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sexta-feira, 30 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26864: Notas de leitura (1803): "Um Império de Papel, Imagens do Colonialismo Português na Imprensa Periódica Ilustrada (1875-1940)", por Leonor Pires Martins; Edições 70, 2012 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Janeiro de 2025:

Queridos amigos,
É uma bela edição correspondente a uma investigação rigorosa e que permite dados surpreendentes, uma viagem por publicações periódicas ilustradas desde que se fundou a Sociedade de Geografia de Lisboa até esse acontecimento faustoso que foi a Exposição do Mundo Português, em 1940. Temos aqui uma investigação de como se mostrava e satisfazia a curiosidade quanto a este ascendente Terceiro Império, a iconografia das expedições, como se procurou suturar o tratamento vexame do Ultimato, passando a pente fino crueldades existentes ou ficcionadas pela potência britânica. Naturalmente que para esta recensão se procurou mostrar imagens da Guiné, logo em 1879, mostrando Bolama como capital. E pela primeira vez pude ver gente num empreendimento que me intrigava desde agosto de 1968, nesse dia fiz o primeiro patrulhamento na companhia do furriel Zacarias Saiegh, fomos até à Aldeia do Cuor, onde vi, abismado, paredes monumentais de edifícios sobre os quais ninguém me dava esclarecimento. Só mais tarde soube que tinha ali dado consultoria técnica o engenheiro Armando Cortesão, de quem herdei os ferros de uma cama, e agora pude ver gente que ali viveu e até uma criança que ali nasceu. Esta sociedade agrícola aspirava muito, afundou-se rapidamente e certo e seguro com grandes prejuízos, não sabemos se para os empreendedores ou para o banco financiador.

Um abraço do
Mário


A Guiné num Império de Papel

Mário Beja Santos

É uma soberba obra de investigação, Um Império de Papel, Imagens do Colonialismo Português na Imprensa Periódica Ilustrada (1875-1940), por Leonor Pires Martins, Edições 70, 2012, uma exposição de representações visuais do Império em publicações ilustradas desde que foi fundada a Sociedade de Geografia de Lisboa até a esse ponto alto do nacionalismo imperial português, a Exposição do Mundo Português de 1940.

A revista O Ocidente terá um papel fulcral no elenco das publicações, nela colaboraram nomes de talento do seu tempo, como Rafael Bordalo Pinheiro. Recorda a autora que nos finais do século XIX, altura em que as fronteiras coloniais em África se encontravam já definidas, o território português compreendia, para além do continente e suas ilhas adjacentes, mais de 1 200 000 km2 na costa africana ocidental (Angola), 783 000 km2 na costa oriental (Moçambique), a Guiné com cerca de 36 000 km2, dois arquipélagos no Atlântico (Cabo Verde e São Tomé e Príncipe) e ainda resquícios do antigo Império do Oriente: Goa, Damão e Diu, no subcontinente indiano, Macau, no Sul da China e Timor na Insulíndia. Num país de elevadíssimo analfabetismo, a classe política conhecia as legislações alusivas aos chamados territórios ultramarinos, foi graças a revistas e a jornais ilustrados que o grande público passou a ver expressões do Império, muitas vezes sobre a retórica propagandística, caso de uma fotografia em que aparece uma guineense que participou na Exposição Colonial do Porto, em 1934, a Rosinha, empenhando a bandeira portuguesa junto do monumento “Ao Esforço Colonizadora”, fotografia manifestamente encenada, onde se pode ler a legenda: “Negra muito embora, portuguesa de lei, ei-la empunhando a bandeira verde-rubra que domina todo o Império”, imagem que aparece na revista Civilização. Este esforço colonizador é mostrado em edifícios, estradas e pontes.

Outros momentos de exaltação são as imagens das expedições, que deram glória e fama a Serpa Pinto, Capelo e Ivens, entre outros. Essas expedições ao interior do continente africano concorriam com outras expedições europeias, a Conferência de Berlim decretara que ter uma colónia era ocupar território, a revista O Ocidente publicará imagens alusivas a estas expedições e depois as homenagens, os jantares, as conferências dos expedicionários, a sua chegada em triunfo, imagens dos africanos que acompanhavam os novos heróis da gesta, o Terceiro Império. Como igualmente apareciam imagens de indígenas com os seus usos e costumes; e quando chegou a hora do ultimato britânico não faltaram imagens que procuraram revelar os aspetos cruéis do colonialismo britânico e, claro está, caricaturistas como Rafael Bordalo Pinheiro revelavam a subserviência portuguesa ao poder britânico, era a resposta à humilhação que nos provocara o maior império colonial do seu tempo; e, com poder catártico, irá mostrar-se um outro herói, Mouzinho de Albuquerque, e a prisão de Gungunhana, e a sua exposição pública, o seu exílio em Angra do Heroísmo.

Também estas publicações exploraram uma outra dimensão, o pitoresco, a fauna, o deslumbramento dos rios, a opulência das florestas, o povoamento, casas, hospitais, centros urbanos, é assim que vemos a ilha de Bolama que apareceu na revista O Ocidente, em 1879, havia que mostrar a capital da Guiné. Surgiu depois a fotografia, terá também um papel fundamental na ilustração das publicações. Havia também que exibir como facto consumado que estávamos a trabalhar no progresso e no desenvolvimento, não eram só os edifícios e as infraestruturas, era a cartografia, o ensino, o estabelecimento de hospitais e farmácias, a missionação, as culturas agrícolas, a abertura dos caminhos de ferro, a briosa ocupação militar como vemos num desenho produzido a partir de uma fotografia, tropa no forte de Cacheu, isto em 1891.

A missionação aparece associada ao ensino, à escola de artes e ofícios, ao aparecimento de igrejas, como se mostra a igreja matriz de Bolama em 1896, que veio publicado na revista Branco e Negro. Os jardins, os edifícios das alfândegas, as estátuas, os cais, até mesmo a projeção em terras de África do mundo rural português tem inteiro cabimento no Império de Papel, havia que suscitar a curiosidade para atrair imigrantes, mostrar famílias, crianças europeias nos territórios da colonização, colonos em piquenique, mas, sempre que necessário, expor as expedições militares. É o caso do grande acervo de imagens do primeiro fotógrafo militar português José Henriques de Mello, que acompanhou as tropas comandadas por Oliveira Muzanty, em abril de 1908, para destituir Infali Soncó, um régulo insurreto que pretendia impedir a navegabilidade do Geba, ao tempo o coração da atividade comercial.

Ao folhear este belíssimo trabalho, deparei-me com uma reportagem sobre a Guiné Portuguesa, publicada na revista Ilustração, procurava-se mostrar os colonos brancos e como viviam. E pude ver pela primeira vez uma resposta a uma dúvida que tinha desde 5 de agosto de 1968. Nesse dia fiz o meu primeiro patrulhamento de reconhecimento no regulado do Cuor, saímos de Missirá para a Aldeia do Cuor; aqui chegados, mesmo à beira do Geba estreito, levantavam-se paredes grossíssimas, pedra volumosa, indício certo e seguro de que ali houvera um qualquer importante estabelecimento. Soube mais tarde, nas minhas leituras no Arquivo Histórico do Banco Nacional Ultramarino, de que se tratava da Sociedade Agrícola do Gambiel, ali foi consultor técnico Armando Zuzarte Cortesão, nome eminente da cartografia portuguesa, encontrei referências à natureza do empreendimento, era um grande sonho agrícola que cedo caiu na água. Pois bem, na revista Ilustração, num número de 1926, encontrei fotografias alusivas a esses colonos “brancos”, numa delas um grupo de empregados onde se vê um deportado e noutra, vê-se o chefe do empreendimento com mulher e criança que nascera na região, pode ver-se na fotografia do grupo de empregados que eram instalações de boa constituição, de grande solidez, os tais vestígios que guardei desse patrulhamento de agosto de 1968.

O Estado Novo trouxe africanos a exposições organizadas em Portugal. Podem ver-se três fotografias publicadas na revista Ilustração, isto em outubro de 1932, aspetos da Grande Exposição Industrial Portuguesa que se realizou no Pavilhão dos Desportos, em 1932, são guineenses, na fotografia superior temos um ministro das Colónias, Armindo Monteiro, com a sua comitiva e sentados algumas figuras ilustres, porventura régulos e em baixo, numa fotografia, três fulas e noutra as mulheres fulas que acompanharam os régulos. A exposição de 1934 trouxe igualmente guineenses, elas revelaram-se um grande motivo de atração, todas de peito ao léu, houve fotografias de Domingos Alvão e Eduardo Malta, nomeado pintor oficial da exposição, fez vários retratos a lápis, produziram-se álbuns desses desenhos que evidenciam o risco talentoso de Malta. E assim chegamos ao acontecimento grandioso da Exposição do Mundo Português, foi o momento culminante em que o Estado Novo procurou mostrar a multidões imagens de um Império que era sobretudo conhecido por quem lia jornais e revistas, agora revelava-se para o orgulho dos portugueses qual era a dimensão daquela comunidade imperial imaginada.

Um Império de Papel dá-nos conta do que foram ficções e realizações, era um império longínquo que parecia ao alcance da mão e destinado à eternidade.


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Nota do editor

Último post da serie de 29 de maio de 2025 >Guiné 61/74 - P26860: Notas de leitura (1802): "Gil Eanes: o anjo do mar", de João David Batel Marques (Viana do Castelo: Fundação Gil Eanes, 2019, il, 132 pp.) - Parte II: A questão da assistência à frota branca, que atinge o seu auge com o Estado Novo, nos anos 40/50: em 1958 a "faina maior" tinha 77 unidades e 5736 homens (Luís Graça)

sábado, 10 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26789: Os 50 Anos do 25 de Abril (38): Lisboa, Belém, Museu de Etnologia, até 2/11/2025: Exposição "Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades" - Parte IV

 








Painel III > " Vocação Colonial" e "Missão Histórica > 1. As Políticas da Terra e os Seus Efeitos em África



Exposição > “Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. 
O Colonialismo Português em África: 
Mitos e Realidades”

 Lisboa, Belém,
30 out 2024 / 2 nov 2025



1.  É uma visita necessariamente resumida" a esta grande  exposição, que pode ser vista até 2 de novembro de 2025. (Há visitas guiadas, tem que se reservar.)






Painel III > " Vocação Colonial" e "Missão Histórica > 1. As Políticas da Terra e os Seus Efeitos em África









O terceiro painel (*) tem como subtemas os seguintes (pelo menos, os que eu registei na minha máquina fotográfica), e que são profusamente ilustrados com imagens da época (mais de Angola, Moçambique e São Tomé, e muito menos da Guiné, que não era uma "colónia de povoamento"):


(i) as políticas da terra e os seus efeitos em África;

(iii) as políticas de assimilação e a criação do "assimilado";

(iii)  a "branquização" dos territórios coloniais.



Apresenta-se aqui, a título exemplificativo e informativo, alguns conteúdos (reproduzidos aqui com a devida vénia, e a pensar sobretudo nos nossos leitores fora de Lisboa que dificilmente terão oportunidade de se deslocar ao Museu Nacional de Etnologia, no Restelo, que de entrada gratuita para os antigos combatentes)...

A exposição é muito rica do ponto de vista documental, com se pode aferir pela pequena amostra que apresentamos (seleção de c. de 220 imagens que fiz de metade dos painéis; anda tenho que lá voltar paar ver o resto...)


2. A leva de "contratados" para as roças de São Tomé, de Angola e de Cabo Verde, traz-nos logo à memória essa canção imortal, "Sodade", na voz inconfundível da grande Césária Évora, a "rainha da morna", que nasceu e morreu no Mindelo  (1941-2011):


Ken mostrá-be es kaminhu lonje?
Ken mostrá-be es kaminhu lonje?
Es kaminhu pa Santumé

Ken mostrá-be es kaminhu lonje?
Ken mostrá-be es kaminhu lonje?
Es kaminhu pa Santumé

Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau
Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau

Ken mostrá-be es kaminhu lonje?
Ken mostrá-be es kaminhu lonje?
Es kaminhu pa Santumé

Ken mostrá-be es kaminhu lonje?
Ken mostrá-be es kaminhu lonje?
Es kaminhu pa Santumé

Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau
Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau

Si bo skrevê-m, N ta skrevê-be
Si bo skesê-m, N ta skesê-be ate dia ki bo voltá
Si bo skrevê-m, N ta skrevê-be
Si bo skesê-m, N ta skesê-be ate dia ki bo voltá

Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau
Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau

Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau
Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau
 
 

Composição: Amandio Cabral / Louis Morais

Fonte:  Portal "Letras" > Sodade | Cesária Évora 


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Nota do editor LG:

(*) Último poste da série > 23 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26608: Os 50 Anos do 25 de Abril (37): Lisboa, Belém, Museu de Etnologia, até 2/11/2025: Exposição "Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades" - Parte III

Postes anteriores:

15 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26499: Os 50 Anos do 25 de Abril (36): Lisboa, Belém, Museu de Etnologia, até 2/11/2025: Exposição "Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades" - Parte II

3 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26456: Os 50 Anos do 25 de Abril (35): Lisboa, Belém, Museu de Etnologia, até 2/11/2025: Exposição "Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades" - Parte I

segunda-feira, 31 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26632: Notas de leitura (1785): "Futuros Criativos"; edição da Associação para a Cooperação Entre os Povos, Fundação Portugal-África e Instituto Camões, 2019 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Dezembro de 2023:

Queridos amigos,
Aqui passamos em revista, no âmbito de um conjunto de atividades desenvolvidas pela cooperação portuguesa em países lusófonos o que especificamente se passa na Guiné-Bissau em artes performativas, artes visuais e plásticas, design de artefactos, casas editoriais, formação de jovens para iniciativas, projetos de televisão, produtos da terra orientados pela sustentabilidade, jovens formados a pensar na inteligência artificial e na robótica e até linguagem do riso ao serviço da economia e do entretenimento. São aspetos francamente positivos que espelham a resiliência e a vontade de progredir a despeito de uma atmosfera política que não deixa de ser deprimente. São futuros criativos que nos fazem confiar que a Guiné-Bissau não está de mãos atadas.

Um abraço do
Mário



Futuros criativos da Guiné-Bissau (2)

Mário Beja Santos

Futuros Criativos tem a ver com economia e criatividade em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, S. Tomé e Príncipe, e Timor-Leste, acolhe um conjunto de atividades desenvolvidas pela ACEP – Associação para a Cooperação Entre os Povos, edição da ACEP, Fundação Portugal-África e Instituto Camões, 2019. Aqui são repertoriadas atividades em parceria com organizações e pessoas destes países de língua portuguesa ao longo dos últimos quatro anos, com o objetivo de conhecer e valorizar a inovação e a criatividade como fatores de desenvolvimento. Dando continuidade ao texto anterior, vamos ver duas editoras guineenses, Corubal e Ku Si Mon, a Escola de Artes e Ofícios da Guiné-Bissau, a Cobiana Records, a TV Klele, a Tiniguena, a Innova Lab e Mister Paul.


Corubal Edições

Fundada em 2012, a Corubal surge da inspiração empreendedora de jovens e é impulsionada pela necessidade de “promover coisas boas em maus momentos” (Golpe de Estado de 12 de abril de 2012) e contribuir para a dinamização de uma massa crítica nacional através da produção, animação e divulgação de conhecimentos. A editora tem como objetivo levar junto ao público pensamentos e práticas de diferentes autores. Tem uma equipa que trabalha na edição e conta com uma bolsa de colaboradores em função da natureza dos conteúdos. É responsável pela edição da Agenda Cultural de Bissau, em parceria com o município, publicação que tem tido um papel de destaque na divulgação de iniciativas e de criativos da cidade.
Trabalho da Corubal
Obra publicada da Corubal

Ku Si Mon Editora

É a primeira editora privada guineense. Foi criada em Bissau, em 1994, por Abdulai Sila (escritor guineense), Teresa Montenegro (investigadora chilena) e Fafali Koudawo (investigador togolês). A Ku Si Mon (do crioulo guineense Com As Próprias Mãos) é fundamentalmente, uma aposta na independência, no futuro, no desenvolvimento, em África. A editora tem como principais domínios de intervenção a literatura, a tradição e a linguística. Tem publicados textos em português e edições bilingues crioulo-francês e crioulo-francês. No seu catálogo encontram-se obras e escritores de referência da Guiné-Bissau, com reconhecimento além-fronteiras, e uma importante coleção de contos orais, que são parte do património literário do país. A Ku Si Mon tem funcionado com base no trabalho não renumerado dos seus membros, que executam todas as fases da edição prévias à impressão, As despesas de funcionamento são geralmente suportadas pelos seus membros que a aplicam as receitas na edição dos seus livros. Durante a guerra de 1998-99, a sua sede foi bombardeada, tendo-se perdido boa parte do seu património. A Ku Si Mon Editora está integrada em redes internacionais e é membro fundador da “Aliança dos Editores Independentes”, uma associação internacional que congrega 75 editores de 42 países.
Capa de obra de Abdulai Sila, o criador da Ku Si Mon Editora
Outra edição da Ku Si Mon

Escola de Artes e Ofícios

É uma iniciativa da organização não-governamental Ação para o Desenvolvimento (AD), que surge em 2009, que surge com o apoio da União Europeia e da Cooperação Portuguesa. A Escola tem por objetivo a capacitação dos seus formandos com instrumentos técnicos e práticos que lhes permitam desenvolver as suas próprias iniciativas de emprego.
A Escola oferece um programa de formação técnica diversificado: produção de sal solar, tricotagem, cursos de eletrónica, transformação e conservação de produtos locais, montagem e reparação de painéis solares, tinturaria de panos, etc. Desde a sua criação, é responsável pela formação de mais de mil alunos jovens e mulheres.
Atividades da Escola de Artes e Ofícios

A TV Klele: para comunicar e formar

Foi fundada no ano 2000 pela Ação para o Desenvolvimento, a TV Klele é uma televisão comunitária, produz conteúdos audiovisuais orientados para os moradores do bairro do Klele, sendo uma ferramenta de comunicação para o desenvolvimento. Com a experiência acumulada ao longo dos anos, e dispondo dos equipamentos e tos técnicos especializados, a TV Klele passou a prestar serviços na área da produção audiovisual: fazem a cobertura de eventos, produzem documentários, filmes e videoclips. Têm como clientes instituições nacionais e internacionais, outras ONGs e cidadãos privados. É igualmente um espaço formativo para jovens, que aí adquirem competências especializadas e têm acesso a emprego na área dos media.
A TV Klele em ação

Cobiana Records: estimular a indústria cultural do país

É uma produtora musical guineense fundada na primeira metade dos anos 2000, por Zé Manel, músico do grupo Super Mama Djombo. A ideia de colocar a experiência acumulada ao serviço do seu país, surgiu quando ainda vivia nos EUA e produzia para músicos guineenses, incluindo para a sua banda. O objetivo da Cobiana Records é gravar músicos nacionais, com elevada qualidade, com proximidade à diáspora guineense e estimular a indústria cultural do país. Dispõe de um espaço físico projetado por um engenheiro de som profissional, instrumentos de captação e tratamento de som de alta qualidade (microfones, guitarras, pianos, mesa de mistura, colunas e software de edição). Oferece serviços como aulas de música, consultadoria no domínio cultural, organização de eventos, captação e tratamento de som. Zé Manel quer continuar a gravar música da Guiné-Bissau com qualidade e participar na dinâmica de internacionalização da cultura nacional, usando Senegal e Portugal como mercados de apoio.
É assim que se grava para a Guiné e para o mundo
Homenagem a um cantor mitológico

Tiniguena: produtos da terra e do mar Bijagó

É uma organização não-governamental que atua na proteção e valorização dos recursos naturais e dos saberes associados à gastronomia e à cultura das várias etnias da Guiné-Bissau. Para dinamizar o mercado e mostrar a riqueza e qualidade dos produtos nacionais, a organização traz para Bissau o que de melhor se encontra pelas diversas regiões do país. São exemplos dessa atividade os produtos das ilhas Bijagós, Urok, produzidos com base em princípios de agricultura sustentada. No âmbito das comemorações do Dia do Consumo Nacional, a Tiniguena organiza eventos em nome do património gastronómico nacional, caso da festa do peixe. Com o propósito de promover a introdução gradual nas ementas escolares e hoteleiras, de valores como o uso de produtos não artificiais, a importância dos valores nutricionais e a preferência por pratos e ingredientes locais, estes eventos são considerados muito importantes para a promoção da gastronomia e dos produtos guineenses.
Tiniguena, os produtos da terra e do mar Bijagó

Innova Lab, a ambição de formar mil jovens em inteligência artificial

O Innova Lab surgiu em 2015, o seu objetivo era o de criar um ambiente favorável às novas tecnologias na Guiné-Bissau. Foi fundado por jovens guineenses na área da gestão, engenharia e finanças.
Procura potenciar a inovação no país. O laboratório atua em várias vertentes, nomeadamente através da dinamização de espaços de coworking e de workshops, pitches e conferências relacionadas com os temas do empreendedorismo, novas tecnologias e ciência. Simultaneamente disponibiliza serviços de mentoria a start-ups guineenses, oferecendo-lhe aconselhamento por parte de técnicos e especialistas nestas áreas. O laboratório permitiu desde 2015, incubar mais de 10 projetos, 5 dos quais já se encontram em funcionamento. O laboratório pretende formar mil jovens nas áreas da inteligência artificial, blockchain e robótica, de forma a desenvolver as suas competências para solucionar os problemas que o país enfrenta.
Innova Lab

Mister Paul e a linguagem do riso

Eugeménio Mendes descobriu o seu talento para a criação de serviços publicitários quando ainda era animador da rádio. Acreditando na sua capacidade de influência e persuasão, Mr. Paul começou a desenvolver os seus próprios conteúdos para a promoção de produtos alimentares, introduzindo aspetos relacionados com o quotidiano do público-alvo e as especificidades socioculturais das diferentes comunidades guineenses. Recorre ao crioulo e a um conjunto de línguas, tornou-se no mais cobiçado “artista da publicidade”. Segundo Mr. Paul é preciso que as pessoas se relacionem com o produto, afirmando que isto só é possível através da “linguagem do riso” que considera universal, aliada à língua que as pessoas considerem como sua. Tem a sua própria rádio, a Tropical FM.
Mister Paul, porque fazer rir é uma arte sublime
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Notas do editor:

Vd. post de 24 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26611: Notas de leitura (1783): "Futuros Criativos"; edição da Associação para a Cooperação Entre os Povos, Fundação Portugal-África e Instituto Camões, 2019 (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 28 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26626: Notas de leitura (1784): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: Na Terra do Novo Deus: O general Henrique Dias de Carvalho na Guiné (1898-1899) (5) – 1 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 24 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26611: Notas de leitura (1783): "Futuros Criativos"; edição da Associação para a Cooperação Entre os Povos, Fundação Portugal-África e Instituto Camões, 2019 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Dezembro de 2023:

Queridos amigos,
Aconteceu andar a passear pelo Campo dos Mártires da Pátria e resolvi entrar no Goethe-Institut, aqui se promove a língua e cultura alemãs, tem permanentemente livros em saldo, dirigi-me em primeiro lugar à biblioteca, se tinha vindo alguma coisa sobre a Guiné-Bissau, que não, mas lembrava-se que havia ali uns expositores de livros em segunda-mão qualquer coisa que falava da Guiné-Bissau. Matei a barriga de misérias, encontrei um cd com os concertos de flauta de Georg Philipp Telemann, interpretações prodigiosas, livros de fotografia e, cá está, este Futuros Criativos que me encheram a alma, naquele dia em que vinham notícias tão sombrias de uma terra que tanto amo, e aqui fica esta minha homenagem àquele povo que não desfalece com sucessivos piratas em lideranças políticas, são a estes futuros criativos que mando o meu abraço e votos de resiliência, haverá um dia em que este povo amável encontrará lideranças justas.

Um abraço do
Mário



Futuros Criativos da Guiné-Bissau (1)

Mário Beja Santos

Futuros Criativos tem a ver com economia e criatividade em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, S. Tomé e Príncipe, e Timor-Leste, acolhe um conjunto de atividades desenvolvidas pela ACEP – Associação para a Cooperação Entre os Povos, edição da ACEP, Fundação Portugal-África e Instituto Camões, 2019. Aqui são repertoriadas atividades em parceria com organizações e pessoas destes países de língua portuguesa ao longo dos últimos quatro anos, com o objetivo de conhecer e valorizar a inovação e a criatividade como fatores de desenvolvimento.

A criatividade e inovação estão cada vez mais na base da valorização de recursos endógenos e até identitários, de descoberta de novas soluções para uma multiplicidade de desafios, assistimos à criação de oportunidades para jovens, uma maior igualdade na inserção das mulheres no trabalho e nas comunidades, inclusão de populações rurais envelhecidas, uma gestão de recursos de forma sustentada, valorização de culturas nacionais, com o recurso a inovações da ciência e da técnica. A economia criativa é um conceito baseado nos recursos criativos que potencialmente geram crescimento e desenvolvimento económico. Aqui se passam em revista experiências em território da Guiné-Bissau que abarcam diferentes áreas, mas que certificam que a economia criativa permite o desenvolvimento de atividades económicas suportadas pelo capital cultural, criativo e artístico, transversal aos contextos culturais, artísticos, sociais e económicos e que conferem um caráter único aos bens e serviços gerados.

Escrevo este texto numa ocasião uma vez mais tão dolorosa para o povo da Guiné-Bissau, o que aqui mostro, retirado deste esplêndido livro, é a minha rendida homenagem a um povo que tanto amo, tem a sorte madrasta de ser dirigido por classes políticas cúpidas, dominadas pela agiotagem, expedientes de corrupção, tenebrosos compadrios de negócios, incluindo os da droga. Um povo que nos deslumbra pela capacidade de superara adversidade e de usar a inovação e o criativo como recursos ilimitados.


Os Netos de Bandim: amigos das crianças e das artes

São crianças e jovens entre os 4 a 30 anos de idade e todos têm uma paixão pelas artes culturais e tradicionais dos diferentes grupos étnicos que representam a cultura guineense. Surgem da iniciativa da organização não-governamental guineense Amigos das Crianças, em 2000, com o objetivo de sensibilizar para a maior promoção da cultura guineense, recolhendo e divulgando elementos de expressão dos diversos grupos étnicos do país. Rapidamente se transformou também em instrumento de sensibilização através da dança, música e teatro, reunindo cerca de 120 associados jovens, do bairro de Bandim, em Bissau. As receitas provenientes das atuações revertem para a educação dos seus associados e para o apoio em despesas de saúde. Os Netos de Bandim são uma presença assídua no Carnaval e já representaram o país na maior manifestação de Carnaval do mundo – o Carnaval do Brasil.
Imagens dos Netos de Bandim

Irmão Unidos, pelo sangue e pelas artes plásticas

Começaram por pintar cabaças, no início dos anos 2000. Criaram então o grupo “Irmãos Unidos”. A pintura foi-se tornando uma forma de contribuir para a dinamização da cultura guineense. Neste sentido envolveram-se na Associação de Artistas Plásticos, onde Lemos Djata tem exercido funções como presidente. Já apresentaram o seu trabalho em exposições individuais e coletivas na Guiné-Bissau, Cabo Verde, Senegal e Egipto, Portugal, França, Bélgica e Espanha. Foram galardoados como os melhores pintores do ano em Bissau, em 2005, tendo recebido prémios e distinções por organizações da Polónia, de Portugal e da diáspora guineense. Sentido que as artes plásticas têm ainda pouco espaço na Guiné-Bissau, procuram divulgar o seu trabalho num espaço de exposição coletiva em Bissau, onde apresentam o seu trabalho, com outros artistas plásticos nacionais.
Os Irmãos Unidos, Ismael e Lemos Djata
Imagem de um dos seus trabalhos

A deslumbrante panaria que sai dos panos de pente

Fundada em 2004, a Artissal é uma associação guineense que trabalha na recuperação e valorização da panaria guineense. Os panos de pinti (de pente, o tipo de tear utilizado) são tradicionalmente utilizados nas mais importantes cerimónias das pessoas e comunidades, principalmente das etnias Papel e Manjaca, e a sua produção é habitualmente realizada por homens, a partir de conhecimentos e técnicas ancestrais, transmitidos entre gerações. A associação tem desenvolvido um trabalho de pesquisa e recuperação de materiais e padrões antigos, de práticas de tecelagem e de modelos de teares, introduzindo elementos de melhoria, quer na qualidade das matérias-primas quer na qualidade dos processos de trabalho. Tem igualmente dinamizado grupos de mulheres tecelãs, de etnia Papel, que participam de grupos de formação com artesãos, abrindo assim esta atividade às mulheres. Com o propósito de melhorar a dinâmica de produção e a geração de rendimento para os artesãos e artesãs, estes estão organizados em cooperativas e numa federação: a Cooperativa Bontche, em São Paulo, Bissau, a Cooperativa Djaguimobilar, em S. Domingos, e a Federação Sitna Bissif, em Cacheu. A Artissal procura integrar estes grupos em redes nacionais e internacionais de comercialização solidária, contribuindo para a divulgação da panaria tradicional guineense e para a comercialização dos produtos por um preço justo. A qualidade desta panaria tem sido alvo de reconhecimento que permite a continuidade do projeto, pelos apoios que estimulam a continuidade.
Artissal, os maravilhosos panos de pente

B&F, a engenheira que se dedica à moda

Nérida Fonseca é uma jovem engenheira informática que trabalha para uma grande empresa internacional de telecomunicações. Em 2014, decide criar a sua própria empresa, a Batista & Fonseca, que se dedica à produção e comercialização de acessórios de moda e decoração a partir de elementos tradicionais da cultura guineense – o pano de pinti. Este artigo, tradicionalmente associado às cerimónias fúnebres e matrimoniais das etnias Papel e Manjaca, adquire novas formas e funções nas criações de Nérida. O que é que faz correr esta engenheira informática? A paixão pela moda e pelo seu país, a que se aduz a sua capacidade enquanto autodidata, o que lhe permitiu aliar o design contemporâneo ao saber tradicional pano de pinti. Inicialmente, tudo o que confecionava era ou para uso exclusivo na própria casa ou para dar presentes aos amigos e conhecidos. A receção que as diferentes peças tiveram no mercado foi determinante para a formação da dimensão comercial. E o aeroporto de Bissau tem sido a sua rampa de lançamento.
B&F, acessórios de moda e decoração a partir de elementos da cultura guineense

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 21 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26603: Notas de leitura (1782): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: Negros e brancos na Guiné Portuguesa (1915-1935) (4) – 3 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26481: Notas de leitura (1771): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (5) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Setembro de 2023:

Queridos amigos,
O historiador Hermann Kellenbenz faz um tipo de relatório de situação sobre aspetos histórico-económicos da expansão ultramarina portuguesa, não emite juízos quanto a um sugerido balanço. Reconheça-se o interesse pelo que escreve quanto a formas de povoamento, de presença portuguesa em fortalezas e postos de África, a natureza do comércio oriental, as etapas da colonização brasileira, o modo como os portugueses influíram no comércio mundial devido ao açúcar, às especiarias, ao ouro, às madeiras e ao comércio negreiro. O autor observa a falta de recursos humanos, e daí o abandono das praças do Norte de África, onde a beligerância era constante e os proventos baixos; como a presença portuguesa em África foi alterando as redes de negócio do ouro; as mudanças operadas após o descobrimento da rota do Cabo que trouxe uma cascata de preciosidades a Lisboa; e o bom exemplo da pimenta que era distribuída por toda a Europa, se bem que Portugal não possuísse o monopólio das especiarias e muito menos dos metais preciosos. Enfim, uma estimulante análise da vertente histórico-económica dos Descobrimentos portugueses. E assim se chegou ao fim da apreciação do livro Balanço da Colonização Portuguesa, que nos suscitou a curiosidade por ter sido editado precisamente em 1975.

Um abraço do
Mário



A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (5)

Mário Beja Santos

Iniciativas Editoriais foi uma editora altamente conceituada, dirigida por José Rodrigues Fafe, os temas sociopolíticos foram o seu polo atrativo. Lançou um projeto aliciante, o de juntar um conjunto de profundos conhecedores da historiografia da expansão/colonização portuguesa e pedir-lhes uma apreciação em jeito de balanço, estávamos no ano de 1975.

Responderam ao pedido vários historiadores e investigadores, já aqui se falou dos textos de Banha de Andrade, Frédéric Mauro, Charles Ralph Boxer e Joel Serrão. Vamos hoje despedirmo-nos com o contributo do historiador alemão Hermann Kellenbenz, intitulado Aspetos histórico-económicos da expansão ultramarina portuguesa.

Ele começa por várias interrogações: como foi possível a um país tão pequeno criar condições de povoamento nas suas possessões ultramarinas? Como foi financiada a expansão ultramarina? O que significou a expansão para a economia portuguesa? De que modo se enquadrou a expansão na economia europeia? Qual o seu significado para os territórios ultramarinos?

Procurando responder, conduz-nos às condições climático-geográficas do país, de terra pobre, com períodos consideráveis de seca e de chuva irregulares, o que pode explicar a concentração demográfica nas zonas costeiras; foi sempre permanente a escassez demográfica, apesar das conquistas feitas no Norte de África não foi possível penetrar no Norte de Marrocos, mas tudo sempre numa cadeia infindável de dificuldades, e a partir de 1541 perderam-se uma a uma as possessões conquistadas; os arquipélagos da Madeira e dos Açores eram áreas relativamente pequenas, suscitou poucos problemas, mas vieram colaborações do continente europeu e cedo se começou a utilizar a mão-de-obra escrava; os flamengos tiveram um papel importante no povoamento dos Açores e foram feitas concessões no povoamento de Santiago e outras ilhas de Cabo Verde; os povoadores que se apresentaram na Senegâmbia e S. Tomé eram descendentes dos judeus degredados; não havendo, pois, condições de povoamento intensivo e alargando-se o espaço da presença portuguesa em África e depois no Oriente, encontrou-se solução a criação de postos de apoio tanto militares como comerciais, caso de Arguim ou São Jorge da Mina; a partir de 1503, Cochim na zona orienta da Índia, tornou-se o principal reduto dos portugueses, o governador-geral Afonso de Albuquerque, o primeiro vice-rei da Índia, favoreceu a mistura de mulheres muçulmanas hindus em casamentos com portugueses.

Proposto escrever em que termos os portugueses estavam presentes no longínquo oriente, o historiador observa que a situação do Brasil era completamente diferente, recorreu-se aos sistemas de donatorias e sesmarias, os donatários eram principalmente mercadores, funcionários públicos, gente que se tinha distinguido na Índia, sem necessariamente descenderem de famílias aristocráticas. Passando para a questão do financiamento, o autor releva o espírito empreendedor dos portugueses, nomeadamente os da costa algarvia e o povo de Lisboa, chamo a atenção para a contribuição de burgueses como Fernão Gomes e Martim Anes Boa Viagem, no entanto, o financiamento dos Descobrimentos competia em primeiro plano à Coroa, e tece a seguinte consideração: “Os reis portugueses demonstraram um alto grau de inteligência acolhendo estrangeiros com capital e espírito empreendedor e dando-lhes a possibilidade de participar nos Descobrimentos.” – e refere nomes como o do veneziano Cada Mosto, o de genovês Antonio de Nola, e enumera também outros nomes de italianos e de alemães. A sede da organização da Coroa era a Casa da Índia que foi dissolvida em 1549, para facilitar a entrada de capital estrangeiro. Mas havia um senão: o aparelho financeiro da Coroa não se desenvolvera de acordo com as exigências crescentes das expedições ultramarinas – daí a dívida galopante e a incapacidade de lhe pôr termo dada a vida luxuosa que se praticava.

Qual o significado económico destas possessões ultramarinas? Ceuta rapidamente perdeu importância comercial que até aí detivera; as ilhas do Atlântico revelavam-se economicamente importantes, a Madeira fornecia madeira, urzela e peixe, o açúcar virá depois, será exportado para os mercados da Europa Central; os Açores tornaram-se produtores de cereais, exploravam a produção de tinta-pastel que era exportada sobretudo para os flamengos; Cabo Verde não se prestava muito à cultura da cana do açúcar, na Ilha do Fogo desenvolveu-se a cultura do algodão bem como a criação de gado bovino e cavalar e em ilhas inabitadas praticou-se a criação de gado caprino; em S. Tomé, em 1512, desenvolveu-se a cana açucareira, havia um total de 60 engenhos e 300 escravos; mas é importante relevar que Cabo Verde passou a ter um importante papel no comércio ultramarino português, devido ao ouro e aos escravos. Kellenbenz alarga-se na descrição deste fenómeno económico na costa ocidental africana, mas também no reino de Monomotapa, na África Oriental, aqui se adquiriu muito ouro que também vinha do longínquo oriente, de Sumatra e da Malásia. E dá enfâse ao tráfico africano de escravos, da maior importância a partir do último quartel do século XV, não deixando igualmente de mencionar o comércio da pimenta e a malagueta, mas não deixa de referir que a pimenta africana ficava muito aquém da pimenta vinda da Índia Oriental. Tece uma larga exposição sobre todo este comércio para depois mencionar o Brasil, primeiro pela exploração açucareira, com destaque para Pernambuco e Baía, depois o comércio do pau-brasil, muito apreciado em Lisboa, Antuérpia e Amesterdão.

Outra questão a responder à pergunta das consequências da expansão portuguesa na economia europeia. O autor afirma que é difícil estabelecer uma nítida separação entre a parte portuguesa e a espanhola, procura, no entanto, aferir o carregamento dos barcos e os portos a que se destinava tal carga, de Antuérpia a Danzig, e indiscutivelmente traziam novidade: “Os produtos que chegavam à Europa, as mercadorias africanas e asiáticas, alteraram completamente a antiga rota do Mediterrâneo. Os produtos vindos das ilhas do Atlântico e Brasil eram completamente novos. A importação de especiarias orientais é o setor mais interessante na rota do Cabo, alteravam-se as regras da concorrência e com o tempo o comércio no Mediterrâneo foi-se desvanecendo. E importa não esquecer que Portugal não possuía o monopólio das especiarias, Portugal era forçado a vendê-las para comprar os produtos apetecidos em África e na Ásia, acontecerá o mesmo com os nossos metais preciosos.” E daí a nova questão: como é que se verificou o domínio português na economia das regiões subjugadas: nas ilhas atlânticas houve povoamento, eram terra-virgem; nos pontos africanos era necessário apoio militar, e o autor recorda que os portugueses que vivam fora das fortalezas eram na sua maioria exilados, reclusos ou ventureiros, caso dos tangomaos na Guiné; e no tráfego de escravos faziam-se acordos com chefaturas africanas; recorda que o movimento comercial português no Índico devem ser observadas à luz da ligação com a viagem ao Oriente, era simultaneamente um sistema de alianças mas também podia envolver crueldade e intimidação; e tece considerações sobre a missionação fundamentalmente no Brasil e nalgumas parcelas do Oriente. Kellenbenz não formula qualquer juízo sobre qual o balanço da colonização portuguesa, a não ser estes tópicos de interações socioeconómico-culturais, tanto em África como no Oriente e Brasil.

Damos assim por findo um conjunto de sumulas em torno de uma iniciativa bem curiosa de se fazer um balanço da colonização portuguesa em pleno ano de 1975.

Para que conste.

Hermann Kellenbenz
Exploração açucareira no Brasil
Vista do Castelo de São Jorge da Mina, figura do século XVII, a fortaleza já está em poder dos holandeses
O tão apetecido pau-brasil comercializado por toda a Europa
Como se organizava uma missão jesuítica no Brasil, século XVII
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Notas do editor:

Vd. post de 3 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26455: Notas de leitura (1769): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (4) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 7 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26471: Notas de leitura (1770): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, a governação de Vellez Caroço, totalmente distinta das anteriores (13) (Mário Beja Santos)