Pesquisar neste blogue

Mostrar mensagens com a etiqueta São Tomé e Príncipe. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta São Tomé e Príncipe. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 31 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26632: Notas de leitura (1785): "Futuros Criativos"; edição da Associação para a Cooperação Entre os Povos, Fundação Portugal-África e Instituto Camões, 2019 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Dezembro de 2023:

Queridos amigos,
Aqui passamos em revista, no âmbito de um conjunto de atividades desenvolvidas pela cooperação portuguesa em países lusófonos o que especificamente se passa na Guiné-Bissau em artes performativas, artes visuais e plásticas, design de artefactos, casas editoriais, formação de jovens para iniciativas, projetos de televisão, produtos da terra orientados pela sustentabilidade, jovens formados a pensar na inteligência artificial e na robótica e até linguagem do riso ao serviço da economia e do entretenimento. São aspetos francamente positivos que espelham a resiliência e a vontade de progredir a despeito de uma atmosfera política que não deixa de ser deprimente. São futuros criativos que nos fazem confiar que a Guiné-Bissau não está de mãos atadas.

Um abraço do
Mário



Futuros criativos da Guiné-Bissau (2)

Mário Beja Santos

Futuros Criativos tem a ver com economia e criatividade em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, S. Tomé e Príncipe, e Timor-Leste, acolhe um conjunto de atividades desenvolvidas pela ACEP – Associação para a Cooperação Entre os Povos, edição da ACEP, Fundação Portugal-África e Instituto Camões, 2019. Aqui são repertoriadas atividades em parceria com organizações e pessoas destes países de língua portuguesa ao longo dos últimos quatro anos, com o objetivo de conhecer e valorizar a inovação e a criatividade como fatores de desenvolvimento. Dando continuidade ao texto anterior, vamos ver duas editoras guineenses, Corubal e Ku Si Mon, a Escola de Artes e Ofícios da Guiné-Bissau, a Cobiana Records, a TV Klele, a Tiniguena, a Innova Lab e Mister Paul.


Corubal Edições

Fundada em 2012, a Corubal surge da inspiração empreendedora de jovens e é impulsionada pela necessidade de “promover coisas boas em maus momentos” (Golpe de Estado de 12 de abril de 2012) e contribuir para a dinamização de uma massa crítica nacional através da produção, animação e divulgação de conhecimentos. A editora tem como objetivo levar junto ao público pensamentos e práticas de diferentes autores. Tem uma equipa que trabalha na edição e conta com uma bolsa de colaboradores em função da natureza dos conteúdos. É responsável pela edição da Agenda Cultural de Bissau, em parceria com o município, publicação que tem tido um papel de destaque na divulgação de iniciativas e de criativos da cidade.
Trabalho da Corubal
Obra publicada da Corubal

Ku Si Mon Editora

É a primeira editora privada guineense. Foi criada em Bissau, em 1994, por Abdulai Sila (escritor guineense), Teresa Montenegro (investigadora chilena) e Fafali Koudawo (investigador togolês). A Ku Si Mon (do crioulo guineense Com As Próprias Mãos) é fundamentalmente, uma aposta na independência, no futuro, no desenvolvimento, em África. A editora tem como principais domínios de intervenção a literatura, a tradição e a linguística. Tem publicados textos em português e edições bilingues crioulo-francês e crioulo-francês. No seu catálogo encontram-se obras e escritores de referência da Guiné-Bissau, com reconhecimento além-fronteiras, e uma importante coleção de contos orais, que são parte do património literário do país. A Ku Si Mon tem funcionado com base no trabalho não renumerado dos seus membros, que executam todas as fases da edição prévias à impressão, As despesas de funcionamento são geralmente suportadas pelos seus membros que a aplicam as receitas na edição dos seus livros. Durante a guerra de 1998-99, a sua sede foi bombardeada, tendo-se perdido boa parte do seu património. A Ku Si Mon Editora está integrada em redes internacionais e é membro fundador da “Aliança dos Editores Independentes”, uma associação internacional que congrega 75 editores de 42 países.
Capa de obra de Abdulai Sila, o criador da Ku Si Mon Editora
Outra edição da Ku Si Mon

Escola de Artes e Ofícios

É uma iniciativa da organização não-governamental Ação para o Desenvolvimento (AD), que surge em 2009, que surge com o apoio da União Europeia e da Cooperação Portuguesa. A Escola tem por objetivo a capacitação dos seus formandos com instrumentos técnicos e práticos que lhes permitam desenvolver as suas próprias iniciativas de emprego.
A Escola oferece um programa de formação técnica diversificado: produção de sal solar, tricotagem, cursos de eletrónica, transformação e conservação de produtos locais, montagem e reparação de painéis solares, tinturaria de panos, etc. Desde a sua criação, é responsável pela formação de mais de mil alunos jovens e mulheres.
Atividades da Escola de Artes e Ofícios

A TV Klele: para comunicar e formar

Foi fundada no ano 2000 pela Ação para o Desenvolvimento, a TV Klele é uma televisão comunitária, produz conteúdos audiovisuais orientados para os moradores do bairro do Klele, sendo uma ferramenta de comunicação para o desenvolvimento. Com a experiência acumulada ao longo dos anos, e dispondo dos equipamentos e tos técnicos especializados, a TV Klele passou a prestar serviços na área da produção audiovisual: fazem a cobertura de eventos, produzem documentários, filmes e videoclips. Têm como clientes instituições nacionais e internacionais, outras ONGs e cidadãos privados. É igualmente um espaço formativo para jovens, que aí adquirem competências especializadas e têm acesso a emprego na área dos media.
A TV Klele em ação

Cobiana Records: estimular a indústria cultural do país

É uma produtora musical guineense fundada na primeira metade dos anos 2000, por Zé Manel, músico do grupo Super Mama Djombo. A ideia de colocar a experiência acumulada ao serviço do seu país, surgiu quando ainda vivia nos EUA e produzia para músicos guineenses, incluindo para a sua banda. O objetivo da Cobiana Records é gravar músicos nacionais, com elevada qualidade, com proximidade à diáspora guineense e estimular a indústria cultural do país. Dispõe de um espaço físico projetado por um engenheiro de som profissional, instrumentos de captação e tratamento de som de alta qualidade (microfones, guitarras, pianos, mesa de mistura, colunas e software de edição). Oferece serviços como aulas de música, consultadoria no domínio cultural, organização de eventos, captação e tratamento de som. Zé Manel quer continuar a gravar música da Guiné-Bissau com qualidade e participar na dinâmica de internacionalização da cultura nacional, usando Senegal e Portugal como mercados de apoio.
É assim que se grava para a Guiné e para o mundo
Homenagem a um cantor mitológico

Tiniguena: produtos da terra e do mar Bijagó

É uma organização não-governamental que atua na proteção e valorização dos recursos naturais e dos saberes associados à gastronomia e à cultura das várias etnias da Guiné-Bissau. Para dinamizar o mercado e mostrar a riqueza e qualidade dos produtos nacionais, a organização traz para Bissau o que de melhor se encontra pelas diversas regiões do país. São exemplos dessa atividade os produtos das ilhas Bijagós, Urok, produzidos com base em princípios de agricultura sustentada. No âmbito das comemorações do Dia do Consumo Nacional, a Tiniguena organiza eventos em nome do património gastronómico nacional, caso da festa do peixe. Com o propósito de promover a introdução gradual nas ementas escolares e hoteleiras, de valores como o uso de produtos não artificiais, a importância dos valores nutricionais e a preferência por pratos e ingredientes locais, estes eventos são considerados muito importantes para a promoção da gastronomia e dos produtos guineenses.
Tiniguena, os produtos da terra e do mar Bijagó

Innova Lab, a ambição de formar mil jovens em inteligência artificial

O Innova Lab surgiu em 2015, o seu objetivo era o de criar um ambiente favorável às novas tecnologias na Guiné-Bissau. Foi fundado por jovens guineenses na área da gestão, engenharia e finanças.
Procura potenciar a inovação no país. O laboratório atua em várias vertentes, nomeadamente através da dinamização de espaços de coworking e de workshops, pitches e conferências relacionadas com os temas do empreendedorismo, novas tecnologias e ciência. Simultaneamente disponibiliza serviços de mentoria a start-ups guineenses, oferecendo-lhe aconselhamento por parte de técnicos e especialistas nestas áreas. O laboratório permitiu desde 2015, incubar mais de 10 projetos, 5 dos quais já se encontram em funcionamento. O laboratório pretende formar mil jovens nas áreas da inteligência artificial, blockchain e robótica, de forma a desenvolver as suas competências para solucionar os problemas que o país enfrenta.
Innova Lab

Mister Paul e a linguagem do riso

Eugeménio Mendes descobriu o seu talento para a criação de serviços publicitários quando ainda era animador da rádio. Acreditando na sua capacidade de influência e persuasão, Mr. Paul começou a desenvolver os seus próprios conteúdos para a promoção de produtos alimentares, introduzindo aspetos relacionados com o quotidiano do público-alvo e as especificidades socioculturais das diferentes comunidades guineenses. Recorre ao crioulo e a um conjunto de línguas, tornou-se no mais cobiçado “artista da publicidade”. Segundo Mr. Paul é preciso que as pessoas se relacionem com o produto, afirmando que isto só é possível através da “linguagem do riso” que considera universal, aliada à língua que as pessoas considerem como sua. Tem a sua própria rádio, a Tropical FM.
Mister Paul, porque fazer rir é uma arte sublime
_____________

Notas do editor:

Vd. post de 24 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26611: Notas de leitura (1783): "Futuros Criativos"; edição da Associação para a Cooperação Entre os Povos, Fundação Portugal-África e Instituto Camões, 2019 (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 28 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26626: Notas de leitura (1784): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: Na Terra do Novo Deus: O general Henrique Dias de Carvalho na Guiné (1898-1899) (5) – 1 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 24 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26611: Notas de leitura (1783): "Futuros Criativos"; edição da Associação para a Cooperação Entre os Povos, Fundação Portugal-África e Instituto Camões, 2019 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Dezembro de 2023:

Queridos amigos,
Aconteceu andar a passear pelo Campo dos Mártires da Pátria e resolvi entrar no Goethe-Institut, aqui se promove a língua e cultura alemãs, tem permanentemente livros em saldo, dirigi-me em primeiro lugar à biblioteca, se tinha vindo alguma coisa sobre a Guiné-Bissau, que não, mas lembrava-se que havia ali uns expositores de livros em segunda-mão qualquer coisa que falava da Guiné-Bissau. Matei a barriga de misérias, encontrei um cd com os concertos de flauta de Georg Philipp Telemann, interpretações prodigiosas, livros de fotografia e, cá está, este Futuros Criativos que me encheram a alma, naquele dia em que vinham notícias tão sombrias de uma terra que tanto amo, e aqui fica esta minha homenagem àquele povo que não desfalece com sucessivos piratas em lideranças políticas, são a estes futuros criativos que mando o meu abraço e votos de resiliência, haverá um dia em que este povo amável encontrará lideranças justas.

Um abraço do
Mário



Futuros Criativos da Guiné-Bissau (1)

Mário Beja Santos

Futuros Criativos tem a ver com economia e criatividade em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, S. Tomé e Príncipe, e Timor-Leste, acolhe um conjunto de atividades desenvolvidas pela ACEP – Associação para a Cooperação Entre os Povos, edição da ACEP, Fundação Portugal-África e Instituto Camões, 2019. Aqui são repertoriadas atividades em parceria com organizações e pessoas destes países de língua portuguesa ao longo dos últimos quatro anos, com o objetivo de conhecer e valorizar a inovação e a criatividade como fatores de desenvolvimento.

A criatividade e inovação estão cada vez mais na base da valorização de recursos endógenos e até identitários, de descoberta de novas soluções para uma multiplicidade de desafios, assistimos à criação de oportunidades para jovens, uma maior igualdade na inserção das mulheres no trabalho e nas comunidades, inclusão de populações rurais envelhecidas, uma gestão de recursos de forma sustentada, valorização de culturas nacionais, com o recurso a inovações da ciência e da técnica. A economia criativa é um conceito baseado nos recursos criativos que potencialmente geram crescimento e desenvolvimento económico. Aqui se passam em revista experiências em território da Guiné-Bissau que abarcam diferentes áreas, mas que certificam que a economia criativa permite o desenvolvimento de atividades económicas suportadas pelo capital cultural, criativo e artístico, transversal aos contextos culturais, artísticos, sociais e económicos e que conferem um caráter único aos bens e serviços gerados.

Escrevo este texto numa ocasião uma vez mais tão dolorosa para o povo da Guiné-Bissau, o que aqui mostro, retirado deste esplêndido livro, é a minha rendida homenagem a um povo que tanto amo, tem a sorte madrasta de ser dirigido por classes políticas cúpidas, dominadas pela agiotagem, expedientes de corrupção, tenebrosos compadrios de negócios, incluindo os da droga. Um povo que nos deslumbra pela capacidade de superara adversidade e de usar a inovação e o criativo como recursos ilimitados.


Os Netos de Bandim: amigos das crianças e das artes

São crianças e jovens entre os 4 a 30 anos de idade e todos têm uma paixão pelas artes culturais e tradicionais dos diferentes grupos étnicos que representam a cultura guineense. Surgem da iniciativa da organização não-governamental guineense Amigos das Crianças, em 2000, com o objetivo de sensibilizar para a maior promoção da cultura guineense, recolhendo e divulgando elementos de expressão dos diversos grupos étnicos do país. Rapidamente se transformou também em instrumento de sensibilização através da dança, música e teatro, reunindo cerca de 120 associados jovens, do bairro de Bandim, em Bissau. As receitas provenientes das atuações revertem para a educação dos seus associados e para o apoio em despesas de saúde. Os Netos de Bandim são uma presença assídua no Carnaval e já representaram o país na maior manifestação de Carnaval do mundo – o Carnaval do Brasil.
Imagens dos Netos de Bandim

Irmão Unidos, pelo sangue e pelas artes plásticas

Começaram por pintar cabaças, no início dos anos 2000. Criaram então o grupo “Irmãos Unidos”. A pintura foi-se tornando uma forma de contribuir para a dinamização da cultura guineense. Neste sentido envolveram-se na Associação de Artistas Plásticos, onde Lemos Djata tem exercido funções como presidente. Já apresentaram o seu trabalho em exposições individuais e coletivas na Guiné-Bissau, Cabo Verde, Senegal e Egipto, Portugal, França, Bélgica e Espanha. Foram galardoados como os melhores pintores do ano em Bissau, em 2005, tendo recebido prémios e distinções por organizações da Polónia, de Portugal e da diáspora guineense. Sentido que as artes plásticas têm ainda pouco espaço na Guiné-Bissau, procuram divulgar o seu trabalho num espaço de exposição coletiva em Bissau, onde apresentam o seu trabalho, com outros artistas plásticos nacionais.
Os Irmãos Unidos, Ismael e Lemos Djata
Imagem de um dos seus trabalhos

A deslumbrante panaria que sai dos panos de pente

Fundada em 2004, a Artissal é uma associação guineense que trabalha na recuperação e valorização da panaria guineense. Os panos de pinti (de pente, o tipo de tear utilizado) são tradicionalmente utilizados nas mais importantes cerimónias das pessoas e comunidades, principalmente das etnias Papel e Manjaca, e a sua produção é habitualmente realizada por homens, a partir de conhecimentos e técnicas ancestrais, transmitidos entre gerações. A associação tem desenvolvido um trabalho de pesquisa e recuperação de materiais e padrões antigos, de práticas de tecelagem e de modelos de teares, introduzindo elementos de melhoria, quer na qualidade das matérias-primas quer na qualidade dos processos de trabalho. Tem igualmente dinamizado grupos de mulheres tecelãs, de etnia Papel, que participam de grupos de formação com artesãos, abrindo assim esta atividade às mulheres. Com o propósito de melhorar a dinâmica de produção e a geração de rendimento para os artesãos e artesãs, estes estão organizados em cooperativas e numa federação: a Cooperativa Bontche, em São Paulo, Bissau, a Cooperativa Djaguimobilar, em S. Domingos, e a Federação Sitna Bissif, em Cacheu. A Artissal procura integrar estes grupos em redes nacionais e internacionais de comercialização solidária, contribuindo para a divulgação da panaria tradicional guineense e para a comercialização dos produtos por um preço justo. A qualidade desta panaria tem sido alvo de reconhecimento que permite a continuidade do projeto, pelos apoios que estimulam a continuidade.
Artissal, os maravilhosos panos de pente

B&F, a engenheira que se dedica à moda

Nérida Fonseca é uma jovem engenheira informática que trabalha para uma grande empresa internacional de telecomunicações. Em 2014, decide criar a sua própria empresa, a Batista & Fonseca, que se dedica à produção e comercialização de acessórios de moda e decoração a partir de elementos tradicionais da cultura guineense – o pano de pinti. Este artigo, tradicionalmente associado às cerimónias fúnebres e matrimoniais das etnias Papel e Manjaca, adquire novas formas e funções nas criações de Nérida. O que é que faz correr esta engenheira informática? A paixão pela moda e pelo seu país, a que se aduz a sua capacidade enquanto autodidata, o que lhe permitiu aliar o design contemporâneo ao saber tradicional pano de pinti. Inicialmente, tudo o que confecionava era ou para uso exclusivo na própria casa ou para dar presentes aos amigos e conhecidos. A receção que as diferentes peças tiveram no mercado foi determinante para a formação da dimensão comercial. E o aeroporto de Bissau tem sido a sua rampa de lançamento.
B&F, acessórios de moda e decoração a partir de elementos da cultura guineense

(continua)
_____________

Nota do editor

Último post da série de 21 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26603: Notas de leitura (1782): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: Negros e brancos na Guiné Portuguesa (1915-1935) (4) – 3 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26481: Notas de leitura (1771): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (5) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Setembro de 2023:

Queridos amigos,
O historiador Hermann Kellenbenz faz um tipo de relatório de situação sobre aspetos histórico-económicos da expansão ultramarina portuguesa, não emite juízos quanto a um sugerido balanço. Reconheça-se o interesse pelo que escreve quanto a formas de povoamento, de presença portuguesa em fortalezas e postos de África, a natureza do comércio oriental, as etapas da colonização brasileira, o modo como os portugueses influíram no comércio mundial devido ao açúcar, às especiarias, ao ouro, às madeiras e ao comércio negreiro. O autor observa a falta de recursos humanos, e daí o abandono das praças do Norte de África, onde a beligerância era constante e os proventos baixos; como a presença portuguesa em África foi alterando as redes de negócio do ouro; as mudanças operadas após o descobrimento da rota do Cabo que trouxe uma cascata de preciosidades a Lisboa; e o bom exemplo da pimenta que era distribuída por toda a Europa, se bem que Portugal não possuísse o monopólio das especiarias e muito menos dos metais preciosos. Enfim, uma estimulante análise da vertente histórico-económica dos Descobrimentos portugueses. E assim se chegou ao fim da apreciação do livro Balanço da Colonização Portuguesa, que nos suscitou a curiosidade por ter sido editado precisamente em 1975.

Um abraço do
Mário



A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (5)

Mário Beja Santos

Iniciativas Editoriais foi uma editora altamente conceituada, dirigida por José Rodrigues Fafe, os temas sociopolíticos foram o seu polo atrativo. Lançou um projeto aliciante, o de juntar um conjunto de profundos conhecedores da historiografia da expansão/colonização portuguesa e pedir-lhes uma apreciação em jeito de balanço, estávamos no ano de 1975.

Responderam ao pedido vários historiadores e investigadores, já aqui se falou dos textos de Banha de Andrade, Frédéric Mauro, Charles Ralph Boxer e Joel Serrão. Vamos hoje despedirmo-nos com o contributo do historiador alemão Hermann Kellenbenz, intitulado Aspetos histórico-económicos da expansão ultramarina portuguesa.

Ele começa por várias interrogações: como foi possível a um país tão pequeno criar condições de povoamento nas suas possessões ultramarinas? Como foi financiada a expansão ultramarina? O que significou a expansão para a economia portuguesa? De que modo se enquadrou a expansão na economia europeia? Qual o seu significado para os territórios ultramarinos?

Procurando responder, conduz-nos às condições climático-geográficas do país, de terra pobre, com períodos consideráveis de seca e de chuva irregulares, o que pode explicar a concentração demográfica nas zonas costeiras; foi sempre permanente a escassez demográfica, apesar das conquistas feitas no Norte de África não foi possível penetrar no Norte de Marrocos, mas tudo sempre numa cadeia infindável de dificuldades, e a partir de 1541 perderam-se uma a uma as possessões conquistadas; os arquipélagos da Madeira e dos Açores eram áreas relativamente pequenas, suscitou poucos problemas, mas vieram colaborações do continente europeu e cedo se começou a utilizar a mão-de-obra escrava; os flamengos tiveram um papel importante no povoamento dos Açores e foram feitas concessões no povoamento de Santiago e outras ilhas de Cabo Verde; os povoadores que se apresentaram na Senegâmbia e S. Tomé eram descendentes dos judeus degredados; não havendo, pois, condições de povoamento intensivo e alargando-se o espaço da presença portuguesa em África e depois no Oriente, encontrou-se solução a criação de postos de apoio tanto militares como comerciais, caso de Arguim ou São Jorge da Mina; a partir de 1503, Cochim na zona orienta da Índia, tornou-se o principal reduto dos portugueses, o governador-geral Afonso de Albuquerque, o primeiro vice-rei da Índia, favoreceu a mistura de mulheres muçulmanas hindus em casamentos com portugueses.

Proposto escrever em que termos os portugueses estavam presentes no longínquo oriente, o historiador observa que a situação do Brasil era completamente diferente, recorreu-se aos sistemas de donatorias e sesmarias, os donatários eram principalmente mercadores, funcionários públicos, gente que se tinha distinguido na Índia, sem necessariamente descenderem de famílias aristocráticas. Passando para a questão do financiamento, o autor releva o espírito empreendedor dos portugueses, nomeadamente os da costa algarvia e o povo de Lisboa, chamo a atenção para a contribuição de burgueses como Fernão Gomes e Martim Anes Boa Viagem, no entanto, o financiamento dos Descobrimentos competia em primeiro plano à Coroa, e tece a seguinte consideração: “Os reis portugueses demonstraram um alto grau de inteligência acolhendo estrangeiros com capital e espírito empreendedor e dando-lhes a possibilidade de participar nos Descobrimentos.” – e refere nomes como o do veneziano Cada Mosto, o de genovês Antonio de Nola, e enumera também outros nomes de italianos e de alemães. A sede da organização da Coroa era a Casa da Índia que foi dissolvida em 1549, para facilitar a entrada de capital estrangeiro. Mas havia um senão: o aparelho financeiro da Coroa não se desenvolvera de acordo com as exigências crescentes das expedições ultramarinas – daí a dívida galopante e a incapacidade de lhe pôr termo dada a vida luxuosa que se praticava.

Qual o significado económico destas possessões ultramarinas? Ceuta rapidamente perdeu importância comercial que até aí detivera; as ilhas do Atlântico revelavam-se economicamente importantes, a Madeira fornecia madeira, urzela e peixe, o açúcar virá depois, será exportado para os mercados da Europa Central; os Açores tornaram-se produtores de cereais, exploravam a produção de tinta-pastel que era exportada sobretudo para os flamengos; Cabo Verde não se prestava muito à cultura da cana do açúcar, na Ilha do Fogo desenvolveu-se a cultura do algodão bem como a criação de gado bovino e cavalar e em ilhas inabitadas praticou-se a criação de gado caprino; em S. Tomé, em 1512, desenvolveu-se a cana açucareira, havia um total de 60 engenhos e 300 escravos; mas é importante relevar que Cabo Verde passou a ter um importante papel no comércio ultramarino português, devido ao ouro e aos escravos. Kellenbenz alarga-se na descrição deste fenómeno económico na costa ocidental africana, mas também no reino de Monomotapa, na África Oriental, aqui se adquiriu muito ouro que também vinha do longínquo oriente, de Sumatra e da Malásia. E dá enfâse ao tráfico africano de escravos, da maior importância a partir do último quartel do século XV, não deixando igualmente de mencionar o comércio da pimenta e a malagueta, mas não deixa de referir que a pimenta africana ficava muito aquém da pimenta vinda da Índia Oriental. Tece uma larga exposição sobre todo este comércio para depois mencionar o Brasil, primeiro pela exploração açucareira, com destaque para Pernambuco e Baía, depois o comércio do pau-brasil, muito apreciado em Lisboa, Antuérpia e Amesterdão.

Outra questão a responder à pergunta das consequências da expansão portuguesa na economia europeia. O autor afirma que é difícil estabelecer uma nítida separação entre a parte portuguesa e a espanhola, procura, no entanto, aferir o carregamento dos barcos e os portos a que se destinava tal carga, de Antuérpia a Danzig, e indiscutivelmente traziam novidade: “Os produtos que chegavam à Europa, as mercadorias africanas e asiáticas, alteraram completamente a antiga rota do Mediterrâneo. Os produtos vindos das ilhas do Atlântico e Brasil eram completamente novos. A importação de especiarias orientais é o setor mais interessante na rota do Cabo, alteravam-se as regras da concorrência e com o tempo o comércio no Mediterrâneo foi-se desvanecendo. E importa não esquecer que Portugal não possuía o monopólio das especiarias, Portugal era forçado a vendê-las para comprar os produtos apetecidos em África e na Ásia, acontecerá o mesmo com os nossos metais preciosos.” E daí a nova questão: como é que se verificou o domínio português na economia das regiões subjugadas: nas ilhas atlânticas houve povoamento, eram terra-virgem; nos pontos africanos era necessário apoio militar, e o autor recorda que os portugueses que vivam fora das fortalezas eram na sua maioria exilados, reclusos ou ventureiros, caso dos tangomaos na Guiné; e no tráfego de escravos faziam-se acordos com chefaturas africanas; recorda que o movimento comercial português no Índico devem ser observadas à luz da ligação com a viagem ao Oriente, era simultaneamente um sistema de alianças mas também podia envolver crueldade e intimidação; e tece considerações sobre a missionação fundamentalmente no Brasil e nalgumas parcelas do Oriente. Kellenbenz não formula qualquer juízo sobre qual o balanço da colonização portuguesa, a não ser estes tópicos de interações socioeconómico-culturais, tanto em África como no Oriente e Brasil.

Damos assim por findo um conjunto de sumulas em torno de uma iniciativa bem curiosa de se fazer um balanço da colonização portuguesa em pleno ano de 1975.

Para que conste.

Hermann Kellenbenz
Exploração açucareira no Brasil
Vista do Castelo de São Jorge da Mina, figura do século XVII, a fortaleza já está em poder dos holandeses
O tão apetecido pau-brasil comercializado por toda a Europa
Como se organizava uma missão jesuítica no Brasil, século XVII
_____________

Notas do editor:

Vd. post de 3 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26455: Notas de leitura (1769): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (4) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 7 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26471: Notas de leitura (1770): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, a governação de Vellez Caroço, totalmente distinta das anteriores (13) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26215: Fotos à procura de... uma legenda (189): quem ainda chegou a conhecer o Portugal do Minho... a Timor ?



Foto nº 1 > Moçambique > Lourenço Marques > 1951 > Vista aérea


Foto nº 1A > Moçambique > Lourenço Marques > 1951 > Vista aérea


Foto nº 1B > Moçambique > Lourenço Marques > 1951 > Vista aérea


Foto nº 1C > Moçambique > Lourenço Marques > 1951 > Vista aérea

Foto nº 2 > ?

Foto nº 3 > ?


Foto nº 4 > ?


Foto nº 5 > ?

Foto nº 6 > ?

Foto nº 7 > ?

1. Estas fotos sáo do princípio dos anos 50. Para já não vamos citar a fonte, que é para os nossos leitores poderem fazer o TPC este fim de semana... sem ajudas.

Dizem respeito às ex-colónias portuguesas, promovidas em 1951 à categoria de "províncias ultramarinas"... Estão aqui todas representadas, menos Angola... A nº 1 náo tem nada que enganar: é Lourenço Marques, com algumas das suas artérias e  edifícios emblemáticos... Quem, dos nossos leitores, a chegou a conhecer pode identificar facilmente alguns pontos de referència.

As outras (de 2 a 7) podem ser mais difíceis de identificar: 

  • um trecho de costa (nº 7), 
  • a vista aérea de uma capital (nº 6),  
  • um hospital psiquiátrico recém-inaugurado (nº 5), 
  • umas salinas (nº 4),
  • uma embarcação típica (nº 3),
  • mais uma vista aérea de uma capital com a sua conhecida baía (nç 2)...
Eu nunca cheguei ao Índico, aliás só conheço a Guiné e Luanda (não posso dizer que conheço Angola)... E de Cabo Verde, só pisei o areoporto do Sal... Aliás, nem pisei, não saí do avião, que lá fez escala em 1970..

Mas temos aqui, entre os nossos leitores, gente que conheceu bem o nosso antigo "império colonial"... Não é nenhum exercício de saudosismo..."colonialista". Mesmo se todos nós fomos, de uma maneira ou outra, "colonialistas"... Bastava ter, afinal, vestido a farda do exército colonial, a do caqui amarelo ou, mais tarde,  a  camuflada... 

O António Rosinha tem razão, ele não foi o único "colón"...Às vezes, coitado, até parece que está aqui sozinho na Tabanca Grande...

Bom, quem quer dar uma ajuda ?
______________

Nota do editor:

Último poste da série > 25 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26189: Fotos à procura de... uma legenda (188): é mesmo a última das 4 fotos aéreas de que falta identificar a localização, diz o fotógrafo, Morais Silva, cap art, cmdt da CCAÇ 2796, Gadamael, em finais de 1971

sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24958: Capas da Gazeta das Colónias (1924-1926) (1): Os "angolares", indígenas de São Tomé


São Tomé - "Angolares", indígenas de S. Tomé nas suas caraterístiias casa de tábuas 
de "pau-caixão" (Urophyllum insulare)"


Gazeta das Colónias: semanário de propaganda e defesa das colónias, Ano I, nº 13, Lisboa, 6 de novembro de 1924. Diretor: Oliveira Tavares. (Cortesia da Hemeroteca Digital de Lisboa).


I. Este periódico publicou-se de 1924 a 1926. Começou por ser de periodicidade semanal e depois quinzenal. Mas saiu com irregularidade (por vários motivos: falta de papel, dificuldades financeiras, etc.). 

Era propriedade da Empresa de Publicidade Colonial Lda. A redação e administração originalmente ficavam na Rua do Diário de Notícias, ao Bairro Alto, Lisboa, e a tipografia na Rua do Século. Foram publicados 41 números.  Na coleção da Hemeroteca Digital de Lisboa faltam alguns números (10, 25, 30, 39). 

(...) "Variando as dimensões entre as 32 e as 24 páginas (...) , manteve sempre a paginação a três colunas, com muita ilustração, reservando a primeira página, na íntegra, à publicação de uma fotografia de motivo colonial (etnográfico, histórico, monumental, etc.). 

"A apresentação dos conteúdos, fluida e bem delimitada, obedecia a um critério de agrupamento por territórios coloniais ('Angola', 'Cabo Verde', 'Macau',  'Timor', etc.) a que se seguia o título próprio do artigo, ou à arrumação por secções temáticas ('Desporto', 'Arte', «Noticiário', 'Estrangeiro',  etc.). 

"A publicidade, disseminada pelas páginas do jornal, foi ocupando um espaço cada vez maior, vindo a ser exclusiva em meia dúzia de páginas iniciais e em quase outras tantas finais de cada número. " (...)

Da leitura do nº 1 da Gazeta (que saiu a público a 19 de junho de 1924),   ficamos a saber qual era a sua orientação editorial. Diz-se na  “A missão que nos impomos”, editorial não assinado:

(...) "Desde que, por virtude da Grande Guerra, a Alemanha se viu despojada dos seus extensos domínios ultramarinos, Portugal tomou o terceiro lugar no grémio das Nações coloniais. 

um lugar que nobilita, mas é também um lugar que obriga. 

"É uma situação que chama sobre nós as atenções gerais, e que se atrai sobre a nossa ação as vistas imparciais duns, pode atrair por parte doutros, vistas turvadas pela ambição. Nem sempre lá fora é devidamente apreciado o nosso esforço de colonização. 

"Abstraindo da exiguidade dos nossos recursos, em homens e em dinheiro, pretende-se por vezes menoscabar a nossa obra colonizadora. 

"Pois é indispensável que se mostre clara e nitidamente, que essa obra é grande, considerada em absoluto, é formidável se a relacionarmos com outras e ainda com os apoucados recursos de que temos disposto. 

"Essa propaganda da nossa ação colonizadora, é uma das missões que a si própria impôs a 'Gazeta das Colónias', que hoje sai à luz da publicidade, como sói dizer-se. Mas, se a obra de colonização por nós já realizada nos nobilita, não quer isto dizer que ela esteja completa." (...)

Sobre a estrutura editorial:

(...) "Teve a Gazeta por diretores os majores Oliveira Tavares (que foi também seu administrador até ao n.º 2), António Leite de Magalhães (1878-1944) — a partir do n.º 21, de 25 de abril de 1925 — e José Veloso de Castro (1869- 1930) — do n.º 37 (10 de setembro de 1926) em diante; foram seus editores Maximino Abranches e, a partir do n.º 6 (7 de agosto de 1924), Joaquim Araújo — resumindo-se a este pequeno núcleo a sua estrutura 'fixa', composta à vez por duas pessoas, onde não não havia corpo de redatores." (...)

Teve um amplo leque de colaboradores, muitos deles "africanistas" e "colonialistas", com experiência de administração colonial:

(...) Gazeta constituindo-se antes como plataforma de colaborações várias, articuladas pela figura central (mas sempre em segundo plano) do editor. Prescindindo de redação, caberia ao seu diretor a manutenção geral da linha 'programática' da publicação ('dando voz' ao jornal quando tal fosse necessário) e, podemos supô-lo pela escolha constante de perfis militares com forte ligação colonial para a função, o trabalho de relacionamento e promoção externos do jornal em termos formais e informais." (...)

Quanto ao conteúdo da Gazeta:

(...) A quase totalidade (...) consistiu em artigos doutrinários, de divulgação ou estudos sobre temáticas coloniais, uns de escopo mais abrangente visando a 'política colonial'  em horizonte lato, outros (a grande maioria) centrados em questões específicas desta ou daquela província — todos assinados por colaboradores, num amplo espectro que variou entre o responsável administrativo ou político até ao colono opinativo, passando pelos especialistas em diversas áreas técnico-científicas e pelos colonialistas de renome." (...)

Numa primeira exploração de uma amostra dos números disponíveis, não encontrei uma única referência à "nossa" Guiné...

Para saber mais sobre a Gazeta das Colónias, ler aqui a respetiva "ficha histórica", da responsabilidade da BLX (Bibliotecas de Lisboa, assinada por Pedro Teixeira Mesquita.

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, itálicos, links: LG)


II. Sobre a fotografia da capa que escolhemos para dar início a esta série, retirada do nº 13, de 6/11/1924, acrescentaremos apenas o seguinte sobre o significado do vocábulo "angolar" / "angolares".


angolar
(an·go·lar)
adjectivo de dois géneros

1. Relativo aos angolares.

nome de dois géneros

2. Indivíduo dos angolares.

nome masculino

3. [Economia] Antiga unidade monetária de Angola, entre 1928 e 1958.

4. [Linguística] Crioulo de base portuguesa falado em São Tomé.

angolares
nome masculino plural

5. [Etnologia] Grupo étnico proveniente de Angola que se fixou no Sudeste da ilha de São Tomé.

Origem etimológica: Angola, topónimo + -ar.

Fonte: "angolares", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2023, https://dicionario.priberam.org/angolares.

sexta-feira, 23 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24425: Notas de leitura (1591): "Negreiros Portugueses na Rota das Índias de Castela (1541 - 1556)", por Maria da Graça A. Mateus Ventura; Edições Colibri, 1999 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 Fevereiro de 2021:

Queridos amigos,
A dissertação de Mestrado de Maria da Graça Alvares Mateus Ventura contribui para contextualizar o comércio negreiro feito por mercadores portugueses tanto ao serviço dos reis da Casa de Avis como dos Áustrias, fazia-se na circulação entre Sevilha, Rios da Guiné, Santiago e as Índias Ocidentais, aquele vasto e indefinido território da Senegâmbia deu muitos ancestrais a quem vive nas Antilhas, na América Central e na América do Sul. A autora veio mesmo aos arquivos e dá-nos um quadro surpreendente sobre a participação de portugueses no tráfico negreiro na hispano-américa no período compreendido entre 1492 e 1557 e mais, ficamos a conhecer o universo de todos estes agentes que permitiu aos portugueses lançarem-se nas rotas indianas movidos por um comércio lucrativo. Uma investigação que não pode ser descurada para quem estuda o tráfico negreiro e mesmo a história da Guiné e de Cabo Verde no século XVI.

Um abraço do
Mário



Sevilha, Costa da Guiné, Cabo Verde, Índias Ocidentais, Negreiros Portugueses no século XVI

Mário Beja Santos

A dissertação de Mestrado da Maria da Graça A. Mateus Ventura teve exatamente o título da presente obra, Edições Colibri, 1999. Como escreve no prefácio o professor António Borges Coelho:
“Os navios negreiros de que se fala neste texto não vinham ainda de Angola, mas do Cacheu, da Mina, do Rio dos Escravos, do Níger e principalmente do grande entreposto e armazém que era Cabo Verde. No novo continente, os escravos negros afeiçoaram a terra e seguiram nela o preceito bíblico: crescei e multiplicai-vos. Mas os seus filhos já nasciam escravos. Na América Espanhola esperava-os o trabalho brutal nas minas de ouro e de prata. Os grandes financeiros, genoveses e principalmente portugueses, estiveram envolvidos no negócio, mas eram os portugueses que dominavam as fontes de abastecimento e rapidamente o principal do trato firmou-se nas suas mãos. O contrato renderia à Coroa grossas somas e constituiria um dos mais lucrativos negócios privados desde o tempo do infante D. Henrique. A autora do presente trabalho identificou e acompanhou a trajetória de alguns destes negreiros portugueses como Gaspar de Torres e principalmente Manuel Caldeira, argentário cristão-novo que se tornou fidalgo da casa del-rei. O próprio Fernando de Noronha, cidadão de Lisboa no tempo de D. João II, cristão-novo, contratador do pau do brasil em 1502, aparece ligado ao trato dos escravos na costa da Guiné. Aliás, o contrato com o rei D. Manuel concedia-lhe não só o exclusivo da importação do pau do brasil como o autorizava a exportar índios escravos”.

A autora vasculhou na Casa da Contratação de Sevilha importante documentação destes contratos e licenças onde sobressaem negreiros portugueses, como ela escreve, “É um mundo onde pululam agentes, feitores, onde se constituem companhias efémeras, se retêm ou desembargam avultadas quantias, onde, em última instância, se digladiam ou complementar interesses públicos ou interesses privados”.

Os denominados Arquivo-Geral de Simancas e o Arquivo-Geral das Índias conservam documentação referente a Manuel Caldeira, os irmãos Torres têm contratos assinados em Antuérpia, e há no Arquivo Nacional Torre do Tombo alguns documentos complementares dos processos em Simancas. A autora dá-nos um quadro da organização do trato ao regime do comércio e ganha destaque o natural domínio dos portugueses como fornecedores ou contratantes, um universo onde se arriscavam pequenas fortunas num negócio de humana mercadoria, lida-se com o dinheiro dos outros, apura-se a presença de muitos judaizantes e cristãos-novos. Os memoriais permitem saber quais as áreas de exploração em África. No memorial que o mercador Jerónimo de Herrera apresentou à Coroa espanhola sobre a compra de escravos, em 1568, esclarece-se quais as principais regiões abastecedoras e fala concretamente em Brames, Beafadas, Nalus, Berberes, Cassangas e Jalofos. André Alvares de Almada no "Tratado Breve dos Rios da Guiné e Cabo Verde" descreve em 1594 as regiões onde se encontram estes povos.

Recorde-se que durante todo o século XVI, Cabo Verde, por Santiago, foi a feitoria mais importante a nível do fornecimento de contingentes de escravos, só virá a ser superada por S. Tomé. Enquanto Cabo Verde controlava os rios da Guiné, São Tomé iria absorver os escravos dos reinos que povoavam a região do Níger. Angola só no século XVII se tornaria o principal centro negreiro. Convém também não esquecer o arrendamento do trato da Guiné a Fernão Gomes que ficou obrigado a explorar a costa ocidental africana. Os contratos de arrendamento dependiam da Casa da Índia, mas havia quem contratasse diretamente com Castela, caso de Manuel Caldeira. Comércio lucrativo, mas com todos os riscos inerentes à pirataria, ao corso e aos naufrágios, isto para já não falar no contrabando e nos negócios particulares dos feitores. A autora descreve os negócios dos irmãos Torres, influentes negreiros portugueses durante a União Ibérica, foram os principais fornecedores da província de Honduras.

A autora dá-nos o quadro das viagens, a natureza das cargas, as operações da compra e do transporte, as fortunas destes mercadores, o português Gaspar de Torres era de longe o mais poderoso. E dá-nos o estudo de Manuel Caldeira, sobre o qual há imensa documentação, foi-lhe possível compor a biografia, os parentescos, por onde andou, o que contratou, até o seu testamento é altamente esclarecedor. Manuel Caldeira não foi um mercador sedentário, viajou de Lisboa à Serra Leoa, a Azamor, à Flandres, e andou por terras de Castela. Caldeira integrava em 1556 a lista de banqueiros credores de Filipe II, era cavaleiro da Casa Real, e cavaleiro e comendador da Ordem de Cristo. Seria cristão-novo, a autora classifica-o assim: “Homem de muito comércio e negócio, abonado para todas as finanças, envolto em numerosos pleitos, autor de grandes embaraços, traficante de coisas indevidas, eis um retrato possível deste negreiro português, de cujo percurso nos aproximámos, afigura-se mercador rico e caudaloso além de excelente gestor de influências nas esferas de poder das cortes ibéricas. O seu testamento dá exatamente conta das quantias que ele deixa para descanso da sua alma".

E cuidadoso no estabelecimento de redes sociais:
“Interioriza os valores do seu tempo, orientado pelo valor do dinheiro. Casa o primogénito com a filha de um embaixador castelhano e institui um morgado. Garante a continuidade do seu nome e a inalienabilidade de parte significativa dos seus bens. Insiste no casamento como forma de consolidar laços de poder. Casara com Guiomar, filha de um sócio, ligou os Roiz aos Caldeira. Casa André com Catarina, ligando os Caldeira também aos Hurtado de Mendonça. Duas alianças, dois poderes – o dinheiro e a influência política. Para Beatriz, filha mais velha, quer casamento rico. Di-lo no testamento. Parece tê-lo conseguido, se foi ela a esposa de Luís Mendes de Vasconcelos, célebre pelos cargos na Índia e pelos textos que deixou. Enfureceu-se com os filhos desobedientes pelo facto de não lhe terem dado ouvidos sobre o seu matrimónio. Só lhes perdoa se forem pobres, agora que não sabe deles lá pela Índia.
O comércio da pimenta levou-o à Índia, o trato de escravos levá-lo-ia à América. Com a pimenta e a armação de navios, ligou-se aos mercadores e banqueiros portugueses e estrangeiros que prosperavam em Portugal. Com os escravos negros de Cabo Verde e São Tomé, gozando já dos favores de D. João III, liga-se a Castela. Feitor do rei de Portugal, tesoureiro da Sereníssima Princesa de Portugal, Manuel Caldeira sintetiza a atitude dos mercadores portugueses que, alheios a questões de nacionalidade, viam nos negócios com Castela e as suas Índias um prometedor espaço de prosperidade”
.

A autora anexa documentos importantes, caso da relação da partida de escravos. Obra com muito significado para quem estuda o tráfico negreiro, particularmente o que se exerceu na região da Guiné e Cabo Verde, no século XVI.


Maqueta alusiva ao transporte de escravos e mercadorias rentáveis no comércio negreiro, modelo do Museu Nacional da História Americana, Smithsonian Institution
Imagem de tráfico negreiro
Pintura maneirista dos finais do século XVI, Igreja de São Sebastião de Lagos, vejam-se as embarcações de um porto algarvio que esteve ligado ao tráfico negreiro
____________

Nota do editor

Último poste da série de 22 DE JUNHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24423: Notas de leitura (1592 ): "Uma ilha no nome: pequena crónica dos dias líquidos", de Ábio de Lápara (pseudónimo literário do meu querido e saudoso amigo, o arquiteto José António Boia Paradela, 1937-2023) (Luís Graça)

segunda-feira, 19 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24415: Notas de leitura (1591): "História Global de Portugal", com direção de Carlos Fiolhais, José Eduardo Franco e José Pedro Paiva; Temas e Debates, 2020 - Monopólio da Guiné: Exploração económica pluricontinental, 1468 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 Fevereiro de 2021:

Queridos amigos,
Neste novo olhar da História Global, entendeu-se que este caso de exploração económica pluricontinental que se encetou com o exclusivo do comércio da costa da Guiné a Fernão Gomes, iria marcar um comportamento do poder régio durante séculos. Mesmo desconhecendo-se o teor do contrato, Fernão Gomes ficou com uma enorme responsabilidade, que terá cumprido, explorou cerca de 3 mil quilómetros de costa, chegou até ao atual Gabão. Contrato que enfatiza para além das iniciativas da Coroa a iniciativa privada nunca foi arredada a participar na exploração económica do Império, era tudo uma questão de oportunidade, a monarquia tanto podia explorá-los diretamente por meio de oficiais régios, como cedê-los a privados por meio de contratos de arrendamento. E o de Fernão Gomes foi o primeiro de uma longa série, expediente jurídico que se revelou essencial não só na captação de rendimentos para a monarquia mas também para que esta se alinhasse, ao longo de séculos com os particulares.

Um abraço do
Mário



Monopólio da Guiné: Exploração económica pluricontinental, 1468

Mário Beja Santos

"História Global de Portugal", com direção de Carlos Fiolhais, José Eduardo Franco e José Pedro Paiva, Temas e Debates, 2020, é seguramente um dos acontecimentos editoriais do ano transato, na medida em que rompe com o velho paradigma da escala local e nacional e tece uma abordagem inovadora do que se pode entender por História Global de Portugal, as permanentes interações que conduziram à identidade que temos e à globalização em que nos inserimos. Como os diretores nos explicam:
“Anteriormente, através dos velhos manuais escolares, que refletiam o que se produzia nas academias, aprendia-se a conhecer a história de um país. Adotava-se uma perspetiva iminentemente nacional, centrada no Estado-nação. Cada nação era o umbigo do mundo, sendo o resto uma paisagem necessariamente secundária e ignorada, ou um campo de projeção das vanglórias nacionais. Além da Pátria, existia um conjunto de países com os quais se estabeleciam relações de cooperação, transação, influência, domínio, conflito, separação, negação ou, nalguns casos, acolhimento. A história era conhecida de forma bipolar, dualista: existíamos nós e os outros (…) À luz das tendências da história global, os países, as regiões, as cidades e as aldeias já não são considerados espaços fechados nas suas fronteiras, antes devem ser perspetivados como plataformas territoriais tomadas na extensíssima duração do processo de humanização”.

E ao longo de largas dezenas de textos vários especialistas ocupam-se de longos períodos da Pré-História e História de Portugal tomando conta desse trânsito de trocas bem anteriores à chamada Era dos Descobrimentos, o povoamento das nossas regiões atlânticas, a passagem do Bojador e o que significou em termos de globalização o monopólio da Guiné. Como escreve a autora do referido trabalho, D. Afonso V concedeu, em novembro de 1469, por um período de cinco anos, o exclusivo do comércio da costa da Guiné a Fernão Gomes. O monopólio excluía o comércio da feitoria de Arguim (em território da atual Mauritânia). O monarca terá exigido a Fernão Gomes que explorasse anualmente cem léguas do litoral africano para lá da Serra Leoa, limite meridional das navegações henriquinas. Conhecemos esses aspetos através do historiador João de Barros, cerca de 80 anos depois, o texto do acordo não chegou aos nossos dias. A data atribuída do contrato será junho de 1468. O arrendamento terminou em 1474, depois de ter sido prorrogado por um ano. Enquanto vigorou, caravelas armadas por Fernão Gomes exploraram cerca de 3000 quilómetros da costa, tendo descoberto todo o litoral setentrional do golfo da Guiné, até ao atual Gabão.

Este contrato de arrendamento do comércio da costa da Guiné obviamente que suscitou debates em torno do papel da monarquia nas navegações do Atlântico Sul. Houve quem o visse como expressão do desinteresse do monarca, seria um contrato monopolista que permitiria à Coroa concentrar recursos financeiros na persecução das conquistas em Marrocos, deixando à iniciativa privada as navegações e a atividade mercantil na costa da Guiné. Mas há outras leituras que lembram o facto de a monarquia não ter voltado a doar o exclusivo da navegação do comércio da Guiné que integrara a casa do Infante D. Henrique. D. Afonso V foi o responsável pela constituição da Casa da Guiné, em Lisboa, no ano de 1463. Para uma certa historiografia, Fernão Gomes seria o exemplo paradigmático de interesses mercantis pela costa ocidental africana, por oposição às conquistas militares de Marrocos. Era como se a atenção da nobreza estivesse polarizada em Marrocos e outros setores da sociedade portuguesa se tivesse mobilizado na abertura de novas rotas e na comercialização de novos produtos. Mas há mais dados que contribuem para um novo olhar. Fernão Gomes exerceu o cargo de recebedor dos escravos da Guiné, para o qual fora nomeado em 1455, ofício que não só lhe deu acesso privilegiado à informação sobre o comércio da região como terá permitido a sua inserção em redes de negócio. Como não se conhece o contrato, ignora-se se a iniciativa se deveu à monarquia ou ao próprio Fernão Gomes. Para além do exclusivo, Fernão Gomes recebeu ainda o privilégio de isenção de pagamento de direitos alfandegários de todos os bens que os seus navios trouxessem da Guiné, com exceção da malagueta, monopólio régio, mas que mais tarde acabaria por ser cedido a Fernão Gomes, por 100 mil reis anuais.

Se se pensar que o Papado, através da bula Romanus Pontifex, de 8 de janeiro de 1455, excluía toda e qualquer navegação na Guiné sem licença expressa do rei de Portugal, pode compreender-se que a Coroa via este regime como o mar que lhe pertencia exclusivamente, fundado na prioridade da descoberta, na evangelização dos gentios e na Guerra Santa movida contra os infiéis. Só que este privilégio foi contestado por outras potências e rapidamente todo o Litoral desta vasta Senegâmbia de então passou a ser percorrido por uma forte concorrência. A despeito desta, manteve-se formalmente o exclusivo da navegação e do comércio nos senhorios ultramarinos – Índia, Brasil, Guiné, Costa da Malagueta, Mina, Angola, Ilhas de Cabo Verde e de São Tomé, a Coroa cedia aos vassalos este exclusivo consoante as áreas geográficas do Império.

Neste exclusivo imperial, como igualmente observa a autora, a monarquia reservou para si a distribuição de certos bens. Foram os casos da malagueta africana, do ouro da Mina e do pau-brasil no Atlântico. Também o comércio dos escravos foi exclusivo da monarquia até 1659. Mas o que fica também esclarecido é que a iniciativa privada nunca esteve arredada da possibilidade de participar na exploração económica do Império, tanto na navegação e no comércio como na distribuição de bens monopolizados. E a autora conclui que o acordo estabelecido com Fernão Gomes foi tão-só o primeiro de uma longa série de arrendamentos contratados com particulares. No quadro da exploração do Império, este expediente jurídico mostrou-se crucial, não só na captação de rendimentos para a monarquia, mas também no alinhamento de interesses com os particulares.

Carta Corográfica da Guiné Portuguesa, 1862, Biblioteca Nacional, com a devida vénia
Retirado do trabalho Tecnologias geoespaciais na demarcação da fronteira da Guiné-Bissau, por Maria do Carmo Nunes, Fernando Lagos Costa, Ana Raquel Melo e Ana Maria Morgado, publicado nas Atas das I Jornadas Lusófonas de Ciências e Tecnologias de Informação Geográfica, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2015, com a devida vénia
Pormenor do Monumento ao Esforço da Raça, Praça dos Heróis Nacionais, Bissau
____________

Nota do editor

Último poste da série de 16 DE JUNHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24403: Notas de leitura (1590): "O Cântico das Costureiras - Crónicas D'Uma Vida Adiada - Guiné 1964 - 1965", por Gonçalo Inocentes; Modocromia Edições, 2020 - As Peregrinações de Gonçalo Inocentes, zombeteiras e resilientes (Mário Beja Santos)