quarta-feira, 21 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22393: As (des)venturas da CART 6552/72, desviada para o sul da Guiné, em maio de 1973 - Parte I: Entrei no avião, em Figo Maduro, a chorar de revolta (Manuel Domingos Ribeiro, ex-fur mil, grã-tabanqueiro nº 844)


Guiné > Região de Tombali > Cameconde > CART 6552/72 (1973/74) > O Manuel Ribeiro com um pequeno "jacaré", apanhado na bolanha de Cassomo (, em rigor, trata-se de um crocodilo juvenil, já que não há jacarés na Guiné, nem em toda a África, apenas no Novo Mundo e na China).


Guiné > Região de Tombali > Cameconde > CART 6552/72 (1973/74) >  O quartel de Cameconde, em 1973


Guiné > Região de Tombali > Cameconde > CART 6552/72 (1973/74) > O Manuel Ribeiro, junto ao bar, num momento de descontração.


Fotos (e legendas): © Manuel Domingos Ribeiro  (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Manuel Domingos Ribeiro (ex-fur mil at art, MA, CART 6552/72, Cameconde e Cabedú, 1973/74):

Date: terça, 20/07/2021 à(s) 17:00
Subject:  As (des)venturas da CART 6552/72

Boa tarde Luís,

Falando um pouco sobre o desvio da CART 6552/72,  de S. Tomé para a Guiné, quando se encontrava a aguardar embarque na carreira na de tiro de Espinho, embarque que já tinha sido adiado duas vezes, eu que me encontrava em casa de licença fui convocado por telegrama para me apresentar na unidade para seguir de imediato para o ultramar, mas não mencionava o destino final-

Apresentei-me a uma sexta feira ao fim da tarde e tive de imediato fazer o espólio de algum fardamento para de seguida o pagar pois,  como te deves de lembrar,  recebíamos um valor monetário para compra de todo o fardamento e demais artigos necessários ao serviço militar, artigos esses que foram comprados no casão militar em Bissau.

Como me apresentei à última da hora só levei a farda que tinha vestida,  algum fardamento que tinha no quartel e uma muda de roupa que transportava numa pequena mala de mão, foi nessa altura que nos foi comunicado que tínhamos sido desviados para a Guiné pelo nosso Comandante de companhia e encarregues de comunicar aos nossos militares e por pelotão o nosso destino.

Nós, os graduados,  ainda ponderámos não embarcar, alguns ainda se deslocaram ao Porto já ao princípio da noite para falar com familiares e pedir algum conselho. Fomos aconselhados a embarcar pois as consequências seriam de certeza graves-

Depois de todos regressarem,  reunimo-nos já ao principio da madrugada, explicámos a nossa situação e informámos que partiríamos ao início da madrugada em autocarros, com destino à Base Aérea de Figo Maduro, em Lisboa,  onde embarcaríamos ao princípio da manhã de sábado. 

Na altura de embarque surgiu alguma resistência por parte alguns soldados e graduados em embarcar por não nos terem alterado a nossa mobilização e não nos terem explicado por que razão estávamos a ser deslocados para a Guiné. Alguns elementos foram isolados da restante companhia e postos à guarda da policia aérea responsável pela segurança do aeroporto, foram confrontados por elementos civis e militares se não iam  embarcar e as consequências de uma resposta negativa... Responderam, por fim,  que embarcavam e seguiram para a pista, saindo o avião com cerca de uma hora de atraso.

Lembro-me de ver alguns familiares no aeroporto militar mas da parte de fora da rede, de ter entrado no avião a chorar de revolta por não nos terem dito a razão da nossa ida para a Guiné, da nossa chegada que foi cerca do meio dia,  hora de muito calor, da saída do avião, o cheiro característico a que depois me habituei, o embarque quase de imediato em viaturas militares com destino ao Cumeré.

Entretanto fomos colhendo alguma informação e ficámos a saber que as coisa não estavam fáceis tanto a Norte como a Sul, ficámos a saber que um aquartelamento no Sul, Guileje,  tinha sido abandonado dias antes, fomos para o Cumeré e logo nos dois dias seguintes chegaram mais duas companhias de cavalaria,  também desviadas de Angola para a Guiné. 

Fizemos uma IAO de forma acelarada e logo na primeira semana de Junho partimos de LDG junto com uma companhia de paraquedista com destino a Cacine. Eu não segui nessa LDG pois fui encarregue de comandar uma secção para fazer segurança de um batelão que transportava combustiveis para a nossa companhia, não foi uma viagem fácil pois, quando cheguei no outro dia a Cacine, ao tirar a camisa a pele saía junto:  toda a viagem fora feita ao sol por não existir proteção para todos, 

Junto connosco também viajava uma secção de fuzileiros que tambem tinham a missão de fazer segurança ao batelão.

Dois dias depois chega a Cacine uma das companhias de cavalaria que tinha sido desviada de Angola junto com mais uma companhia de paraquedistas, sabendo depois que a outra companhia também desviada de Angola tinha sido enviada para o Norte, pois Guidaje continuava ferro e fogo.

Em Cacine era o caos com tantos militares concentrados no mesmo local, houve uma reunião de comandos em Cacine e foi dado a escolher ao nosso capitão, por ser o mais velho, o local para sermos colocados:  Gadamael Porto ou Cameconde. O nosso capitão escolheu  Cameconde para aí rendermos um grupo de combate da  CCAÇ 3520 mais um grupo de combate da companhia de milícia da tabanca Nova que ficava entre Cacine e Cameconde.

Como Cameconde não tinha capacidade para alojar uma companhia inteira,  um grupo de combate ficou em Cacine para apoio e segurança às colunas de reabastecimento ao pessoal de Cameconde, e a partir daí começou a nossa aventura por terras do Sul da Guiné.

Cameconde era o aquartelamento mais a sul na Guiné, mesmo junto à fronteira e ao Quitafine que era considerado pelo PAIGC como área libertada.

Junto algumas fotos, uma com vista parcial de Cameconde, outra tirada junto de um abrigo com um pequeno jacaré capturado na bolanha de Cassomo e outra tirada junto do bar num momento de descontração.   

5 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

As manifestações de revolta, individuais e coletvias, no seio de unidades mobilizadas para a Guiné, antes e durante o embarque, ou antes do regresso, não estão suficientemente documentadas no blogue.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Cameconde ou Gadamael ? Venha o diabo e escolha.

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

O animal (reptil) que o Manuel Ribeiro mostra numa das fotos, nao é Jacaré, mas também nao é um Crocodilo. Eu explico:

Na Guiné e países vizinhos da região, existem algumas espécies menos conhecidas de répteis da familia dos crocodilos/Jacarés, mas que são muito mais pequenos que estes e que nunca ultrapassam 1,5 mts de comprimento. Alguns são anfíbios, com uma coloração muito parecida dos Jacarés, meio esverdeada no dorso e nas patas e amarelado na parte de baixo e que tem como habitat as bolanhas. Estes répteis da bolanha são mais leves e ágeis, e podem ser encontradas em cima de ramos de árvores na orla das bolanhas. Na lingua fula são designados por Heleldi (plural), Heleldu (singular).

Em contrapartida, os Crocodilos, normalmente, vivem nos rios ou braços de mar e raramente se aventuram em bolanhas, salvo em épocas de grandes cheias que podem assim juntar as aguas dos rios e das bolanhas.

E ainda, há outros(seus primos) que vivem um pouco mais afastados das bolanhas, podendo ser encontradas mesmo na floresta, com uma cor única, sujos de lama e, em regra, adquirem a cor da terra onde habitam, podendo ser de cor preta, cinzenta ou avermelhada, conforme o local, pois vivem em buracos que escavam no solo (toma a designaçao de Kurôh, em fula).

Antes da islamização, estes répteis eram caçados e faziam parte da dieta alimentar das diferentes etnias da região, mas com o advento das religiões monoteistas, passaram a ser consideradas impuras e, em consequência, ilícitas para o consumo dos crentes. Nao obstante, o hábito antigo de consumo das suas carnes ainda se mantém entre os mais novos que frequentam as bolanhas e campos de trabalho em plantações de caju e outros cereais no mato, não estando sujeitos, nessas ocasioes, ao escrutinio dos mais velhos.

Cordialmente,

Cherno Baldé

Valdemar Silva disse...

Manuel Ribeiro, eu e a minha CART.2479 (oficiais, sargentos e praças especialistas) também fizemos o IAO na Carreira de Tiro de Silvalde (Espinho) em Dez1968/Jan1969, antes da partida para a Guiné. Até houve um pequeno desaguisado com a polícia de choque, que por lá esteve acoitada para intervir no 31 de Janeiro no Porto, por cousa dos cães (coitados) terem mais verba para ração que os soldados para o rancho.
Quanto ao réptil, faz-me lembrar um lagartão que aparecia nos regos feitos pela corrente das águas da chuva e me pregou um grande susto...e complicado : imagina estar a largar o preso para o rego e de repente aparecer dum restolho um lagartão e eu desatar a fugir com as calças a dificultar e qual preso pra que vos quero.

Abraço e saúde
Valdemar Queiroz

Anónimo disse...

Caro Valdemar,

Esse "Lagartão" que tu viste, deve ser um dos tais répteis a que me referia no meu comentário. Este deve ser o do interior e que costuma surpreender, dissimulado nos arbustos, com uma saida abrupta e com passos pesados.

Quando éramos crianças, tentávamos apanhá-los com os nossos cães, mas conseguiam defender-se abanando suas caudas.

Abraços,

Cherno Baldé