogravuras: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017)


A.
Novo inquério 'on line', no nosso blogue 

(vd. canto superior direito)::

"Estás reformado ? E sentes-te bem ?"

6 hipóteses de resposta (escolher só uma)



1. Estou reformado e sinto-me muito bem 
2. Estou reformado e sinto-me bem
3. Estou reformado e sinto-me assim-assim,
nem bem nem mal
4. Estou reformado e sinto-me mal 
5. Estou reformado e sinto-me muito mal
6. Ainda não estou reformado

Resposta até ao dia 9, às 7h52



Agora aqui está uma pergunta a que toda gente, os nossos leitores (basicamente, os camaradas e amigos da Guiné), podem responder... Quase toda a gente, da nossa Tabanca Grande, pelo menos os ex-combatentes, já deve estar reformada, ou em vias de atingir  a idade da reforma...Também  quem que nos lê, está em condições de emitir a sua opinião sobre este tema (delicado)...

Precisamos, peço menos, de 100 (cem) respostas, nº redondo...


B. Reflexões/comentários sobre o tema da reforma



(i) Juvenal Amado (**):

Luís,  ninguém gosta de fazer 70 anos,  dizes a certa altura. Mas convirá que não os fazer será pior
Agora que os fizeste, estás melhor ou pior? Felizmente não somos como os iogurtes, que são retirados do consumo no dia que ultrapassam a data limite.


(ii) Joaquim Luís Mendes Gomes (**)

Luís, com muito gosto te dou as boas vindas ao meu clube de reformados. Acabaram-se as obrigações exógenas. As seguintes brotarão da tua vontade. Senhor total do teu tempo. Sei que não vais ter problema algum em gerir esta boa responsabilidade. Tens muitas capacidades. Nos diversos domínios. Agora é que vais poder chegar ao cume delas, conforme te aprouver. Quero desejar-te que os tempos que aí vêm sejam repletos de saúde e muita paz.

(iii) Jorge Picado (**)

Luís, com grande surpresa acabo de tomar conhecimento do teu aniversário, em que comemoraste a bonita soma de 70 anos e a consequente entrada para o Clube dos Aposentados. Espero que me perdoes esta falta, que não é de educação, mas apenas como refiro foi involuntária, já que desde uns certos tempos venho sendo um visitador menos assíduo da Nossa Tabanca. Não a abandonei, nem muito menos reneguei e não a esqueci, mas apenas outras ocupações diárias me roubaram algum tempo.

Desde que se me meteu na cabeça "conhecer as minhas origens", passo a maior parte do "tempo livre" a cansar a vista mergulhado nos registos paroquiais de Ílhavo existentes, referentes a baptismos,casamentos e óbitos, que anteriores a 31 de Março de 1911 já se encontram no Arquivo Distrital de Aveiro e a maioria de consulta até na Net. 

Esta a razão da minha passagem apenas, uma ou outra vez por semana, pelo Blogue. E assim me passou essa tua efeméride. Desejo-te as maiores felicidades nesta tua nova etapa da vida, mas sei que agora vais ter muito mais tempo para novos afazeres, sobre os quais até aqui não podias debruçar-te.

PS - Espero voltar a encontrarmo-nos primeiro em Monte Real. Quanto aos antepassados, já descobri até ao casamento do meu tetravô, mas isso agora já me obriga a deslocar-me ao Arquivo.

(iv) Luís Graça: 

(...) A reforma é, para muitos, também a perda de estatuto,
de referências, de colegas de trabalho,
e sobretudo de trabalho.
Em contrapartida, ganha-se a ilusão
de se ser dono do tempo,
das 24 hora do dia
a que se resume a nossa vida,
já que somos seres circadianos. (...)


(v) Tony Levezinho (***):

Quem assim ultrapassa o Km 70 só tem boas razões para continuar a viagem com aquele sorriso de quem sabe que não é viajante solitário.


(vi) Francisco Baptista (****);

Um abraço de parabéns, bem forte, grande camarada, e que a tua vida se prolongue por muitos e bons anos. Tu com a tua lucidez, a tua energia, a tua criatividade, a tua arte e a tua solidariedade nunca serás velho por muitos anos que vivas. Além da tua família próxima tens também esta grande família, fora de portas, de amigos e camaradas que tu criaste, a quem tens dado ânimo e voz que te estima muito e que não pode dispensar o calor da tua amizade e do teu incentivo. Ergo o meu copo à saúde do grande homem que tu és, Luís Graça!


(viii) Hélder Sousa (****)

Muitos comentários fazem referência à bondade da iniciativa que tiveste em criar condições para a existência e desenvolvimento do que chamamos a "Tabanca Grande". Com ela, e por ela, já milhares de fotos, de recordações, de memórias, de textos, de reconciliações, de conhecimentos foram feitos.
Dezenas, ou centenas, de amizades foram criadas. Reencontros foram possíveis. E isto não é de somenos. Isto é "obra"!


segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P17005: Manuscrito(s) (Luís Graça) (111): O editor do blogue, artesão da palavra e da imagem, autor desta série, jubilou-se no dia 29 de janeiro de 2017, de tudo, exceto da vida, do amor, da amizade, da camaradagem... (Parte I)



O editor do blogue, fotógrafo e autor da série "Manuscrito(s)"... Uma "selfie" tirada na Tabanca de Candoz, no já longínquo ano de 2008 , para  mais tarde recordar... Ah!, jubilou-se ontem, dia 29 de janeiro de 2017...  Declaração de conflito de interesses, para os efeitos que forem devidos: jubilou-se de tudo,  exceto da vida, do amor, da amizade, da camaradagem...    "Retirement", dizem os anglo-saxónicos, leia-se "ato de sair de cena"... 


Foto e legenda): © Luís Graça  (2008). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Foi um segredo  guardado a sete chaves, esta  minha festinha dos 70 anos... Um "partida" que a Alice e a Joana me pregaram... Estava eu a imaginar (e a antecipar)  um discreto almoço em família, à beira-mar, embora em dia tristonho, "com o céu cinzento e o astro mudo",  tempo de resto propício para um homem se jubilar...

Quando cheguei ao hotel com a Alice e a Joana, começaram aparecer  caras conhecidas e amigas de todos os lados: (i) o meu filho João e a sua companheira; (ii) as minhas manas (Graciete e Zairinha) e os meus cunhados da Lourinhã (Calado e Mário): (iii)  a minha irmã Béu, mais nova 18 anos do que eu,  e o meu cunhado António, casal   que vive no Fundão (mais os respetivos filhos, meus sobrinhos, Pedro e Diogo)...

Surpresa das surpresas, lança-se nos meus braços,no "hall" do hotel,  o meu amigo, camarada  e mano de Bambadinca Tony Levezinho (mais a sua querida Isabel), para não falar já dos  amigos de uma vida, e visita habitual da minha casa,  Zé António Paradela e Matilde (e o filho Jorge,  que o  mais velho, o Marco,  esse, anda agora a trabucar na Terra Nova, a pescar bacalhau para a gente...). E, como se não bastasse para se fazer a festa com uma mesa grande, ruidosa e alegre, eis que apareceram de supetão os manos mais novos da Alice, e meus queridos cunhados do Norte, a Nitas e o Gusto, o Zé e a Teresa (e a mãe)...

Enfim, uma mesa comprida de 23 pessoas, "em cima do mar"...Que poderia eu desejar mais, neste dia  dia 29 de janeiro de 2017, ao km 70 da picada da vida, com tantas provas de amor e amizade ?!

Hotel Golfo Mar, 29/1/2017 > Um dos amigos que fiz "para sempre", na Guiné,
o Tony Levezinho, aqui com a sua (e)terna Isabel... Os convites foram
feitos pela Alice, "uma mulher do Norte", diz o Tony... Foto de LG
Tinha preparado um discurso para 5 pessoas, tive que esticar o "lençol" (, originalmente , de 5 páginas...)  e ter, para os restantes convivas. uma palavrinha de agradecimento e de apreço...

Quando cheguei a casa, à noite, e abri o computador, havia mais uma "companhia" de camaradas e amigos que não se esqueceram de mim neste dia, e para quem tenho a obrigação também de agradecer de todo o coração os votos de parabéns.

Uns telefonaram, outros deixaram mensagens no blogue e na página do Facebook da Tabaanca Grande. Não poderei mencionar os nomes de todos, aqui neste espaço... mas dir-lhes-ei, enfim, que nestas ocasiões especiais nada como ter ao nosso lado, ou ao alcance de um clique, as pessoas que gostam de nós, da família aos amigos que fomos fazendo ao longo da vida, incluindo os amigos e camaradas da Guiné que se reúnem à volta do poilão da Tabanca Grande...

2. Mas esta tarde quero aqui começar por reproduzir as palavras (escritas) que tive  de pessoas, que são muito especiais para mim:

(i) uma, deixada logo de manhã, ontem,  no Facebook da Tabanca Grande, e que é da Alice, a mulher da minha vida; (ii) duas outras, dos  meus cunhados Nitas e Gustos (com quem tenho, desde há 40 anos, passado muitos dos bons e menos bons momentos que marcam a história das nossas famílias); e  (iii) ainda duas "épicas estrofes camonianas" escritas pelo meu amigo arquiteto Zé António. em seu nome e da restante família Paradela...

Last but the least, por fim mas não menos importante (, embora correndo o risco de isto descambar para o indesejável  "culto da personalidade"...), não quero (nem posso) deixar de reproduzir aqui, desvanecido, as cinco quadras populares de outro homem do Norte, um dos régulos da Tabanca de Matosinhos, o Zé Teixeira (**): aceito-as como uma singela mas original homenagem, dele e dos demais grã-tabanqueiros que se sentam comigo à volta do nosso mágico e fraterno poilão...


Maria Alice Carneiro, Hotel Golfo Mar, 29/1/2017,
foto de Zé António Paradela

(i) Maria Alice Carneiro ("Chita")

Estou a pensar que o homem da minha vida chegou à idade... adulta (70 anos) e por isso não podia deixar de recordar o primeiro poema de amor que tu me leste e eu sem perceber onde é que isto iria parar!!! 

Já lá vão 42 anos!!!...

Agora já podes publicar todos os poemas que me foste escrevendo ao longo desta vida. Parabéns por tudo o que fizeste e pelo que não fizeste. Não importa o deve e o haver. ,o que importa é que continuemos a caminhar juntos pela estrada da vida fora!


"Les enfants qui s’aiment" 

por Jacques Prévert

Les enfants qui s’aiment s’embrassent debout
Contre les portes de la nuit
Et les passants qui passent les désignent du doigt
Mais les enfants qui s’aiment
Ne sont là pour personne
Et c’est seulement leur ombre
Qui tremble dans la nuit
Excitant la rage des passants
Leur rage leur mépris leurs rires et leur envie
Les enfants qui s’aiment ne sont là pour personne
Ils sont ailleurs bien plus loin que la nuit
Bien plus haut que le jour
Dans l’éblouissante clarté de leur premier amour.


Jacques Prévert (1900-1977) | Spectacle, 1951


As crianças que se amam, beijam-se de pé
Contra as portas da noite,
E os que passam na rua apontam-nas a dedo,
Mas as crianças que se se amam,
Não estão lá para ninguém,
E é apenas a sua sombra
Que treme na noite,
Provocando  a raiva dos que passam,
A sua raiva, o seu desprezo, os seus risos, a sua inveja.
As crianças que se amam, não estão lá para ninguém,
Estão algures, bem mais longe do que a noite,
Bem mais alto que o dia,
Na deslumbrante claridade do seu primeiro amor.

Tradução de L.G.:


Zé António Paradela, Costa Nova, 25/8/2008.
Foto de LG
(ii) José António Paradela,  ex-marinheiro, ilhavense, arquiteto, escritor ("Ábio de Lápara"), amigo do peito, amigo do blogue, que só por lapso meu ainda não entrou para a Tabanca Grande ( e agora autor de mais duas estrofes dos "Lusíadas", lidas no Hotel Golfo Mar, pelo homenageado, em 29/1/2017)








A Nitas, a priomeira à direira, com 4 dos seus 5 irmãos, no
Hotel Ipanema Park, em 15/1/2017,
no dia do seu 70º aniversário. Foto de LG
(iii)  Ana Carneiro Soares ("Nitas), cunhada, técnica superior de laboratório do ISEP, reformada (palavras lidas no   Hotel Golfo Mar, 29/1/2017, pela própria)


Querido cunhado e amigo Luís

Só gratidão é pouco… muito pouco!


Aproveitamos este lindo dia, para toda a família lá do Norte te dizer: Obrigada!!!

Obrigada,
por teres sempre posto tanta cuidada sabedoria (porque todos reconhecemos que a tens), imaginação e amor na nossa amizade, por compartilhares tantas coisas boas e marcar tantas lembranças ao longo destes 42 anos, em que já fazes parte desta família que é linda… Ferreira e Carneiro.


Obrigada,
pela tua sempre excelente companhia, com ótimas lições de História, nas muitas e muitas viagens que fizemos juntos, com os nossos filhos… (enquanto eles eram pequenos e viajavam connosco)!


Obrigada, por seres um ser humano maravilhoso, honesto connosco, gentil, e estar sempre presente e disponível, quando precisamos do teu trabalho de fotografia, exemplar… de tudo quanto mexe no nosso cantinho comum, que é a “A Nossa Quinta de Candoz”.

Obrigada, pelo trabalho no blog “A Nossa Quinta de Candoz”que diriges, mas que também é nosso, por todos os versos, frases e cantilenas que, graciosamente redigiste ao longo destes anos, em diferentes situações, para toda a nossa família, (mas eu neste aspeto sinto-me a mais sortuda… a mais privilegiada é verdade…) porque só para mim fizeste muitos, muitos versinhos!

Obrigada, por seres um cunhado, que representa tanto para todos nós, de tantas, diferentes e significativas formas, por seres esse cunhado e amigo tão especial!

Por tudo isto que ficou dito, e muito mais que tu merecias, neste dia do Aniversário dos teus 70 anos de vida, nós, mesmo sem ser convidados, quisemos surpreender-te com a nossa presença, para te dar um abraço, bem apertado, de toda a Família Ferreira e Carneiro, e partilhar com todos o cântico “PARABÉNS A VOCÊ”

A cunhada que muito te admira e estima,

Anita (Hotel Golfo Mar. Vimeiro, 2017-01-29)


O Gusto (à direita) com o nosso Zé Manel Lopes »("Josema"),
na Quinta da Senhora da Graça, em 28/8/2008. Foto de LG
(iv) Augusto Pinto Soares ("Gusto") [, dedi-catória, escrita no livro "Silêncio", do escritor japonês Shusaku Endo (Lisboa, Dom Quixote, 3ª edição, 2017)]:








(v)  Cinco saborosas e fraternas quadras populares do Zé Teixeira, que o homenageado aceita, com vénia e tudo, na condição de serem também e  sobretudo uma homenagem à Tabanca Grande, obra coletiva, orgulho de todos nós:


Luís Graça, grande amigo,
Companheiro e camarada,
Eu quero estar contigo
Em mais uma caminhada.

O tempo passa a correr,
E isto não é miragem,
Tu acabas de meter
Mais' ma roda na engrenagem.

Neste dia especial,
Penso em ti com muito afeto,
L'vanta-me bem esse astral,
Meu amigo predileto.

Um abraço muito estreito
Te envia este “morcão”,
Sai de dentro de um peito,
Escoltado por uma oração.

Que a saúde não te escasseie
Desejo-te, irmão, com carinho,
E, por ti, eu beberei
Um saboroso copo de vinho.


Zé Teixeira

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 15 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16955: Manuscrito(s) (Luís Graça) (110): Relembrando os nomes de dois portugueses para quem tenho uma palavra de apreço cívico e de gratidão, Mário Soares (1924-2017) e Catanho de Menezes (1926-1985)... bem como as eleições legislativas de 26/10/1969 e o meu voto em branco, em Bambadinca...

(ª*)  Vd. 29 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16999: Parabéns a você (1202): Luís Graça, ex-Fur Mil Armas Pesadas de Infantaria da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71)

terça-feira, 24 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10188: Cartas do meu avô (14): Décima primeira (Parte II): De regresso a Lisboa, para o contencioso, nos serviços centrais da CGD... (J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66)

A. Continuação da publicação da série Cartas do meu avô, da autoria de J.L. Mendes Gomes, membro do nosso blogue, jurista, reformado da Caixa Geral de Depósitos, ex-Alf Mil da CART 728, que esteve na região de Tombali (Cachil e Catió) e em Bissau, nos anos de 1964/66. [, Foto à direita, com os netos]. As cartas, num total de 13, foram escritas em Berlim, onde vivem os netos, entre 5 de março e 5 de abril de 2012. (*)

B. DÉCIMA PRIMEIRA CARTA >  De Novo Para Lisboa (Parte II)


II – O Contencioso

As perspectivas eram óptimas. O director quando lhe revelei, por telefone, a desistência do CEJ [Centro de Estudos Judiciários] (*() e o meu desejo de ir trabalhar no contencioso central deu logo o seu assentimento. Porque estava mesmo a precisar. E porque esperava muito de mim.

Por mim, também me era apetecível. Voltaria de novo para Lisboa, umas dezenas de anos depois da grande crise. Tudo tinha serenado. Lisboa é Lisboa. A minha mulher também o desejava há muito tempo. Da parte dela, era necessário que o director também lhe aceitasse o pedido de transferência. Eu teria que esperar todo o processo burocrático da substituição e preenchimento do meu lugar. Também deu para comprar um apartamento em Almada, com empréstimo da Caixa.

Só uns bons meses depois é que tudo se deu. Vim para o contencioso. E para a nova casa.. Trouxe o filho mais novo comigo e passei a levá-lo todos os dias para o colégio de São João de Brito, dos jesuítas. Minha mulher ficou à espera da autorização, em Aveiro, acompanhada da filha mais nova. Finalista de Engenharia Química. Se tudo corresse bem, seriam mais uns seis anos de trabalho. Com o suplemento militar, podia pedir a reforma antecipada, aos cinquenta e sete.

No dia marcado, apresentei-me no contencioso. A secretária anunciou-me. Trouxe o recado de que me receberia à hora X… Entretanto fui conversar com os colegas conhecidos. Até que fui chamado para ir ter com o Sr. Director. A secretária entreabriu a porta. Vi-o sentado no topo duma mesa muito comprida.
- Ah, é o Sr. Dr. Mendes Gomes? Seja benvindo. - Disse enquanto vinha ao meu encontro - Sente-se aqui nesta cadeira, se faz favor. Então? Finalmente!...

Sorrimos.
- É verdade. O tempo de tudo acaba por chegar …- respondi.
- Mas custou, desta vez. As coisas não são tão simples. Por minha vontade o Dr. Mendes Gomes vinha logo. E a filial? E arranjar outro?
- Pois é verdade.

Daí para a frente, contei tudo sobre o CEJ e sobre o que esperava. Foi uma conversa longa e muito interessada. Até que chegou a hora de ele ir ter com a Administração. – manifestou-mo.
Saímos os dois e continuamos a conversa pelos corredores.





Lisboa > Edifício-sede da Caixa Geral de Depósitos > 28 de abril de 2012 > Um dos corredores exteriores, laterais, do lado da Culturgest.  Inaugurado em 1993. Autoria do arquiteto Arsénio Cordeiro, autor também do edifício da Torre do Tombo. Duas obras que têm fãs e críticos...

Fotos: © Luís Graça (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


O megalómano edifício novo da Caixa era-me totalmente desconhecido. Não sabia onde ficava nada. Muito menos a Administração. Fui-o acompanhando enquanto, dele, não recebi instruções em contrário. Até que flectimos à direita. Reparei que o ambiente envolvente ficara mais sofisticado. Tudo bem. Pelo menos para mim. Para ele, não.
- Onde é que o Senhor vem?... - desfechou com ar muito altivo e distante.

... Fiquei parvo. Pensei que estivesse a brincar.
– Que é que deu ao fulano? Passou-se…- pensei cá para comigo. -Não deve ser comigo.
- Não sabe que para aqui é a Administração?...

Fiquei mais espantado que um burro…
- Eu sei lá onde é a Administração. É a primeira vez que aqui venho…

Não sei como nos despedimos. Só sei que tinha acabado de apanhar com um balde de água gelada pela cabeça abaixo. Nunca imaginei me viesse acontecer. Muito menos vinda de que sempre me falara com toda a cerimónia. Ele era mais novo do que eu, em todos os parâmetros. Em idade, como advogado, como servidor da Caixa. Soube depois que tinha sido convidado pela Administração para a Caixa e que era membro activo da, para mim, tenebrosa Opus Dei. Dava catequese…Estava tudo explicado.

A partir daqueles instantes, o meu futuro ali estaria definitivamente comprometido. Não consigo admitir tamanho, desabrido e disparatado desaforo. Cerrei-lhe os dentes.
- Vou procurar dar o meu melhor, mas, aquele dr. H..., amistoso, próximo e natural, que pensava conhecer, acabou de falecer… morreu.

Todas as reservas seriam poucas O futuro haveria de confirmar tim-tim-por-tim, o que supus naquele instante.

O contencioso era servido por exército de advogados, altamente especializados naquelas coisas de acções e execuções, a maior parte oriundos do quadro geral como eu. Cada um deles tinha uns três ou quatro funcionários de carteira, a trabalhar nos processos que lhe estavam adstritos. Todos eles respeitavam a créditos em contencioso. De empresas e particulares. As secretárias ficavam tapadas de montes de processos logo pela manhã. Para serem tratados ontem…

Um turbilhão de requerimentos, petições e contestações, sobre a hora, pareceres para tudo a submeter ao subdirector, tudo dentro duma absurda imposta submissão e controlo hierárquicos, desrespeitosa da mais lídima e consagrada autonomia técnica que a nossa condição de advogado exige e impõe…

As reuniões com o director aconteciam com uma intensidade inaudita. Só ele nelas pontificava e se fazia ouvir. Gostava libidinosamente de se ouvir falar…Ai de quem ousasse expor o que pensava…vinha logo muito bem camuflado o peso da hierarquia…
- Que logro!...Isto é para se ir levando da melhor forma possível e aguentar até à reforma.- pensei eu

Tanta vez me lembrei de como fora tratado no meu reino de Aveiro…Minhas orelhas sangrariam de torcidas… Atingido o tempo suficiente para a pré-reforma, seria a libertação. Mal sabia o calvário que aí vinha para lá chegar. Estiveram-se nas tintas para a compensação do serviço militar…Tive de trabalhar mais um ano e meio do que devia. Porque não me fora concedida autorização. O serviço não permitia…
Só que eu sabia que, antes, todos os que quiseram usar essa faculdade o conseguiram, na hora…e ainda receberam a indemnização legal correspondente à categoria. Uns bons milhares de contos.

Tão estranha e injusta atitude aconteceu só comigo. E, para cúmulo, quando finalmente, foi concedida, porque coincidiu com o ingresso dum subido gestor encartado, um especialista arrasa-montanhas, que arribava nas altas esferas das administrações financeiras, o célebre Almerindo Marques, para administrador, este determinou, abruptamente, o corte geral das indemnizações por antecipação de reforma… saí sem nada…(seriam só uns três mil e quinhentos contos, Na cotação dos anos 1999…) .

Por isso, foi um cáustico tempo de expiação o que, por crasso erro meu, fui passar ao contencioso central. Mas, não há mal que sempre dure… a seguir vinha aí a bonança da aposentação.

(Continuação)

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Nota do editor:

(*) Vd. último poste da s+erie > 17 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10162: Cartas do meu avô (13): Décima primeira (Parte I): A toga de juiz que não cheguei a envergar... (J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66)