Queridos amigos,
Esta exposição de Veloso Salgado tem o mérito de nos revelar que não há biografia definitiva sobre quem quer que seja, pensava-se ter um conhecimento mais ou menos aprofundado sobre o currículo de Veloso Salgado, eis que a neta doa um acervo de centenas de peças ao MNAC - Museu do Chiado, entre elas a correspondência deste talentoso pintor e vem-se a saber que estabeleceram ao longo da vida uma relação afetuosa com um conjunto de pintores franceses e que fora profundamente marcado por ter pertencido ao grupo da Escola de Wissant, no norte da França, isto além dessa mesma correspondência revelar as amizades do pintor por outros bolseiros portugueses, caso de Teixeira Lopes e Ventura Terra. É o aturado trabalho de Maria de Aires Silveira que levou a esta portentosa exposição. E aproveitou-se a oportunidade para dar notícia de duas outras exposições, uma sobre a arte e literacia em saúde e a outra para homenagear um grande artista recentemente desaparecido, Nikias Skapinakis.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (101):
Veloso Salgado no MNAC – Museu do Chiado, notícias sobre outras exposições (3)
Mário Beja Santos
Esta exposição alusiva a Veloso Salgado espraia-se por todo o seu processo artístico e a sua formação, este homem de origem galega formou-se em Lisboa foi professor na Escola de Belas Artes, teve intervenção em grandes espaços decorativos, caso do Palácio da Bolsa, da Escola de Medicina do Porto, da Assembleia da República. Este acervo vem na continuidade da exposição apresentada no Museu de Boulogne-sur-Mer, que revelou detalhes até agora desconhecidos do percurso artístico de Veloso Salgado. A exposição do MNAC foca-se sobre os estudos e a carreira artística de Veloso Salgado em França enquanto bolseiro, entre 1888 e 1895, nela se expõe obras inéditas desse período. Segundo a documentação que o MNAC distribui, a exposição acolhe 70 obras, põe enfoque no seu itinerário francês (Paris, Bretanha e Wissant), desvela a ligação de uma amizade com os artistas Virginie Demont-Breton e Adrien Demont e a Escola de Wissant. É a primeira vez que se dá a público este diálogo de Veloso Salgado com os seus pares franceses.
Da exposição deu-se referência em dois textos anteriores, faz-se agora exclusiva menção de um quadro intitulado “Terra prometida” de um desses amigos franceses de Veloso Salgado, que também teve em exposição em 2022 no Museu Boulogne-sur-Mer.
Decorreu até 20 de abril uma exposição intitulada “A literacia faz bem à saúde”, organizada pela Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde. O desafio foi “numa perspetiva construtiva de solução, sob o ponto de vista do artista, trabalhar temas subjacentes à literacia em saúde que se focam na comunicação terapêutica, no desenvolvimento de competências, na relação em saúde, na compreensão e na falta dela, na união de esforços e parcerias”.
Cada artista explorou individualmente possibilidades criativas e interpretativas que, no seu conjunto, permitem repensar as fronteiras entre profissionais, doentes e artistas de um modo simultaneamente íntimo, pessoal e coletivo e afirmar o poder da expressão artística no diálogo e no envolvimento das instituições, dos criadores e das pessoas em geral.
Fui imediatamente atraído por esta obra, tê-la-ei conhecido na década de 1980, quando fui designado pelo Ministério do Ambiente como representante no Conselho de Prevenção do Tabagismo, poderei estar enganado, mas esta peça fazia parte das exposições itinerantes sobre prevenção tabágica do Instituto Nacional de Cardiologia Preventiva, então dirigido pelo professor Fernando Pádua, circulou por inúmeros estabelecimentos de ensino, é uma peça didaticamente forte, tem poder chocante, não podemos desviar o olhar, não passa de modo algum despercebido o nefasto poder do fumo nos pulmões e nas vias respiratórias, o fumo é um dos fautores do cancros do pulmão.
No verso, imagens poderosas dos tempos em que fumar se inseria em todos os protocolos da vida social, era normal publicitar o tabaco, até o ator canastrão e futuro presidente dos EUA, Ronald Reagan parecia feliz da vida em enviar aos amigos cigarros Chesterfield. Hoje sorrimos e perguntamos como foi possível ter vivido séculos a fio nesta normalidade social tabágica. Parece que foi necessário ter de esperar pelos estudos dos cancerólogos para saber que a adição tabágica é o mal mais evitável que há.
Medicamentos do passado, quase um quadro de botica, advertências de que havia remédio multiusos para a fraqueza orgânica, convalescenças, neurastenia e anemia… Sou do tempo destes fortificantes e lembro-me perfeitamente destes frascos de dimensões enormes com ofídios em formol, também apareciam nas aulas de Ciências Naturais.
Obra de Diogo Gomes, “Lancem ideias àqueles que criticam ou a literacia na era da pós-verdade”, técnica mista, 2022.
Diogo Gomes recorre à pintura e à assemblage para convocar a discussão sobre o questionamento da clarividência científica e sobre a formação de uma ideia de pós-verdade, determinada pela proliferação de desinformação, pelo imediatismo e pela apropriação destas narrativas por parte dos populismos ideológicos neototalitários.
Estou de saída, é sempre impressionante descer a escadaria do Museu do Chiado, ter tempo para conversar com esculturas que adornam estes espaços de passagem e o átrio. Esta “Cabeça de preto” é impressionante no equilíbrio das formas. Quem cuida da decoração do MNAC não esquece mestres do naturalismo à atualidade, é possível ver em diálogo Rodin e Alberto Carneiro, já pronto a sair olho para o alto e despeço-me deste esplêndido gesso de Canto da Maia intitulado “Desespero da dúvida”, vem bem a propósito, não propriamente desespero, mas esta salutar dúvida que qualquer obra de arte nos levanta, faz parte integrante do nosso olhar sobre a vida e sobre o mundo.
Mais uma razão para vir até ao Museu do Chiado.
Nota do editor
Último poste da série de 29 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24266: Os nossos seres, saberes e lazeres (570): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (100): Veloso Salgado no MNAC – Museu do Chiado: O maravilhamento de obras desconhecidas de amigos franceses (2) (Mário Beja Santos)