sexta-feira, 23 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22396: As (des)venturas da CART 6552/72, desviada para o sul da Guiné, em maio de 1973 - Parte II: a história do Lemos, jogador do FC Porto, e nosso soldado de transmissões... Nunca teve tratamento VIP até ser transferido para a UDIB (Manuel Domingos Ribeiro, ex-fur mil, grã-tabanqueiro nº 844)


O Manuel Domingos Ribeiro, um "andrade" (, portista de alma e coração), 
da Areosa, Rio Tinto.

Foto (e legenda): © Manuel Ribeiro (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


O Lemos, do FC Porto,  que foi camarada do Manuel Domingos Ribeiro,
 CART 6552/72 (Cameconde e Cabedú, 1972/74). 
Vive hoje em Fânzeres, Gondomar. Em fevereiro de 2019 o Manuel Ribeiro 
visitou-o pela última vez, estava com graves problemas de saúde. 

Foto: Cortesia do blogue Estrelas do FCP, do Paulo Moreira (Gondomar)


1. Mensagem do Manuel Domingos Ribeiro (ex-fur mil at art, MA, CART 6552/72, Cameconde e Cabedú, 1973/74):


Date: quarta, 21/07/2021 à(s) 16:58
Subject: História do Lemos

Boa tarde, Luís

Vou tentar contar um pouco da história do Lemos na Cart 6552  (*).

O Lemos foi colocado na Cart 6552 no fim de 1972 ou princípio de 1973 com a especialidade de transmissões, quando foi colocado na Cart 6552, encontrava-se detido no RI 6 no Porto, sendo eu encarregue de comandar uma força para o vir buscar sob detenção e transportá-lo para o RAL 5 em Penafiel.

Quando o sargento da guarda me fez a entrega do Lemos, a grande preocupação dele, Lemos, era o carro (Ford Capri de cor amarela), que se encontrava estacionado à porta do quartel e se era possível ser ele a conduzi-lo para Penafiel. Claro que de imediato lhe comuniquei que não, pois se acontecesse alguma coisa quem sofria as consequências era eu, mas em conversa com o Lemos logo ali se encontrou uma solução para o problema.

Quando cheguei a Penafiel com o Lemos, já o carro se encontrava estacionado no Largo da Feira e o Lemos tinha à espera dele o António Oliveira, também jogador do F. C. Porto (nascido em 1952, em Penafiel). Enquanto esteve detido, ele sempre teve refeições servidas pelo restaurante Roseirinha, em Penafiel, que era propriedade da família Oliveira.

Durante o tempo que permanecemos em Penafiel e depois de cumprido o tempo de detenção, o Lemos foi um militar como os outros, tendo de executar os serviços para os quais estava escalado.

Em Março de de 1973 fomos deslocados para a carreira de tiro em Silvalde, Espinho, para aí fazermos o IAO pois o nosso destino era S. Tomé e Príncipe e não Cabo Verde e muito menos a Guiné, mas quis o destino que fôssemos mesmo para a Guiné, hoje sabemos quais as razões.

O Lemos sempre nos acompanhou até ser transferido para o UDIB em Bissau, não tenho ideia quanto tempo esteve no mato (Cameconde), mas foi mais de três meses, alinhou como todos  nós no mato.

Tenho uma história caricata com ele no regresso de uma operação: quando estávamos a acabar de atravessar uma bolanha, o Lemos de repente diz-me, "Furriel acabei de perder uma bota, ficou presa na lama"... Eu só lhe disse: "Vê se a encontras pois terás que ir descalço e ainda faltam uns quilómetros"... Foi ver o Lemos com o Racal às costas, enterrado na lama até encontrar a bota e não foi nada fácil.

Como podes verificar, o Lemos enquanto esteve na Cart 6552 foi um militar com um tratamento igual a todos os colegas e não tinha que ser diferente e ele também não agia como tal, sendo sempre um excelente camarada, nunca exibindo a imagem de figura pública, antes pelo contrário.

Quando foi para Bissau teve os seus problemas, mas era a sua maneira de ser. No dia em que o Pavão morreu (, em 16 de dezembro de 1973), encontrava-me eu em Bissau com o Lemos e aí me confessou que,  ao sair da companhia,  se tinha sentido órfão, pois mais uma vez a família tinha ficado para trás.

A última vez que estive e falei com o Lemos foi em Fevereiro de 2019, em casa dele, em Fânzeres, Gondomar. Na altura encontrava-se muito debilitado e com graves problemas de saúde, 
não voltei a contactá-lo por não me ser possível.

Esta é a minha história sobre o Lemos na Cart 6552 e, como podes verificar, o Lemos não teve qualquer tratamento VIP (**)  e de certeza que alguém que tenha pertencido à Cart 6552 terá algo mais para contar. 

Mas só quero mais uma vez dizer que fomos mobilizados para S. Tomé e Príncipe, que não fomos desviados a meio da viagem, que quando saímos da carreira de tiro em Silvalde, Espinho já praticamente todos sabíamos que o nosso destino era a Guiné.

Aproveito para dizer que sou da Areosa, Rio Tinto, para quem não sabe fica localizada mesmo no fim da Av Fernão de Magalhães, junto às Antas e, como tal, sou Andrade desde que nasci, doença de família.

Um forte abraço
Manuel Ribeiro
___________

Notas do editor:

(*) Últmo poste da série > 21 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22393: As (des)venturas da CART 6552/72, desviada para o sul da Guiné, em maio de 1973 - Parte I: Entrei no avião, em Figo Maduro, a chorar de revolta (Manuel Domingos Ribeiro, ex-fur mil, grã-tabanqueiro nº 844)

11 comentários:

Anónimo disse...

Caro Manuel Ribeiro

Não compreendo muito bem a tua atitude de manifestares sistematicamente a tua revolta de a tua companhia ser mobilizada para a Guiné quando estava destinada a S.Tomé.

Lembra-te de todos nós que fomos mobilizados também para a Guiné diretamente, sem termos feito mal a ninguém.

Um pouco de contenção só te ficava bem.

AB
C.Martins

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Fomos todos (ou quase todos) revoltados ou no mínimo contrariados para a guerra, em geral, e para a Guiné, em particular. Muivos dos que foram já não estão cá, para conformar ou infirmar esta opinião. Mas os vivos ainda podem escrever aqui... Já não há possibilidade de fazer "sondagens" no blogue, que tanto irritaram o nosão To Zé.

Anónimo disse...

Amigo Ribeiro.
Também sou natural do Porto, mas do Bairro de Costa Cabral, junto a "Fernão de Magalhães".
Frequentei a Escola Primária 3 A (masculina, pois a B era a feminina) precisamente de "Costa Cabral. Essa escola estava localizada entre as Antas 2 a Areosa, antes da Circunvalação!
Amigo, conheço muita "malta" de Pedrouços e da Areosa. Com alguns joguei à bola, muitos anos. Até, certamente conheces quem ainda pratique no "Clube de Praia Areia Sêca", do qual pratiquei "futebol de praia", junto à "Bola Nívia" na praia de Matosinhos, perto da rotunda ao fim da Cicunvalação, todos os Domingos de manhã.
Um abraço e obrigado pelo texto. Afinal sou acima de tudo portuense, nascido em Campanhã, que é a freguesia, do Porto (e do País), mais pobre e mal tratada da cidade!
Mas é um "mal de família como escreves-te. Mas, também sou portista! Porequê?... por ter nascido no "sítio" do antigo "Monte Aventino", paredes meias com o estádio das Antas, da Igreja das Antas, onde me "nasceram os dentes", dei os primeiros pontapés na bola,onde recebi o Batismo, fiz o Crisma, etc, etc.
Por isso, sou adepto dum Clube que é Campeão nos "Regionais", nos "nacionais", nos " europeus", nas "taças do mundo" e não tem mais títulos porque não o "deixam", desde os tempos de, quando atravessava a ponte de D. Maria, já "levava dois" de atraso; um era o adversário e o outro era quem nós sabemos!...
Um abraço do Álvaro Vasconcelos.





Carlos Vinhal disse...

Em comentário neste Blogue, alguém reagiu a que se designasse a Guiné como "vietname português", mas a verdade é que toda a gente preferia ser mobilizada para Angola ou Moçambique do que para aquele pequeno território alagado, infestado de mosquitos e com um clima doentio para os europeus.
Como diz o C. Martins, o Ribeiro já devia ter sarado a "ferida" da ida para a Guiné, uma vez que não só a dele mas tantas e tantas Unidades foram "desviadas" de outros destinos para lá.
Apetece-me parafrasear o C. Martins: Que mal fizemos nós para ir parar com o esqueleto naquelas paragens?
Carlos Vinhal
Leça da Palmeira

Fernando Ribeiro disse...

Verifico com um certo espanto que Manuel Domingos Ribeiro, Álvaro Vasconcelos e eu temos muito em comum. Ter-nos-emos conhecido pessoalmente? É provável, mas os nomes não me dizem nada.

Eu só não vim a este mundo na Areosa, Rio Tinto, Gondomar, porque nasci prematuro, de cesariana, numa Casa de Saúde, que era como os hospitais privados se chamavam naquele tempo. Se assim não fosse, eu seria mais um areosense, ou lá como é que se chama alguém nado e criado na Areosa. Vivi durante a minha infância até aos sete anos de idade numa casa amarela na Estrada Exterior da Circunvalação e lembro-me, como se fosse hoje, que no exato local onde a Av. Fernão de Magalhães desemboca na Circunvalação havia um acampamento de ciganos, nómadas e impressionantemente miseráveis. Diga-se de passagem que os ciganos foram uma excelente vizinhança, que eu via da janela lá de casa e com quem eu me cruzava quando saía pela mão da minha mãe. Quando eu tinha sete anos de idade, a minha família mudou-se para a Rua de Costa Cabral, no Porto, mas sempre perto da Areosa. Frequentei a escola primária do Bairro de Costa Cabral, ou seja, a Escola Primária 3A, só para rapazes, situada na Rua de Alcântara, em frente à Praça do Campo Grande e ao lado da escola 3B para meninas. A minha professora chamava-se Palmira. Como se costuma dizer, «o mundo é pequeno».

Anónimo disse...

Bom dia Fernando Ribeiro.
Fomos colegas de escola. Se tens 73 anos, ou 72, porque os meus pais matricularam-me quando eu tinha seis anos. Como nasci em Abril, conseguiram a matricula em Outubro de 1954.
Lembras, certamente dos passeios escolares, no fim de cada ano. Das nogueiras que marcavam os dedos com a textura liquida de cor amarelo-acastanhado; das brincadeiras nos recreios, na fuga ao carro da polícia, etc,etc.? e da "palmatória da professora D.Palmira?
Velhos tempos que recordo com nostalgia!...
Um abraço do Álvaro Vasconcelos

Fernando Ribeiro disse...

Álvaro Vasconcelos,

É claro que fomos colegas na escola primária. Lembro-me perfeitamente de ti. Eras o Álvaro, um miúdo mais pequeno do que os outros, e só agora é que sei porquê. Tu tinhas menos um ano do que o resto da malta e naquelas idades uma diferença de um ano notava-se.

Dificilmente não te recordarás de mim, também, porque eu era o único miúdo estrábico de toda a escola. Trocava os olhos horrivelmente. Só não frequentei a terceira classe no Bairro de Costa Cabral, porque fui para Lisboa, a fim de ser observado cuidadosamente, com vista a ser operado aos olhos, para correção do estrabismo. Em Lisboa, frequentei uma escola desaparecida há muitos anos e situada em... Pedrouços. Este Pedrouços lisboeta fica no extremo ocidental de Lisboa, entre Belém e Algés. Tive então uma professora muito bondosa, que nunca batia e nos tratava com muito carinho (ao contrário das professoras D. Palmira e D. Graça), e nem por isso os alunos deixavam de aprender.

Feito o exame da 3.ª classe, regressei ao Porto, voltei para a escola do Bairro de Costa Cabral e, depois de ter feito o exame da 4.ª classe (na escola da Corujeira) voltei para Lisboa, onde fui por fim submetido a duas cirurgias aos olhos.

É claro que me lembro de tudo o que contas (que medo eu tinha do carro da polícia! :-D ), mais as idas de elétrico ao BCG, na Constituição, para sermos vacinados contra a tuberculose, a funcionária da escola D. Vicência, etc. etc. São recordações que nunca mais se esquecem.

Na tropa, não estive na Guiné, mas sim em Angola. Não sou tabanqueiro; sou sanzaleiro. Entre 1972 e 1974, fui alferes miliciano atirador de Infantaria no norte de Angola. Apesar disso, apareço neste blog de vez em quando, pelo menos enquanto o Luis Graça tiver pachorra para me aturar.

Um fortíssimo abraço

Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alferes miliciano da C.Caç. 3535, B.Caç. 3880

Valdemar Silva disse...

Cá para mim o Fernando Ribeiro merece estar à sombra do nosso poilão, e como a nossa tabanca é grande cabe sempre mais um, mesmo que venha da sanzala.
Ele anda muitas vezes a rondar-nos o cavalo de frisa, com interessantes testemunhos, curiosidade e sem pretensões de corrector de bolso.

Valdemar Queiroz

Anónimo disse...

Bom dia Fernando.
Sim, recordo-me de ti. E da tua saída temporária para Lisboa, afim de seres submetido ao tratamento ao teu estrabismo. Ausentas-te-te da frequência na nossa escola, mas regressas-te no ano seguinte. Recordo até da alegria que foi manifestada na altura. Aliás eu quero crer que tu também fizeste parte no "elenco" das peças de teatro infantil que a Escola fazia no fim do ano lectivo. Numa dessas festinhas, lembro a da "Branca-de-Neve e dos Sete Anões"! Nós fazia-mos de anões e o Pina, mais alto e forte do que a maioria de nós, interpretava o papel da "Branca-de-Neve". Tenho umas fotografias dessa representações!
Voltando a abordar a localização da Escola, "33 A e B", era uma das escolas da extensa freguesia de Campanhã, a qual ocupa uma área de muitos hectares da cidade oriental do Porto.
"Fernão de Magalhães", a avenida, terminava, então, antes da Areosa, na Rua de Santa Justa. Depois seguia-mos por "Costa Cabral", ou pela Rua de Currais, salvo erro, onde se encontrava o acampamento do amigos de etnia cigana.
Agradeço-te a sentida saudação e retribuo com a mesma satisfação e carinho. Pode ser que nos possamos encontrar!
Até lá.
Álvaro Vasconcelos

Fernando Ribeiro disse...

Caríssimo Álvaro,
Da festa da nossa escola que referes, só possuo uma fotografia, que é esta. Aparecemos os dois nela como "anões". Individualizei e ampliei as nossas figuras. Tu estás aqui e eu estou aqui. Espero que se consigam ver as imagens.

Anónimo disse...

Bom dia meu companheiro. Só hoje vi a fotografia. Realmente só existe esta. Eu também a tenho. Como os nossos pais adquiriam sempre as que eram obtidas por alguém contratado pela escola para o efeito, acredito que só foi conseguida pelos nossos progenitores, esta mesmo.
Grato pela interesse e pela oportunidade que divides comigo (connosco)estes momentos!
Um dia, acaso seja possível, poderemos encontrar-nos e dar um forte abraço!
Tudo de bom e muita saúde, "meu irmão".
Álvaro Vasconcelos