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sexta-feira, 8 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25251: Blogpoesia (798): No Dia Internacional da Mulher - "A Mulher que amanha o peixe", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)



A MULHER QUE AMANHA O PEIXE

Sempre que a vejo
no supermercado onde vou
reconheço que não é por acaso.
Muito bonita a mulher que amanha o peixe
(não sei se amanha se amanhece).
Rosto combatido
dorido
olhar sofrido e manso
não sei o que faz desta mulher um poema
se os olhos negros e fundos
se o desenho rasgado da face
se um gesto brusco da natureza
revoltada de cansaço.
Um vale profundo entre o cá e o lá
banca de peixe
mar imenso
mar morto
do outro lado um peixe vivo no céu
tocando o mar
estripando com mãos invisíveis
entre lágrimas e sangues
as entranhas da vida
nas elegâncias difíceis dos plásticos
cobertos de escamas.
Passos molhados
encharcados
pesados
cheirando a algas
ondas de tempestade
no lindo rosto marcadas
pela ânsia de voar.
Com tantos apetrechos de borracha
botas altas
luvas e avental
não sou capaz de adivinhar
o corpo que tem por baixo
nem quero que aconteça o tal.
A mulher é segredo
a mulher é sonho
sonho de si mesma
no olhar dos outros
sonho de ventre liso
crescente de imensidão
fonte de pão e de leite
eternidade e sorriso
dança de movimento
para além das formas
e da imaginação.
Trepadeira de vida e de morte
olhos que se abrem no céu
e repousam no mar
mãos de todas as direções
ainda que vestidas de plástico
amanhando o peixe.
Não sei se é casada ou mãe
se é tudo ou nada
no reduto escasso do dia-a-dia
nem me interessa.
Bastam-me os olhos infinitos
a boca seca de beijos
a dor-desenho dos lábios
a doçura-criança que não cresceu
por falta de uso
tempo e espaço.
O corpo desta mulher está na face
oculta e sedenta
na ânsia fervente do impulso
na mais íntima agitação do mundo
e da dimensão
que pode caber numa banca de peixe.
Difícil acertar ideias e olhares
quando só olhares fazem ideias...
Enfeita-se a beleza desta forma estranha
criando beleza no amanhar do peixe.
Cruel seria descobri-la a dançar
pesadamente etérea e volátil
nos salões de púrpura da mulher vulgar
entre rendas e espumas
que não são espuma do mar.
Como sempre, tenho de dizer até amanhã
sou forçado a serenar as ondas
a desnavegar meu barco.
Muito obrigado.
Não tem de quê.
Você é das mulheres mais lindas que já vi.
Muito amável, um exagero...
Faça o senhor o resto das compras
e depois passe por cá.
Buscar o peixe... ou voltar a vê-la?
Sei lá!


adão cruz

____________

Nota do editor

Último post da série de 11 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25158: Blogpoesia (797): "Mãos de hoje que foram de sempre", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

Guiné 61/74 - P25250: 20.º aniversário do nosso blogue: Alguns dos nossos melhores postes de sempre (2): Rosa Serra, história de vida de uma enfermeira paraquedista

Guiné > Região do Oio > Jumbembem > CART 730 (1964/66) e CCAÇ 1565 (1966/68) > Domingo, 10 de julho de 1966 > Um dia trágico: pormenor da evacuação do cap mil inf Rui Romero, na foto a ser transferido para a maca do helicóptero Alouette II... A enfermeira paraquedista era a alf Maria Rosa Exposto.

Foto (e legenda): © Artur Conceição (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro de que a Rosa Serra foi coautora e coordenadora,
"Nós, enfermeiras paraquedistas" (Porto, Fronteira do Caos, 2014, 
439 pp., Prefácio de Adriano Moreira)... Tinha, entretanto, em 2022
um livro,  de teor autobiográfica, à espera de ser  editado... 
Em princípio o livro deveria ter por título a divisa do BCP 21, 
"Que Nunca Por Vencidos Se conheçam"... Algums das melhores 
memórias da Rosa, como enfermeira paraquedista, 
estão intimamemte ligadas à hstória desta unidade.
 

Mão amiga, a do Jaime Bonifácio Marques da Silva (ex-alf mil paraquedista, BCP 21, Angola, 1970/72, e membro da nossa Tabanca Grande) fez-nos chegar, por volta de dezembro de 2022,  uns excertos (cerca de  duas de folhas) do manuscrito do livro de memórias que a Rosa Serra estava a acabar de escrever,  com autorização da parte dela para, depois de serem revistos por nós,  os publicarmos no nosso blogue.

O Jaime e a Rosa ficaram amigos, estiveram juntos no BCP 21, em Angola: o livro da Rosa tem conhecido, entretanto, algumas peripécias, tendo estado inclusive agendado para ser "lançado... de paraquedas"... Infelizmente,  e até por razões de saúde, ela ainda não arranjou um sítio seguro e confortável para  "saltar"...com este "seu filho"...

Minhota de Vila Nova de Famalicão,  vive aqui no Sul, em Paço de Arcos, Oeiras... Membro da nossa Tabanca Grande desde 25/5/2010, foi alf graduada enfermeira paraquedista, tendo passado pelos três TO: Guiné 1969-70, Angola 1970-71 e Moçambique 1973.

No Dia Internacional da Mulher e nos 20 anos do nosso blogue, que já estamos a celebrar (*), aqui vai a republicaçáo, num só, de très postes que publicámos  em finais de 2022 (Postes P23858, P23862,  e P3874). Voltámos a falar com ela ao telefone e obtivemos, de novo,  a sua plena autorização para juntar num só poste estes três excertos. 

Não é preciso lembrar que as enfermeiras paraquedistas são as únicas mulheres a quem, "de jure" e "de facto", podemos chamar camaradas. no sentido puro e duro da etimologia da palavra...


Rosa Serra, ex-alf enf paraquedista
(Guiné, 1969/70; Angola, 1970/71;
Moçambique, 1973)


História de vida: sinto-me muito realizada e feliz por ter sido uma simples enfermeira e, durante a guerra, enfermeira paraquedista (Rosa Serra)


(i) A minha mãe achava que eu tinha jeito para ser enfermeira


Muito recentemente, ao sair do Serviço de Urgência para o internamento do Hospital de Cascais, uma enfermeira jovem fez-me as seguintes perguntas: (i) quando resolveu ser enfermeira?;  (ii) nunca se arrependeu por ter escolhido enfermagem?;  (iii) onde trabalhou? (iv) quantos anos exerceu essa profissão?;  e (v) teve alguma desilusão ou desilusões?

Após a minha narrativa dos vários locais onde exerci a minha profissão, logicamente também referi que fui enfermeira paraquedista. A jovem, de olhos abertos de espanto, informou-me:

– O meu marido é militar paraquedista.

Sorri…

– Só conheço paraquedistas velhotes como eu – respondi.

Continuei com as minhas explicações.

– Quando fui para a Escola de enfermagem, e até muito depois disso, ouvi muitas colegas dizerem que foram para a enfermagem por vocação. Várias dessas enfermeiras faziam questão de acrescentar que queriam muito ajudar e cuidar as criancinhas, os velhinhos, os doentinhos e até os pobrezinhos. Ouvi de tudo... ao ponto de me interrogar se eu algum dia seria boa enfermeira.

Diz-me ela:

– Hoje ninguém vem para enfermagem por vocação.

E continuou:

– Nós vamos para a enfermagem porque não entramos em medicina, farmácia ou outro qualquer curso mais de nosso agrado.

Eu respondi:

– Eu também não fui. No meu caso foi por conveniência familiar. Eu fui porque um dia um dia a minha mãe, que eu já tinha reparado andar muito pensativa, disse-me que o dinheiro era pouco para pagar o meu Externato, que era particular, porque não havia liceu na minha Vila. E assim sendo, talvez fosse melhor eu interromper e ir para um curso para que me permitisse, ao fim de 3 anos ter uma profissão, um ordenado e logicamente ser independente monetariamente. Respondi, à minha mãe, que gostava de ir para a Universidade.

– Que curso gostavas de fazer? – perguntou ela.

– Não sei…

Pegou-me nas mãos e continuou:

– Sabes que eu acho que tinhas jeito para seres enfermeira ... Penso que era bom para ti...

E acrescentou:

– Verás que vais gostar.

Ficou logo ali, definido o meu destino.

Apesar das minhas dificuldades, sobretudo económicas, lá fui aprender a ser enfermeira sem saber muito bem o que me esperava.

Fui para o Porto estudar. Na minha primeira escola, adquiri obrigatoriamente um livro; Técnica de Enfermagem, que era da Escola da Imaculada Conceição (Casa de Saúde da Boavista no Porto) que alguém informou a minha mãe ser uma boa escola, e foi aí que fiz o primeiro ano.

Os dois anos seguintes foram feitos numa outra escola que, passado pouco tempo descobri, que ficava mais económica.

Uma coisa que pesou muito era haver nesta segunda escola, um lar onde residiam as alunas que não eram da cidade do Porto, isso não acontecia com a Escola da Boavista, ficando assim bem mais barato.

Dessa primeira escola, não esqueci os desenhos logo na primeira folha do livro de Técnica de Enfermagem. O primeiro era uma cabeça feminina, com uma touca de enfermeira da época, sobre cabelos curtos e várias setas apontando para os mais diversos pontos da mesma, onde estavam enumeradas as qualidades indispensáveis de uma boa enfermeira: inteligência, memória, conhecimento, espírito de observação autodomínio, reserva.

Um pouco abaixo, mais dois desenhos. Um deles era um coração (forma humana), com três setinhas apontando para as palavras: compreensão, sensibilidade, bondade.

Do outro lado mais um desenho, duas mãos segurando uma seringa com mais três setas indicando: segurança, desembaraço, leveza.

Estas eram as qualidades indispensáveis a uma boa enfermeira no Ano de 1963. Dessa mesma Escola de Enfermagem.

Com a continuação do tempo, fui interiorizando estes conceitos e aceitei-os como compromisso. Mesmo quando me deparava com determinada tarefa que me custasse fazer, sempre pensava nas setinhas do coração e nunca deixei de as executar e muito menos pedir a alguém que a fizesse por mim, por mais que me custasse ou até mesmo me enfastiasse...

A minha vocação se calhar só a minha mãe a viu...! O certo é que sempre vivi a minha profissão com gosto, com proximidade daqueles que em determinado momento precisavam de uma enfermeira que se entregasse em plenitude.

A enfermagem, para mim, passou a ser vivida com grande rigor ético e com permanente desafio na aquisição de saberes, para melhor cuidar.

Hoje mais que adulta, penso: é impressionante como sempre me apercebi da mutabilidade dos conceitos, da sua significação ao longo dos tempos, da importância do progresso e da evolução da enfermagem.

É um gosto ver o enriquecimento que, ano após ano, se verifica na formação dos enfermeiros, na perceção da necessidade da existência das especialidades em enfermagem, do avanço científico da mesma. Orgulha-me ver o patamar que atingiu a enfermagem de hoje, e a respeitabilidade que os países estrangeiros manifestam ter pelos Enfermeiros Portugueses.

Em relação a mim, sempre fui movida pelo desejo de um saber abrangente na arte do cuidar em enfermagem.

Assim para fazer frente aos mais variados desempenhos que tive durante quarenta anos, e fazê-los de forma responsável e eficaz, apostei na formação contínua durante toda a minha vida profissional.

Ainda pensei fazer uma especialidade, um pequeno grupo de enfermeiras paraquedistas a fizeram, quando estas começaram a surgir. Mas logo percebi que não encaixava na minha personalidade ter sempre o mesmo tipo desempenho e conclui que só serviria para obter mais um título.

Sempre tive uma grande vontade de um saber alargado, para dar resposta às variadas necessidades do ser humano, num período desafinado do seu estado físico ou mental.

Essa simbiose entre um crescendo desejo de experiências e o dinamismo aportado pela minha juventude, foi o motor causador para uma formação variada e contínua.

Nesta caminhada transformadora, tive um desempenho multifacetado e a formação contribuiu muito para um crescimento profissional que, embora despretensioso, foi significativo, permitindo-me para além de aquisição de vários saberes, entender melhor a alma humana e sempre me senti feliz por isso.

Não fui para nenhuma Faculdade na minha juventude, mas completei, bem mais tarde, todo o Liceu (designado hoje como Ensino Secundário).

Quando do Acordo de Bolonha, a enfermagem passou a Curso Superior, já tinha passado quarenta anos e depois de ter iniciado o antigo Curso Geral de Enfermagem, eu regressei à escola para fazer mais um ano, o que fiz na Escola Superior de Enfermagem Francisco Gentil (anexa ao IPO e hoje integreda na ESEL - Escola Superior de Enfermagem de Lisboa) sendo me conferido o grau de licenciada em enfermagem. Sou agora Licenciada em Enfermagem desde 2003, quando ainda eu estava a exercer funções.

Por graça costumo dizer que iniciei o meu Curso de Enfermagem e só o terminei quarenta anos depois.

Também confesso que a obtenção de várias competências, e tão variados desempenhos que tive no contato direto com doentes, proporcionou-me um sentimento de realização muito intenso, e ainda hoje me sinto orgulhosa pelo percurso que tive e, muito, muito feliz, por ter sido uma simples Enfermeira Generalista (sem especialidade). (...)



Rosa Serra, hoje (2020)


(ii) A guerra e a sua violência... mas também havia situações  "engraçadas" (como, por exemplo, quando "eles", em Tancos, tentavam esconder a revista "Playboy" quando eu chegava ao bar de oficiais...) 


No Hospital de Cascais onde há tempos estive  internada,  ficaram admiradas, as jovens  enfermeiras, quando, ao responder a uma pergunta delas,  comecei a desfiar os vários locais e as experiências de trabalho que tive durante quarenta anos.

Há um que deixou todas ainda com mais espanto. Foi o período em que estive na Força Aérea, como enfermeira paraquedista.

Naturalmente que não escondi que foi uma experiência profissional interessante, mas acrescento sempre que essa realidade foi muito específica e muito diferente da prestação de cuidados em outros contextos, mas talvez não superior aos desempenhos como enfermeira, antes e depois, dos anos que estive ao serviço da Força Aérea.

A Arte do Cuidar é muito variável e sempre adaptada ao contexto onde se exerce. A nossa ação, como enfermeiras paraquedistas, foi num palco de guerra, que desencadeava estados de stresse elevado, sendo necessário geri-lo com mestria, para que a nossa intervenção fosse útil e eficaz. Tínhamos de ter atenção ao nosso estado emocional, pois ele refletia-se naqueles que eram socorridos por nós.

Foi uma mais valia fazermos o curso de paraquedismo, que não nos ensinou a ser enfermeiras, pois já o eramos antes de entrar no RCP - Regimento de Caçadores Paraquedistas, mas foi durante o curso de paraquedismo que aprendemos a controlar os nossos medos e emoções, para que aterrássemos em segurança. Esse treino repercutiu-se na nossa ação, que passou a ser mais calma e mais eficaz.

Os nossos combatentes tinham uma confiança ilimitada nas enfermeiras paraquedistas, foram eles que nos apelidaram de “Anjos“ que desciam do céu para os socorrer. Acredito que a maioria de nós, se não todas, se via como seres espirituais, mas foi uma expressão carinhosa, utilizada pelos nossos combatentes.

Com os pilotos, quando alguma coisa os preocupava, nós, mesmo não entendendo nada de aviões, tentávamos acalmá-los.

Recordo de uma vez na Guiné. O sr. capitão, piloto aviador Cartaxo, ao atravessar o Rio Geba, o maior rio da Guiné, que ficava em frente à cidade de Bissau, par irmos buscar um paraquedista à outra margem desse rio, deparou-se com um inesperado nevoeiro que, sem qualquer “aviso”, fechou o nosso caminho, impedindo que o rumo que estava traçado inicialmente, teria de ser alterado ou adiada a missão. Já estávamos a sobrevoar Tite quando esta alteração climática aconteceu.

De início, o piloto tentou ultrapassar as nuvens, e eu também fiquei atenta ao comportamento das mesmas e andamos ali um bom bocado a sobrevoar Tite, na expetativa de não ser necessário regressamos a Bissau, sem a nossa missão cumprida que era trazer o nosso ferido.

– Olha ali, as nuvens estão a abrir e a nosso favor – disse eu, mas o Capitão mexia na manche,  alheio à minha informação.

Eu sem perceber por que razão o seu foco era apenas os instrumentos da aeronave. Só no fim de uns bons minutos, acedeu ao meu pedido e acabámos por aterrar no aldeamento donde vinha o pedido.

A pista que nos recebeu era de terra batida, cujas pedrinhas batiam na fuselagem da frágil avioneta, uma DO-27. O ferido que íamos buscar era um paraquedista da companhia do, na altura,  capitão paraquedista Terras Marques [CCP 121 / BCP 12],   que na noite anterior pernoitara nesse quartel do Exército, vindo de uma operação.

Quando aterrámos, chegou até nós o militar ferido,  que já apresentava alguma dificuldade respiratória, porque ao cair da tarde foi tomar banho a um pequeno rio, mergulhando numa parte baixa e lesionou a coluna cervical, razão suficiente para eu pedir ao capitão que pedisse à BA 12, em Bissalanca, para ter um helicóptero disponível na pista à nossa chegada.

O hospital militar [ o HM 241, em Bissau, ficava relativamente perto da BA 12, mas não seria indicado ser transportado por terra, percorrendo uma estrada de piso degradado até lá.

O sr. capitão piloto aviador acedeu ao meu pedido e, quando aterrámos na BA 12, lá estava o Alouette III à espera. Fez-se transferência do ferido para o helicóptero e, antes de ele descolar, coloquei dois frascos de soro em cada lado do seu pescoço, para o manter minimamente estável e já não o acompanhei até ao hospital. O trajeto era demasiado curto, não justificava minha presença durante a viajem.

Depois do helicópetero levantar voo rumo ao Hospital Militar de Bissau, virei-me para o aviãozinho, para perguntar ao capitão se queria acompanhar-me ao bar dos pilotos para tomarmos o pequeno almoço, e qual não é o meu espanto quando vi num buraco na asa do avião, e em cima dela estava um cabo mecânico da Força Aérea que, com ar animado, informa:

– Meu capitão, já a encontrei.

Foi quando vi o furo no DO-27 e ingenuamente disse ao capitão:

– Eu,  quando ouvia as pedras a bater na barriga do avião,  pensei que estas iriam criar moça ao nosso aviãozinho. 

Ele não reagiu à minha observação. Só no bar dos pilotos, não ele, mas quem ouviu a sua narrativa, ria descaradamente na minha cara. Até eu ri pela minha ignorância e estupidez.

Por vezes parecia que vivíamos num mundo de “anedotas”, estou a lembrar-me de outra reação que os pilotos tinham quando chegava um avião da TAP, com passageiros idos de Lisboa.

Após o almoço no Bar dos Pilotos, onde geralmente eu tomava café, de repente alguém me segura por um braço e diz:

– Vamos já para a pista.

E um deles arrasta-me me para dentro de um jipe que já estava à espera dos meninos pilotos, nesse dia acompanhados por uma enfermeira paraquedista. Explicaram-me:

– Vamos ver as miúdas que vêm de Lisboa.

Quando chegamos muito perto da pista, e na distância permitida, estacionaram o jipe e lá ficamos a olhar o belo avião TAP, de portas abertas com um assistente de bordo à espera da colocação das escadas, por onde desceriam os passageiros que chegavam de Lisboa.

Colocada a escada, os passageiros aparecem começando a descer os passageiros e iniciou-se o alvoroço:

– Olha a loiraça que aí vem, é o máximo – diz outro.

E eu pensava:

– Estão todos apanhados pelo clima, o que é que eu tenho a ver com isto?!

Até que de repente se instala a desilusão total e começaram a lamentações, dizendo:

– Ó, pá, é a Rosa Exposto (uma enfermeira paraquedista)

Eu arregalei os olhos, pensando como é enfermeira paraquedista já não interessa!... Mas, ri com gosto, pela desilusão dos nossos amigos pilotos.

"Essa enfermeira é gira mas é... uma enfermeira paraquedista", acredito que a frase, dita à minha frente, os incomodou por considerar o comentário pouco respeitoso.

Foi bom confirmar que, para além dos paraquedistas, também os pilotos tinham alguma preocupação em terem atitudes delicadas, pelo menos na nossa presença. (...)


(iii) Relembrando o enorme prazer de saltar de paraquedas (e os meus instrutores, srgt Nogueira e cap Cordeiro)  ... O último salto que fiz,  foi em dezembro de 1973,  quatro meses antes de passar à disponibilidade

E continuei seguindo a ordem das perguntas, agora sobre as desilusões  que expliquei não ser no plano pessoal, mas que foi nesta passagem pela Força Aérea, que despertei para os interesses de algumas pessoas, uma delas que serviu mal a Força Aérea, mas aproveitou-se bem dela, com incapacidades falsas, dadas por médicos sem escrúpulos, e que todos nós pagámos com os nossos impostos, para essa pessoa estar isenta de IRS com uma alta incapacidade há mais de quarenta anos.

É a única mulher “combatente” na lista dos deficientes das Forças Armadas, dos antigos combatentes da guerra do Ultramar Português. Desculpem a expressão, é uma “ovelha tresmalhada”, para nossa tristeza e desilusão, que não pode servir de exemplo para ninguém.

É triste ver uma nossa enfermeira, sempre saudável, que ignora os princípios éticos, inerentes à sua profissão, a Enfermagem.

Foi ainda como enfermeira paraquedista que despertei para muitos outros interesses que me escandalizaram:  caso dos Açores.

Sempre achei estranho situar-se na Ilha Terceira, um minúsculo hospital, rotulado como Hospital da Força Aérea, existindo apenas nessa ilha uma única Unidade Militar (BA 4) que, se algo acontecesse aos jovens militares, poderiam recorrer ao hospital civil, de Angra do Heroísmo, enquanto que no Continente existiam várias Bases Aéreas espalhadas pelo País, e sem qualquer hospital desse Ramo.

Os militares da Força Aérea só poderiam ser tratados ou socorridos no Hospital Militar da Estrela.

Nesta ilha açoriana existia um médico, salvo erro graduado em tenente coronel, que,  ao saber da existência de enfermeiras paraquedistas e sendo amigo do Diretor do Serviço de Saúde da Força Aérea em Lisboa, pediu a este se poderia enviar duas delas aos Açores, pois gostaria de as conhecer.

O Senhor Diretor assim fez, enviou duas enfermeiras que, ao chegarem lá, arregaçaram as mangas e com o seu profissionalismo, deram uma volta tal à orgânica, dos fracos serviços de enfermagem lá prestados, que o sr. Diretor gostou tanto que avançou logo com novos pedidos, ao seu amigo de Lisboa. Como os argumentos que iria usar, acreditava ele, que o Diretor de Lisboa não iria recusar.

A primeira proposta foi para que as enfermeiras paraquedistas, após o curso de paraquedismo e como forma de adaptação aos Serviços de Saúde Militar, passassem a fazer um estágio no Hospital da Terra Chã e só depois seguiriam para o Ultramar.

(Note-se: nessa altura havia uma enfermeira que quando se candidatou a paraquedista, desempenhava as suas funções no Serviço de Urgência do Hospital Central da Cidade onde trabalhava e, pasmem-se, também essa foi fazer estágio aos Açores no pequeno hospital da Ilha Terceira. Enquanto que o primeiro curso de Enfermeiras Paraquedistas, após concluído o curso de paraquedismo, foi fazer um estágio no Serviço de Urgência do Hospital de S. José. Espantados…? Eu também.)

Voltando ao nosso Diretor da Terra Chã:  pouco tempo depois, deparou-se com um obstáculo, houve anos em que nenhuma enfermeira se candidatou a Enfermeiras Paraquedista.

Esperto como era, o Senhor Diretor dos Açores apresentou nova ideia ao seu amigo de Lisboa:  

–  Senhor Diretor do Serviço de Saúde da Força Aérea Portuguesa  argumentou ele –, coitadas das nossas enfermeiras, com um trabalho tão desgastante no Ultramar, bem merecem descansar nesta pequena, pacata e linda Ilha Açoriana durante uns tempos.

E para lá foram descansar algumas. Mas,  como em tudo, há sempre alguém que não está na Força Aérea para fazer favores a este tipo de pessoas, até que chegou o dia em que o sr. Diretor de Lisboa informou essa enfermeira que teria de ir para os Açores.

Essa senhora enfermeira foi, mas apenas para arranjar argumentos suficientes para nunca mais lá pôr os pés. Passado pouco tempo da sua estadia na bela Ilha Açoriana, a mesma enfermeira foi à BA 4,  pediu uma viagem para Lisboa e apresentou-se na Direção do Serviço de Saúde da Força Aérea em Lisboa, colocando os seus motivos para não voltar aos Açores.

Perante os argumentos apresentados,  o sr. Diretor do Serviço de Saúde da Força Aérea de Lisboa ligou logo para a  ilha, informando o seu amigo e lamentando que a dita enfermeira tinha argumentos demasiado fortes para não ir para os Açores. E acrescentava que, de facto, as enfermeiras paraquedistas, não tinham sido  criadas para essas funções.

O diretor Açoriano, com a sua prepotência, barafustou até se cansar e rematou que não era a sra. enfermeira que se recusava, era ele que não a queria lá, pelo seu mau feitio.


A então ten enf pqdt Ivone Reis, em Cacine,
12/12/1968. Nasceu em 1929, faleceu em 2022.
Foto: António J. Pereira da Costa (2013)



Como curiosidade, que eu saiba, do primeiro curso de enfermeiras paraquedistas foi esta a única enfermeira paraquedista que,  no ano seguinte após concluído o curso de enfermeiras paraquedistas, lhe foi atribuído o grau de Cavaleiro da Ordem de Benemerência,  dada pelo sr. Presidente da República Américo Tomás, visto e registado a fl. 109 L.2 Decreto de 28 de fevereiro 1962, publicado no Diário do Governo nº 73, 2ª série de 27/3/1962, Expedido pelo Chancelaria das Ordens Portuguesas aos 3 de abril, de 1962, nº 1588. Por tanto cerca 6 meses depois, do primeiro curso de Enfermeiras Paraquedistas terminar a meio de agosto de 1961.

Em cima  a foto do respetivo diploma cujo original foi oferecido para o museu do 
Regimento de Caçadores Paraquedistas (RCP), em Tancos, no dia 15 de outubro de 2022.

Entretanto o  RCP, em Tancos, que tinha uma elevada noção de guerra, sabia que os primeiros socorros em terra, mesmo antes do Helicóptero de Socorro chegar, são importantes e, como tropa organizada e inteligente que é, teria de ter sempre alguém capaz para analisar qualquer situação, como: proteção à clareira onde o Helicóptero pudesse aterrar em segurança, assim como alguém devidamente preparado, que prestasse os primeiros socorros aos seus camaradas feridos, até esta aeronave chegar e os levar para o hospital.

A Direção do Serviço de Saúde da Força Aérea apenas se preocupava com os ditos “enfermeiros” da Força Aérea, que nos Açores aprendiam a dar comprimidos, injeções e a desinfetar pequenas escoriações e com fracas noções de assepsia.

Os paraquedistas resolveram a sua questão, não deixando que a Direção de Saúde da Força Aérea de Lisboa resolvesse o seu problema. Assim, nomearam enfermeiras paraquedistas, em anos diferentes para,  no próprio Regimento,  darem um Curso Avançado de Primeiros Socorros aos seus camaradas paraquedistas, acompanhando-os no respetivo estágio feito no Hospital Militar Principal em Lisboa.  

E os socorristas Paraquedistas ficaram mais bem preparados, e de forma mais adequada e mais eficaz, para poderem cuidar dos seus camaradas quando feridos ou doentes, até o Helicóptero chegar e os levar para o hospital.

Deixaram assim os “enfermeiros” da Força Aérea, sossegados nas suas Bases Aéreas,  a fazerem precárias tarefa tal como lhes ensinaram.

Foram três enfermeiras paraquedistas que, em anos diferentes, foram nomeadas para darem formação adequada aos seus camaradas socorristas paraquedistas e os acompanharam no seu estágio no Hospital Militar da Estrela em Lisboa.

Quando chegou a minha vez, após dar à formação aos nossos socorristas paraquedistas, com respetivo acompanhamento do estágio feito no Hospital Militar da Estrela, aproveitei e formulei um pedido ao nosso comandante, sr. coronel Fausto Marques, autorização para fazer o curso de instrutores e monitores, tal como a enfermeira Manuel França o tinha feito 2 ou 3 anos antes. 

Fui autorizada e concluí-o com muito gosto. Fiz este curso apenas pelo prazer de saltar e considero ter sido mais um contributo para o meu próprio equilíbrio. Devo este prazer de saltar ao meu instrutor do curso de paraquedismo, na altura o senhor sargento pqdt Nogueira, meu querido instrutor, que me estimulou o prazer de saltar.

Sempre me disse que eu saltava muito bem da torre e por isso podia perfeitamente tirar partido desses momentos mágicos que os saltos nos proporcionam. Dizia-me ele; 

–   Primeiro logo que larga a porta,  mantem o corpo recolhido e conta 232, 233, 234, que é o tempo para a calote se soltar do arnês e abrir. Depois é necessário verificar se todos os cordões não estão enrolados, e saber de que lado vem o vento. Com os pequenos minutos que lhe restam,  aproveita para olhar mais longe, ver o horizonte, ver a terra de cima. Depois certifica-se de que lado vem o vento e,  se necessário,  fazer trações, para que este não a leve para zonas não aconselhadas, evitando assim acidente.

Sempre fiz isso, tudo como ele me ensinou. Apenas me surpreendeu o silêncio, que o “escutei“ com surpresa e foi maravilhoso. Razão por que anos mais tarde pedi ao nosso primeiro comandante Fausto Marques, para fazer o curso de instrutores e monitores só pelo prazer de saltar. Foi meu instrutor neste curso o sr. capitão pqdt João Costa Cordeiro que, quando acabei o curso me convidou para um jantar em Abrantes com ele e com a sua esposa.

Fiquei tristíssima quando,  poucos anos depois,  ele foi para a Guiné e morreu num salto de queda livre.

Fiz vários saltos, sendo o último feito na Beira,  em Moçambique. quando de passagem para Lisboa, vinda de Mueda no fim da minha comissão, aguardando no BCP 32 pelos feridos, que vinham de Lourenço Marques. 

O primeiro foi um salto automático e,  acabada de chegar a terra e logo de seguida,  vi a filha do engenheiro Jardim, a Carmo, junto a um Helicópetro da Força Aérea,  equipada para fazer um salto manual, eu que estava junto de um paraquedista perguntei-lhe se havia um paraquedas para eu fazer um salto manual. Como foi buscar de imediato um, eu informei o piloto, que estava já dentro da aeronave,  que também eu ia saltar. 

Assim foi,  entrámos as duas, e a Carmo nem “tugiu nem mugiu", simpática pensei eu, mas ignorei a presença da dita filha do engenheiro Jardim, entrámos. Ela ficou mais perto da porta quando já estávamos numa altura suficiente,  já não sei a quantos metros de altitude, ela saltou e, de seguida, saltei eu. Foram os dois últimos saltos que dei e a última comissão que fiz. Fins de dezembro de 1973.

É de notar que nunca viemos como passageiras, mesmo em fim da comissão, sempre viemos prestando cuidados e assistência aos feridos durante toda a viagem até Lisboa. (...)

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos / Links / Titulo e subtítulo / Parênteses retos com notas: LG]
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Nota do editor:

quinta-feira, 9 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24130: Prova de vida (7): A. Marques Lopes (ex-alf mil, CART 1690, Geba, e CCÇ 3, Barro, 1967/68), o hoje cor inf ref, DFA, que não esquece o duelo de morte com a professora de Samba Culo, em 7 de julho de 1967


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Geba > CART 1690 (1967/69) > O A. Marques Lopes em 1967, com duas beldades locais. Em 21 de Agosto de 1967, seria ferido com gravidade na estrada de Geba para Banjara na sequência da explosão de uma mina A/C e, uma semana depois, evacuado para o HMP, em Lisboa. Voltou ao CTIG , em Maio de 1968, para acabar a sua comissão,  tendo sido colocado então  CCAÇ 3, em Barro.

Foto (e legenda): © A. Marques Lopes (2005). Todo os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Com 265 referências no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, o A. Marques Lopes é um histórico da Tabanca Grande, foi um dos primeiros dez a entrar, em 14 de maio de 2005, já lá vão 18 anos... Foi, além disso, um dos nossos mais ativos colaboradores, como autor, nos primeiros anos do blogue. 

Fez ontem mais  um aninho, já fizemos um oferenda ao irã do poilão da nossa tabanca para que ele o proteja e o ajude conservar-se entre nós por mais uns aninhos, pelo menos até aos 100, que é uma idade bonita para a gente arrumar as botas e... o computador (!) e fazer as pazes com o mundo.(*)

Homem da escrita, publicou com grande sucesso um livro notável com as suas memórias da juventude. Satisfaz-nos saber que já chegou ao Brasil: "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial", foi publicado em 2015, sob a chancela da Chiado Editora (hoje Chiado Books), e sob o pseudónimo João Gaspar Carrasqueira. Tem 582 pp., que se devoram num ápice.

 Já lhe mandámos os parabéns e um abraço fraterno, com votos de melhoras: como muitos de nós, lá vai lidando com as suas mazelas (fez uma cirurgia ao estômago, de que está recuperar), mas garantiu-me, ao telefone, que tem ganas de chegar aos 100. Continua a trabalhar as suas memórias da Guiné, terra que o continua a fascinar. 
 
2. Ontem também foi dia de fazer "prova de vida" (**)...O mesmo é dizer, de  lembrar e de saudar o aniversariante, agora mais ausente do nosso blogye. Como ele faz sempre anos no Dia Internacional da Mulher, a 8 de março,  também não podíamos  deixar de evocar esta efeméride... 

Com discrição, mas não sem emoção, temos falado aqui sobre o papel da mulher, na Guiné e na nossa terra, no tempo da guerra do ultramar / guerra colonial. Honra-nos a presença, na Tabanca Grande, de alguns dessas mulheres, camaradas, muito poucas, e companheiras e amigas, algumas mais.

Muito em particular, não podemos deixar de evocar  o papel pioneiro das nossas camaradas enfermeiras paraquedistas, para quem temos sempre uma dívida  de enorme gratidão.  Na realidade, foram as as únicas camaradas de armas, no feminino, que tivemos. (Isto, sem esquecer as outras umlheres, "paisanas", que ficaram na nossa retaguarda e que nos apoiaram, de uma maneira ou de outra: mães, esposas, noivas, irmãs, amigas, namoradas, colegas, madrinhas de guerra e, por que não ?!, senhoras do Movimento Nacional Feminino).

Mas, no caso do inimigo de há meio século atrás, também não podemos deixar de lembrar aquelas que  foram não só enfermeiras, como também professoras e até combatentes nas suas fileiras.  Do lado do PAIGC, houve por certo mulheres que lutaram, mataram e morreram nesta guerra. Não sabemos quantas, não temos estatísticas,

A propósito corre-nos relembrar a história da professora de Samba Culo.   O nosso amigo e camarada A. Marques Lopes, alf mil da CART 1690 (Geba, 1967/68)  
estava no sítio errado, em Samba Culo, em 7 de julho de 1967, uma sexta-feira.  Tal como a jovem professora, da "barraca" de Samba Culo. que morreu nesse dia com uma rajada de G3.  

Foi um duelo de morte, coisa que era raro acontecer naquela guerra de guerrilha e contraguerrilha.  O A. Marques Lopes foi mais rápido a puxar pelo gatilho. Mas a  morte da professora marcou-o, para o resto da vida, como ele nos confessou, aqui no blogue (***). E como transparece no seu livro de memórias, em que conta a história  de vida do seu "alter ego", o António Aiveca. Essa pungente história de Samba Culo pode ser lida nas páginas 391 e ss. (os nomes são fictícios):

(...) Quando avançaram todos rapidamente, quase em corrifa, Aiveca  e os seus entraram de rompante na barraca. Os do Lindolfo, do outrro lado, já tinham começado às rajadas. Viu logo que era uma escola. Uma rapariga que estava ao pé do quadro,  tirava uma kalashnikov que estava lá pendurada . Levantou a mão esquerda ao alto para ninguém disparar.

- "Tá quieta! Firma lá!", gritou-lhe.

Mas ela não. Com a arma já empunhada meteu o dedo no gatilho. Disparou instintivamente. Ela caiu para trás e as balas da kalash furaram o capim do tecto.

Ficou extático de olhos esbugalhados fixados nela. A cabeça  escaldava-lhe e o coração parecia querer soltar-se. Os soldados puseram-se à volta dela a observar e comentar. A sua rajada acertara-lhe  na barriga e no peito. Era bonita  e devia ter vinte e poucos anos. 

(...) Veio a si quando ouviu a confusão ao lado. Os soldados à volta da rapariga morta, uns riam-se desabridamente, outros gritavam. Levantou-se e chegou-se a eles. O que viu quase lhe fez sair os olhos das órbitas. O Cosme  estva em cima da rapariga puxando-lhe a saia para cima e com a mão já nas cuecas. Atirou-se a ele.

- "Eu dou cabo de ti, grande cabrão!" (...)

(...) (pp. 391/393).


Capa do livro "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial", de João Gaspar Carrasqueira (pseudónimo do nosso camarada A. Marques Lopes) (Lisboa, Chiado Editora, 2015, 582 pp. ISBN: 978-989-51-3510-3, Colecção: Bíos, Género: Biografia).


3. Trinta anos depois, em 2008, o A. Marques Lopes (cor inf ref, DFA)  voltou lá, a Samba Culo, na margem esquerda do Rio Canjambari,  no antigo regulado de Banjara, para fazer contas com os fantasmas do passado.  E deixa-nos, em prosa poética, um texto que é revelador dos valores e princípios de um grande ser humano e de um militar português com sentido de honra e consciência  moral.

Há muito que elegemos esta história como uma das  melhores, já aqui publicadas, no nosso blogue.  A maioria dos nossos leitores, mais recentes, não a conhece, nomeadamente nesta versão em prosa poética (***). Não  voltamos a reproduzi-la, mas a título de prova de vida do seu autor, vamos recordar as circunstâncias em que decorreu o "duelo de morte" entre o A. Marques Lopes (que comandava um Gr Comb da CART 1690,  no decurso da Op Inquietar II,  4-7 de julho de 1967) e a professora de Samba Culo. 

(...) Na Op Inquietar II conseguiu-se o objectivo: a base de Samba Culo foi mesmo destruída... Mas há coisas que não vêm relatadas: diz o relator que "junto à base de patrulhas pelas 14h20, um grupo IN que seguia em coluna por um trilho,  detectou as NT abrindo fogo e tendo ferido um soldado, pondo-se em fuga pela reacção das NT. Pelas 14h45 saiu um grupo de combate em patrulhamento ao longo do Rio Canjambari e regressou sem contacto".

Não foi assim. O que sucedeu foi o seguinte: o IN encostou-nos ao Rio Camjambari, não podendo nós cambá-lo, porque era muito fundo, nem podendo dali sair porque estávamos cercados. O comandante da operação disse-me:

- Ó Lopes, a minha companhia já está aqui instalada, por isso, você, que tem um grupo autónomo, vá ver se consegue furar o cerco. 

E lá fui, não só uma mas duas vezes, sem sucesso. Na segunda vez, fiquei sob fogo cruzado do PAIGC e da companhia do comandante, tendo um soldado meu levado um tiro nas costas, dado pelos dos nossos.

Quando o comandante me disse, pela terceira vez, para tentar furar o cerco, disse-lhe que não ia. Que chamasse os T6, o que ele acabou por fazer, e foi assim que dali saímos. Mas o que mais me impressionou nesta operação foi o seguinte: Samba Culo tinha uma escola; quando lá chegámos, vi escrito no quadro preto, em perfeito português: "Um vaso de flores". Tinha desenhado, a giz, por baixo, um vaso de flores.

E o que nunca mais esquecerei na minha vida: quando atacámos a base, uma jovem dos seus 18 anos ficou com a barriga aberta por uma rajada de G3. E mais (coisas terríveis desta guerra!): o "Bigodes", o Armindo Correia Paulino (que foi, depois, feito prisioneiro pelo PAIGC e que acabou por morrer em Conacri), quis saltar para cima dela. Tive que lhe bater. 

Esta é uma situação que nunca me sai do pensamento... e da minha consciência. Tinham muitos livros em português, que era o que estavam a ensinar aos alunos (miúdos ou graúdos?). Trouxemos também (imaginem!) uns paramentos completos de um padre católico! Lembranças que se me pegaram para toda a vida. (...) (****)

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Itálicos / Negritos:  LG]


Guiné > Região do Oio > Carta de Farim (1954) (Escala 1/50 mil) > Detalhe > Posição relativa de Samba Culo, na margem esquerda do Rio Canjambari, a sudoeste de Canjambari, afluente do rio Farim, e aonde havia, em 1967, uma "barraca" do PAIGC, com uma escola.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 8 de março de 2023 > Guiné 61/74 - P24127: Parabéns a você (2150): Cor Art DFA Ref António Marques Lopes, ex-Alf Mil Art da CART 1690/BART 1914 (Geba, Banjara e Cantacunda, 1967/69)

(**) Último poste a série > 15 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23785: Prova de vida (6): Nem todos os balantas eram... "turras" (Manuel Joaquim, ex-fur mil arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67)

(***) Vd,. postes de:


29 de novembro de 2005 > Guiné 63/74 - P301: A professora de Samba Culo (A. Marques Lopes)

(****) Vd. poste de 7 de junho de 2005 > Guiné 63/74 - P49: Samba Culo II (Marques Lopes)

segunda-feira, 8 de março de 2021

Guiné 61/74 - P21984: Facebook...ando (61): Afectos com Letras: Esta ONGD portuguesa, a trabalhar na Guiné-Bissau, em prol das mulheres e crianças, merece o nosso apoio e apreço... E um justo destaque neste Dia Internacional da Mulher, celebrado ainda em plena pandemia de Covid-19.


 Guiné-Bissau > Região de Quínara > Tite > Bissássema >  6 de março de 2021 > O que serão, em 2030, quando ainda se celebrar o Dia Internacional da Mulher, estas crianças (míúdas e miúdos) que, felizmente, vão à escola ?!... Esperemos que até lá
 condição feminina melhore na Guiné, em toda a África, no resto do mundo e inclusive em Portugal e no resto da União Europeia... (LG)

Foto: cortesia da ONGD AFectos com Letras, Pombal. 


1. Da página do Facebook da Afectos Com Letras ONGD > 6 de março às 10:26 ·

Em Bissassema, Guiné-Bissau, a vida continua no seu ritmo da subsistência e do empoderamento das mulheres, mas agora com uma escola equipada pela Afectos com Letras com material didático e uma biblioteca adjacente que irá servir uma comunidade de mais de meia centena de crianças e jovens.

[Neste projeto contámos com o apoio do Grupo Sousa e da AIPES - Associação de Investigação e Promoção da Economia Social ]


2. Comentário do nosso editor LG:

Esta ONGD portuguesa, a trabalhar na Guiné-Bissau, em prol das mulheres e crianças, merece o nosso apoio e apreço... Merece as nossas palmas. E m justo destaque neste Dia Internacional da Mulher, celebrado ainda em plena pandemia de Covid-19.

E a maneira mais prática e feliz de manifestar o nosso apoio e o nosso apreço, como amtigos combatenets, é  doar 0,5% do nosso IRS de 2020  à Associação Afectos com Letras.

Pode ser pouco, uma migalha, mas muitas migalhas vãoo levar  mais esperança e educação às meninas, mais dignidade às mulheres e mais qualidade de vida às famílias, mais presente com futuro.

A ONGD, que tem sede em Pombal, já conseguiu  instalar duas máquinas descascadoras de arroz com o apoio recebido das consignações em  anos anteriores, mas novas máquinas poderão chegar às aldeias guineenses e mudar vidas das meninas e mulheres com uma simples cruz na vossa folha de IRS. Deixando de ficar "escravizadas" nas tarefas domésticas, como o descasque manual do arroz, as meninas podem frequentar a escola.  O Dia Internacional da Mulher tem de ser, da nossa parte, mais do que uma celebração simbólica.

O que esta ONGD nos pede um gesto muito simples mas concreto, camarada e/ou  amigo:

(i) Até 31 de março, basta  acederes ao Portal das Finanças e indicares a entidade à qual  pretendes consignar o IRS ou IVA, inserindo neste caso o NIF 509 301 878, que é o número fiscal da Afectos com Letras.
 
(ii) A partir de 1 de Abril, ao preencheres o quadro 11 do modelo 3, inseres o NIF da Afectos com Letras e assinalas com uma cruz no IVA ou IRS.

segunda-feira, 25 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19620: Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (7): O futebol e não só... O futebol faz parar a cidade... E se as mulheres guineenses parassem ?... Mais de metade da população morreria de fome.






Guiné-Bissau > Bissau > Março de 2019 >  As alegrias e as tristezas do futebol...


Fotos (e legendas): © Luís Oliveira (2019) . Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).

1. Sétima crónica do Luís Mourato Oliveira, nosso grã-tabanqueiro nº 730, que foi alf mil inf, de rendição individual, na açoriana CCAÇ 4740 (Cufar, 1973, até agosto) e, no resto da comissão, o último comandante do Pel Caç Nat 52 (Setor L1 , Bambadinca, Mato Cão e Missirá, 1973/74): é lisboeta,fezo Liceu Pedro Nunes, é bancário reformado, foi praticante e treinador de andebol, tem fortes ligações à minha terra natal, onde agora vivo, Lourinhã, Oeste, Estremadura...

Chegou a Bissau, a 2 de março de 2019, e aqui vai estar 3 meses como voluntário na Escola Privada Humberto Braima Sambu, no âmbito de um projeto da associação sem fins lucrativos ParaOnde, que promove o voluntariado em Portugal e no resto do Mundo.


Data - 21/03/2019, 12:57

Olá Luís

Mais uma crónica do futebol que partilhei contigo na Google Drive.

As fotos que seguiram sem qualquer legenda representam o naming do estádio Bom Fim, a mulher festejando o golo feminino e a baliza do estádio.

O Salinas também está representado tal como a programação.

Grande abraço,

Luís Oliveira
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Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (7): Guiné-Bissau e o Futebol...e não só


Não sendo o desporto da minha preferência, uma das coisas que iria abdicar quando decidi vir em missão de voluntariado seriam as visitas futeboleiras ao Estádio de Alvalade para ver o meu Sporting. 


Mais que o jogo, vale o convívio com amigos de longa data, as imperiais sempre frescas e a expectativa de uma grande exibição o que infelizmente para nós, sportinguistas, há muito tempo vai faltando.

Como será na Guiné? Num café à semelhança de Lisboa, porque com tantos aficionados do futebol, os guineenses de certeza que acompanham as diversas ligas da Europa, mas aqui não há os tais cafés ou tascas que proliferam em Portugal e em certas alturas tanto jeito dão. 

Perguntei ao Abubacar onde se podia ver futebol, pois o Sporting defrontava o Boavista e era uma boa forma de passar o serão melhor ainda se o meu clube sacasse os três pontitos que tanta falta estão a fazer.
Convidou-me imediatamente para o acompanhar ao “salon” porque também ele, sportinguista, não perdia o jogo por nada. Combinámos o encontro à porta do contentor e quinze minutos antes do jogo, à hora marcada o Abubacar apresentou-se tal como eu e sem prévia combinação com a lindíssima camisola de riscas verdes que é a cor da esperança.
” Para o ano é que é !”.

“Salon” I


O “salon” é apenas um armazém com cerca de cento e cinquenta metros quadrados. Cem Francos CFA para entrar e lá dentro uns bancos corridos, um mega LCD na parede e umas engenhocas estranhas onde estava incluída uma ventoinha apontada às box não fosse o jogo aquecer e aquilo dar para o torto.
Lá começou o jogo e logo no início da transmissão uma primeira paragem. Não se deveu por excesso de velocidade dos jogadores do Sporting, porque após a acção bem direcionada da ventoinha e das manobras mágicas do técnico, acompanhadas de pancadinhas na box, quando voltamos a ter imagem o Sporting já perdia por 1-0.
Como em todas as tascas em Portugal, um dos espectadores, certamente já precavido com as interrupções que aqui não são da responsabilidade do VAR, de banana no ouvido não perdia uma! Até deu com antecedência a noticia do invisível para nós golo Boavisteiro.

Jogo morno de pouca qualidade que finalmente chegou ao intervalo empatado. Em substituição da bica ou do gelado em Alvalade, o Abubakar brindou-nos com laranjas descascadas que uma mulher grande vendia à porta do “salon”.
Final do Jogo, 2-1 para o Sporting com pontapé de penalty polémico contestado por uns justificado por outros e semelhança do que acontece no estádio todos comentámos o jogo e as suas contingências. Não faltaram as críticas ao árbitro, ao posicionamento e empenho dos jogadores, às opções do mister Kaiser… Éramos todos treinadores de “salon” .

“Salon” 2

Dia de jogo da Champions que parecia estar a entusiasmar os guineenses e eu não percebia bem porquê, jogavam a Juventus versus Atlético de Madrid.

Confesso que em Espanha a equipa que mais admiro é o Atlético de Madrid, para além de ser o clube do povo republicano e inicialmente achincalhada pela elite aristocrática madrilena pelo seu equipamento às riscas se assemelhar ao colchões da época (colchoneros), rendo-me à garra, à ausência de galácticos e à personalidade combativa inspirada por Diego Simeone. Mas sendo o adversário a Juventus, agora a reboque do nosso Ronaldo, a minha escolha está feita porque nisto de futebol é impossível não tomar partido.


A Silvia e Nôno são aficionadas do futebol, a Silvia, filha de um brilhante futebolista, Pedro Barny, que jogou no Boavista e no meu Sporting na posição de central e chegou à Selecção Nacional de Portugal, também quiseram assistir ao jogo mas desta vez fomos acompanhados pelos nossos vizinhos do lado, familiares da Maia, proprietária da casa dos voluntários.

Os nossos companheiros atrasam-se, ou até já teriam partido sem nos chamar, mas um telefonema da Maia fez com que rapidamente nos viessem buscar e encaminharam-nos para outro “salon”. 

Dia de grandes jogos dois mega LCD (um para transmissão do Manchester City) mas o seu interior não diferia do primeiro onde estive, só que em dia de Champions e com Ronaldo a jogar, a coisa pia mais fino e a entrada aumentou para duzentos e cinquenta Francos.
O Salão estava a abarrotar já não havia lugares sentados e o “peão” era em qualquer lugar desde que houvesse uma nesga para espreitar o jogo. Ronaldo, muito mais do que acontece em Portugal, era o único responsável por toda aquela agitação que nos contagiava e elevava o nosso entusiasmo a níveis que nem todos as claques juntas de Portugal teriam capacidade.

A temperatura ultrapassava em muito os quarenta graus, transpirávamos por todos os poros e toda a gente cabeceava a bolas imaginárias tentando assim empurrar mais alto o Cristiano para que conseguisse por a “teimosa” dentro da baliza mas infelizmente o primeiro golo não valeu! 

À segunda foi de vez ...Gól!, Gól! Gól! Duzentas gargantas a gritar talvez quatrocentas pernas aos saltos, uma festa. Um ruído ensurdecedor.

Ao intervalo toda a gente veio para a rua onde os trinta graus da altura sabiam a frescura. Todos os espectadores receberam um bilhete de prova de pagamento para voltar a entrar, sendo nós (os voluntários) dispensados deste formalidade de segurança, não pelo facto de sermos voluntários, mas facilmente identificados por sermos os únicos brancos no “sálon”.

No grupo que se abeirou de nós para a conversa havia um adepto de Ronaldo especialmente entusiasmado que lamentava a ausência de jogo interior pela Juventus, fazia falta um dez como Modric, mas mesmo sem um dez Ronaldo é o maior e se ele fosse para Angola, jurava que passaria a ser angolano.
Lá recomeçou a partida e toda a gente sem ponta de cansaço. Incentivos permanentes e graças a eles, Gól! Gól!, Gól!. Ronaldo tinha marcado o segundo e passei a ver apenas metade do ecrã porque o movimento daquela massa humana já não me permitia ver mais. Dois golos eram insuficientes e eu já pedia a todos os santinhos que o Cristiano marcasse mais um porque não ia aguentar o prolongamento e devo ter sido ouvido porque mesmo no final do encontro uma falta para pontapé de penalty a favor da Juventus.

Ronaldo avança para o local da marcação. Vai ser mais um hat trick, afiancei às voluntárias e a bola entrou mesmo! Loucura total, apesar da falta de espaço toda a gente aos saltos, cânticos de aves que nunca tinha ouvido, uma alegria enorme, contagiante e pacifica que não me recordo de alguma vez ter vivido num estádio.

Concluí que Ronaldo é o nosso maior embaixador e devemos-lhe respeito e gratidão e encontrei naquele “salon” a verdadeira alegria do futebol que talvez apenas aqui tenha direito ao titulo de Desporto Rei.


“Katem salon” (Não há salão)

No dia da mulher, também celebrado na Guiné-Bissau, no Bairro Militar zona de Santa Clara, as mulheres resolveram mostrar su valor e desafiaram os homens para um jogo de futebol. O prélio não se disputou no Estádio Bom Fim, mas junto às tabancas onde moram e num terreiro que apesar dos buracos e outras irregularidades oferece espaço para a diversão e, a partir das quatro, quando o calor perda a força avançou a força da Mulher.

Duas pedras a fazer a marcação das balizas, equipamento ká tem e o que distingue os jogadores é o género e aqui não há supremacia, elas lutam com garra de igual para igual ignorando as normas sociais e a própria regulamentação do Estado que as condiciona e humilha.

Só assisti ao jogo até que a equipa da mulher marcou golo. GÓL!, GÓL! GÓL! Fiquei para assistir à festa do golo e após esta pequena vitória afastei-me para guardar a alegria com que elas me contagiaram. Para mim este resultado foi o final.

O jogo vai prolongar-se muito para além dos noventa minutos, talvez anos mas o desporto, neste caso o futebol, é um dos veículos de integração e que pode contribuir na via para a igualdade de género em todas as áreas da sociedade.

P.S. - O Sociólogo guineense Miguel Barros, investigador da ONG Guineense Tiniguena venceu o Prémio Humanitário Pan Africano em pesquisa de grande impacto social, neste refere a importância da mulher guineense na economia da família e do próprio País.
Alguns dados:

-30% das mulheres menores de idade escolar não frequentam o ensino.

-São as mulheres que trabalham no campo e quase tudo o que se consome na Guiné Bissau é produzido por elas. Trabalham em terras emprestadas ou concessionadas temporariamente. 

-Não têm acesso à propriedade, a própria lei do Estado não permite e mesmo no casamento quando a família oferece um dote, este ficará para sempre na posse do marido e na morte deste e na ausência de filhos a propriedade é herdada pelo irmão do falecido.(#)

Se as mulheres guineenses parassem, mais de metade da população morreria de fome.

(#) A religião muçulmana tem regras próprias que permitem à viúva a posse da propriedade, tratando-se de um dote, mas são frequentemente desrespeitadas.
Bissau, 21/3/2019 
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sexta-feira, 9 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18394: Agenda cultual (632): Casa do Alentejo, Lisboa, sábado, 10 de março, às 14h30: comemorando o Dia Internacional da Mulher, com vozes no feminino, plurais e lusófonas, na arte e na música



1. Convite aos nossos leitores e leitores, gentilmente enviado à Tabanca Grande pela Casa do Alentejo:

É já á amanhã, 10 de Março, a Comemoração do Dia Internacional da Mulher na Casa do Alentejo.

A partir das 14h30, venha participar nesta festa de pluralidade, com o tema da Língua Portuguesa como elo de união das Mulheres.

Esta tarde de comemoração conta com participações de Mulheres de Língua Portuguesa desde o Alentejo, ao Brasil, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Cabo Verde.

Pode assistir a atuações de Grupos Alentejanos, e das Batuqueiras do Grupo Finka Pé, um desfile de moda do Estilista Mom’s Amade, bem como ver mostras de arte, artesanato e gastronomia. Não deixe de visitar também a Exposição “A Arte e A Mulher”, coma presença de vários artistas plásticos dos países de Língua Portuguesa!

A não perder!

Casa do Alentejo
Rua das Portas de Santo Antão, 58
1150-268 Lisboa


CANTE ALENTEJANO
É PATRIMÓNIO
DO ALENTEJO PARA O MUNDO

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Nota do editor:

Último poste da série > 28 de fevereiro de 2018 >  Guiné 61/74 - P18366: Agenda cultural (631): Lisboa, Bairro Alto, Teatro do Bairro, hoje, 28, às 21h30: Lançamento do álbum de estreia do músico e compositor lourinhanhense Diogo Picão, "Cidade Saloia"

Guiné 61/74 - P18393: Fotos à procura de... uma legenda (102): Uma mulher fula a amamentar a "sua" cabrinha!... Ainda em tempo, celebrando o Dia Internacional da Mulher (Foto de João Martins, Piche,1968)


Guiné > Região de Gabu > Piche > Foto nº 112/199  do álbum do João Martins > 1968 > Uma  mulher fula amamentando, com o leite do seu próprio peito,  a "sua" cabrinha (ou cabritinho ?), provavelmente um dos bens mais preciosos do seu escasso património familiar... Uma ternura de foto do álbum do nosso camarada João Martins, já célebre nas redes sociais.... Era mais fácil aos fulas vender-nos uma vaca do que um cabrito...

Foto: © João José Alves Martins (2012).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Já na altura (*) eu tinha comentado a "felicidade" e a "ternura" desta foto (e,  por tabela, a apreciação do João sobre os fulas)... Dizia mais ou menos isto:

João: sobre as tuas andanças pelo leste, o "chão fula" (foste de Bambadinca a Piche com 3 peças de artilharia 11.4), as tuas reflexões, os teus temores, a tua perceção do portuguesismo dos fulas, não me compete, a mim, pronunciar...

Sabias, logo entraste,  que umas das regras de ouro do nosso blogue era justamente não fazer "juízos de valor" sobre o que cada um de nós viveu, experimentou, sentiu, pensou (ou pensa)... Aliás, no dia em que transformássemos o nosso blogue em tribunal (inquisitorial) dos combatentes da Guiné, assinarímos a sua sentença de morte!... O que felizmente não aconteceu ao fim de quase 14 anos a "blogar"...

Eu estive 22 meses entre os fulas, numa companhia africana, a CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, junho de 1969/março de 1971), composta por praças fulas, do recrutamento local,  comi e dormi em tabancas fulas, defendi tabancas fulas, vivi entre os fulas, fiz amigos e amigas fulas... Tenho outras vivências, diferentes de ti, que estiveste de passagem pelo "chão fula"...

Agora, acredita, nunca vi, que me lembre, uma mulher (fula) a dar de mamar, com o leite do seu próprio peito,  a uma cabrinha!... Nem fula nem balanta ou de outra etnia... Mas no caso dos fulas, entende-se melhor: eram originalmente um povo de pastores e nómadas...

Ainda continuo a pensar o mesmo que te disse em 2012: espantosa foto a tua, parabéns!... Se fosse agora, merecias que a mandássemos para o concurso da Worl Press Photo!

Passou ontem o Dia Internacional da Mulher, ainda vou a tempo de voltar a reproduzir, no nosso blogue, esta foto que merece, seguramente,  melhor legenda do que a minha!... Aqui fica o desafio aos nossos leitores e leitoras. (**)
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

13 de maio de  2013 > Guiné 63/74 - P11565: (Ex)citações (220): Cherno Baldé, deixo aqui a minha homenagem à mulher do teu país...(João Martins)

quinta-feira, 8 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18390: Blogpoesia (557): No Dia Internacional da Mulher - "Mulher", por Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor do BCAÇ 3872

Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > Beldades de Fulacunda: bajudas biafadas... Pensando nas mulheres, em todas as mulheres do mundo, e em especial, neste Dia Internacional da Mulher, de todas aquelas que são (ou  foram) vítimas da Guerra, Mutilação Genital Feminina, do Casamento Forçado, da Rapto e da Violação, do Assédio Moral e Sexual, da Violência Doméstica, da Discriminação com base no género, na idade e na cor, da Intolerância Política e Religiosa, etc., etc., etc.

Foto: © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Em mensagem de ontem, 7 de Março de 2018, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", enviou-nos este poema, a propósito do Dia Internacional da Mulher que hoje se celebra.

Olá Carlos e Luís,
Aproxima-se o Dia Internacional da Mulher. Aqui vai um apontamento. 
Celebrar a mulher é um prazer e não sabem aquelas culturas que a segregam, que a querem menorizar como individuo, a grande alegria que elas nos dão com a sua companhia e partilha. 
Há dias a Sara Tavares disse que o sorriso era a parte mais bonita do corpo humano. Como podem em certos países obrigar a esconder esses sorrisos? 

Um abraço
Juvenal Amado


MULHER 

Mostra um lindo sorriso 
Põe uma flor no cabelo 
Veste o teu melhor vestido 
Solta a rebeldia 
Grita bem alto a tua condição 

Esquece as dores nas pernas 
As mãos maltratadas 
O transporte público incómodo 
O assédio na fábrica 
Ri-te com desprezo de quem não te respeita 

Porque o teu rosto nos ilumina 
Mostra o teu poder 
Não deixes que te ignorem 
Sai para a rua 
Reclama-a como tua 

Assume-te de corpo inteiro 
Canta aquela canção em voz alta 
Celebra que este é o teu dia 
Tu és a alegria dos nossos dias 
Exige que eles sejam todos teus 

E salta para o palco da vida 
Dança como uma bailarina em pontas 
Salva-nos com a tua magia 
Mostra-nos o teu sorriso 
E transforma o cinzentismo em vibrante cor 

Juvenal Amado 
8 de Março 2018
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18377: Blogpoesia (556): "Devasso minha alma...", "Moinho de vento", e "As regras...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728