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sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24958: Capas da Gazeta das Colónias (1924-1926) (1): Os "angolares", indígenas de São Tomé


São Tomé - "Angolares", indígenas de S. Tomé nas suas caraterístiias casa de tábuas 
de "pau-caixão" (Urophyllum insulare)"


Gazeta das Colónias: semanário de propaganda e defesa das colónias, Ano I, nº 13, Lisboa, 6 de novembro de 1924. Diretor: Oliveira Tavares. (Cortesia da Hemeroteca Digital de Lisboa).


I. Este periódico publicou-se de 1924 a 1926. Começou por ser de periodicidade semanal e depois quinzenal. Mas saiu com irregularidade (por vários motivos: falta de papel, dificuldades financeiras, etc.). 

Era propriedade da Empresa de Publicidade Colonial Lda. A redação e administração originalmente ficavam na Rua do Diário de Notícias, ao Bairro Alto, Lisboa, e a tipografia na Rua do Século. Foram publicados 41 números.  Na coleção da Hemeroteca Digital de Lisboa faltam alguns números (10, 25, 30, 39). 

(...) "Variando as dimensões entre as 32 e as 24 páginas (...) , manteve sempre a paginação a três colunas, com muita ilustração, reservando a primeira página, na íntegra, à publicação de uma fotografia de motivo colonial (etnográfico, histórico, monumental, etc.). 

"A apresentação dos conteúdos, fluida e bem delimitada, obedecia a um critério de agrupamento por territórios coloniais ('Angola', 'Cabo Verde', 'Macau',  'Timor', etc.) a que se seguia o título próprio do artigo, ou à arrumação por secções temáticas ('Desporto', 'Arte', «Noticiário', 'Estrangeiro',  etc.). 

"A publicidade, disseminada pelas páginas do jornal, foi ocupando um espaço cada vez maior, vindo a ser exclusiva em meia dúzia de páginas iniciais e em quase outras tantas finais de cada número. " (...)

Da leitura do nº 1 da Gazeta (que saiu a público a 19 de junho de 1924),   ficamos a saber qual era a sua orientação editorial. Diz-se na  “A missão que nos impomos”, editorial não assinado:

(...) "Desde que, por virtude da Grande Guerra, a Alemanha se viu despojada dos seus extensos domínios ultramarinos, Portugal tomou o terceiro lugar no grémio das Nações coloniais. 

um lugar que nobilita, mas é também um lugar que obriga. 

"É uma situação que chama sobre nós as atenções gerais, e que se atrai sobre a nossa ação as vistas imparciais duns, pode atrair por parte doutros, vistas turvadas pela ambição. Nem sempre lá fora é devidamente apreciado o nosso esforço de colonização. 

"Abstraindo da exiguidade dos nossos recursos, em homens e em dinheiro, pretende-se por vezes menoscabar a nossa obra colonizadora. 

"Pois é indispensável que se mostre clara e nitidamente, que essa obra é grande, considerada em absoluto, é formidável se a relacionarmos com outras e ainda com os apoucados recursos de que temos disposto. 

"Essa propaganda da nossa ação colonizadora, é uma das missões que a si própria impôs a 'Gazeta das Colónias', que hoje sai à luz da publicidade, como sói dizer-se. Mas, se a obra de colonização por nós já realizada nos nobilita, não quer isto dizer que ela esteja completa." (...)

Sobre a estrutura editorial:

(...) "Teve a Gazeta por diretores os majores Oliveira Tavares (que foi também seu administrador até ao n.º 2), António Leite de Magalhães (1878-1944) — a partir do n.º 21, de 25 de abril de 1925 — e José Veloso de Castro (1869- 1930) — do n.º 37 (10 de setembro de 1926) em diante; foram seus editores Maximino Abranches e, a partir do n.º 6 (7 de agosto de 1924), Joaquim Araújo — resumindo-se a este pequeno núcleo a sua estrutura 'fixa', composta à vez por duas pessoas, onde não não havia corpo de redatores." (...)

Teve um amplo leque de colaboradores, muitos deles "africanistas" e "colonialistas", com experiência de administração colonial:

(...) Gazeta constituindo-se antes como plataforma de colaborações várias, articuladas pela figura central (mas sempre em segundo plano) do editor. Prescindindo de redação, caberia ao seu diretor a manutenção geral da linha 'programática' da publicação ('dando voz' ao jornal quando tal fosse necessário) e, podemos supô-lo pela escolha constante de perfis militares com forte ligação colonial para a função, o trabalho de relacionamento e promoção externos do jornal em termos formais e informais." (...)

Quanto ao conteúdo da Gazeta:

(...) A quase totalidade (...) consistiu em artigos doutrinários, de divulgação ou estudos sobre temáticas coloniais, uns de escopo mais abrangente visando a 'política colonial'  em horizonte lato, outros (a grande maioria) centrados em questões específicas desta ou daquela província — todos assinados por colaboradores, num amplo espectro que variou entre o responsável administrativo ou político até ao colono opinativo, passando pelos especialistas em diversas áreas técnico-científicas e pelos colonialistas de renome." (...)

Numa primeira exploração de uma amostra dos números disponíveis, não encontrei uma única referência à "nossa" Guiné...

Para saber mais sobre a Gazeta das Colónias, ler aqui a respetiva "ficha histórica", da responsabilidade da BLX (Bibliotecas de Lisboa, assinada por Pedro Teixeira Mesquita.

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, itálicos, links: LG)


II. Sobre a fotografia da capa que escolhemos para dar início a esta série, retirada do nº 13, de 6/11/1924, acrescentaremos apenas o seguinte sobre o significado do vocábulo "angolar" / "angolares".


angolar
(an·go·lar)
adjectivo de dois géneros

1. Relativo aos angolares.

nome de dois géneros

2. Indivíduo dos angolares.

nome masculino

3. [Economia] Antiga unidade monetária de Angola, entre 1928 e 1958.

4. [Linguística] Crioulo de base portuguesa falado em São Tomé.

angolares
nome masculino plural

5. [Etnologia] Grupo étnico proveniente de Angola que se fixou no Sudeste da ilha de São Tomé.

Origem etimológica: Angola, topónimo + -ar.

Fonte: "angolares", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2023, https://dicionario.priberam.org/angolares.

sexta-feira, 23 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24425: Notas de leitura (1591): "Negreiros Portugueses na Rota das Índias de Castela (1541 - 1556)", por Maria da Graça A. Mateus Ventura; Edições Colibri, 1999 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 Fevereiro de 2021:

Queridos amigos,
A dissertação de Mestrado de Maria da Graça Alvares Mateus Ventura contribui para contextualizar o comércio negreiro feito por mercadores portugueses tanto ao serviço dos reis da Casa de Avis como dos Áustrias, fazia-se na circulação entre Sevilha, Rios da Guiné, Santiago e as Índias Ocidentais, aquele vasto e indefinido território da Senegâmbia deu muitos ancestrais a quem vive nas Antilhas, na América Central e na América do Sul. A autora veio mesmo aos arquivos e dá-nos um quadro surpreendente sobre a participação de portugueses no tráfico negreiro na hispano-américa no período compreendido entre 1492 e 1557 e mais, ficamos a conhecer o universo de todos estes agentes que permitiu aos portugueses lançarem-se nas rotas indianas movidos por um comércio lucrativo. Uma investigação que não pode ser descurada para quem estuda o tráfico negreiro e mesmo a história da Guiné e de Cabo Verde no século XVI.

Um abraço do
Mário



Sevilha, Costa da Guiné, Cabo Verde, Índias Ocidentais, Negreiros Portugueses no século XVI

Mário Beja Santos

A dissertação de Mestrado da Maria da Graça A. Mateus Ventura teve exatamente o título da presente obra, Edições Colibri, 1999. Como escreve no prefácio o professor António Borges Coelho:
“Os navios negreiros de que se fala neste texto não vinham ainda de Angola, mas do Cacheu, da Mina, do Rio dos Escravos, do Níger e principalmente do grande entreposto e armazém que era Cabo Verde. No novo continente, os escravos negros afeiçoaram a terra e seguiram nela o preceito bíblico: crescei e multiplicai-vos. Mas os seus filhos já nasciam escravos. Na América Espanhola esperava-os o trabalho brutal nas minas de ouro e de prata. Os grandes financeiros, genoveses e principalmente portugueses, estiveram envolvidos no negócio, mas eram os portugueses que dominavam as fontes de abastecimento e rapidamente o principal do trato firmou-se nas suas mãos. O contrato renderia à Coroa grossas somas e constituiria um dos mais lucrativos negócios privados desde o tempo do infante D. Henrique. A autora do presente trabalho identificou e acompanhou a trajetória de alguns destes negreiros portugueses como Gaspar de Torres e principalmente Manuel Caldeira, argentário cristão-novo que se tornou fidalgo da casa del-rei. O próprio Fernando de Noronha, cidadão de Lisboa no tempo de D. João II, cristão-novo, contratador do pau do brasil em 1502, aparece ligado ao trato dos escravos na costa da Guiné. Aliás, o contrato com o rei D. Manuel concedia-lhe não só o exclusivo da importação do pau do brasil como o autorizava a exportar índios escravos”.

A autora vasculhou na Casa da Contratação de Sevilha importante documentação destes contratos e licenças onde sobressaem negreiros portugueses, como ela escreve, “É um mundo onde pululam agentes, feitores, onde se constituem companhias efémeras, se retêm ou desembargam avultadas quantias, onde, em última instância, se digladiam ou complementar interesses públicos ou interesses privados”.

Os denominados Arquivo-Geral de Simancas e o Arquivo-Geral das Índias conservam documentação referente a Manuel Caldeira, os irmãos Torres têm contratos assinados em Antuérpia, e há no Arquivo Nacional Torre do Tombo alguns documentos complementares dos processos em Simancas. A autora dá-nos um quadro da organização do trato ao regime do comércio e ganha destaque o natural domínio dos portugueses como fornecedores ou contratantes, um universo onde se arriscavam pequenas fortunas num negócio de humana mercadoria, lida-se com o dinheiro dos outros, apura-se a presença de muitos judaizantes e cristãos-novos. Os memoriais permitem saber quais as áreas de exploração em África. No memorial que o mercador Jerónimo de Herrera apresentou à Coroa espanhola sobre a compra de escravos, em 1568, esclarece-se quais as principais regiões abastecedoras e fala concretamente em Brames, Beafadas, Nalus, Berberes, Cassangas e Jalofos. André Alvares de Almada no "Tratado Breve dos Rios da Guiné e Cabo Verde" descreve em 1594 as regiões onde se encontram estes povos.

Recorde-se que durante todo o século XVI, Cabo Verde, por Santiago, foi a feitoria mais importante a nível do fornecimento de contingentes de escravos, só virá a ser superada por S. Tomé. Enquanto Cabo Verde controlava os rios da Guiné, São Tomé iria absorver os escravos dos reinos que povoavam a região do Níger. Angola só no século XVII se tornaria o principal centro negreiro. Convém também não esquecer o arrendamento do trato da Guiné a Fernão Gomes que ficou obrigado a explorar a costa ocidental africana. Os contratos de arrendamento dependiam da Casa da Índia, mas havia quem contratasse diretamente com Castela, caso de Manuel Caldeira. Comércio lucrativo, mas com todos os riscos inerentes à pirataria, ao corso e aos naufrágios, isto para já não falar no contrabando e nos negócios particulares dos feitores. A autora descreve os negócios dos irmãos Torres, influentes negreiros portugueses durante a União Ibérica, foram os principais fornecedores da província de Honduras.

A autora dá-nos o quadro das viagens, a natureza das cargas, as operações da compra e do transporte, as fortunas destes mercadores, o português Gaspar de Torres era de longe o mais poderoso. E dá-nos o estudo de Manuel Caldeira, sobre o qual há imensa documentação, foi-lhe possível compor a biografia, os parentescos, por onde andou, o que contratou, até o seu testamento é altamente esclarecedor. Manuel Caldeira não foi um mercador sedentário, viajou de Lisboa à Serra Leoa, a Azamor, à Flandres, e andou por terras de Castela. Caldeira integrava em 1556 a lista de banqueiros credores de Filipe II, era cavaleiro da Casa Real, e cavaleiro e comendador da Ordem de Cristo. Seria cristão-novo, a autora classifica-o assim: “Homem de muito comércio e negócio, abonado para todas as finanças, envolto em numerosos pleitos, autor de grandes embaraços, traficante de coisas indevidas, eis um retrato possível deste negreiro português, de cujo percurso nos aproximámos, afigura-se mercador rico e caudaloso além de excelente gestor de influências nas esferas de poder das cortes ibéricas. O seu testamento dá exatamente conta das quantias que ele deixa para descanso da sua alma".

E cuidadoso no estabelecimento de redes sociais:
“Interioriza os valores do seu tempo, orientado pelo valor do dinheiro. Casa o primogénito com a filha de um embaixador castelhano e institui um morgado. Garante a continuidade do seu nome e a inalienabilidade de parte significativa dos seus bens. Insiste no casamento como forma de consolidar laços de poder. Casara com Guiomar, filha de um sócio, ligou os Roiz aos Caldeira. Casa André com Catarina, ligando os Caldeira também aos Hurtado de Mendonça. Duas alianças, dois poderes – o dinheiro e a influência política. Para Beatriz, filha mais velha, quer casamento rico. Di-lo no testamento. Parece tê-lo conseguido, se foi ela a esposa de Luís Mendes de Vasconcelos, célebre pelos cargos na Índia e pelos textos que deixou. Enfureceu-se com os filhos desobedientes pelo facto de não lhe terem dado ouvidos sobre o seu matrimónio. Só lhes perdoa se forem pobres, agora que não sabe deles lá pela Índia.
O comércio da pimenta levou-o à Índia, o trato de escravos levá-lo-ia à América. Com a pimenta e a armação de navios, ligou-se aos mercadores e banqueiros portugueses e estrangeiros que prosperavam em Portugal. Com os escravos negros de Cabo Verde e São Tomé, gozando já dos favores de D. João III, liga-se a Castela. Feitor do rei de Portugal, tesoureiro da Sereníssima Princesa de Portugal, Manuel Caldeira sintetiza a atitude dos mercadores portugueses que, alheios a questões de nacionalidade, viam nos negócios com Castela e as suas Índias um prometedor espaço de prosperidade”
.

A autora anexa documentos importantes, caso da relação da partida de escravos. Obra com muito significado para quem estuda o tráfico negreiro, particularmente o que se exerceu na região da Guiné e Cabo Verde, no século XVI.


Maqueta alusiva ao transporte de escravos e mercadorias rentáveis no comércio negreiro, modelo do Museu Nacional da História Americana, Smithsonian Institution
Imagem de tráfico negreiro
Pintura maneirista dos finais do século XVI, Igreja de São Sebastião de Lagos, vejam-se as embarcações de um porto algarvio que esteve ligado ao tráfico negreiro
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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE JUNHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24423: Notas de leitura (1592 ): "Uma ilha no nome: pequena crónica dos dias líquidos", de Ábio de Lápara (pseudónimo literário do meu querido e saudoso amigo, o arquiteto José António Boia Paradela, 1937-2023) (Luís Graça)

segunda-feira, 19 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24415: Notas de leitura (1591): "História Global de Portugal", com direção de Carlos Fiolhais, José Eduardo Franco e José Pedro Paiva; Temas e Debates, 2020 - Monopólio da Guiné: Exploração económica pluricontinental, 1468 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 Fevereiro de 2021:

Queridos amigos,
Neste novo olhar da História Global, entendeu-se que este caso de exploração económica pluricontinental que se encetou com o exclusivo do comércio da costa da Guiné a Fernão Gomes, iria marcar um comportamento do poder régio durante séculos. Mesmo desconhecendo-se o teor do contrato, Fernão Gomes ficou com uma enorme responsabilidade, que terá cumprido, explorou cerca de 3 mil quilómetros de costa, chegou até ao atual Gabão. Contrato que enfatiza para além das iniciativas da Coroa a iniciativa privada nunca foi arredada a participar na exploração económica do Império, era tudo uma questão de oportunidade, a monarquia tanto podia explorá-los diretamente por meio de oficiais régios, como cedê-los a privados por meio de contratos de arrendamento. E o de Fernão Gomes foi o primeiro de uma longa série, expediente jurídico que se revelou essencial não só na captação de rendimentos para a monarquia mas também para que esta se alinhasse, ao longo de séculos com os particulares.

Um abraço do
Mário



Monopólio da Guiné: Exploração económica pluricontinental, 1468

Mário Beja Santos

"História Global de Portugal", com direção de Carlos Fiolhais, José Eduardo Franco e José Pedro Paiva, Temas e Debates, 2020, é seguramente um dos acontecimentos editoriais do ano transato, na medida em que rompe com o velho paradigma da escala local e nacional e tece uma abordagem inovadora do que se pode entender por História Global de Portugal, as permanentes interações que conduziram à identidade que temos e à globalização em que nos inserimos. Como os diretores nos explicam:
“Anteriormente, através dos velhos manuais escolares, que refletiam o que se produzia nas academias, aprendia-se a conhecer a história de um país. Adotava-se uma perspetiva iminentemente nacional, centrada no Estado-nação. Cada nação era o umbigo do mundo, sendo o resto uma paisagem necessariamente secundária e ignorada, ou um campo de projeção das vanglórias nacionais. Além da Pátria, existia um conjunto de países com os quais se estabeleciam relações de cooperação, transação, influência, domínio, conflito, separação, negação ou, nalguns casos, acolhimento. A história era conhecida de forma bipolar, dualista: existíamos nós e os outros (…) À luz das tendências da história global, os países, as regiões, as cidades e as aldeias já não são considerados espaços fechados nas suas fronteiras, antes devem ser perspetivados como plataformas territoriais tomadas na extensíssima duração do processo de humanização”.

E ao longo de largas dezenas de textos vários especialistas ocupam-se de longos períodos da Pré-História e História de Portugal tomando conta desse trânsito de trocas bem anteriores à chamada Era dos Descobrimentos, o povoamento das nossas regiões atlânticas, a passagem do Bojador e o que significou em termos de globalização o monopólio da Guiné. Como escreve a autora do referido trabalho, D. Afonso V concedeu, em novembro de 1469, por um período de cinco anos, o exclusivo do comércio da costa da Guiné a Fernão Gomes. O monopólio excluía o comércio da feitoria de Arguim (em território da atual Mauritânia). O monarca terá exigido a Fernão Gomes que explorasse anualmente cem léguas do litoral africano para lá da Serra Leoa, limite meridional das navegações henriquinas. Conhecemos esses aspetos através do historiador João de Barros, cerca de 80 anos depois, o texto do acordo não chegou aos nossos dias. A data atribuída do contrato será junho de 1468. O arrendamento terminou em 1474, depois de ter sido prorrogado por um ano. Enquanto vigorou, caravelas armadas por Fernão Gomes exploraram cerca de 3000 quilómetros da costa, tendo descoberto todo o litoral setentrional do golfo da Guiné, até ao atual Gabão.

Este contrato de arrendamento do comércio da costa da Guiné obviamente que suscitou debates em torno do papel da monarquia nas navegações do Atlântico Sul. Houve quem o visse como expressão do desinteresse do monarca, seria um contrato monopolista que permitiria à Coroa concentrar recursos financeiros na persecução das conquistas em Marrocos, deixando à iniciativa privada as navegações e a atividade mercantil na costa da Guiné. Mas há outras leituras que lembram o facto de a monarquia não ter voltado a doar o exclusivo da navegação do comércio da Guiné que integrara a casa do Infante D. Henrique. D. Afonso V foi o responsável pela constituição da Casa da Guiné, em Lisboa, no ano de 1463. Para uma certa historiografia, Fernão Gomes seria o exemplo paradigmático de interesses mercantis pela costa ocidental africana, por oposição às conquistas militares de Marrocos. Era como se a atenção da nobreza estivesse polarizada em Marrocos e outros setores da sociedade portuguesa se tivesse mobilizado na abertura de novas rotas e na comercialização de novos produtos. Mas há mais dados que contribuem para um novo olhar. Fernão Gomes exerceu o cargo de recebedor dos escravos da Guiné, para o qual fora nomeado em 1455, ofício que não só lhe deu acesso privilegiado à informação sobre o comércio da região como terá permitido a sua inserção em redes de negócio. Como não se conhece o contrato, ignora-se se a iniciativa se deveu à monarquia ou ao próprio Fernão Gomes. Para além do exclusivo, Fernão Gomes recebeu ainda o privilégio de isenção de pagamento de direitos alfandegários de todos os bens que os seus navios trouxessem da Guiné, com exceção da malagueta, monopólio régio, mas que mais tarde acabaria por ser cedido a Fernão Gomes, por 100 mil reis anuais.

Se se pensar que o Papado, através da bula Romanus Pontifex, de 8 de janeiro de 1455, excluía toda e qualquer navegação na Guiné sem licença expressa do rei de Portugal, pode compreender-se que a Coroa via este regime como o mar que lhe pertencia exclusivamente, fundado na prioridade da descoberta, na evangelização dos gentios e na Guerra Santa movida contra os infiéis. Só que este privilégio foi contestado por outras potências e rapidamente todo o Litoral desta vasta Senegâmbia de então passou a ser percorrido por uma forte concorrência. A despeito desta, manteve-se formalmente o exclusivo da navegação e do comércio nos senhorios ultramarinos – Índia, Brasil, Guiné, Costa da Malagueta, Mina, Angola, Ilhas de Cabo Verde e de São Tomé, a Coroa cedia aos vassalos este exclusivo consoante as áreas geográficas do Império.

Neste exclusivo imperial, como igualmente observa a autora, a monarquia reservou para si a distribuição de certos bens. Foram os casos da malagueta africana, do ouro da Mina e do pau-brasil no Atlântico. Também o comércio dos escravos foi exclusivo da monarquia até 1659. Mas o que fica também esclarecido é que a iniciativa privada nunca esteve arredada da possibilidade de participar na exploração económica do Império, tanto na navegação e no comércio como na distribuição de bens monopolizados. E a autora conclui que o acordo estabelecido com Fernão Gomes foi tão-só o primeiro de uma longa série de arrendamentos contratados com particulares. No quadro da exploração do Império, este expediente jurídico mostrou-se crucial, não só na captação de rendimentos para a monarquia, mas também no alinhamento de interesses com os particulares.

Carta Corográfica da Guiné Portuguesa, 1862, Biblioteca Nacional, com a devida vénia
Retirado do trabalho Tecnologias geoespaciais na demarcação da fronteira da Guiné-Bissau, por Maria do Carmo Nunes, Fernando Lagos Costa, Ana Raquel Melo e Ana Maria Morgado, publicado nas Atas das I Jornadas Lusófonas de Ciências e Tecnologias de Informação Geográfica, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2015, com a devida vénia
Pormenor do Monumento ao Esforço da Raça, Praça dos Heróis Nacionais, Bissau
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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE JUNHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24403: Notas de leitura (1590): "O Cântico das Costureiras - Crónicas D'Uma Vida Adiada - Guiné 1964 - 1965", por Gonçalo Inocentes; Modocromia Edições, 2020 - As Peregrinações de Gonçalo Inocentes, zombeteiras e resilientes (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 24 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24248: Notas de leitura (1575): Atitudes e comportamentos raciais no Império Colonial Português (1): "Relações Raciais no Império Colonial Português", por Charles Ralph Boxer, Tempo Brasileiro, 1967 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Setembro de 2020:

Queridos amigos,
Comércio negreiro ou esclavagismo, colonialismo e relações raciais, missionação em sociedades islamizadas ou animistas, são questões fortes e sensíveis no estudo do Império Colonial Português. Não é a primeira vez que aqui se fala do tráfico de escravos e de preconceitos raciais, e como eles evoluíram ao longo dos séculos. Recorde-se agora duas vozes autorizadas, Charles Ralph Boxer e Valentim Alexandre, o primeiro estudou a fundo não só o Império do Oriente como o colonialismo brasileiro e o segundo tem uma investigação caleidoscópica sobre Brasil e África, e no livro aqui escolhido, Velho Brasil, Novas Áfricas, discorre sobre o fim do Império Luso-Brasileiro e o quadro ideológico que foi a questão colonial orientada para África até ao fim do Estado Novo. Espero que a seleção destes documentos vos traga utilidade.

Um abraço do
Mário



Atitudes e comportamentos raciais no Império Colonial Português (1)

Mário Beja Santos

A
bruptamente, e um tanto a propósito da destruição de estátuas de figuras do esclavagismo, vieram umas tantas almas a terreiro exigir que Portugal pedisse perdão pelos nefandos crimes cometidos ao longo de séculos com o negócio negreiro, parecia que estavam a inventar a roda, não tomavam em consideração que Portugal tomou posições firmes quanto ao abolicionismo da escravatura e criou escola de pensamento hostil ao tráfico, e desta paródia de exasperos e de ignorância misturou-se, a propósito e a despropósito, colonialismo e racismo, comportamentos que podem andar a par mas que são fenómenos distintíssimos. Mesmo antes de Gilberto Freyre ter feito a apologia do luso-tropicalismo já um pensamento nacionalista fazia constar que no Império Português havia uma sociedade racialmente integrada, que não era permitido que se erguessem barreiras ao contacto amistoso entre colonizador e colonizado, e evocava-se o exemplo do Brasil.

Em "Relações Raciais no Império Colonial Português", por Charles Ralph Boxer, Tempo Brasileiro, 1967, aquele que terá sido o mais influente historiador estrangeiro do Império Marítimo Português abordava as relações raciais num conjunto de conferências que proferiu em Virgínia. O professor Boxer estendeu o seu olhar a três áreas distintas: o início do Império em África e como se desenrolou a sua presença na costa ocidental africana: em Moçambique e na Índia; e no Brasil e Maranhão. Obviamente nos vamos cingir a considerações gerais e à natureza das relações raciais na costa ocidental africana.

Começa por dizer:
“O velho Império Colonial Português era essencial uma talassocracia, um império marítimo e comercial, com interesses quer nas especiarias do Oriente, nos escravos de África, quer no açúcar, tabaco e ouro do Brasil. Era, no entanto, um império marítimo moldado em forma militar eclesiástica. Por séculos, a palavra oficial mais comum para as possessões ultramarinas portuguesas era As Conquistas. Quando em 1501 o rei D. Manuel I assumiu o título de Senhor da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Índia, Arábia e Pérsia, os Portugueses não tinham ainda conquistado nenhum destes países”.

Era já uma mentalidade que assentava numa associação então obrigatória com o Papado, pensava-se que a Igreja tinha poder para repartir terras e dar títulos. Portugal esteve presente em Marrocos entre 1415 e 1769 e quando abandonou as suas possessões a Fé Cristã ficou praticamente reduzida a zero. Ao contrário, o proselitismo português no Congo e em Angola foi bem-sucedido, a prática religiosa angolana de hoje teve este forte antecedente. O facto de se ter procurado a missionação na Alta Guiné em locais de puro comércio e de uma espúria presença de brancos, associado aos terríveis climas, febres e doenças então sem tratamento, reduziu os resultados desse cristianismo, mesmo se averbarmos práticas religiosas seculares em Cabo Verde e S. Tomé. E vejamos o que o historiador Boxer observa sobre as viagens e o comércio ao longo da costa da Guiné, diz claramente que os escravos, o ouro e o marfim eram as principais fontes de lucro procuradas pelos homens brancos. Entendia-se por Alta Guiné a região situada entre o Rio Senegal e o Cabo das Palmas, aí preponderavam comerciantes ou intermediários do comércio de troca entre africanos europeus, eram relações versáteis e inconstantes, variavam entre uma tribo ou área e outra.

E aconteceu a miscigenação, como ele comenta: “As relações sexuais livres entre negros e brancos fizeram surgir uma população mulata inteiramente portuguesa, nas ilhas de Cabo Verde e nas de S. Tomé e Príncipe, no Golfo da Guiné. As colónias insulares eram desabitadas na época do seu descobrimento e foram colonizadas principalmente por uma mistura de brancos vindos de Portugal, Espanha, Itália e escravos importados de uma larga variedade de tribos do continente. No princípio, a ilha de Santiago, e depois S. Tomé, transformaram-se em depósitos de escravos vindos da Baixa e Alta Guiné que ali eram reunidos e despachados para as plantações e minas da América Espanhola e Brasil. Com o correr dos séculos, o amálgama racial completou-se, predominando o elemento negro na constituição física e o português no aspeto cultural”. O historiador disserta sobre este amálgama racial, revela os graves problemas religiosos dos padres em simonia, a moralidade do clero sempre se mostrou em maré baixa.

No caso do Congo e de Angola, escreve o historiador, a procura de escravos intensificou e perpetuou as guerras intertribais e chegou o momento de situarmos o problema das relações raciais. Cita um autor obrigatório, António de Oliveira Cadornega, autor da "Historia Geral das Guerras Angolanas, século XVII". Os negros e os mulatos, era a sua opinião, deviam estar no fim da escala social, mas eram fundamentais, até porque muitos dos descendentes das relações mistas tornavam-se homens importantes. Um frade capuchinho italiano, Frei Girolano Merolla, escreveu em 1691 a respeito desta raça misturada: “Odeiam os negros mortalmente, até mesmo suas mães que os tiveram, e fazem tudo o que podem para igualar-se aos brancos”. O testemunho vale pelo que vale, Cadornega lembra o angolano Luís Lopes de Sequeira, cuja mãe era uma mulher de cor e que comandou as forças portuguesas que derrotaram e mataram o rei D. António I do Congo na Batalha de Ambuila. E tinham estatuto social os oficiais da milícia mulata “tinham permissão para frequentar as receções oficiais do governador-geral, em pé de igualdade com os brancos”. Havia pois uma atitude bivalente dos portugueses brancos em relação aos seus parentes mulatos.

Falando de Cabo Verde e S. Tomé, observa que o clero negro, mulato e mestiço, era sujeito a contínuas torrentes de críticas. “Os missionários capuchinhos italianos que trabalhavam no Congo e Angola durante os séculos XVII e XVIII eram especialmente severos em suas denúncias do clero secular nativo, ordenados por sucessivos bispos de Luanda, tachando-os de concupiscentes, simoníacos e muito comprometidos com o tráfico de escravos”. Era um comércio vital, como lembrou o Conselho Ultramarino lembrando ao rei D. Pedro II que a preservação do Brasil dependia do contínuo suprimento de escravos de Angola.

E mais adiante, escreve Boxer:
“É evidente que havia outras razões para o fracasso português em desenvolver no Congo e Angola um tipo de sociedade multirracial dominada pelos brancos, como aconteceu no Brasil. As sociedades tribais africanas eram muito mais fortes, mais numerosas e melhor preparadas para resistir à penetração europeia (…). O resultado da concentração de todos os esforços no tráfico de escravos em Angola por mais de dois séculos, foi a formação de uma poderosa classe de brancos comerciantes e donos de escravos, o crescimento de uma classe de negros destribalizada que cooperavam nesse comércio com os brancos, e o surgimento da classe dos mulatos e mestiços, alguns dos quais conseguiram importantes cargos na milícia, no comércio de escravos e na Igreja. Estas três classes estavam limitadas às cidades costeiras, das quais Luanda era a de tamanho mais considerável e vizinha de algumas fortalezas (presídios) no interior, nenhuma das quais estava a mais de 200 milhas da costa. No resto do país, a organização tribal não foi alterada nem foi influenciada pelos portugueses, com exceção dos Dembos e dos Ambaquistas ou comerciantes ambulantes de Ambaca”.

E termina este role de considerações recordando que esta presteza de acasalamento com mulheres de cor não ocasionou a ausência de preconceito racial no homem português. A regra-geral que prevalecia (e prevalece) na sociedade é a de uma consciente superioridade branca.

E vamos concluir esta digressão ouvindo Valentim Alexandre, outro historiador que muito se tem debruçado sobre o Império Português, damos-lhe a palavra para ele comentar o que foi África no imaginário político português e as questões da colonização étnica.

(continua)

Historiador Valentim Alexandre
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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24239: Notas de leitura (1574): "Seis Irmãos em África", segunda edição; Porto, 2017; edição de autor, mas os autores são seis: Fernando, Rogério, Dálio, Carlos, Álvaro, Abílio, quem compilou os textos foi o Abílio, trata-se dos manos Magro que percorreram diferentes paragens africanas (2) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23740: Historiografia da presença portuguesa em África (340): A Reconquista da Costa da Guiné, por Leite Magalhães, coronel e antigo governador (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Janeiro de 2022:

Queridos amigos,
Não se pode dizer que este trabalho represente uma lança em África, reconheça-se que o antigo governador da Guiné procurou ser meticuloso quanto à presença portuguesa desde o Infante D. Henrique até ao fim da dinastia de Avis, embora ele não tenha dado o devido valor, que agora os arquivos reconhecem, à tenaz afirmação dos concorrentes que vinham de Espanha até aos Países Baixos, todos na mira do tráfico negreiro, do comércio do ouro e da malagueta. Dizer-se que o espaço ocupado pelos portugueses se manteve incólume até à chegada dos Filipes é um tanto flor de retórica, como diz o povo "quem não aparece, esquece", é evidente que estes reis apoiaram o tráfico negreiro mas não colonizaram. Bem dizia André Álvares de Almada no termo do seu Tratado Breve dos Rios da Guiné, dirigindo-se a Filipe I de Portugal, que aquela zona era riquíssima e que precisava de ser colonizada. Não foi, e D. João IV viu-se em apuros para restabelecer a presença portuguesa a partir de Cacheu e contando com a orientação de Cabo Verde.

Um abraço do
Mário



A Reconquista da Costa da Guiné, por Leite Magalhães, coronel e antigo governador

Mário Beja Santos

"A Restauração e o Império Colonial Português", edição da Agência Geral das Colónias, 1940, é uma obra coletiva e nela consta um texto assinado pelo Coronel Leite Magalhães, antigo governador da Guiné, ele aparece na seção intitulada "A Reconquista do Império", e faz uma apreciação do que se passou na Costa da Guiné.

Procede a uma resenha dos acontecimentos ligados ao projeto henriquino, observando que depois da morte do Infante a Costa da Guiné se estendeu com D. Afonso V e D. João II até ao Cabo da Boa Esperança. Usava-se o termo Costa da Guiné para falar de toda a costa ocidental de África para além do rio Senegal, esta designação foi usada bastante tempo. O máximo da sua extensão deverá considerar-se atingido pela viagem de Rui Sequeira em 1475, ele chega ao Cabo Catarina. Foi este o último dos navegadores que, nos termos do contrato celebrado entre Fernão Gomes e D. Afonso V, fez o descobrimento da costa desde o Cabo Mesurado até ao extremo do Golfo de Biafra, também descobrindo as ilhas de S. Tomé, Príncipe, Ano Bom e Fernando Pó, todas no mesmo Golfo. Toda esta nova e vasta zona passou a jurisdição da ilha de S. Tomé, foi doada a Álvaro de Caminha, seu povoador.

Assiste-se agora a um compasso de espera, já que D. Afonso V tinha duas preocupações dominantes, continua Leite Magalhães: Marrocos e Castela. Seja como for o contrato com Fernão Gomes acabou por abrilhantar o seu reinado, tendo o seu filho, D. João II, dado continuidade ao projeto henriquino.

O Infante D. Henrique pelo seu testamento (1460) legou a Guiné e “suas ilhas” (Cabo Verde) ao seu sobrinho, o Infante D. Fernando, irmão de D. Afonso V. Acresce dizer que desde de 1461 toda a costa da Guiné, entre o rio Senegal e a Serra Leoa fica ligada a Cabo Verde. Em 1474, findo o contrato com Fernão Gomes, D. Afonso V faz doação a seu filho D. João de todo o comércio da Guiné. A costa era rica em mercadorias preciosas: o ouro, a malagueta, o marfim e os escravos. E logo começou a aparecer a pirataria em descarada competição. É nesse contexto que se abrem hostilidades com Castela, em 1479, segue-se um tratado de paz com os Reis Católicos, nesse mesmo ano, e nele se fez o reconhecimento do senhorio da Guiné ao Rei de Portugal.

Dada a presença constante de concorrentes ao comércio português nestes pontos da costa ocidental africana, houve um plano de construção de fortalezas, deu-se primazia ao Castelo de S. Jorge da Mina, pois para aqui convergia todo o comércio da Costa da Malagueta, Costa do Marfim, Costa do Ouro e Costa dos Escravos. Este plano de construções continuou no reinado de D. Manuel, construiu-se uma fortaleza em Axém, onde se resgatavam “em cada ano 30 a 40 mil dobras de bom ouro”. Em Lisboa, todos os negócios daquelas bandas corriam pela Casa da Mina e Tratos da Guiné. Contudo, a presença portuguesa era episódica e limitada aos pontos de comércio. Iniciara-se um sistema de colonização com o povoamento de Santiago, com cultivos feitos por gente da Guiné. D. João II acrescentou aos seus títulos, em 1485, o de Senhor da Guiné, na prática era um título decorativo. Ele doou em 1489 as ilhas cabo-verdianas a D. Manuel. E em 1490, Rodrigo Afonso, Capitão em Santiago, iniciou o povoamento da ilha da Boa Vista com negros transferidos da ilha de Santiago.

Outra peça importante, mas meramente em termos legais, foi o Tratado de Tordesilhas em que se regularam as zonas de influência portuguesa e castelhana em Marrocos e também a divisão geral das terras descobertas e por descobrir. O período que decorre desde a morte de D. João II até a ocupação de Lisboa pelas tropas castelhanas não regista alterações sensíveis na costa da Guiné. Mantinham-se inalteradas as jurisdições das capitanias. Porém, aquela expansão do espaço imperial trouxe novas preocupações e exigências. Indiferente ao que se passava no continente africano, as ilhas de Cabo Verde aumentavam de população, crescia a exploração agrícola e pecuária. Surgiu a cultura do algodão, os gados bovino, caprino, cavalar e suíno multiplicavam-se nas ilhas. Convém recordar que o porto da Ribeira Grande na ilha de Santiago servira de porto de escala à armada de Vasco da Gama em 1497, ia este em demanda da Índia. O mercado de escravos continuava a tentar a concorrência, o rei D. Manuel bem tentou por alvará criar disciplina quanto a esta presença estrangeira, chegou a proibir os moradores das ilhas de fazerem resgates na Guiné sob pena de prisão e perda de navios, com magros resultados.

Durante o período filipino vai crescer a presença dos inimigos de Espanha e automaticamente Portugal, mas em caso algum se pode dizer que esta pirataria pôs em causa o que se chamava a presença portuguesa. E Leite Magalhães dá como demonstrado que até Filipe I de Portugal nada se perdera na Costa da Guiné, o saque começou depois. Admitamos que as coisas que se tenham passado mais ou menos assim, mas é na ausência da presença portuguesa que nomeadamente ingleses, holandeses e franceses começam a tomar posições que futuramente merecerão a ocupação envolvente do enclave da Guiné Portuguesa, era tarde demais para melhorar a nossa presença no que outrora fora a Alta Senegâmbia.

É bem curiosa a exposição de Leite Magalhães, não esqueçamos que estávamos a comemorar a Restauração e não ficava mal lançar o ónus do que se viera a passar na Senegâmbia aos Reis Filipes…


Bissau, o Mercado do Bandim
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23719: Historiografia da presença portuguesa em África (339): Três artigos sobre a Guiné nos Anais do Clube Militar Naval (1946 e 1947) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 26 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23461: Blogues da nossa blogosfera (169): O blogue de Alberto Hélder, antigo árbitro de futebol, e que fez a comissão de serviço militar em São Tomé e Príncipe (1964/66): destaque para as séries já concluídas: A Polícia Militar no Ultramar, Os Comandos nos três teatros de operações da guerra do ultramar; o Estado da Índia - 466 anos de história... E para a série em curso, As Companhias Móveis de Polícia

1. O blogue "Alberto Helder" foi criado em agosto de 2007,  por Alberto Hélder (nascido em Lisboa, em 1942). É um conhecido antigo árbitro de futebol.  Fez o serviço militar no Comando Territorial Independente de São Tomé e Príncipe, como Soldado e depois 1.º Cabo de Transmissões de Infantaria, entre junho de 1964 a junho de 1966. 

"Blogar" é agora das suas paixões, depois de reformado. O seu blogue tem uma  exaustiva investigação sobre os Comandos na guerra do Ultramar (série iniciada em 15 de dezembro de 2019): sua composição orgânica, lista das principais operações, condecorações e louvores, mortos e feridos, incluindo os fuzilados pelo PAIGC a seguir à independência, no caso do Batalhão de Comandos Africano, etc. (*)

Tem outras séries que podem interessar os nossos leitores tais como a Polícia Militar no Ultramar...

É de  referir, no entanto, que a "navegação" neste blogue blogue não é amigável, não havendo links de ligação entre os diferentes postes. É,  em todo o caso, um trabalho de grande mérito, que merece o nosso aplauso e apreço.(**)
 

2. Mensagem de Alberto Hélder, de 25  do corrente, às 18h56, e dirigida ao nosso camarada Virgílio Teixeira, com conhecimento ao nosso blogue:

Exmº Senhor
Virgílio Teixeira

Ilustre! Boa tarde.

Muito, mas muito feliz fiquei com a sua mensagem e as excelentes imagens, nalgumas delas com o tema que estou a trabalhar: a Polícia! (***)

Portanto, aqui fica o meu profundo e sentido agradecimento pela valiosa e importante colaboração no projeto “As Companhias Móveis de Polícia no Ultramar”.

Quanto ao título que adotei para o tributo àqueles que tudo deram em Goa, Damão e Diu, fui buscá-lo aos primórdios da sua designação pelos portugueses àquele território, lá bem longe… Não existe outra razão.

Devo dizer que tal empreendimento é dedicado ao meu irmão (Fernando Plácido Henrique dos Santos: 18.09.1939/04.11.2002), que foi um dos soldados prisioneiros, aquando da invasão de 18 de dezembro de 1961.

Quanto ao resto resta-me destacar o muito material que me enviou, assim as amáveis palavras que me dedica, que muito agradeço.

Entretanto, caso seja de interesse, divulgo a seguir os trabalhos que, até agora, publiquei no meu espaço na net, podendo aceder em:

A POLÍCIA MILITAR NO ULTRAMAR

130 episódios – de 15 de maio de 2107 a 4 de setembro de 2017

http://albertohelder.blogspot.com/2017/05/tributo-policia-militar-apresentacao-do.html

OUTRAS UNIDADES MILITARES QUE SERVIRAM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE

32 episódios – de 29 de novembro de 2018 a 29 de janeiro de 2019

 http://albertohelder.blogspot.com/2018/11/unidades-militares-que-serviram-na.html


OS COMANDOS NOS TRÊS TEATROS DA GUERRA DO ULTRAMAR

201 episódios – de 15 de dezembro de 2019 a 28 de maio de 2021

 http://albertohelder.blogspot.com/2019/12/os-comandos-nos-tres-teatros-da-guerra.html


MILITARES FALECIDOS NO COMANDO TERRITORIAL INDEPENDENTE DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE

1 episódio – em 3 de janeiro de 2021

http://albertohelder.blogspot.com/2021/01/militares-falecidos-na-entao-provincia.html


ESTADO DA ÍNDIA – 466 ANOS DE HISTÓRIA

66 episódios – de 27 de setembro de 2021 a 25 de junho de 2022

http://albertohelder.blogspot.com/2021/09/estado-da-india-466-anos-de-historia.html

Saudações de apreço, consideração e respeito.
Alberto Helder
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 10 de junho de 2021 > Guiné 61/74 - P22271: Blogues da nossa blogosfera (161): Os Comandos nos Três Teatros da Guerra do Ultramar (1961/75) (Alberto Helder)


Vd. também postes de:

24 de julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23458: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (94): A sede da PSP e 7ª Companhia Móvel de Polícia era no bairro de Bandim (José L. S. Gonçalves / Amílcar Mendes / Carlos Pinheiro / Valdemar Queiroz / Virgílio Teixeira)

24 de julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23456: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (93): (i) A 7.ª Companhia Móvel de Polícia atuava também fora de Bissau? (ii) Onde se situava, em Bissau, a sede ou o aquartelamento principal da PSP? (Alberto Helder)

segunda-feira, 16 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23266: Notas de leitura (1446): “Cartas à Guiné-Bissau, Registos de uma Experiência em Processo”, por Paulo Freire; Moraes Editores, 1977 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Agosto de 2019:

Queridos amigos,
Dizia Paulo Freire que a cultura africana é auditiva, é oral e não escrita. O eminente pedagogo contatou a Guiné-Bissau, apercebeu-se da realidade socioeconómica e cultural do país, defendeu que se devia ensinar crioulo com base na cultura oral e elaborar uma escrita. Profundo admirador de Amílcar Cabral, esqueceu-se que este era adepto incondicional do uso da língua portuguesa para o país independente. Cabral nunca disse publicamente as razões de fundo, mas ele sabia que era indispensável uma comunicação que dificultasse o caminho à francofonia, naquele tempo o apetite de Sékou Touré sob a Guiné-Bissau era grande, ele sonhava com a grande Guiné, Cabral promoveu a barreira linguística, depois da sua morte, a liderança do PAIGC seguiu o seu pensamento sem titubear. Mário Cabral é nestas obras um protagonista maior, fala de grandes sonhos e da escassez de recursos. O conflito político-militar de 1998-1999 caiu como uma bomba em todo o sistema educativo. Até hoje.

Um abraço do
Mário



A Guiné-Bissau e Paulo Freire

Beja Santos

Cartas à Guiné-Bissau, Registos de uma Experiência em Processo
 foi publicado pela Moraes Editores em 1977. A ressonância foi mínima, ver-se-á adiante que todas as propostas para a remodelação do sistema educativo sugeridas pelo eminente pedagogo brasileiro não avançaram, Mário Cabral explicará como e porquê. Há expressões de Paulo Freire que têm conteúdo duradouro, exemplo: “A fascinante experiência de aprender primeiro, ensinar depois e continuar a aprender ensinando”. Todos os documentos de Paulo Freire para as autoridades guineenses são um verdadeiro ensaio sobre a alfabetização, nunca descuram o facto de mais de 90% da população ser camponesa. Freire tivera uma experiência feliz na América Latina com os Círculos de Cultura e Círculos de Cultura Popular: a leitura da realidade através da descodificação de fotos e de desenhos, seguindo-se a leitura da realidade através de textos. Além de cientista empenhado, Freire era profundo conhecedor de todo o processo da luta armada e conhecia com fluência o pensamento de Amílcar Cabral. Enquanto fala nas palavras geradoras e a sua codificação para o arranque da literacia, não deixa de mencionar a preocupação de Cabral com aquilo que ele advertia sobre “o suicídio da pequena burguesia”. Insiste na correspondência com Mário Cabral que deve haver uma unidade territorial com que o aprendiz das letras se sinta familiarizado, a realidade da geografia, da produção, da política, da história, as etapas da política de saúde e até da cultura do arroz.

Bastante tempo depois, em 2003, a editora brasileira Paz e Terra editava “A África Ensinando a Gente”, conversas entre Paulo Freire e Sérgio Guimarães, sente-se que a experiência guineense permanece no coração desse grande mestre da alfabetização, vemos aqui afloradas questões muito polémicas como o português, o crioulo e as línguas étnicas. Apegado às convicções de Cabral, Freire considerava que a luta da reconstrução nacional era a continuidade da luta de libertação, em que se inclui o problema da identidade cultural, e recorda ao seu interlocutor uma frase de Cabral: “A luta de libertação é um facto cultural e um fator de cultura”. Na questão polémica da língua oficial, Freire dizia que o crioulo guineense não tinha condições para ser a língua oficial porque lhe faltava a escrita. Não se podia ensinar em crioulo a não ser pelo recurso oral, já que não havia um texto sequer escrito em língua crioula, era manifestamente insuficiente a boa vontade de alguns intelectuais que publicavam em crioulo, faltavam quadros no período posterior à independência, era praticamente impossível também ensinar a língua portuguesa nas zonas rurais do país. Freire sentiu-se enternecido quando viu camponeses criando palavras a partir da palavra portuguesa.
Retenha-se a seguinte observação de Freire: “Creio que a questão que se coloca no caso da Guiné, no momento, não é tanto mais a de pretender alfabetizar as grandes massas populares em português, mas, pelo contrário, de disciplinar estritamente a língua crioula, ao mesmo tempo que enfatizando, respeitando e desenvolvendo as demais línguas nacionais, para que, num futuro próximo, se ponha a língua portuguesa no seu devido lugar”. Mas ele pressentia que não era essa a vontade da liderança do PAIGC, esta sentia-se profundamente irmanada com o pensamento de Cabral quanto ao uso do português. Havia o entendimento (creio que permanece) que o crioulo era a língua nacional veicular e o português era a língua oficial, se é esta a catapulta no futuro para a comunicação entre os guineenses.

As conversas que vão saltitando por outros países como Angola e São Tomé, ouvem-se queixumes de gente autorizada como Lúcio Lara, Pepetela e Alda do Espírito Santo, Angola com a guerra civil e a despender minimamente na educação e São Tomé sem recursos, contando exclusivamente com a ajuda internacional. A entrevista com Mário Cabral é ainda hoje uma peça relevante, ele foi o destinatário da maior parte das cartas escritas por Paulo Freire. Começa o seu testemunho deste modo:
“Tínhamos uma pequena equipa que foi trabalhando, mas os primeiros embates começaram por ser pela língua. Porque nós, a alfabetização, estávamos a fazer em português. Lembro-me, uma vez disseram: ‘Mas, afinal, os colonialistas estiveram cá quinhentos anos e não nos fizeram aprender a língua deles. Como é que agora o PAIGC, que lutou contra o colonialismo, vai-nos ensinar o português?’. Eu disse: ‘Olha, é tão simples como isso: eu sou agrónomo. Estamos a tentar melhorar a nossa agricultura. Nós temos que recorrer a instrumentos, sementes melhoradas, adubos, etc., mas também vamos recorrer a tratores. Não fomos nós que inventámos o trator. Ora, a alfabetização é isso mesmo. As nossas línguas são muitas e não temos capacidade de fazer a alfabetização em todas as línguas. Vamos utilizar o português”.

Mário Cabral rememora a participação marcante de Paulo Freire naqueles primeiros anos da independência da Guiné-Bissau, o ideal de um processo educativo para todos, não atingido, não se ultrapassaram os 50% da alfabetização das crianças em idade escolar. Não podia iludir que o orçamento da Educação era reduzido, se alterara o quadro político com o multipartidarismo, que houvera um número impressionante de ministros da Educação. Embora a educação não fosse muito privilegiada do ponto de vista orçamental tinha havido um grande apoio da parte dos doadores, com a Suécia à cabeça. Mas a instabilidade levou a um quadro regressivo. “Acaba-se por dar mais dinheiro à Segurança ou às Forças Armadas do que à Educação. Bom, quando realmente a situação política é de instabilidade, a ponto de ter que se reforçar o controlo do cidadão para evitar o pior, há aí qualquer coisa de errado. Ora o desenvolvimento, a paz social existem quando há um mínimo de capacidade de gestão. Quando você não tem, numa perspetiva de futuro, coisas que o estimulem, a tendência é recorrer a um passado glorioso que você teve. E acho que este país está muito a sonhar com o passado, não está efetivamente a afrontar o presente e sobretudo, fazendo uma perspetiva para o futuro”.

Recorde-se que a entrevista de Mário Cabral a Sérgio Guimarães foi dada em 2002, o conflito político-militar de 1998-1999 devastara o país, restava a esperança, e Mário Cabral depositava esperança no profissionalismo da classe política, esperança numa perspetiva democrática de acesso ao desenvolvimento.

Aqui se deixa a recensão sobre as etapas cruciais do processo educativo da Guiné-Bissau, um quarto de século de sonhos e profundas deceções.



Uma imagem da fascinante arte bijagó.
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de Maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23259: Notas de leitura (1445): “Guiné-Bissau, aspetos da vida de um povo” por Eva Kipp; Editorial Inquérito, 1994 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 29 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23211: Notas de leitura (1441): “A Balada do Níger e Outras Estórias de África”, por Amílcar Correia, Civilização Editora, 2007 (4) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
O mínimo que se pode dizer que esta reportagem de Amílcar Cabral oferece é uma África empolgante, desde os caminhos para Tombuctu até aos aspetos míticos que a Tanzânia conserva. O repórter estudou a sério a história, a etnografia, dá-nos o colorido das paisagens, a distinção das relações humanas consoante o país, está permanentemente atento à cultura, vai saltando de lugar em lugar não esquecendo alguns onde se fala a língua portuguesa, logo Cabo Verde e depois S. Tomé, mais adiante Moçambique, cuja ilha o deslumbra. E percorre a costa oriental africana, e há trechos de fascínio cultural, vem na senda de um feitiço que o persegue por toda a itinerância, um exemplo: "Deus é vermelho. Deus é preto. É vermelho quando está mal disposto e por isso não chove e é preto nos dias de benevolência chuvosa. O vermelho é fogo, morte, renascimento. O preto é sagrado. A cor que vestem os rapazes depois de circuncisados, com a cara pintada de branco, quando passam a pertencer ao mato, à idade adulta e aprendem a desenvencilharem-se sozinhos". Uma viagem muito pessoal, cativa o leitor pela busca e pela abertura do olhar.

Um abraço do
Mário



Ali para as bandas da Guiné e um pouco por toda a África (4)

Beja Santos

“A Balada do Níger e Outras Estórias de África”, por Amílcar Correia, Civilização Editora, 2007, é um livro de cambanças, tudo começa na mítica Tombuctu, seguiu-se a Mauritânia, o deserto do Sara é um referencial, por diversas razões: é o maior depósito de sal do continente africano, nele se cruzam as redes comerciais entre o Mediterrâneo e a África negra, há mesmo a registar a presença portuguesa na ilha de Arguim, ao largo da Mauritânia. E depois desce-se o continente até à África Austral, o que se diz sobre Moçambique é muito importante, tal como sobre a África do Sul. Amílcar Correia preparou-se a sério para esta longa expedição. E como segue para o Quénia, é incontornável falar do clássico de Karen Blixen, África Minha: “Quando cheguei a África, não havia automóveis no país e íamos até Nairobi a cavalo ou numa carroça puxada por seis mulas. Durante toda a minha estada, Nairobi foi um lugar animado, com belos edifícios de pedra e bairros inteiros de velhas lojas, escritórios e casinhas de chapa ondulada, ao longo das ruas despovoadas e poeirentas, ladeadas por longas filas de eucaliptos”.

E descreve-nos com grande entusiasmo as ruas de Nairobi, chove a cântaros, o trânsito é infernal, os transportes públicos e privados transbordam de gente. E tece um comentário: “Para os estrangeiros de passagem, Nairobi é um prolongamento dos parques naturais do país, embora arranhe o céu aqui e ali e isso seja impossível na planície selvagem”. E mais adiante:
“Nairobi situava-se na confluência de territórios quicuios e massais e deve o seu nome a um riacho. Os primeiros foram forçados a deixar aqueles territórios, enquanto os segundos abandonaram a região após terem celebrado um acordo com os ingleses. O tribalismo não desapareceu com a independência e ainda se é primeiro quicuio ou luo e só depois queniano. Apesar do gigantismo de Nairobi e da vivência urbana que lhe é subjacente, esse confronto mantém-se vivo na própria capital.
Aquelas duas são as tribos mais numerosas do Quénia e têm barreiras históricas e linguísticas a separá-las quer no passado, quer na atualidade. Os quicuios eram conhecidos como os judeus do Quénia por estarem mais interessados na sua educação e cultura do que em ganhar a vida. Descendem dos Bantu, agricultores por excelência, que migraram para a região no século XV, vindos da costa ocidental, ao passo que os Luo descendem dos povos do Nilo, provenientes do Sudão, e são sobretudo pastores”
.

E dá-nos um apontamento sobre a presença portuguesa e depois a inglesa: “No século XV, ao ocuparem cidades da costa zanj (que significa gente negra, em persa), os portugueses iniciaram os primeiros contatos entre a Europa e a África Oriental, mas foram os britânicos quem deu passos mais sérios para desbravar o seu interior, mais populoso após a abertura da linha do caminho-de-ferro entre Mombaça e Nairobi”. Segue-se um relato da exploração do continente, fala-se de Livingstone, John Speke, Samuel Backer, Henry Stanley, de gente de nomeada que aqui veio aos safaris. O repórter chega agora a Dar es Salam, a sua atenção é atraída por uma questão de verificação das notas:
“São poucas as lojas abertas num dia de fim de semana, tudo o que eu agora mais desejava era um punhado razoável de xelins. O indiano atrás do vidro colocou as notas na máquina para as contar, retirou algumas delas como quem retira a parte apodrecida de um fruto e avançou uma explicação plausível.
- Não há máquinas sofisticadas na Tanzânia para separar as notas boas das notas falsas. É por isso que aqui só se aceitam as notas de dólares de cabeça grande, porque sabemos que são as mais difíceis de falsificar”
.

E fala-se deste país composto pelo arquipélago de Zanzibar e o território continental, o antigo Tanganhica. A viagem entre as duas metades faz-se de barco, a procura turística é enorme, Stone Town, a cidade de pedra da ilha de Zanzibar, é um mito:
“As estreitas ruas da cidade escondem mistérios seculares por trás das portas de madeira trabalhada com obstinação e apreço. As portas tinham, e ainda têm, uma importância crucial na vida dos habitantes da ilha. Muitas vezes, a construção das casas começava, e começa ainda, justamente pela porta, assim transformada na peça mais importante de uma habitação, que obedece aos cânones árabes do respeito pela privacidade. Do telhado dos edifícios mais elevados, avista-se a cidade na sua plenitude, com as suas igrejas cristãs, os tempos hindus, os minaretes das mesquitas, os bairros recentes construídos em altura na periferia da cidade, os palácios e as suas varandas rendilhadas, os telhados de zinco verde, os dhows (veleiros de velas latinas) no mar ou as ruínas dos antigos edifícios públicos, atuais moradas de pescadores”.

Reflete-se sobre a partilha de África como foi desenhada na Conferência de Berlim, em 1884-1885, e as suas consequências, mas a verdade é que há realidades históricas e culturais que ultrapassam os constrangimentos artificiais de qualquer mapa. Há uma língua que é um país, o swahili, país de marinheiros, uma miscigenação de tribos Bantus com imigrantes persas e árabes. “Esta nação linguística, que, à partida, pode parecer estranha, não tem capital sequer. Este país foi criado e unificado em torno de um idioma comum, embora com algumas variações, à semelhança de tantas outras línguas. O país swahili começa em Mogadíscio, desde aqui e ali pela costa queniana, prolonga-se pela Tanzânia, atinge as suas fronteiras em Moçambique e o seu idioma é falado por 30 milhões de pessoas”.

E o autor prodigaliza-se em pormenores sobre esta fascinante costa oriental africana onde houve comerciantes persas, onde se vendia o marfim e o ouro, os cornos de rinoceronte e os dentes de hipopótamo. A chegada dos portugueses trouxe mudanças. Zanzibar foi dominado pelas tropas portuguesas em 1505. Vasco da Gama estabeleceu uma presença portuguesa em Malindi. No século XVIII, os portugueses retiraram, seguiu-se o sultanato de Omã. O autor continua deliciado com a história atribulada do Tanganhica e da importância de Zanzibar, vem mais atrás ao mercado de escravos, toda a região era um imenso entreposto. Mas o autor observa: “A escravatura é anterior à chegada de árabes, portugueses, franceses ou ingleses à costa do continente e há autores que sustentam que entre 30 a 60% dos africanos eram escravizados antes da chegada dos primeiros europeus”.

E vamos concluir esta empolgante viagem retendo dois parágrafos ainda acerca de Zanzibar:
“Zanzibar tem sido palco de alguma violência. Contudo, a Tanzânia é um dos países com maior coesão no qual a separação entre tribos e Estado tem sido um facto, apesar da existência de 120 grupos étnicos que, muitas vezes, nem sequer se compreendem uns aos outros por dificuldades linguísticas. O ex-presidente Julius Nyerere teve uma importância reconhecida nesta coesão, ao escolher o swahili como língua principal e ao opor-se contra posições étnicas mais divisionistas. Ao contrário do vizinho Quénia, a importância da pertença tribal não é uma questão fulcral para uma população que, antes de mais, se define como tanzaniana.
Nascido na tribo zanaki, em 1922, Nyerere estudou numa Universidade de Kampala e licenciou-se em História em Edimburgo. Nyerere foi o rosto das reivindicações independentistas da Tanzânia e o seu primeiro presidente, ao unir a então Tanganhica e a ilha de Zanzibar. Em 1985, demitiu-se, Nyerere abandonou aquelas funções num gesto raro entre a classe política, após reconhecer os erros da sua governação que conduziu o país a uma situação de bancarrota.”

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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23199: Notas de leitura (1440): “A Balada do Níger e Outras Estórias de África”, por Amílcar Correia, Civilização Editora, 2007 (3) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22789: Historiografia da presença portuguesa em África (293): "Atlântico, a viagem dos escravos", texto de Miguel Real, ilustrações de Adriana Molder, fotografia de Noé Sendas; Círculo de Leitores, 2005 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Fevereiro de 2021:

Queridos amigos,
Não se pode esconder que há um claro desequilíbrio no propósito de uma viagem à Rota dos Escravos, e ao papel preponderante desempenhado por Portugal desde o século XV ao século XIX, pôs-se acento tónico no Golfo da Guiné, pode aceitar-se privilegiar São Tomé e não ter havido necessidade de ir a Luanda para dar a imagem de entreposto e lugar de roças com escravos (mais tarde aqui arribarão os trabalhadores cabo-verdianos), foi útil ir ao Benim e visitar S. João Baptista de Ajudá e os seus entrepostos negreiros. 

Visitar Goré sem visitar Cacheu já é um pouco estranho e mais estranho é ir à Ilha de Santiago e não se dar uma só linha do que aqui se passou como ponto culminante da Rota dos Escravos, vinha-se da Senegâmbia e era nestes entrepostos cabo-verdianos que se partia para as Américas ou para Portugal. Porquê esta omissão, nem uma palavra de quem organizou a viagem nem de quem a passou a escrito, o escritor Miguel Real.

Enfim, silêncios que deixam na escuridão a grande linha da Rota dos Escravos.

Um abraço do
Mário



A rota dos escravos, da Senegâmbia ao Golfo da Guiné (2)

Mário Beja Santos

Em setembro de 2004, no âmbito de um ciclo organizado pelo Centro Nacional de Cultura, um grupo partiu para o Atlântico e Costa de África em busca de vestígios da presença portuguesa, o tal ciclo denomina-se “Os Portugueses ao Encontro da Sua História”. 

Visitaram São Tomé, seguiu-se o Gabão, São João Baptista de Ajudá, o Senegal e depois Cabo Verde. Não se dá explicação por não ter feito parte desta rota a fortaleza de Cacheu, teve um papel primordial na transferência de escravos sobretudo para a ilha de Santiago, de onde depois partiam para vários pontos do continente americano e até Portugal. Pode-se especular não ter havido condições, a Guiné-Bissau vivia um período de turbulência, recorde-se o golpe de Estado que apeou Kumba Ialá, seguiu-se uma Junta Militar. O resultado dessa viagem é o livro "Atlântico, A viagem dos escravos", texto de Miguel Real, ilustrações de Adriana Molder, fotografia de Noé Sendas, Círculo de Leitores, 2005.

Os visitantes estão neste momento no Museu de História de Ajudá. A diretora do Forte faz uma incursão pelo passado.

“Nos finais do século XVIII, o Administrador do Forte, Francisco de Fonseca e Aragão, recém-chegado a Ajudá, queixava-se dos costumes dissolutos dos brancos da região e dos mestres-negreiros portugueses (brasileiros), acusando-os de total ausência de prática cristã, nem a missa dominical frequentavam, queixava-se”.

 Nos últimos vinte anos do século XVIII o Forte entrara em total decadência e a sua importância fora substituída pela emergência de Porto Novo e Onim. E assim continuará a ser até que Francisco Félix de Sousa, a partir da segunda década do século XIX, faça reviver Ajudá. E o autor carreia elementos históricos. Desde a sua fundação, S. João Baptista de Ajudá em nada interessa ao Portugal de D. João V, mas sim aos banqueiros baianos e pernambucanos, que duplicavam fortunas investindo no negócio da escravatura.

 Quase ao longo de todo o século XVIII, o enclave de Ajudá depende do vice-rei do Brasil, mas não possui importância. Quem faz sair Ajudá da letargia é Francisco Félix de Sousa que aqui arribou nos primeiros anos do século XIX, vindo de S. Salvador da Baía. Nada se sabe sobre o seu passado, chegou pobre, não mais regressou ao Brasil. Chega e nasce uma lenda. Conta-se que desembarcou sozinho, numa piroga, no embarcadouro de Ajudá, não fora molestado por um bando de negros porque ostentava um anel com uma serpente gravada.

É a partir da história deste anel que se presta algum crédito à tradição que o faz adorador de Dangbé, a píton, vodu africano. Desconhece-se como viveu os seus primeiros anos em Ajudá, terá sido ajudado por um negreiro francês, tomado como feitor ou guarda armado do depósito de escravos. Esse negreiro francês terá levado Francisco Félix de Sousa à presença do rei e este ter-lhe-á permitido entrar no negócio da escravatura. Não se sabe a proveniência dos seus haveres, mas começou a oferecer ao rei e aos régulos e aos caçadores de escravos armas de fogo, pólvora, ferro, panos finos, tabaco de terceira categoria, aguardente e bricabraque. É bem possível que o rei que recebia ofertas gradas deste negreiro não lhe tenha retribuído com a proporção correspondente de escravos, insolvente, o negreiro dirigiu-se à cidade dos palácios reais e apresentou o seu protesto.

 Conta-se a história que o negreiro foi metido na prisão, mas que fez um pacto com o irmão ou sobrinho do rei, este ascendeu ao poder, o negreiro voltou ao seu negócio próspero. Tudo isto é narração lendária, o facto é que ele se tornou no mercador português do reino de Ajudá, é o período dos anos de ouro de Francisco Félix de Sousa que fez uma fabulosa fortuna. E dentro da lenda fala-se das suas riquezas, sempre indumentado à europeia, com casa mobilada à europeia, servia-se à mesa com talheres de ouro e prata, segundo relatos da época.

Prosseguiu a viagem atravessando Ajudá, no centro lá está a praça Chachá, com a casa de Francisco Félix de Sousa que o escritor Bruce Chatwin consagrou no romance O Vice-Rei de Ajudá.

 Francisco Félix de Sousa morreu, dizem uns com 90 outros com 70 anos, os seus negócios já estavam em declínio, a abolição da escravatura afetou-lhe a riqueza. E Miguel Real faz o histórico da família, que não deixa de ser empolgante. Visitaram depois o 17.º rei de Ajudá, assistem a um ritual vodu, para o autor fora o dia mais importante da viagem, a visita ao Benim e ao mundo de Francisco Félix de Sousa e o autor adverte o leitor que lhe está a nascer a ideia para um romance baseado nesta figura espantosa da rota dos escravos. E partem para Dacar, dá-nos um quadro lisonjeiro da chegada: 

“A genuinidade tropical do mercado de São Tomé desapareceu, o abarracamento caótico do mercado da Rua do Benim desapareceu também, os pés nus, descalços, dos jovens africanos desapareceram, o pano-da-costa que enrola o corpo da mulher africana desapareceu, as papaias, os mamões, os ananases, as pencas de bananas desapareceram das ruas, remetidos para os expositores dos supermercados, a parafernália dos trajes garridos africanos desapareceu, substituída pelas camisas brancas, os polos de cores discretas, as calças de fazenda, os jeans ocidentais, o ponto de madeira e zinco onde se talha a melancia e espreme a toranja desapareceu. Dacar é, com exceção dos arredores, a cidade africana mais europeia que visitámos”.

Haverá referências a Benjamim Pinto Bull, que ensinou na Universidade de Dacar e que deixou um relevante trabalho sobre o crioulo da Guiné-Bissau. Viajaram até à ilha de Goré, a três quilómetros da capital, é um ilhéu para sermos mais precisos, de 900 metros de comprimento e 400 de largura. Dali avista-se o Cabo Verde continental. 

“Goré é constituída por uma fortaleza acastelada, construída pelos holandeses no século XVII, um pequeno forte que funcionou como prisão e depósito de escravos. Sustentado na força internacional da França, o Senegal viu aprovado, em 1978, a elevação de Goré a Património Mundial pela UNESCO. Goré, de flagelo humano vivido entre os séculos XVI e XIX, tornou-se atração turística de massas, com excursões contínuas de ricos negros americanos procurando a emoção de pisarem a terra que seus pais históricos pela última vez pisaram quando abandonaram África.

A Casa dos Escravos constituí hoje o centro histórico africano do ilhéu, cujo casario denota uma forte influência muçulmana. Aqui eram depositados os escravos vindos de toda a região da Senegâmbia, esperando partida para as possessões francesas na América”.

E depois o autor discreteia sobre a chegada do escravo à América, são elementos de divulgação bem conhecidos. E de Dacar parte-se para o aeroporto da Praia, é o termo da Rota dos Escravos. É a parte mais dececionante do relato, diga-se em abono da verdade. Falar-se-á pouco de escravatura e muito do Tarrafal, sem prejuízo de boas referências à cultura cabo-verdiana, predomina a descrição do campo de concentração do Tarrafal, visita-se a Cidade Velha e abonam-se elementos sobre a primeira fase de Cabo Verde, em dado momento fala-se na tabanca, uma das festas culturais profano-religiosas mais antigas e singulares de Cabo Verde, escreve-se que tabanca significa aldeia em guineense, o que pode denotar a existência primitiva de sociedades secretas; a tabanca é atualmente uma confraria ou irmandade de socorros mútuos.

 Percorre-se a Cidade Velha ou Ribeira Grande e parte-se para a Ilha do Sal, elogia-se a camaradagem do grupo e nem uma palavra sobre a importância do comércio negreiro desta Senegâmbia onde fomos o principal interventor.

 Durante a fase da luta ideológica do PAIGC pretendeu demonstrar como indiscutível a unidade histórica da Guiné e Cabo Verde, esqueceu-se de dizer que os escravos da Senegâmbia negociados por mercadores e os seus atravessadores vinham desde o Cabo Verde continental até à Serra Leoa e de regiões do interior que excediam o que é hoje a geografia da Guiné-Bissau. Forjou-se o mito de uma miscigenação jamais comprovada. Recordo-me de uma vez Teixeira da Mota me ter dito que era preciso compulsar muito bem os documentos existentes quer no Arquivo Histórico Ultramarino quer em Cabo Verde para se poder com o mínimo de rigor especular sobre as origens dos escravos chegados a Cabo Verde. A questão ideológica arrefeceu, tanto quanto sei está completamente silenciada, mas parece-me um tanto tosco fazer uma viagem desta dimensão, com a chancela do Centro Nacional de Cultura, não se ter ido a Cacheu e não se falar do tráfico de escravos em paragens cabo-verdianas.

E disse, fica feita a recensão de um livro que relata uma viagem à Rota dos Escravos, onde Portugal foi ator e não pode negá-lo.

Fortaleza de S. João Baptista de Ajudá, Benim
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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22769: Historiografia da presença portuguesa em África (292): "Atlântico, a viagem dos escravos", texto de Miguel Real, ilustrações de Adriana Molder, fotografia de Noé Sendas; Círculo de Leitores, 2005 (1) (Mário Beja Santos)