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quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27226: Historiografia da presença portuguesa em África (497): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1941 (53) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Abril de 2025:

Queridos amigos,
1941 é o ano da chegada do Capitão Ricardo Vaz Monteiro e no final do ano dá-se a visita do Ministro das Colónias, Francisco Vieira Machado. Folheados todos os números destes boletins de 1941 há um indisfarçável e discreto silêncio sobre as dificuldades em que se vive na colónia, já se referiu que há legislação do Governo Central, foram tomadas medidas impeditivas ou dissuasoras de andar a vender alimentos a todo e qualquer país. Se acaso o leitor se recorda do que aqui se escreveu nos relatórios do chefe da delegação do BNU da Guiné por esta época, as dificuldades foram múltiplas, indiferentes a quem fazia guerra (a África Ocidental Francesa ficou até muito tarde na órbita do Governo de Vichy, e seguramente Salazar dera ordens para não haver qualquer tipo de afrontamento), contrabandeava-se de um lado para o outro; O que julgo mais interessante nesta documentação é o processo disciplinar ao engenheiro Afonso Castilho, tão sinuoso e prestável a tão diversas inspeções que até me parece que há clamorosas semelhanças com as práticas da justiça no nosso tempo. É por isso que peço ao leitor que leia com a devida atenção as acusações, as respostas e a sentença.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1941 (53)


Mário Beja Santos

O ano vê partir o Governador Carvalho Viegas, fica como encarregado do Governo Armando Augusto de Gonçalves Morais e Castro e, logo no Boletim Oficial n.º 8, de 24 de fevereiro é criado o Parque Dr. Vieira Machado, no mesmo Boletim Oficial cria-se a Biblioteca Pública da Guiné, estipula-se que todas as publicações de caráter oficial irão dar entrada nesta biblioteca, bem como todos os documentos manuscritos de peculiar interesse político, histórico, topográfico, militar, missionário, etnográfico, náutico, administrativo, económico, existentes nos arquivos oficiais da colónia.

Mas é bem interessante, até porque se trata de uma novidade referir este Parque Dr. Vieira Machado, o assunto é apresentado no suplemento n.º 10 ao Boletim Oficial n.º 6, em que 15 de março:
”Há, na Colónia, espécies zoológicas e até botânicas cuja conservação e propagação muito interessam, sob o ponto de vista comercial, científico e turístico. Ao governo da Colónia cumpre defendê-las e evitar a sua extinção.
Sendo a Guiné zona essencialmente agrícola, costumado o indígena a incendiar, por comodidade própria, o capim; estando habituado a mudar-se frequentemente e, sobretudo, sendo-lhe necessário alargar, de ano para ano, a zona de cultivo, mercê da pobreza de terreno, sucede vir desaparecer as florestas e, com elas, espécies de flora e fauna que interessam à riqueza da colónia;
É criado o Parque Dr. Vieira Machado na área da circunscrição civil de Buba, que fica sobre a superintendência da Repartição Técnica dos Serviços Agrícolas, Florestais e Pecuários. A área do parque é de 16.700 hectares.
É expressamente proibida qualquer atividade humana dentro do parque, o traçado de estradas, cortes de árvores ou arbustos, caça, pesca e construção de habitações, mesmo de carater provisório, exceto os destinados à guarda do parque.”


No suplemento ao n.º 24, do Boletim Oficial n.º 12, de 21 de junho, vemos publicada a relação dos 40 maiores contribuintes das áreas fiscais dos concelhos de Bolama e Bissau. O destaque vai para António Silva Gouveia, Lda, Sociedade Comercial Ultramarina, Comapnhia Agrícola e Fabril da Guiné, Societé Commerciale de l’Ouest Africaine, Banco Nacional Ultramarino, Nouvelle Societé Commerciale Africaine, Compagnie Française de l’Afrique Occsidentale. Mas também encontraremos António Gomes Brandão e Manuel Pinho Brandão, a Sociedade Agrícola do Gambiel e a Sociedade Arrozeira da Guiné.

Voltamos agora aos processos disciplinares, este tem muito que se diga. Consta do suplemente ao n.º 37 do Boletim Oficial n.º 20, de 15 de setembro. Prende-se com o acórdão referido no processo disciplinar mandado instaurar ao chefe da Repartição Técnica dos Serviços de Obras Públicas, Agrimensura e Cadastro, da Colónia da Guiné, engenheiro Afonso de Castilho.
O Governador Carvalho Viegas enviara ao ministro das Colónias, em março de 1939, um ofício confidencial a que juntara documentos e cópias que lhe foram remetidas não se sabe por quem, nem quando nem de onde, neles se faziam graves acusações ao diretor das Obras Públicas. O ministro mandou instaurar um processo e suspendeu imediatamente do exercício das suas funções o dito senhor.

Foi nomeado instrutor que deduziu a seguinte acusação a Afonso de Castilho:
a) Não fiscalizou a construção de um pontão em betão armado, designado Cascunda-Jabadá, que por suas indicações escritas em maio de 1938 fora construído por um condutor sem habilitações profissionais suficientes, resultando o desmoronamento parcial, logo após a inauguração;
b) Não procedeu à reparação de um pilar avariado da ponte General Carmona, apesar de ter verba inscrita para esse fim na distribuição de fundos para o ano de 1938;
c) Descurou a fiscalização da empreitada para a construção do Observatório Meteorológico do Aeroporto de Bolama, apesar de repetidas participações dos agentes da fiscalização contra o empreiteiro, intervindo só raras vezes e sem energia, apresentando-se no fim o edifício concluído com grandes defeitos de construção;
d) Não procurou impedir com o seu conselho e autoridade especial que fosse alterado o projeto da obra anteriormente citada, quando já a meio do mais de andamento da construção, o que motivou o aumento de despesas;
e) Promoveu e impôs a subordinados seus a receção provisória da obra anteriormente citada, sem de facto estar concluída, obtendo que fosse paga ao empreiteiro sem o despacho devido do sr. governador…
E deduz ainda mais acusações.

Na resposta a estas acusações, Afonso de Castilho começa por descrever o ambiente técnico e psicológico que caracterizava os Serviços das Obras Públicas da Colónia da Guiné, quando chegou à colónia, em março de 1938, logo adiantando que o Quadro Técnico das Obras Públicas era constituído naquele tempo por dois condutores; fez várias diligências para melhorar a situação relativa à falta de pessoal e apõe um dado surpreendente: entre 1924 e 1936 houve 19 diretores das Obras Públicas, dos quais só 7 eram engenheiros. A pouca permanência – só 5 excederam um ano de exercício – dos chefes de direção dos serviços, a falta de competência técnica oficial da maioria, a ausência de uma orientação permanente e eficaz, tudo contribuiu para a pouca eficiência dos serviços e fraca fiscalização das obras. O arguido defendeu-se dizendo que tinha de lutar com péssimos hábitos de trabalho, com deficiências de aquisição e falta de pessoal.

Posto este preâmbulo respondeu concretamente aos assuntos. Não vou molestar o leitor com o corrupio das respostas, mas vale a pena ouvir o que ele declarou.
Quanto à alínea a), as reparações dos pontões de Cascunda-Jabadá, encarregou o chefe de secção, o condutor Francisco Cardoso da Silva Pimenta, que não cumpriu as ordens e instruções do seu chefe, foi desleal para com ele e profissionalmente incompetente; argumentou que dentro das possibilidades fiscalizou a obra e se mais eficaz não foi deveu-se a ter de elaborar naquele espaço de tempo cinco importantes trabalhos de gabinete, não podendo por isso deslocar-se;
quanto à alínea b), não havia verba alguma para a reparação da ponte General Carmona, não teve qualquer responsabilidade no que é acusado, a ruína do pilar e a sua defeituosa construção é anterior à data que entrou em funções;
quanto à alínea c) declarou que durante o segundo trimestre de 1938 houve um conjunto de circunstâncias que impediram a sua saída frequente de Bissau, etc., etc.

Instruído o processo e inquiridas as testemunhas, o instrutor concluiu que o engenheiro Afonso Castilho cometera as seguintes faltas disciplinares:
a) Mandara construir um pontão em betão armado sem observação das prescrições regulamentares;
b) Descorou a fiscalização de uma empreitada de construção de um edifício num valor de 492 contos, que foi terminada com grandes defeitos e erros de administração;
c) Não verificou com cuidado o caderno de encargos de uma empreitada para a colocação de janelas e persianas no edifício, aceitando como bom um oferecimento em importância quase dupla do real valor da obra, etc., etc.

O instrutor, depois de averiguar estas faltas disciplinares, entendeu que faltava apurar da incompetência profissional de Afonso de Castilho e submeteu o assunto à apreciação do ministro das Colónias. Foi então nomeado um outro engenheiro, Abílio Adriano Aires, para ir inspecionar sobre o aspeto técnico a Repartição das Obras Públicas da Colónia da Guiné. Elaborou relatório, demonstrou que as afirmações feitas pelo Governador Carvalho Viegas, acerca de pontes, pontões e coisas de engenharia não estavam certas e eram contrárias ao que ensina a ciência da especialidade. Que quanto ao pontão de Cascunda-Jabadá a responsabilidade era do condutor Pimenta, que o que se passou na construção do farol da Ponta de Barel fora semelhante ao que se sucedera na reparação do pontão Cascunda-Jabadá, a responsabilidade era do condutor Pimenta; que quanto à reparação de um pilar arruinado da ponte sobre o rio Corubal, a ponte General Carmona, era seu entendimento que o engenheiro Castilho fizera muito bem em não gastar dinheiro na reparação daquele pilar porque toda a ponte estava em ruína. E, em jeito de conclusão, entende que deve ser aplicada a pena de aposentação compulsiva a Castilho.

Agora o mais interessante desta história é que foi elaborado novo relatório pelo inspetor Carlos Henrique Jones da Silveira veio propor que o arguido fizesse a pena no máximo de 120 dias de suspensão. Consumadas as inspeções, e propostas de pena, o processo transitou para o Conselho Superior de Disciplina que propôs o máximo de 120 dias de suspensão. Se tudo isto não é matéria kafkiana dentro dos labirintos da justiça, prefiro não me pronunciar não só sobre os termos da acusação, tudo com base em boatos e rumores e porventura cartas anónimas, às justificações dadas pelo arguido que, no fim de contas revelam que diferentes serviços da administração eram pura ficção, e que o calibre das decisões quanto às penas é suficientemente elástico, vai desde a reforma compulsiva até à amenidade de suspensão de 120 dias. São assim ínvios os caminhos da justiça…

Anúncio da chegada do ministro das Colónia, Francisco Vieira Machado, à Guiné, dezembro de 1941
O adeus à capital de Bolama, no Natal Bissau já será capital
O ministro chega a Bolama
O ministro junto do monumento à pacificação de Canhabaque
Receção ao ministro das Colónias, Guiné, 1941
Jovens Papéis em tempos de fanado, Safim, imagem retirada da revista Império, 1951
Mapa de povos da região dos rios Gâmbia e Grande, cerca do século XVII

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 10 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27205: Historiografia da presença portuguesa em África (496): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, finais de 1940, princípios de 1941 (52) (Mário Beja Santos)

domingo, 14 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27217: Facebook...ando (94): João de Melo, ex-1º cabo op cripto, CCAV 8351 (1972/74): um "Tigre de Cumbijã", de corpo e alma - Parte XI: Pescadores do rio Grande de Buba, ao amanhecer






Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba > Maio de 2025 > "Ao amanhecer em Buba, registei a chegada de pescadores, vindos da sua labuta"


Foto (e legenda): © João de Melo (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Na sua viagem, em maio passado, de Bissau a Cumbijã, no sul, na região de Tombali, o nosso grão-tabanqueiro João Melo, passou por várias das nossas geografias emocionais... E fotografou esses lugares (Bissau, Quinhamel, Bula, Susana, Cacheu, Bambadinca, Saltinho, Buba, Mampatá, Cumbijã...).

Temos procurado, com a sua autorização, fazer uma seleção das suas melhores imagens publicadas na página do seu Facebook. Ele tornou-se um grande conhecedor e um excelente cicerone da atual Guiné-Bissau. Esta foto que acima publicamos, é de uma grande beleza. É a (e)terna Guiné que conhecemos há 50/60 anos.

Recorde-se que o João Melo (ou João Reis de Melo) foi 1º cabo op cripto, CCAV 8351, "Os Tigres do Cumbijã" (Cumbijã, 1972/74).  É profissional de seguros, vive em Alquerubim, Albergaria-a-Velha. Integra a Tabanca Grande desde 2009.

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sexta-feira, 25 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27052: Facebook...ando (91): João de Melo, ex-1º cabo op cripto, CCAV 8351 (1972/74): um "Tigre de Cumbijã", de corpo e alma - Parte IX: Ainda Buba, na região de Quínara. a capela católica... e as ruínas do quartel das NT emm Bula (região do Cacheu)



Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4

Guiné- Bissau > Região de Quínara > Buba > Maio de 2025 >  Capela católica e ruínas do quartel das NT


Fotos (e legendas): © João de Melo (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]






João Melo (ou João Reis de Melo), ex-1º cabo op cripto, CCAV 8351, "Os Tigres do Cumbijã" (Cumbijã, 1972/74):


(i) é profissional de seguros, vive em  Alquerubim,  Albergaria-a-Velha;

(ii) viaja regularmente, desde 2017, para a Guiné-Bissau, em "turismo de saudade e de solidariedade" (em que distribui material pelas escolas de Cumbijã, e apoia também, mais recentemente, o clube de futebol local);

(iii) regressou há pouco tempo da sua viagem deste ano de 2025;

(iv) fez uma visita demorada à Amura e ao atual Museu Militar. em plena zona histórica (Bissau Velho);

(v) tem página no Facebook (João Reis Melo);

(vi) tem mais de duas dezenas e meia de referências no nosso blogue para o qual entrou em 1 de março de 2009.


1. Na sua viagem, em maio passado, de Bissau a Cumbijã, no sul, na região de Tombali, o nosso grão-tabanqueiro João Melo, passou por várias das nossas geografias emocionais n(*)... E fotografou esses lugares.  Um deles foi Buba. o rio Grande de Buba, na região de Quínara  (vd. poste P26988) (**)... Mas também foi ao Norte, região do Caheu, passando por Bula, onde fotografou o antigo quartel das NT, hoje em completa ruína (fotos nºs 2, 3 e 4).   Às vezes fazemos confusão entre Buba e Bula...

Recorde-se que a regiuão de Quínara engloba os sectores de Buba, Empada, Fulacunda e Tite,

E a região do Cacheu intregra os sectores  de Bigene, Bula, Cacheu, Caió , Canchungo  e São Domingos,

Em Buba também fotografou a capela católica da paróquia de Buba (foto nº 1). Escreveu ele na sua página do Facebook no passado dia 15 de julho:

Foto nº 1>

“Retalhos de uma passagem pela Guiné-Bissau:

"Embora a Guiné-Bissau seja um país com grande diversidade religiosa, todas as crenças e religiões são praticadas livremente pelos seus seguidores. O país possui uma Constituição que garante a liberdade religiosa e, geralmente, a coabitação é pacífica.

"O Islão é predominante e é praticada por cerca de 70% da população muçulmana do ramo Sunita, com mais incidência no sul. 

"O Cristianismo, principalmente a Igreja Católica,  tem cerca de 19% e a restante população é distribuída por crenças tradicionais praticados pelos diferentes grupos étnicos, onde se inclui o Animismo.
 
"Na região de Quinara, onde Buba está situada, existe a católica Paróquia de Santa Cruz que tem esta igreja como seu local de culto"...

Ekm Bula, na região do Cacheu, publicou em 21 de julhio,  esats fotos do antigo quart5el de Bula, na página do Facebook do grupo Antrigos Combatentes da Guiné.


2. Permitimo-nos discordar dos números que o João Melo apresenta sobre as religiões da Guiné-Bissau.  O islamismo (70%) deve estar sobrerrepresentado. Segundo o assistente de IA (ChatPGT), a situação atual seria a seguinte, no que diz respeito à distribuição das várias religiões:

Aqui está uma visão clara e atualizada da distribuição das principais religiões na Guiné‑Bissau, baseada nas estimativas mais recentes (por volta de 2020–2022):


(i) Islamismo: aproximadamente 46 % da população identifica‑se como muçulmana.

A maioria segue o islamismo sunita (escola maliquita), com comunidades sufis (praticanets do sufismo); minorias xiitas ou ahmadis representam apenas alguns por cento,

Os muçulmanos concentram-se principalmente nas regiões norte e nordeste, sendo comuns entre os grupos étnicos Fula, Mandinga, Biafada, Sosso e Soninqué.

(ii) Cristianismo: cerca de 19 % da população é cristã (estimativas entre 18,9 % e 22 %)  

Predominam os católicos romanos (o catolisciomso foi institucionalmente estabelecido em 1533, com a criação da diocese de Cabo Verde e Guiné). Há também comunidades protestantes (como evangélicos, metodistas, Assembleia de Deus, etc.):

Os cristãos estão maioritariamente nas regiões costeiras e sul, especialmente na capital Bissau e zonas urbanas do litoral.

(iii) Religiões tradicionais africanas (“animismo”): cerca de 30–31 % seguem crenças tradicionais, com números que variam entre 30,6 % (CIA), 31 % (Pew) e até 40 % (outras estimativas).

Essas práticas incluem veneração de antepassados,  espíritos da natureza, uso de amuletos e sacrifícios rituais.

O animismo é praticado por muitos em combinação com o islamismo ou cristianismo, resultando num sincretismo religioso muito presente na Guiné‑Bissau.

(iv) Resumo da distribuição religiosa (est. 2020)

  • Islamismo ~46 %
  • Religiões tradicionais (animismo) ~31 %
  • Cristianismo ~19 %
  • Sem religião / outras crenças ~4–5 %

Esses números refletem estimativas do CIA World Factbook, Pew Research Center, e Religious Freedom Report dos EUA. 

A população da Guiné-Bissau ultrapassa já os 2 milhões, quatrro vezes mais do que há meio século: total estimado (2024): 2,132,325, segundo a CIA World Factbook.


(v) Coexistência e sincretismo

A Guiné‑Bissau é marcada por uma grande tolerância religiosa e relação em geral harmoniosa entre diferentes credos. 

Muitas pessoas mesclam práticas islâmicas e cristãs com as crenças tradicionais, dando origem a formas sincréticas únicas. 

(Fonte: ChatGPT / Pesquisa, revisão / fixação de texto, negritos: LG)

(**) Vd.  poste de 6 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26988: Facebook...ando (85): João de Melo, ex-1º cabo op cripto, CCAV 8351 (1972/74): um "Tigre de Cumbijã", de corpo e alma - Parte IV: Buba e o rio Grande de Buba no seu esplendor

domingo, 6 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P26988: Facebook...ando (85): João de Melo, ex-1º cabo op cripto, CCAV 8351 (1972/74): um "Tigre de Cumbijã", de corpo e alma - Parte IV: Buba e o rio Grande de Buba no seu esplendor




Foto nº 1, 1A, 1B





Foto nº 2, 2A, 2B, 2C




Foto nº 3, 3A, 3B



Foto nº 4, 4A


Foto nº 5

Guiné-Bissau > Re3gião de Quínara > Buba e rio Grande de Biuba > Maio de 2025 > Fotos do álbum do João Melo (com a devida autorização do autor e vénia do editor LG...)

Fotos (e legendas): © João de Melo (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


João Melo (ou João Reis de Melo), ex-1º cabo op cripto, CCAV 8351, "Os Tigres do Cumbijã" (Cumbijã, 1972/74): 

(i)  é profissional de seguros, vive em Alquerubim, Albergaria-a-Velha; 

(ii) viaja regularmente, desde 2017,  para a Guiné-Bissau, em "turismo de saudade e de solidariedade" (em que distribui material pelas escolas de Cumbijã, e apoia também, mais recentemente,  o clube de futebol local); 

(iii) regressou há pouco tempo da sua viagem deste ano de 2025; 

(iv) fez uma visita demorada à Amura e ao atual Museu Militar;

 (v) tem página no Facebook (João Reis Melo);

 (vi) tem 22 referências no nosso blogue para o qual entrou em 1 de março de 2009.

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Nota do editor LG:

Último poste da série > 10 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26905: Facebook...ando (84): os acontecimentos de Bissássema, em 3 de fevereiro de 1968, visto pelo oficial de dia em Tite, alf mil Augusto Antunes, cmdt do Pel Rec Daimler 1131 (Tite, 1966/68) (Joaquim Caldeira, grão-tabanqueiro nº 905) 

Vd. postes recentes do João Melo:

7 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26895: Facebook...ando (83): João de Melo, ex-1º cabo op cripto, CCAV 8351 (1972/74): um "Tigre de Cumbijã", de corpo e alma - Parte III: A Bissau Velho a renascer das ruinas dos últimos 50 anos...

5 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26886: Facebook...ando (82): João de Melo, ex-1º cabo op cripto, CCAV 8351 (1972/74): um "Tigre de Cumbijã", de corpo e alma - Parte II: Bissau Velho, a ponte-cais

4 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26879: Facebook...ando (81): João de Melo, ex-1º cabo op cripto, CCAV 8351 (1972/74): um "Tigre de Cumbijã", de corpo e alma - Parte I: De volta a Bissau Velho, agora de cara lavada

quinta-feira, 5 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26888: (In)citações (272): "A guerra nunca acaba, fica connosco" (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro)

1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, QueboMampatá e Empada, 1968/70) com data de 2 de Junho de 2025:


"A guerra nunca acaba, fica connosco"
Arturo Pérez-Reverte

Era eu um jovem, feito homem, quando fui convocado para prestar o serviço militar. Passado um ano, fui forçado a partir para a Guiné (hoje, República da Guiné-Bissau) para, como diziam os mandantes da Pátria, defender o solo pátrio do ultramar, por outras palavras; defender a soberania portuguesa, e porque não; os interesses dos senhores do grande capital.

Tinha duas hipóteses: aceitar, a contragosto, e pegar em armas, ou despedir-me da família, dos amigos, da Pátria que me viu nascer, e fugir para o estrangeiro, até ao fim da vida, sob o risco, de no caso de ser preso, partir de imediato para os locais onde a guerra era mais impetuosa.
Empada - José Teixeira escrevendo

Apenas dois anos dados à Pátria, os quais rapidamente recuperávamos, graças à nossa juventude, diziam os mandantes.

Mas não foi bem assim. Andei dois anos perdido, é um facto. Vivi situações de difícil descrição. Vi morrer, sem poder valer. Salvei vidas de militares e civis vítimas da guerra que ninguém queria. Salvei vidas de crianças (bebés) com crises de paludismo, que atingiam 42ºC de temperatura corporal. Consegui fazer daqueles dois anos um tempo de vitórias e algumas derrotas, de algumas alegrias no meio de muito sofrimento. Vivi momentos em que senti a morte a meu lado, nos estilhaços cravados na terra a centímetros da minha cabeça, nas balas que passavam a assobiar e se cravavam na árvore, onde me protegia, da mina anticarro que destruiu a viatura da qual tinha saltado segundos antes…

Passados dois anos regressei à “mãe pátria” e tentei esquecer aquele amargurado tempo que nunca mais passava, mas a guerra ficou cá dentro, e nunca mais acabou.

Regressei com uma sensação de vazio dentro de mim, e encontrei vazios muitos dos espaços, onde antes de partir, centrava a minha vida. Até a família, apesar do intenso calor humano e amor, com que fui recebido, estava diferente. Tinham feito caminhos que eu não palmilhei. Sentia-me estranhamente só. Os amigos e amigas tinham partido para outras aventuras onde não eu estive. Perdi-os. Já não tinha lugar junto deles. Estava com um atraso de dois anos. Tive de conquistar de novo, a pulso, o meu lugar, onde me foi possível.

Do emprego recebi um não. Não havia lugar para mim. Tive de aceitar a parca indemnização que me ofereceram e partir para outra aventura. Na valorização académica, foi um começar de novo, com muito esforço. A mente parece que tinha adormecido e recusava-se a retomar o caminho da aprendizagem que precisava de fazer para construir o futuro.

Tantas outras barreiras que tive de ultrapassar para me encontrar!

Será que me consegui encontrar? Não!

Fui caminhando ao meu encontro. Reconstruir a vida era o desafio mais cativante e absorvente. Encontrar caminhos novos, caminhos diferentes, seguir novas pistas e sorrir para a esperança. Uma vida longa, com muitos momentos gratificantes, faz-me sentir um homem realizado, diferente do jovem que partiu para a Guiné.

Dentro de mim, tentava apagar os resíduos da guerra, mas quando pensava que tinha enterrado uns, apareciam outros. E, assim tem sido pela vida fora.

Recordo que quinze dias depois de regressar apareci debaixo da cama, sem saber como fui lá parar. Apenas uma porta tinha batido com um pouco de violência, provocada pelo vento.

Nos primeiros tempos tentava recusar-me a pensar na Guiné. Nem sequer falar ou ouvir falar de guerra. Qualquer cena de guerra na TV me angustiava. Os meus filhos dizem (muito mais tarde) que me viam chorar frente à TV a preto e branco, quando passava filmes de guerra, ou reportagens sobre conflitos armados, que infelizmente continuaram a surgir em várias partes do mundo).

Com a Revolução de Abril, surgiu como que um abafado silêncio, talvez medo, perante as correntes que denunciavam a guerra colonial e os seus efeitos, enquanto defendiam, e muito bem, a autodeterminação e independência para as colónias. Nós, os veteranos que tínhamos sido forçados a viver essa guerra, sentíamos uns olhares acusativos, como fossemos nós os culpados.

Depois, surgiu uma necessidade tremenda de falar, de contar o que me tinha acontecido, mas logo notei que não era compreendido. As pessoas não conseguiam entender. Ouviam. Ouviam… como para mim bastasse que ouvissem. Nem eu sabia o que queria com aqueles desabafos.

Passados cerca de vinte anos senti a carência das amizades que nasceram e frutificaram naqueles dois anos, os camaradas de aventura, os companheiros da minha Companhia Militar, e toca a tentar encontrá-los. Cerca de cinquenta atenderam a chamada. Três não responderam. Tinham tombado para sempre na Guiné. Outros já tinham partido no caminho que não tem retorno. Muitos, tinham emigrado. Houve, também, quem tentasse pôr uma pedra definitiva sobre os tempos de guerra, mas o encontro fez-se, e vieram as mulheres e os filhos. Depois, os netos e bisnetos. Vieram as dores, as enxaquecas, as artroses, indícios da velhice que não perdoa. Vieram as dores ao ver alguns partirem para a eternidade. Mas, continuamos a reservar um dia por ano para nos encontrarmos, falarmos de nós, da guerra que vivemos, das barreiras que tivemos de ultrapassar, dos caminhos novos que tivemos de construir, dos tempos que correm e que não entendemos. Da crueza das guerras que rebentam por todo a terra e que nós sentimos como ninguém, porque também vivemos uma guerra. Sabemos que quem as faz, não as quer fazer. Quem as manda fazer, não padece no corpo, os seus efeitos. Quem sofre os seus efeitos é o povo, as gentes humildes que querem viver em paz.

Para tentar acabar com a “guerra” que vagueia dentro de mim, parti para a Guiné, em romagem aos locais onde senti de perto os seus efeitos, onde a vivi. Procurei os lugares onde mais sofri. Os locais onde vi camaradas partirem para a eternidade sem lhes poder valer, locais onde acolhi e tratei feridos. Chorei as dores, que não tivera tempo de chorar no momento dos acontecimentos.

Procurei os amigos que por serem guineenses por lá ficaram na guerra. Tinham vindo comigo, no coração. Receberam-me em abraços. Muitos já tinham partido, alguns dos quais barbaramente assassinados, pelos conquistadores da “liberdade” da Pátria Guineense, por terem sido cobardemente abandonados por Portugal, que os considerava filhos e os motivara para a guerra na sua terra contra os seus irmãos de sangue, para os abandonar e lhes tirar a cidadania, entregando-os nas mãos dos combatentes contra quem tinham lutado, por Portugal. Trouxeram-me a família, mulheres, filhos, netos. Passei a ser “ermon di coração”. Seus filhos viram em mim o pai, seus netos, o avô.

Encontrei, em sã convivência, antigos guerrilheiros que me saudaram sem qualquer remorso, que tentavam localizar encontros de guerra, batalhas de frente a frente, sem nos vermos. Recordamos o ruido das armas, os mortos e feridos de ambas as partes. Ainda foram alguns, esses desencontros de outrora que tanto nos fizeram sofrer, a mim e a eles. Estranhamente sentimos necessidade de contarmos pormenores, localizarmos posições, historiarmos aqueles momentos, tal como fazemos quando encontramos algum camarada que partilhou connosco a terrível aventura da guerra. A necessidade de darmos o abraço da paz, apossou-se de nós em cada encontro. A frase “discurpa ermon, mas guerra é guerra” bailou nos nossos lábios, por ordem expressa do coração. Nos nossos olhos brilhava a luz da paz, do reencontro de “ermons” desavindos, e a amizade ganhou vida.
Ingoré, 2015, José Teixeira rodeado de crianças

Visitei as tabancas que me tinham acolhido, de quem retenho boas memórias. As “bajudas” raparigas de então, hoje, esposas, mães e avós. Fui reconhecido, chamado pelo nome. Sucederam-se os abraços, os ajuntamentos familiares, a festa cheia de sorrisos tão quentes como os de outrora. Recordamos tempos em que no ar pairava o medo da morte, a dúvida, a insegurança, ao lado da esperança do fim de uma guerra injusta. Hoje, respira-se paz e harmonia entre as gentes da Guiné, tão divididas naquele tempo. Há o bem-estar possível, num país continuamente adiado, mas onde a alegria caraterística dos povos africanos expressa nos ritmos e batuques, ocupou de novo o seu lugar.

A Tabanca de Matosinhos surgiu da necessidade de nos encontramos, os que passaram pela Guiné, de falarmos de nós, das nossas “guerras” numa linguagem que só nós entendemos. De convivermos numa “caserna” real, onde todas as semanas há sempre novidades da guerra. Já se passaram vinte anos, mas continua bem viva.
Uma quarta-feira na Tabanca de Matosinhos

O blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné foi outro espaço de reencontro comigo, com camaradas que viveram dramas idênticos, e como eu continuam a sentir a guerra dentro de si e a pôr em comum dramas e aventuras, momentos bons e momentos menos bons da sua guerra.

Voltei à Guiné, mais tarde, outra e outra vez, à procura da paz interior, mas a guerra nunca acabou. Continua cá dentro.

José Teixeira
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Nota do editor

Último post da série de 21 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26828: (In)citações (271): Eu vivo na Lisboa que amo (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR)

terça-feira, 22 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26715: Convívios (1021): XXIX Convívio do pessoal da CCAÇ 3398/BCAÇ 3852 (Buba, 1971/73), dia 10 de Maio de 2025, em Santo Tirso (Joaquim Pinto Carvalho, ex-Alf Mil)

XXIX CONVÍVIO

DIA 10 DE MAIO DE 2025 EM SANTO TIRSO


Amigo "Incendiário":

Vamos celebrar mais um ano de convívio, será o 29.°, desta vez regressamos ao norte do País: a Santo Tirso.

A data escolhida foi a de 10 de maio de 2025 (Sábado).

O ponto de encontro será no Mosteiro de Nossa Senhora da Assunção, em Monte Córdova, Santo Tirso.

Agendamos esta chegada pelas 10:30 horas.

Pelas 11:30 horas deslocamo-nos para o Mosteiro de Nossa Senhora da Assunção, onde será celebrada uma cerimónia religiosa, pelo pároco local, em memória dos nossos camaradas falecidos.

Após esta cerimónia seguiremos para o Restaurante O Cleto - Monte Córdova, Santo Tirso.


A ementa será composta por:

Entradas:
Pão; manteigas; rissóis; presunto; moelas e rojões

Sopa de legumes;

1.º Prato: Bacalhau com cebolada
2.º Prato: Vitela/Lombo assado com batata assada

Sobremesas:
Bolo de bolacha e pudim
Café e digestivos.

Por último, o tradicional Bolo de Aniversário da Companhia.

O preço por pessoa é de 40,00€. Crianças dos 6 aos 12 anos: 20,00€.

Como compreendem agradeço que confirmem a vossa presença bem como a totalidade dos familiares que vos acompanham, até ao dia 25/04/2025, através de mensagem para o telemóvel 966 743 750.

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Nota do editor

Último post da série de 18 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26701: Convívios (1020): Rescaldo do Encontro Anual do pessoal da CCAV 8351/72 - "Tigres de Cumbijã", levado a efeito no passado dia 5 de Abril de 2025, em Castelo Branco (Joaquim Costa, ex-Fur Mil AP Inf)

quarta-feira, 2 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26642: Historiografia da presença portuguesa em África (475): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1911 (29) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Para sermos fiéis à verdade dos factos, isto é, ao conteúdo dos Boletins Officiais que estamos a analisar, parece que a I República não se distingue da monarquia constitucional, o Boletim Official convoca as mesmas temáticas mas surge agora uma novidade que não deixa de nos surpreender: o governador Carlos Pereira enviara uma gama de quesitos aos residentes, perguntas inusuais, tais como: os utensílios ou ferramentas utilizados em meio agrícola; se existia indústria acessória à agricultura (destilação, moagem, descasque mecânico de arroz,,,); quanto se pagava por homem e mulher em cada dia de trabalho; quanto vale em médio um boi vivo;em que constituem as penalidades ou multas que o Residente aplica; se existia ou não abundância de mantimentos entre os indígenas. E temos o depoimento do Residente de Buba que nos dá um quadro explicativo daquela guerra aniquiladora e que devastara a economia da região. Estes quesitos aparecem no Boletim Oficial como uma pedrada no charco, e servem para relevar que o investigador não pode abdicar da leitura do Boletim Oficial em qualquer período que seja de 1880 até à independência.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1911 (29)


Mário Beja Santos

Convém ir um pouco atrás, a um Boletim Official de 1910, onde se publica o termo de posse dado ao 2.º tenente Carlos de Almeida Pereira, como governador da província, isto ocorreu a 23 de outubro de 1910, no Palácio do Governo, estiveram presentes o encarregado do Governo, a Junta Municipal, magistrados judiciais, funcionários civis e militares, lavrou-se o termo de posse, foi lido e depois assinado.

Agora sim, estamos em 1911, e no Boletim Oficial n.º 3 de 21 de janeiro de 1911, surge-nos um apontamento bem curioso com o título Subsídios para o Estudo Hidrográfico da Província da Guiné, assina o capitão dos portos Joaquim Vieira Botelho da Costa, vejamos o que ele escreve sobre o rio Geba:
“O Geba é de fundo quase igual, de margem a margem, salvo em poucos locais. Navegar a meio, é quase regra segura em todo o seu curso, na sua grande maioria o fundo é de lodo, de cascalho em S. Belchior; pedra um pouco a montante desta população, no Xime, na margem direita do rio perto de Geba e em Bafatá; de areia em raríssimas partes. As águas comportam-se no curso do Geba desigualmente; são influenciadas pelas marés oceânicas da sua foz até Fá, do montante de Fá a pouco além de Geba correm pouco em enchente: vazam quase sempre um pouco a montante de Geba.
A enchente do rio, na parte em que se faz sentir, dura em média quatro horas; a amplitude das marés, que nas regiões da foz é de 2 braças, vai gradualmente diminuindo até Geba, onde, quando muito, será de 1 braça. As correntes, da foz até quase Fá, são violentas: de 5 milhas na vazante, de pouco mais no começo da enchente, o macaréu de enchente neste mês traz talvez uma força de 7 milhas e uma altura apenas de 0,2 metros. Este rio é largo em todo o seu curso, sendo a mínima largura de 20 metros; acima de Bafatá, na baía de Paxangone, por exemplo, e perto de Xime, sítios em que a sua largura é máxima, ela é de 150 metros. Pode-se dizer, de um modo muito geral, que é regularmente mais largo nas regiões do montante, de Geba para cima terá uns 50 metros em média, da parte de jusante terá uns 30 metros. A região da foz, a montante de S. Belchior, é também bastante larga. No porto de Bafatá o banco de laje da margem direita está só indicado na carta para não largar o ferro sobre ele, o caminho é rastejar a margem direita e em fundão a laje.”


Permito-me aqui a uma intervenção minha, tenho sérias dúvidas que o senhor capitão dos portos tenha alguma vez navegado no Geba, acho um exagero falar em 50 metros em média; aliás, e basta ver fotografias do início do século XX, no Geba estreito, do Xime até Bafatá, eram pequenas embarcações que podiam navegar no curso sinuoso do rio e com margens bastante estreitas.

Bem importante se revelam os anexos ao Boletim Oficial nº21, com data de 27 de maio de 1911, intitulados “Relatórios das Residências, Quesitos do governador em 25 de novembro de 1910 distribuído pelos residentes”.

São extensos os quesitos do governador Carlos Pereira, vamos, a título de curiosidade, ver algumas perguntas e o caráter das respostas dadas pelo residente de Farim.

Perguntado se a residência tem horta, ele responde que tem, encetara-se a plantação de algumas laranjeiras, cola, caju e mango e ananases; havia três pés de coqueiros e na época pluviosa do ano anterior plantara-se mancarra, milho, mandioca, feijão, etc. Não havia qualquer indústria acessória à agricultura. E quando perguntado se seria possível formar-se uma companhia agrícola de larga iniciativa, obtendo-se para tal a suficiente mão de obra, respondia o residente assim:
“O indígena, indolente por natureza, contenta se com o seu necessário para o seu passadio quotidiano e assim, sem muito trabalho, aproveitando a riqueza que o seu solo proporciona, trabalhando unicamente o necessário para a sua fraca alimentação, certamente, não aceitará o trabalho assalariado voluntariamente. Uma companhia agrícola que aqui viesse estabelecer e não tivesse a proteção do Governo, lutaria com sérias dificuldades para obter braços para o trabalho. É, pois, necessário, antes de uma companhia pensar em aqui se estabelecer, educar o povo pelo ensinamento da cultura adiantando o Estado os capitais criando novas necessidades, o que se conseguirá pelo aumento do comércio local, e, só assim se conseguira para o futuro braços no trabalho assalariado.”

Fala sobre o valor do trabalho, o respetivo preço, a natureza do gado e as suas epidemias e perguntado sobre as distâncias entre Farim e os vários centros de produção e consumo, responde do seguinte modo: “De Buba para Bolola, 8 km; para Cumbijã, 18; para Contabane, 32; para Xitole, 36; para Fulacunda, 30; para Impadá de Cubisseco, 42; e para S. João, 72.” Refere as dificuldades de viajar na época das chuvas por terra, abordam-se outros assuntos como o serviço de arrolamento e cobrança, pergunta-se pelo nome dos régulos da região e como é que se procede à sua nomeação, etc.

O Residente de Buba informa sobre quem é quem na sua circunscrição:
“Toda a região desta circunscrição era domínio dos Biafadas, para onde, pouco a pouco, vieram os Fula-Forros, tendo aqui recebido dos Biafadas toda a qualidade de represálias e vexames. Assim oprimidos, a colónia Fula que no Forreá se foi tornando cada vez mais numerosa, trataram de se libertar dos seus opressores, para o que se foram sucessivamente preparando, até que, julgando-se aptos para a luta, nomearam as cabeças do movimento, Bacar Guidali, pai do régulo Monjur do Gabu; Bacar Demba Biró, pai e tio do régulo Abdulai de Contabane e Umaru Hogó, avô do régulo de Bolola, Cherno Cali. Estes cabecilhas, auxiliados pelo rei de Labé, que o fez com a condição de ficar subordinado a ele o chefe que fosse escolhido para a região do Forreá, conseguiram livrar-se dos seus opressores, sendo nomeado chefe do Forreá Bacar Dembá, que mais se havia evidenciado nas lutas, porém, Bacar Guidali mandou matar não só este como o seu irmão Biró, sendo ele nomeado chefe. Estes factos passaram-se anteriormente a 1882, tempo em que o chefe do Forreá, Bacar Guidali, prestou vassalagem ao Governo português. Durante muitos anos a seguir, continuaram a luta e os Biafadas que foram esbulhados dos seus territórios do Forreá, sem que a autoridade nisso interviesse, embora por mais de uma vez tivessem pedido ao Governo para que as auxiliasse na sua defesa contra os Fula-Forros, foram, pouco a pouco, assaltando as feitorias estabelecidas nas margens do Rio Grande, que roubaram e distribuíram como represália aos brancos, feitorias que foram completamente aniquiladas. Os Fula-Pretos cativos dos Fula-Forros também oprimidos por estes, revoltaram-se contra os seus senhores, sendo chefe do movimento e principal instigador Samcobá da povoação de Candumbel, morto pelos Fula-Forros na margem esquerda do rio Corubal, na altura de Contabane, tomando nessa ocasião conta do movimento Damam, pai do atual régulo do Corubal e Demba Jae, que mais tarde foram nomeados régulos da região e onde se estabeleceram quadno libertos dos seus opressores.

Foi, pois, durante essas lutas, que o comércio em Buba ficou completamente aniquilado. Os regulados foram divididos posteriormente em chefados, não só para maior facilidade da execução das ordens da residência como também para haver vantagem para o Estado na dispensa do pagamento do imposto de palhota aos chefes das povoações, pois, anteriormente era relativamente grande o número de dispensas e hoje ficou assente que só se dispensaria aos chefes nomeados, que são 16 no regulado de Bolola, 3 em Cumbijã, 3 em Contabane e 3 no Corubal, enquanto que anteriormente excediam a 200 as palhotas dispensadas.”


O documento ainda aborda a nomeação dos régulos e o seu poderio, os direitos civis, a religião, as crenças e superstições.

Assina o Residente de Buba, José António de Castro Fernandes.

Confesso que estes quesitos e a natureza das respostas dos residentes permitem alargar a visão destes funcionários coloniais, orientando-nos para os usos e costumes dos espaços das residências, a natureza da atividade económica, as suas observações clivadas de preconceitos como a de dizer que os indígenas são indolentes, e até a explicação que o residente de Buba dá para a guerra do Forreá, diga-se de passagem, apresentando dados legitimados pela documentação existente. Veremos em breve o que ainda em maio desse ano nos veio informar o Residente de Bissorã, Viriato Ramos da Silva, tenente de Infantaria.

Telegrama publicado a 30 de maio, 1911, houvera eleições, os republicanos estão em estado de graça
Duas imagens retiradas do livro de Travassos Valdez África Ocidental Notícias e Considerações, 1864
Dançarino Mancanha, 1910
Chefe religioso, 1910.
Imagens retiradas do site Coleccionar com História, com a devida vénia

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 26 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26619: Historiografia da presença portuguesa em África (474): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1908; 1909 e 1910 (28) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26393: Historiografia da presença portuguesa em África (461): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, continuamos em 1891, chegamos a 1892 (18) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Setembro de 2024:

Queridos amigos,
É o final da governação de Augusto Rogério Gonçalves dos Santos, irá entrar em funções Luís Vasconcelos e Sá. No acto de posse do novo governador, o secretário-geral interino, o capitão Passalagua, produz uma peça impressionante, não esconde o tumulto em que vive a província, as operações no Geba, as sequelas da guerra do Forreá, a necessidade de expulsar Mussa Moló, as hostilidades de Papéis, Balantas e Grumetes na ilha de Bissau; debelavam-se as sublevação, faziam-se acordos de paz, tudo era precário, o capitão Viriato Zeferino Passalagua dirá mesmo ao recém-chegado governador que ele está ao comando de uma província onde tem que combater e destruir um a um os obstáculos. E começa-se o ano de 1892 com uma espantosíssima concessão de terrenos a dois condes de apelido Buttler, concessões extensíssimas, espalhadas por todo o território, terão morrido à nascença, a vida das sociedades agrícolas e comerciais na Guiné, com exceções daquelas que irão prosperar como a Gouveia e a Sociedade Comercial Ultramarina, tiveram vida meteórica.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, continuamos em 1891, chegamos a 1892 (18)


Mário Beja Santos

Como se procurou sublinhar no texto anterior, o Governador Augusto Rogério Gonçalves dos Santos envolveu-se na operação a que chamou Guerra de Geba; no ano anterior houvera outro foco de incêndio, a Península de Bissau, hostilidades de Papéis, Balantas e Grumetes, fora debelada. Quanto à guerra de Bissau, o Governador tomara decisões: nomeou um oficial da classe dos capitães, conhecedor da ilha, Caetano Alberto da Costa Pessoa, tudo correu bem; a guerra de Geba envolveu lanchas canhoneiras a cooperar com a coluna de operações na circunscrição de Geba, sufocada a rebelião era louvado o capitão Zacarias de Sousa Lage pela dedicação, coragem, brio e valor militar e mérito com que dirigira as operações. E no rol dos louvores também apareceram civis:
“Tendo chegado ao meu conhecimento os serviços que a este Governo levaram diversos negociantes estabelecidos em Bissau, quando foi organizada a coluna de operações que devia bater os revoltosos na circunscrição do presídio de Geba, cujos serviços são dignos de ser tomados na maior consideração da sua natureza e importância, atendendo às circunstâncias em que foram prestados:
Hei por conveniente louvar os cidadãos seguintes:
Cidadãos franceses Gentil Maffrá e Benjamin Potin pelo oferecimento que fizeram como agentes da casa Blanchard & Companhia, de duas embarcações para transportarem tropas a Geba e não terem exigido frete por material que para ali foi transportado em embarcações diversas pertencentes à casa que representam;
Súbdito alemão Otto Schacht, como representante de Bernardo Soller; pelo oferecimento que fez de duas embarcações para conduzirem força e género a Geba, e duzentas libras de pólvora para auxiliares, e por ter gratuitamente posto à disposição do comandante militar de Bissau uma embarcação para descarregar carvão de pedra que estava a bordo do vapor Bissau;
José Sebastião de Sena, súbdito português, por ter oferecido um bote para transportar arroz para os auxiliares em Geba – e uma chalupa para transportar a esta capital uma força vinda do Geba;
Ricardo Barbosa Vicente, súbdito português, por ter oferecido uma chalupa para o desembarque do carvão de pedra que estava a bordo do vapor da empresa nacional.”


A 22 de junho de 1891 mudamos de Governador, agora é o tenente-coronel Luís Vasconcelos e Sá, toma posse com pompa e circunstância, recebe as laudes do secretário-geral interino, capitão Zeferino Passalagua. Avisa o novo Governador que a área da província é grande, porém a esfera de ação do domínio português é limitada. Fora dos pontos por nós ocupados e além de uma faixa com a escassa largura de 120 metros em volta dos muros ou das paliçadas que delimitam esses escassos pontos da presença portuguesa, a nossa autoridade e o nosso prestígio são iguais a zero, diz o secretário-geral interino. Entende não dever dizer na cerimónia as causas do abatimento, o novo Governador irá ler os documentos oficiais, limita-se a dizer a quem chega que os diversos selvagens que povoam esta região não conhecem o deslumbramento da civilização e do progresso – "são hoje tão selvagens como há quatro séculos quando ocupámos esta colónia; enquanto não conseguirmos civilizá-los, não conseguirmos também que o nosso prestígio se alevante e a nossa autoridade seja conhecida e respeitada.” E vai continuando a dizer verdades como esta: A não ser na ilha de Bissau, em que a nossa autoridade é respeitada, nos outros pontos é permanente o desassossego. Refere o que se passou no Forreá, que em Buba é preciso uma vigilância permanente, o presídio de Geba também não goza de tranquilidade e na sua circunscrição há permanente rebelião; o secretário-geral interino não esquece os dissabores provocados por Mussa Moló. E termina assim a sua alocução:
“Vem Vossa Excelência governar-me a província onde tem que combater e destruir um a um os obstáculos, os atritos e as dificuldades que a todo o momento hão de surgir, para prejudicar todos os projetos que Vossa Excelência conceber para bem administrar esta colónia; e quanto mais sublimes e grandiosos forem esses projetos, maior será a luta em que Vossa Excelência terá de empenhar-se para conseguir alevantar a província do marasmo, que a definha.”

Início de novo ano, há estrangeiros a cobiçar as terras da Guiné. No Boletim Official n.º 2, de 9 de janeiro, vemos que o Governo está pronto a cedências, através da Direção Geral do Ultramar, do Ministério dos Negócios da Marinha e Ultramar. Recorda-se que há consideráveis tratos de terrenos incultos na Guiné, completamente desaproveitados pelos indígenas, são necessários modernos processos agrícolas que assegurem um rápido desenvolvimento moral e intelectual dos habitantes, e depois de vários consideramos decreta-se a concessão para explorações agrícolas cruciais à companhia ou sociedade que for legalmente constituídas pelos súbditos franceses, conde Buttler e conde Raoul Buttler, os terrenos públicos baldios, e são citados territórios manjacos, parte de território das Balantas e Brames situados entre a margem esquerda do rio Cacheu, terrenos na margem direita do rio Geba perto de S. Belchior, territórios limitados a Oeste pelo mar, ao Sul pela margem direita do rio Cacheu até Farim, ao Norte pela fronteira franco-portuguesa… Tudo isto é impressionante, vai até à ilha das Cobras ao Norte de Bolama e às ilhas Caraxe, Caravela e Galinhas. Reza o decreto que ficavam expressamente excluídos da concessão todos os terrenos ocupados e plantados pelo gentio, a companhia devia estar legalmente constituída dentro de um ano, ficando para todos os efeitos sujeita às leis portuguesas. E dizem-se quais as obrigações da sociedade concessionária: explorar agricolamente os terrenos da sua concessão e introduzir novas culturas, até hoje não empreendidas na Guiné; a fazer a exploração vegetal, a fazer todas as obras necessárias para a canalização e navegabilidade do rio Corubal; a ceder ao Governo português os terrenos que forem precisos para a construção de caminhos de ferro, estradas, fortificações, alfândegas ou quaisquer outras obras ou estabelecimentos do Estado. Ao que se sabe, nenhuma concessão foi criada.

Morança do Régulo de Chulame. Manjacos. Região de Cacheu, por Fernando Schiappa de Campos, 1959. Imagem da exposição Habitats tradicionais da Guiné-Bissau¸ que decorreu no Museu Nacional da História Natural e da Ciência, em 2018
Fortaleza de São José da Amura, na atualidade
Todos ao aeroporto de Bolama, é um modesto campo de aviação, vão chegar os aviadores portugueses, 2 de abril de 1925

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 8 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26362: Historiografia da presença portuguesa em África (460): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, começou a última década do século XIX (17) (Mário Beja Santos)