1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.
Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BART 6523
___________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.
Vd. último poste desta série em:
![]() |
Luís Henriques (1920 - 2012). Faria 105 anos em 19 de agosto de 2025. |
A família Cabral parece ser o exemplo mais emblemático:
Luís Cabral, filho de pai cabo-verdiano e mãe portuguesa (?), foi contabilista da Casa Gouveia, para onde entrou com uma "cunha" do irmão, conceituado engenheiro agrónomo formado no prestigiado ISA - Instituto Superior de Agronomia, da então Universidade Técnica de Lisboa.
Aristides Pereira foi chefe da Estação Telegráfica dos CTT, e o Fernando Fortes o chefe da Estação Postal (na prática os "donos" dos CTT de Bissau, mesmo debaixo de olho da PIDE; se não mesmo "colaborantes" com a polícia política).
por um lado, os cabo-verdianos foram peças-chave no aparelho colonial português na Guiné (quem eram os europeus que queriam vir para Guiné como administradores e chefes de posto professores, médicos, enfermeiros, bancários, empregados das alfândegas, dos correios, das finanças, etc. ?)
por outro, a sua maior escolarização e contacto com ideias políticas (vindas de Lisboa, Dacar, Conacri, Paris) deu-lhes ferramentas para enquadrar e liderar o movimento independentista (não vamos discutir aqui a hegemonia do PAI/PAIGC e como foi conseguida);
essa é uma das razões porque o PAI / PAIGC se afirmou com uma liderança inicial fortemente cabo-verdiana, embora depois tenha procurado ampliar a sua base social de apoio (entre camponeses e trabalhadores urbanos guineenses, com destaque para os balantas, que foram os homens do mato. a "carne para canhão").
Embora nos faltem muitos detalhes, pode-se dizer que a presença cabo-verdiana na Guiné foi ao mesmo tempo um pilar do sistema colonial português e viveiro de resistência (ou de "subversão", como dizem as autoridades portuguesas da época), contradição que pode explicar muitas tensões (e proximidades) entre guineenses e cabo-verdianos, mesmo até hoje.
Uma linha cronológica pode ser organizada passando por:
chegada e papel dos cabo-verdianos no comércio e na administração (sécs. XIX-XX),
formação da pequena burguesia urbana ligada às casas comerciais (como a Gouveia),
a viragem para a luta anti-colonial (a partir das independências na África Ocidental, mas também do ano-charneira de 1959),
e a passagem dessas figuras para a liderança do PAI / PAIGC.
Até 1800/50 : cabo-verdianos (sobretudo mestiços) atuam como "lançados", comerciantes e mediadores culturais entre colonos portugueses e populações locais da Guiné;
1852/59: Honório Barreto, de ascendência cabo-verdiana, governa a Guiné em nome de Portugal, reforçando o comércio e a presença administrativa.
Final do século XIX – início do século XX
1880/1920: expansão das “pontas” (pequenas propriedades agrícolas) e do cultivo de arroz por cabo-verdianos (e outros) fixados nas margens dos rios.
1900/1930: migração de professores, funcionários públicos, bancários e empregados comerciais cabo-verdianos para a Guiné; surge uma pequena burguesia urbana que ocupa cargos intermédios em casas comerciais (Casa Gouveia, Sociedade Comercial Ultramarina, SCOA, NOSOCO...), bancos, correios e ensino primário
D
écadas de 1930/40Cabo-verdianos passam a constituir a maioria dos quadros intermédios da administração colonial (estima-se mais de 70% dos postos públicos).
Famílias como a dos Cabral, destacam-se:
Juvenal Cabral, cabo-verdiano, professor primário;
Os filhos Amílcar e Luís Cabral recebem formação escolar diferenciada, que lhes abre caminho para os estudos superiores (Amílcar começa a escola, faz o liceu no Mindelo e consegue uma bolsa para ir para Lisboa).
A pequena burguesia cabo-verdiana cresce em importância nas cidades (Bolama, Bissau, Bafatá...);
1956: fundação do PAI (Partido Africano da Independência) em Bissau, por Amílcar Cabral e outros, com forte núcleo inicial cabo-verdiano;
3 de agosto de 1959: "massacre de Pidjiguiti", durante uma greve de estivadores ligados à Casa Gouveia (papel controverso do administrador cabo-verdiano António Carreira),
Década de 1960
1961: primeiras ações armadas (o protagonismo ainda não é do PAI/PAIGC);
mobilização (clandestina) de militantes e simpatizantes do futuro PAIGC ( trabalho de sapa sobretudo de Rafael Barbosa);
21 de janeiro de 1963: ataque, precipitado, a Tite (que a propaganda do PAIGC transforma noutro "mito", o início histórico da luta armada contra Portugal);
Domingos Ramos, João Bernardo “Nino” Vieira e outros futuros "comandantes" formam-se na China.
1973: assassinato de Amílcar Cabral em Conacri;
24 de setembro de 1973: proclamação unilateral da independência da Guiné-Bissau alegadamente na região fronteiriça do Boé (uma encenação com forte apoio logístico e diplomático de Cuba, Guiné -Conacri, Suécia, etc.)
Luís Cabral, cabo-verdiano, torna-se o primeiro presidente da Guiné-Bissau;
Antigos quadros da administração colonial cabo-verdiana passam a integrar o novo Estado, depois da saída dos portugueses em setembro de 1974; outros "retornam" a Cabo Verde, a Portugal, ou emigram,
Colónia → Cabo-verdianos eram funcionários, comerciantes e pequenos proprietários.
Nacionalismo → Essa posição intermédia deu-lhes acesso à educação, redes políticas e contactos (internos e externos) que permitiram a formação do núcleo dirigente do PAI / PAIGC.
Lista (exemplificativa) de militantes e dirigentes cabo-verdianos (ou de origem cabo-verdiana) do PAI / PAIGC
Filho de pais cabo-verdianos, nasceu na Guiné-Bissau. Formou-se engenheiro agrónomo em Lisboa e, em 19 de setembro de 1956 (data controversa), cofundou o PAI, depois transformado em 1962 no PAIGC, juntamente com Aristides Pereira, Luís Cabral, Fernando Fortes, Júlio de Almeida e Elisée Turpin (facto também por documentar com rigor).
Aristides Pereira: posteriormente tornou-se presidente de Cabo Verde, foi um dos fundadores; de origem cabo-verdiana;
Fernando Fortes, Júlio de Almeida e Elisée Turpin: também mencionados entre os fundadores do PAI/PAIGC, com ligações à comunidade cabo-verdiana e à oposição ao Estado Novo.
Nome | Origem / Vínculo Cabo-Verdiano | Papel no PAI / PAIGC |
---|---|---|
Amílcar Cabral | Pais cabo-verdianos, nascido na Guiné | Cofundador, líder intelectual e estratégico do PAIGC |
Luís Cabral | Irmão de Amílcar, origem cabo-verdiana | Cofundador do PAIGC, primeiro Presidente da Guiné-Bissau |
Rafael Paula Barbosa | Pai cabo-verdiano | Ligado à construção civil, recrutador inicial e dirigente simbólico |
Pedro Pires, Abílio Duarte, Silvino da Luz, Osvaldo Lopes da Silva, Olívio Pires | Cabo-verdianos, fundadores do CNCV | Processos de mobilização e comando militar logo no início |
Aristides Pereira, Fortes, Almeida, Irmãos Turpin | Cabo-verdianos (ou de origem cabo-verdiana) nos fundadores do partido | Legitimidade política e binacional da causa |
(Pesquisa: Blogue | LG | Assistente de IA (Gemini, ChatGPT, Perplexity)
(Revisão / fixaçãod e texto, negritos: LG)
_________________
Notas do editor LG:
(*) vd. poste 26 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27153: A nossa guerra em números (37): Colonos - Parte II: cabo-verdianos (uma pequena burguesia que, na Guiné, foi viveiro de militantes e dirigentes do PAIGC)
(**) Último poste da série > 5 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26985: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (7): reportagem do 5 de julho de 1975 - III (e última) Parte (Carlos Filipe Gonçalves)