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sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26056: Tabanca Grande (564): António Galinha Dias, ex-fur mil pil, BA 12 (Bissalanca, 1968/70): natural de Torres Novas, senta-se à sombra do nosso poilão no lugar nº 894

 


António Galinha Dias, ex-fur mil pil, BA 12, Bissalanca (1968/70)

Foto (e legenda): © António Galinha Dis (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



Ribamar da Lourinhã, Festa de N. Sra. de Monserrate > 14 de outubro de 2024 > António Galinha Dias,
 
Foto (e legenda): © Luís Graça (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

Sintra > Mira-Sintra / Meleças > 2018 > Convívio de pessoal da FAP que voou na Guiné. O segundo a contar da esquerda é o ex-fur mil pil António Galinha Dias, que fez a helievacuação do cap cubano Pedro Rpodriguez Peralta, em 18 de novembro de 1969, sendo a enfermeira paarquedista a Maria Zulmira André Pereira (1931-2010), uma das "Seis Marias", as histórica do 1º curso de enfermeiras paraquedistas (1961), juntamente com a Maria Arminda Santos, a Maria Ivone Reis (1929-2022), a Maria de Lurdes ("Lurdinhas"), a Maria do Céu Policarpo e a Maria da Nazaré (falecida em 1984)

Foto (e legenda): © Miguel Pessoa (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Costumamos dizer, aqui entre nós, que o Mundo é Pequeno e a Nossa Tabanca... é Grande... E nomeadamente quando, nos nossos convívios, vamos encontrar antigos combatentes que, como nós, conheceram a Guiné, por terra, ar e mar... Foi o caso do Antóno Galinha Dias que vive em Torres Novas e eu fui encontrar a 70 km de distância, em Ribamar da Lourinhã. Veio com o mano mais vellho, o Alcides Galinha Dias (rapaz da colheita de 1945) para o tradicional convívio de velhos condiscípulos que se realiza todos os anos, na segunda feira da segunda semana de outubro, por ocasião das festas da padroeira daquela terra de pescadores, a N. Sra. de Monserrate (este ano, de 11 a 16 de outubro)... 

Pois foi justamente em Ribamar da Lourinhã que eu fui descobrir, na passada segunda feira, mais um camarada da Guiné, neste caso da FAP,  o António Dias Galinha, ex-fur mil pil, BA 12, Bissalanca, 1968/70, que foi piloto de AL III, de helicanhão, DO 27 e de C-130...

Já tínhamos no nosso blogue alguns referências a este camarada (**). Um dos aspetos mais marcantes do seu currículo militar terá sido a circunstância de ter sido ele a fazer a evacuação Ypsilon, de helicóptero  "com escolta", do mais célebre dos "internacionalistas cubanos", o cap Pedro Rodriguez Peralta, do local onde foi gravemente ferido e capturado por forças do BCP 12 (Op Jove, 18nov69) até o HM 241, Bissau (**)...A enfermeira paraquedista de serviço nesse voo foi a saudosa Maria Zulmira André Pereira (1931-2010) (**).

Quem é o António Dias Galinha Dias, para além de ter estado seis anos, como voluntário na FAP ?E mais conhecido por Galinha, apelido materno. Voltou a terra natal, depois de se reformar:  foi durante anos  sócio-gerente da firma Agroar - Trabalhos Aéreos Lda, com sede em Évora.  É um homem calmo, discreto, mas afável.
 
Fiquei com o email do António Dias Galinha e desafiei-o a juntar-se à nossa Tabanca Grande, onde tem cá conterrâneos (como o César Dias) e amigos e vizinhos (como o Carlos Pinheiro), mas também gente do seu tempo da FAP como o Jorge Narciso, o Jorge Félix, o Jorge Caiano (que está no Canadá), o Mário Santos, ou mais novos como o Gil Moutinho (teu conhecido da Tabanca dos Melros), o Victor Barata,  infelizmente já falecido  (1951-2021) ou o Eduardo Jorge Ferreira, que também já nos deixou prematuramente (1952-2019)... Sem falar da malta do BCP 12, sem esquecer as enfermeiras paraquedistas Maria Arminda, da Giselda Pessoa, da Rosa Serra... nem os nossos "pesos pesados", os ex-ten pilav Miguel Pessoa  e António Martins de Matos... (Enfim, alguns dos nomes de malta da FAP que se sentam à sombra do nosso poilão,e  que me vêm de repente à memória.)

Segundo ele me contou é do tempo das enfermeiras paraquedistas Rosa Serra, Rosa Exposto, Maria Zulmira, Eugénia... Depois de ter pilotado o AL III e a DO-27, fez o curso de C-130.

 "Amigo" da nossa página no Facebook (temos 19 amigos em comum. incluindo o Carlos Pinheiro e o Jorge Narciso), está na altura de sentar o nosso camarada (e já amigo) Galinha, à sombra do poilão da Tabanca Grande, no lugar nº 894. 

As regras de convívio da nossa Tabanca Grande são amplamente conhecidas e reconhecidas. Todos nos tratamos por tu, como camaradas de armas que somos (e que de algum modo continuamos a ser). Cabemos aqui todos com tudo o que nos une e até com o que nos pode separar (política, religão, futebol...). Estamos aqui para partilhar memórias (e afetos) e honrar a memórias dos nossos camaradas que já deixaram a Terra da Alegria e que não queremos ver inumados na vala comum do esquecimento.

Sê bem vindo, António, e rapa lá das tuas memórias mais algumas fotos e outras lembranças (como episódios que te tenham marcado como piloto). Um alfabravo, camarada, novo grão-tabanqueiro. (Luís Graça)

PS - O teu nome passará a figurar na lista alfabética da Tabanca Grande (n=894), constante da badana, a coluna estática do blogue, do lado esquerdo.

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 Notas do editor:


(**) Vd. postes de:


terça-feira, 15 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26045: O Mundo é Pequeno e a Nossa Tabanca...é Grande (131): António Galinha Dias, o ex-fur mil pil, que helievacuou o cap cubano Peralta, o mais célebre dos "internacionalistas cubanos", em 18/11/1969... Fui ontem encontrá-lo na famosa caldeirada de Ribamar da Lourinhã, e convidei-o a sentar-se à sombra do nosso poilão (Luís Graça)

 


Ribamar > Festa de N. Sra. de Monserrate > A famosa caldeirada da segunda feir da segunda semana de outubro > 14 de outubro de 2024 >   O António Diass Galinha




Ribamar > Festa de N. Sra. de Monserrate > A famosa caldeirada da segunda feira da segunda semana de outubro > 14 de outubro de 2024 >   O Alcides Dias Galinha, de Torres Novas, o irmão António, e o Alfredo, que veio do Algarve (!), com a esposa (foi piloto de helicóptero, AL III, em Angola, ao tempo do Jaime Silva, um dos organizadores deste fantástico convívio, que tem já cerca de 3 dezenas de anos.)



Ribamar > Festa de N. Sra. de Monserrate > A famosa caldeirada á  pescador, confeccionada na segunda feira da segunda semana de outubro > 14 de outubro de 2024 >   O grupo era de cerca de 8 dezenas de comensais.

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2024). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



1. Na realidade, o Mundo é Pequeno e a Nossa Tabanca... é Grande (*)... São pouco mais do que 70 km a distância que nos separa, entre Torres Novas e Lourinhã... Pois foi justamente em Ribamar da Lourinhã que eu fui encontrar, ontem, o nosso camarada António Dias Galinha, ex-fur mil pil, BA 12, Bissalanca,  1968/70.  

Quem é o António Dias Galinha Dias (Galinha, apelido materno) ? 

Terá ficado na história da guerra da Guiné por ter helitransportado o mais célebre dos "internacionalistas cubanos", o cap Pedro Rodriguez Peralta, do local onde foi gravemente ferido e capturado por forças do BCP 12 (Op Jove, 18nov69) até o HM 241, Bissau (**)...

 A enfermeira paraquedista de serviço nesse voo foi a saudosa  Maria Zulmira André Pereira (1931-2010) (***). 

O hoje ainda vivo coronel Pedro Rodriguez Peralta, membro do comité central do Partido Comunista Cubano (pelo menos até há uns anos atrás) deve-lhes a vida. A eles, e ao ex-cap pqdt João Bessa (recentemente falecido em 13set2024) e ao 1º cabo Regales.

Já tinhamos notícia do Galinha Dias, aqui no blogue: sabíamos, por exemplo, que em 2018 era  sócio-gerente da firma Agroar - Trabalhos Aéreos Lda,  com sede em Évora. Vive hoje em Torres Novas. Reformado. Veio à famosa caldeirada de Ribamar com o irmão, mais velho, Alcides Galinha Dias.

Na caldeirada de Ribamar, evento que tem quase 3 dezenas de anos, juntam-se familiares, amigos, vizinhos, condiscípulos, colegas e camaradas do Eduardo Jorge Ferreira (1952 - 2019) (****)

 Sobre o Galinh osa Dias, escreveu o seu conterrâneo Cèsar Dias (***):

(...) "Estivemos juntos em Mansabá em finais de 70, o Galinha Dias estava com o Helicanhão nesse periodo em proteção aos trabalhos na estrada Mansabá - Farim. Recordo-me por porque no bar de sargentos termos reunido três torrejanos, um piloto, um sapador e um comando da 27a. (...)."

 Fiquei com o email do António Dias Galinha e desafiei-o a juntar-se à nossa Tabanca Grande. Para  já passa a ser "amigo" da nossa página no Facebook. Temos vinte amigos em comum (incluindo o Carlos Pinheiro e o Jorge Narciso). 

Convidei-o a sentar-se à sombra do poilão da Tabanca Grande. O convite é "irrecusável":  do seu tempo já  cá estão o Jorge Narciso, o Jorge Félix, entre outros camaradas da FAP... E para o ano, espero, António e Alcides,  ver-vos sentados de novo à nossa grande mesa de Ribamar: este ano fomos cerca de 80!... Haja saúde!

PS - Soube, pelo camarada Galinha, da morte de mais uma antiga enfermeira paraquedista, a Rosa Exposto, naturald e Bragança. A sua primeira comissão foi na Guiné. Ainda náo conseguimos confirmar por outras fontes (a Rosa Serra, a Giselda Pessoa, a Maria Arminda, que são nossas tabanqueiras; a Rosa Serra não sabia da triste notícia).
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 13 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25835: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (130): Algarve, 2 de agosto de 2024: juntando à mesa amigos e camaradas, da CCAÇ 2585, CCAÇ 14, 27ª CCmds... (Manuel Resende / Eduardo Estrela)


Vd, também poste de 17 de março de 2021 > Guiné 61/74: P22014: Memórias cruzadas: 18 de novembro de 1969: uma dia (a)normal no HM 241, Bissau, um dia na vida do cap cubano Pedro Rodriguez Peralta, ferido em combate e helievacuado [Jorge Narciso, ex-1º cabo esp, MMA, BA, 12 (Bissalanca, 1969/71) / Jorge Teixeira 'Portojo' (1945-2017), ex-fur mil, Pel Can s/r 2054 (Catió, 1968/70 ) / Manuela Gonçalves (Nela), esposa do ex-alf mil Nelson Gonçalves, cmdt Pel Caç Nat 60 (São Domingos, 1969)]

sábado, 28 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25989: O melhor de... A. Marques Lopes (1944-2024) (10): evacuado numa maca, no Dakota, para Lisboa, com mais 4 feridos graves, ao lado de umas senhoras de "altas patentes", que não nos nos ligaram puto...

 

Interior de um Douglas C-47 Skytrain ou Dakota. Imagem do domínio público. Cortesia de Wikimedia Commons.



1. Estamos a reproduzir alguns excertos do melhor que o A. Marques Lopes escreveu, nomeadamennte no seu livro de memórias "Cabra Cega" (*).

Seguimos o texto, respeitando a seleção que ele próprio fez na sua página do Facebook, na postagem de 9 de agosto de 2019.
  
Aqui a narrativa é já feita na 1ª pessoa do singular, assumindo o autor que o "Aiveca" do livro (edição de 2015) era o seu "alter ego", ou seja, o alferes Lopes (pp.  439-442).



Capa do livro "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial", de João Gaspar Carrasqueira (pseudónimo do nosso camarada A. Marques Lopes) (Lisboa, Chiado Editora, 2015,  582 pp. ISBN: 978-989-51-3510-3, Colecção: Bíos, Género: Biografia).



Evacuado numa maca, no Dakota, para Lisboa, com mais 4 feridos  graves, ao lado de umas senhoras de "altas patentes", que não nos nos ligaram puto... 
 

por A. Marques Lopes (1944-2024)


Três dias depois de ter chegado ao hospital  [HM 241, em Bissau ], passou pela minha cama um velho amigo e conhecido. Era o Herculano Carvalho, do mesmo pelotão que eu nos primeiros meses do COM.

− O que é que te aconteceu?  −  perguntou-me.

Expliquei-lhe que tinha ido ao ar com uma mina. O Herculano disse-me que estava ali porque tinham descoberto que era hemofílico e que no dia seguinte seria evacuado para a metrópole.

 E não descobriram isso logo quando foste para os comandos?

 − Parece que não sabes como é. Alguma vez os gajos se preocupam com isso? Lembras-te bem que, em Mafra, além da injeção cavalar, que diziam dar para todos os males, não se preocupavam em saber mais nada. Menos, é claro, em ver aqueles que tinham cunhas para os serviços auxiliares. Serves para o que queremos e toca a andar, era assim.

 
− É verdade, eu sei bem. Mas como é que descobriram isso agora?

−  Por acaso, foi sorte. Tive um pequeno ferimento aqui na perna durante uma operação  
− arregaçou um bocado a calça e mostrou a perna direita ligada.  − O enfermeiro viu que o sangue não estancava e topou logo.

A conversa derivou. Contei-lhe a história toda da mina e por onde andara e ele contou-me do Cantanhez onde acabara por ser ferido.

Ele foi no dia seguinte e eu foi no fim dessa semana evacuado para o HMP , para Lisboa.

Fui só com as calças e uma camisa, era o que tinha quando rebentara a mina. Nunca me lembrara quando estava a comprimidos mas ocorreu-me quando estava a entrar para o Dakota.

− Eu tinha uma mala…

 
− Não há mala nenhuma  −  disse-me um dos pilotos.

Estava a ver. O pessoal da companhia nunca mais lhe tinha ligado depois daquilo. Podia ter-lhes exigido que lhe mandassem a mala que tinha debaixo da cama lá do quarto. Eram coisas pessoais que lá estavam mas era sobretudo o livro da escola do PAIGC e a  Kalashnikov da professora que queria ter. Eram recordações minhas que iriam ser agarradas por um outro qualquer. Fiquei lixado.

Mais fiquei quando já estava dentro do avião. Iam também outros feridos. Os bancos que estavam à frente, logo após a cabina dos pilotos, foram ocupados por umas senhoras, não soube quem eram, mas os cinco feridos foram esticados em macas no corredor. Ainda disse que não estava assim tão mal e que podia ir sentado. Que não, disseram-me, tinha de ir numa maca. Quando o avião já estava alto,  comecei a deitar sangue pelos ouvidos, era o meu ferimento principal.

Ninguém me 
ligou, teve que se ir limpando com um lenço.

As mulheres cavaquearam durante a viagem. Por entre os roncos do avião uma dizia que o meu marido é isto, outra que o marido tinha feito aquilo, outra que o dela comandava o batalhão tal, uma loura gabava-se de o marido ser amigo do governador [gen Arnaldo Schulz].

Eu não ouvia quase nada, ia limpando o sangue que me pingava dos ouvidos. O que estava ao meu lado, o que tinha ficado sem uma perna numa armadilha, é que comentava o que elas diziam. Cada um deles também disse porque é que vinha ali. Esforcei-me por ouvi-los. Era o que tinha caído na armadilha, o que estava mais perto de mim, um que tinha apanhado uma roquetada e estava todo ligado, um que tinha apanhado bilharziose, um que tinha apanhado uma rajada que lhe fodera um pulmão e o quinto ia com uma hepatite aguda. No meio deles, vi que ainda era o que estava melhor.

Contavam o seu caso em voz alta mas as senhoras nunca viraram a cara, não se perturbaram. Aquele era outro mundo, estranho àquele das boas relações em que elas se moviam. Ainda pensei que lhes ficaria bem chegaram-se ao pé das macas para saber o que cada um tinha e desejarem melhoras. Mas nem isso, não se interessaram puto. Elas, senhoras das altas patentes, iam agora meter-se com a soldadesca... Nem pensar, até parecia mal ao seu estatuto.

Ao fim de cinco ou seis horas, não soube bem, não me deu para contar o tempo, chegámos ao aeroporto militar de Las Palmas. Foi o que disse um piloto, e que quem quisesse podia sair para descontrair.

– Empresta-me a tua perna 
  rosnou o que caíra na armadilha.

Deles só eu é que saí. As mulheres também, mas não soube para onde foram. Estava cheio de fome porque não lhes tinham dado nada, nem as queridas rações de combate. Vi vários militares e olhei para uma porta que me pareceu a entrada para um bar. Fui até lá e entrei.

Olharam para mim mas ninguém pareceu espantado, já deviam estar habituados a estas visitas. Pedi uma cerveja e uma sandes. Devorei-as, era a fome. No fim fiquei atrapalhado porque dei que não tinha dinheiro. Nem escudos, nem pesos da Guiné, muito menos pesetas. 

Baixei a cabeça e fui-me afastando devagar até à porta. Ninguém reparou em mim, pareceram distraídos. Já fora, zarpei o mais rápido que pude para o Dakota. Já esticado na maca e enquanto o avião arrancava para Lisboa, ainda pensava, na dúvida, se fora eu que tinha sido esperto ou se tinham sido eles que, compassivos, me deixaram sair sem me agarrarem para pagar.

Ao fim de não soube quantas horas chegámos a Figo Maduro. Os meus pais e a minha irmã, bem como familiares dos outros feridos, estavam lá à espera. Só lhes tinham dito que vinham evacuados, não como vinham. 

Expetativa geral, angústia nos olhares e corações de os poder ver sem pernas ou sem braços, cegos ou meio mortos. Foram lágrimas e abraços aos que conseguiam estar de pé, beijos e mais lágrimas para os que continuavam nas macas. Os meus ficaram contentes por me verem de pé. Durou pouco tempo o encontro porque nos meteram, quase logo, em ambulâncias em direcção à Estrela.

(Seleção, revisão / fixação de texto, título: LG)
______________

Nota do editor:

segunda-feira, 15 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25745: Notas de leitura (1709): "Missões de Um Piloto de Guerra", por Rogério Lopes; edição de autor, 3.ª edição, 2019 - Memórias de um piloto nos primeiros anos da guerra da Guiné (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Fevereiro de 2023:

Queridos amigos,
São memórias de um piloto que combateu na Guiné e Angola, um feixe de peripécias de situações omnipresentes em todo o tempo que aquela durou, desde aviões avariados, ao nascimento de crianças a bordo, o transporte de prisioneiros ou de sacos de cadáveres vitimados por uma daquelas explosões do combustível que pôs os corpos em tocha. Lembranças amargas umas, porque morreram pilotos heróicos e devotados, histórias de sobressalto, como uma cobra metida num sapato, a revelação de um sabotador em Bissalanca, os bombardeamentos noturnos, permanecer uma noite no quarto com um avião avariado e levar com uma flagelação, os T-6 na Operação Tridente, apanhando os guerrilheiros em plena praia, e não podemos deixar de gargalhar com a mulher do Governador Schulz levada pela multidão, a senhora a gritar e o Governador a pedir para apanharem a velha... Leitura que não vou esquecer tão cedo, até porque me assaltou à memória as ajudas recebidas da Força Aérea na evacuação dos meus feridos, pilotos tão solícitos e enfermeiras tão dedicadas.

Um abraço do
Mário



Memórias de um piloto nos primeiros anos da guerra da Guiné (2)

Mário Beja Santos

Rogério Lopes, (2.º Sargento Piloto, Guiné, 1963-1965), nascido em 1939, tirou a primeira licença de piloto civil em 1959 através da Escola Aeronáutica da Mocidade Portuguesa e nesse mesmo ano entrou na Força Aérea. Durante 3 anos esteve colocado na base aérea de S. Jacinto, parte para a Guiné em 1963. Passou à reserva em 1970 e foi trabalhar para a aviação civil. Das suas missões em dois teatros de guerra deixa-nos este relato que já vai em 3.ª edição, Missões de Um Piloto de Guerra, 2019.

São narrativas versáteis, revelam memórias de um espírito otimista, entusiasta, dotado de grande espírito de corpo, de muitas coisas nos falará, desde o seu batismo de fogo, a missões de socorro, o seu apreço pelos heróis do ar, avarias que não acabaram em desastre, bombardeamentos noturnos, evacuações de uma atmosfera de tempestade, crianças que nasceram a bordo, episódios picarescos, vale a pena contar um pouco de tudo, são os primeiros anos da guerra da Guiné.

Obviamente que conheceu voos acidentados e alguns deles com a fuselagem crivada de tiros. Era um piloto bem preparado e não perdia o sangue frio, veja-se este episódio:
“Aconteceu-me um incidente numa missão de correio e transporte de Auster para Gadamale-Porto, cujo quartel ficava junto a um rio com um cais no fim da pista. Acontece que a dita pista era um caminho de terra e lama, onde só se podia aterrar na maré-baixa, tendo apenas 600 metros de comprimento. Ora, nesse dia, a maré já estava a encher, o que estreitava a faixa de aterragem e aumentava o perigo de derrapagem. Depois de uma passagem baixa resolvi aterrar, correndo todos os riscos inerentes, e porque tinha uma evacuação a fazer e isso podia custar a vida a alguém. Tudo correu bem até ao preciso momento de aconchegar os travões, que eram ao contrário de qualquer outro avião, que são na ponta dos pedais, enquanto estes eram nos calcanhares. Aí é que foi o diabo, o avião começou a dar ao rabo como uma dançarina de rumba, e lá vou eu, deslizando como sabão sobre azulejo molhado. Os 600 metros acabaram, consegui apontar à rampa de 5 metros de largura que dava acesso à doca e… entrei deslizando por ali dentro, gerando a confusão total. Soldados, civis, brancos, pretos e mestiços pareciam baratas aterrorizadas. Eu é que não estava pelos ajustes que só me restava uma solução: provocara um cavalo-de-pau, ou seja, rodar 360 graus, e assim fiz.”

Guarda saudades da Aldeia Formosa, o régulo recebia-o sempre prazenteiramente. Foi inevitável, nasceu-lhe uma criança a bordo, tudo aconteceu num Do-27, voou para Farim, a bordo seguia um mecânico e uma enfermeira paraquedista, tratava-se de um parto complicadíssimo. 

“No regresso e no eclodir dos primeiros gritos a bordo, a enfermeira-paraquedista, apesar dos seus temores, arregaçou as já curtas mangas, desinfetou-se, calçou luvas próprias, ordenou ao mecânico que agarrasse a mulher e mergulhou as suas mãos energicamente. Entre os gritos da paciente, da transpiração da enfermeira e da boca aberta do mecânico, esgazeado por todo aquele aparato a que nunca tinha assistido, eu ia tentando, com o meu feito brejeiro, amenizar um pouco todo aquele stress, dizia que ia sair do meu lugar para ajudar, o que deixava a pobre paraquedista ainda mais nervosa. Depois de uma hora de luta intensa, de berros, suores e cabelos em desalinho, finalmente ouvi um grito de jubilo: Ó Lopes, olhe, já se vê a cabecinha! O nosso cabo mecânico, com uma cara assaz comprometida, continuava a desculpar-se com o seu pouco ou nenhum auxílio, dizendo que não tinha luvas para tal tarefa. Quando aterrámos o bebé acabava de nascer.”

Uma vez foi a Tite levar passageiros e correio, quando este lhe foi entregue tentou ligar o motor, nada, como último recurso rodou a hélice à mão com os magnetos ligados, nada, ali ficou à espera de auxílio, no dia seguinte. Nessa noite houve flagelação, a sua grande preocupação era o avião, saiu ileso daquele confronto, em compensação parte do telhado da caserna tinha desaparecido. Ele fora bem recebido por um Furriel vagomestre, soube na manhã seguinte que tinha sido atingido à saída do quartel. 

Também passou por peripécias com jagudis intrometidos, houve um que lhe entrou no avião com uma bala de canhão, passou um mau bocado, mais tarde recebeu um jagudi embalsamado, “oferta dos nossos soldados do quartel de Binar para o aviador que nesse dia ia perdendo a vida ao tentar entregar o correio por que tanto ansiavam e não receberam, por este ter encontrado no caminho o guerreiro jagudi”.

E vem agora o episódio mais hilariante da narrativa, intitulado “A visita oficial do Governador”:
“Bem cedo, pela manhã, com o Dornier já preparado, pouco esperei pelo Governador e comitiva, que constava apenas da esposa, que aparentava ser mais velha do que ele e tinha dificuldade em andar, e o oficial de operações às ordens.
A viagem de Bissau a Bafatá era de mais ou menos uma hora. Nos bancos de trás, ia o oficial de operações e a senhora e, ao meu lado, o general. Como simpatizávamos um com o outro, aquela hora foi passada de forma e conversa agradável, até a nossa vista alcançar a pista de dois quilómetros de terra batida, mas em bom estado, ladeada pela formação das tropas dos três ramos das Forças Armadas. Todos eles com as suas melhores fardas e ostentando orgulhosamente as medalhas. A separar a população nativa havia um cordão da polícia militar para impedir a invasão da pista. Aterramos no meio de todo aquele aparato festivo, com o clamor de palmas, gritos, fanfarra, rufar tambores, guizos indígenas e bandeiras flutuando ao sabor da agitação de centenas de mãos; assim que parámos, um diligente oficial veio rapidamente abrir a porta de trás do Dornier, para ajudar e facilitar a saída da esposa do Governador.

Ainda hoje, não sei dizer ao certo como tal aconteceu, mas a verdade é que a populaça rompeu o cordão de segurança e, rodeando o Dornier, sacou rapidamente a senhora, levando-a em ombros, acompanhada de gritos festivos, para o meio da multidão em delírio.
A senhora olhava para trás e gritava para o marido a tirar dali, e ele, por sua vez, dizia para mim, com ar assustado: Ó Lopes, eles levam-me a velha!
Depois, gritando o mais que podia, para ser ouvido pela tropa que estava tão desnorteada como nós, repetia incessantemente: Apanhem a velha, apanhem a velha!
E lá se foi todo aquele aparato disciplinar por água abaixo. As alinhadas formaturas desfizeram-se, a multidão branca e preta corria para apanhar a senhora, que continuava a gritar para o marido, no meio daquele mar colorido de civis, militares, bandeiras, estandartes e fanfarra à mistura.”


Dedica um texto e muito emotivo à morte do alferes Pité, como igualmente nos relata a tragédia de fuzileiros falecidos mortos a caminha de Madina do Boé. Uma bazucada rebentara o depósito de combustível de um dos carros e todos os que ali iam foram consumidos pelas chamas, tiveram uma morte horrorosa. Os camaradas eram uma máscara de dor, com os seus gritos dilacerantes. E Rogério Lopes, pesaroso, descreve os voos para transportar os cadáveres envolvidos em enormes sacos de plástico preto. “Foram quarenta atrozes minutos em que as minhas narinas ficaram impregnadas de um cheiro que jamais esquecerei, assim como a pena por aqueles infelizes fuzileiros, que não conhecia pessoalmente, mas que admirava pela coragem demonstrada no campo de combate.”

Em maio findou a sua comissão, em junho foi condecorado no Terreiro do Paço com uma Cruz de Guerra, ao lado do seu Comandante na Guiné. Sentiu uma saudade imensa por aqueles que jamais voltariam.

Não vou esquecer tão cedo tão memorável, dura narrativa, recheada de peripécias inusitadas e outras não tanto, onde paira sempre o sentido de ver alanceado pelo otimismo.



Cruz de guerra, 3.ª classe
T-6 em pleno voo
O Do-27
O Auster
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Notas do editor:

Post anterior de 8 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25726: Notas de leitura (1707): "Missões de Um Piloto de Guerra", por Rogério Lopes; edição de autor, 3.ª edição, 2019 - Memórias de um piloto nos primeiros anos da guerra da Guiné (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 12 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25738: Notas de leitura (1708): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1867 e 1868) (11) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 8 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25726: Notas de leitura (1707): "Missões de Um Piloto de Guerra", por Rogério Lopes; edição de autor, 3.ª edição, 2019 - Memórias de um piloto nos primeiros anos da guerra da Guiné (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Janeiro de 2023:

Queridos amigos,
Mais um empréstimo feliz da Biblioteca da Liga dos Combatentes, encontrar-me com homem corajoso mas discreto, de escrita luminescente, agradado com a vida, que abre o seu livro com uma citação de Churchill: "Um otimista vê uma oportunidade em cada calamidade. Um pessimista vê uma calamidade em cada oportunidade", passou escrito peripécias com aviões atingidos, avariados, vamos assistir a crianças nascidas a bordo, e haverá um momento em que não podemos deixar de rir a bandeiras despregadas, uma viagem de Arnaldo Schulz a Bafatá, vai acompanhado da mulher e do seu Oficial de Operações às ordens, mal o avião aterra, a multidão agarra na mulher do governador e este desata aos gritos, "Agarrem-me a velha!", o Governador a correr atrás da multidão, eufórica, era a mulher do governador a correr às cavalitas de um possante, ninguém prestava atenção ao governador, que corria por ali, esbaforido. Este segundo sargento-piloto Rogério Lopes vai-nos ficar no coração.

Um abraço do
Mário



Memórias de um piloto nos primeiros anos da guerra da Guiné (1)

Mário Beja Santos

Rogério Lopes, (2.º Sargento Piloto, Guiné, 1963-1965), nascido em 1939, tirou a primeira licença de piloto civil em 1959 através da Escola Aeronáutica da Mocidade Portuguesa e nesse mesmo ano entrou na Força Aérea. Durante 3 anos esteve colocado na Base Aérea de S. Jacinto, parte para a Guiné em 1963. Passou à reserva em 1970 e foi trabalhar para a aviação civil. Das suas missões em dois teatros de guerra deixa-nos este relato que já vai em 3.ª edição, "Missões de Um Piloto de Guerra", 2019.

São narrativas versáteis, revelam memórias de um espírito otimista, entusiasta, dotado de grande espírito de corpo, de muitas coisas nos falará, desde o seu batismo de fogo, a missões de socorro, o seu apreço pelos heróis do ar, avarias que não acabaram em desastre, bombardeamentos noturnos, evacuações de uma atmosfera de tempestade, crianças que nasceram a bordo, episódios picarescos, vale a pena contar um pouco de tudo, são os primeiros anos da guerra da Guiné.

Chega a Bissau em novembro de 1963. Foi atingido a bordo de um avião desarmado, ia queimar capim perto da Ponta do Inglês, no chão do avião e em frente levava 50 granadas de fósforo. No regresso, já com o capim a arder, sentiu o impacto de uma bala debaixo do avião. Na aflição, chamou pela rádio a patrulha de F-86, começou a viagem de regresso, voo em direção a Bafatá. Pensava levar um pneu vazio, agiu com prudência para a aterragem: desligar o motor, cortar o fuel, os magnetos, aterrou suavemente com a roda direita sob a pista, tudo correu bem, os oficiais que o acompanhavam não ganharam para o susto. Na inspeção do avião, descobriu que uma bala tinha cortado a base da soldadura da longarina (tubo fino que liga a base triangular da perna do trem à fuselagem). Procurou uma solução expedita para viajar até Bissalanca. Instruiu três soldados para que o primeiro segurasse e levantasse a asa esquerda, o segundo tinha que se pendurar na direita e o terceiro agarraria no comprido barrote de madeira que travava as rodas dianteiras do Auster. A peripécia correu bem, pôs o motor a trabalhar, quando a cauda do avião levantou, mandou tirar o barrote de madeira, o avião rolava pela pista ladeado por um soldado correndo muito, tentando aguentar uma asa com tendência a cair para o chão, e o outro soldado, empoleirado na outra, tudo fazia para que a sua asa fosse direita. Já no ar, acenou aos seus improvisados ajudantes. A moral da história é que depois desta missão foram proibidas as largadas das granadas de fósforo em Auster, era uma operação demasiado perigosa.

Depois de nos contar uma história de como lhe apareceu uma cobra verde no sapato, narra um pedido de socorro de forças terrestres que estavam emboscadas numa picada perto de Buba. Conseguiu contactar a tropa e só ouvia gritos de socorro. Lá em baixo estavam todos numa aflição, mas ainda o avisaram que estavam a fazer fogo sob o avião. Fez fogo sob que o estava a emboscar, apontou à base, na inspeção descobriu que um dos tanques de fuel estava quase vazio. Ficou intrigado, o avião podia ter explodido. Mais tarde, na reparação do avião em Alverca do Ribatejo, foi encontrada a bala. “O bizarro era que a dita bala era de 9 mm, o calibre usado pela nossa tropa! Do outro lado do conflito, as munições eram de 7,62 ou 12,5 mm!”

Narra um caso de sabotagem que fora feita por um cabo especialista de armamento, cabo-verdiano e dá-nos, depois, uma boa explicação sobre bombardeamentos noturnos. Fala de missões num T-6 Harvard, armado de metralhadoras 7,62, foguetes de 37 mm, bombas de 12 ou 50 kg. “Em 1963/65 já havia reação antiaérea por parte do inimigo, principalmente de metralha tracejante 7,62 ou canhão 12,5, havia zonas de intervenção livre de fogo real pela nossa parte, zonas em que os nossos soldados já não conseguiam entrar sem sofrer grandes baixas, com intensíssima reação do inimigo. Foi decidido que nós, os aviadores, no princípio da noite, teríamos que apagar as fogueiras dos terroristas infiltrados nessas áreas (…). Os voos eram feitos com luzes apagadas, exigindo um enorme esforço de acuidade visual. Para fazer bombardeamento a picar no T-6, era preciso meter o alvo no bordo de ataque da asa com a a fuselagem, depois, subir o nariz da aeronave e, voltando para o alvo, mergulhar até alcançar a velocidade de cerca de 180 milhas. Ora isto de dia era uma coisa… de noite era algo muito mais difícil. Não tínhamos radar, nem piloto automático e não tínhamos um avião para bombardeamento noturno. Mas fazíamos!”
E dá-nos conta da natureza destes combates, quem estava em terra despejava fogo, o inimigo passava a saber que também se sujeitava a bombardeamentos noturnos.

Não se pode ficar indiferente à sua narrativa de uma evacuação na tempestade. Vai num Auster buscar uma mulher gangrenada em Gadamael Porto, que ele descreve como uma pista ao longo de um rio perto da foz e que ficava alagada sempre que a maré estava cheia, tinha apenas 600 metros de comprimento e cerca de 40 metros de largura. Já no ar, começou a ver a tempestade que se deslocava do mar para o interior, viam-se cúmulos-nimbos gigantescos, apercebeu-se que iria ter um regresso bem acidentado, como aconteceu. O cheiro nauseabundo da gangrena era de tal maneira intenso que ele foi obrigado a abrir as duas pequenas janelas do avião, nisto rompeu a tempestade em forma de peão gigante, fechando-lhe a rota para Bissau, chovia imenso, baixou o teto de nuvens, diminuiu a visibilidade apressadamente. Viu-se forçado a desviar a rota para fugir ao tornado gigante que se aproximava, apontou para a pista mais próxima, Catió, procurou pedir auxílio através do rádio, não obteve resposta. E estacionou o avião, ninguém apareceu, calçou as rodas do avião com pedras. “Ficámos dentro do Auster umas três horas, debaixo de trovões, relâmpagos, chuva e rajadas de vento, que faziam oscilar o pequeno avião como se fosse uma borboleta.” Quando o vento amainou e o negrume desapareceu, voou para Bissau, a mulher doente foi descarregada e metida numa maca.

“Despedi-me dela com lágrimas nos olhos, desejando-lhe as melhoras com um gesto de envio de beijo nas pontas dos dedos, que ela retribuiu com um doce sorriso.
Nem os soldados da ambulância nem os mecânicos ficaram insensíveis àquele estado de degradação, e a emoção tocou-nos a todos, homens da guerra.
A geração do após 25 de Abril que fique bem ciente que não foram só bombas que largámos em África, mas também salvámos muitas vidas de pretos e brancos, sem preconceitos de raças ou credos, pondo em primeiro lugar a sua sobrevivência.”
Cruz de guerra, 3.ª classe
T-6 em pleno voo
O Do-27
O Auster

(continua)
_____________

Nota do editor

Último post da série de 5 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25719: Notas de leitura (1706): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1865 e 1868) (10) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 26 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25448: Notas de leitura (1685): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (22) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Abril de 2024:

Queridos amigos,
Chegámos ao término do ensaio da responsabilidade do nosso confrade José Matos e Matthew M. Hurley, eles passam em revista as principais situações que ocorreram em 1972 na Guiné. De tanto apelo, Spínola conseguiu armamento e equipamento para a Zona Aérea, mas o sistema defensivo antiaéreo, que tanto o preocupava, não conheceu remodelação. Como observam os autores, Spínola desesperava por retirar iniciativa às forças do PAIGC, por apresentação de uma proposta do major Moura Calheiros, responsável paraquedista, aceitou pôr em marcha a mais movimentada operação depois da Operação Tridente, a Grande Empresa, que os autores aqui apresentam. Provavelmente através dos serviços de informação, o comandante chefe sabia que algo estava em preparação quanto a novos meios do PAIGC, na sua declaração de Ano Novo Amílcar Cabral, sem o dizer explicitamente, refere que vão aparecer novas armas que poderão acelerar a liquidação do colonialismo. Vivia-se, pois, um compasso de espera, Spínola não tinha ilusões de que não iria receber novos e comparativos meios de Lisboa. Resta aguardar o terceiro volume sobre a Zona Aérea da Guiné em 1973 e 1974.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (22)


Mário Beja Santos
Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Contracapa do segundo volume

Índice
Abreviaturas

Capítulo 5: “Tudo estava dependente deles, de uma forma ou outra”

Com o presente texto, conclui-se a súmula do livro de José Matos e Matthew M. Hurley, seguramente que o terceiro volume será dedicado ao inquietante período entre 1973 e 1974. Ao longo de 1972, o Comandante-Chefe foi apelando à aquisição de armamento não só para a Força Aérea como para o sistema defensivo, era notório que nos países ocidentais se fazia obstrução de tais compras. A propaganda do PAIGC alardeava grandes perdas em aeronaves da FAP. Concretamente, falavam que tinham destruído entre 1969 e 1972 dez aviões de asa fixa e oito helicópteros, incluindo seis aeronaves alegadamente destruídas em pistas de aterragem (ver anexo III). O registo documental da FAP e a falta de provas apresentadas pelos guerrilheiros revelam que a Zona Aérea não perdeu uma única aeronave por ação inimiga desde que o Fiat que o Tenente-Coronel Costa Gomes pilotava foi atingido, em 1968. Perderam-se aeronaves em acidentes: dois T-6, dois DO-27 e também dois Alouette III caíram na Guiné, daí resultando 14 mortos (incluindo os seis pilotos). Tais acidentes aumentara o número de aviões e helicópteros da FAP perdidos na Guiné desde 1962 para 23, embora três, no máximo, tenham sido destruídos por fogo hostil.

Apesar de todo este seu furor propagandístico, o PAIGC reconhecia que não tinha uma defesa antiaérea eficaz. Amílcar Cabral viajou para a União Soviética em junho de 1962 à procura de melhores armas defensivas. Os seus esforços acabaram por ser recompensados, mas nesse intervalo de tempo a Zona Aérea conseguia gerir a sua guerra contra o PAIGC sem encontrar sérios obstáculos. Durante 1972, as aeronaves da FAP tiveram um total de 10.643 surtidas em todas as áreas de missão, número que representa uma redução de 6% em relação ao ano anterior. O número de ataque e surtidas de apoio de fogo ultrapassou os 3 mil durante 1972, o que representa menos 15% relativamente a 1971, mas um esforço maior comparativamente a 1969 ou 1970. Os Alouette III transportaram na Zona Aérea mais de 6 mil soldados durante 75 operações helitransportadas, em 1972, comparativamente a 58 missões semelhantes e 1971 e 41 em 1970.

Esta defensiva de operações da Zona Aérea teve a sua ênfase no Sul da Guiné, em parte devido à propaganda do PAIGC alegando ter aqui um elevado número de “áreas libertadas”, especialmente na Península do Cantanhez. Spínola sentia que era imperativo demonstrar que as forças militares poderiam exercer um completo domínio no Cantanhez, dado o facto do fracasso inegável do poder afirmar em qualquer outro lugar do Sul da Guiné. No final do ano, esta sua exigência culminou com a Operação Grande Empresa, foi a mais ambiciosa operação ofensiva desde a Operação Tridente, em fevereiro-março de 1964.

Frustrado nas suas tentativas em ludibriar o PAIGC, neutralizar a República da Guiné ou negociar um acordo através do Senegal, Spínola procurou então o local que lhe desse um sucesso militar capaz de poder recuperar um poder de iniciativa face ao PAIGC. Foi-lhe oferecida a oportunidade pelo Major Moura Calheiros, Comandante das Operações e Informações do BCP 12, que identificou a base mais importante do PAIGC nas chamadas “áreas libertadas” do Cantanhez. Com a sua proposta da Operação Grande Empresa, Calheiros deu a Spínola uma oportunidade para destruir um grande complexo de guerrilha, recuperar a Península e a população sob controlo inimigo, através de obras civis, medidas psicológicas e reordenamentos; foram designadas duas companhias de paraquedistas e um destacamento de fuzileiros para o assalto inicial, competia a essas forças especiais ocupar as aldeias de Caboxanque, Cadique e Cafine, na margem sul do rio Cumbijã, enfrentando e destruindo as forças guerrilheiras que tentassem sobrepor-se. Uma vez alcançados esses objetivos, uma força composta por tropas de cavalaria e infantaria, apoiada por pelotões de artilharia chegariam por lanchas ao local e estabeleceriam uma rede de guarnições na Península, desenvolvendo rapidamente obras de construção e reordenamento.

Em 11 de dezembro, um dia antes do ataque, sete Noratlas transportaram 191 paraquedistas da Base Aérea 12 para a sua plataforma avançada, a Base em Cufar. Na manhã seguinte, seis Fiat levaram a efeito um bom bombardeamento preparatório às posições do PAIGC, enquanto dez Alouette III que transportavam 50 paraquedistas os largaram em zonas previamente escolhidas. Uma forte resistência obrigou a trazer mais 50 paraquedistas, mas no final do dia as forças portuguesas esmagaram a resistência e ocuparam as aldeias de Caboxanque, Cadique e Cafine.

Começou então o processo, que se previa de longa duração, de pôr em prática de atrair e reintegrar populações civis, isto enquanto se procurava capturar ou aniquilar as forças importantes do PAIGC. O contingente das tropas do Exército construiu novas aldeias, estradas, cercas para guardar animais, fabricaram-se postos médicos, encetaram-se conversações com as autoridades tradicionais para procurar suprir as necessidades imediatas. Este conjunto de iniciativas teve algum sucesso, já que a maioria dos habitantes do Cantanhez revelou tolerância com os esforços portugueses, e muitos deles ajudaram a uma quase erradicação da liderança regional e das infraestruturas do PAIGC.

Ao longo dos noves meses da Operação Grande Empresa, a FAP forneceu reconhecimento contínuo, transporte aéreo, evacuação dos sinistrados e apoio de fogo às unidades de superfície participantes; mas, ato contínuo, as forças especiais de Spínola foram obrigadas e responder a questões mais urgentes que surgiram noutros locais. Os paraquedistas e algumas unidades do Exército foram transferidas em meados do verão, a posição das forças de superfície no Cantanhez iria ficar enfraquecida. Contudo, no final de 1972, as forças portuguesas podiam estar satisfeitas, tinham reocupado o Cantanhez, mas Spínola manteve-se pessimista, conforme relatou no início de 1973 devido ao aumento crescente da atividade e potencial do inimigo, anunciou que era de prever um agravamento militar da situação, perspetivou uma súbita deterioração, provavelmente na forma de destruição convencional em grande escala. Spínola avisou os seus superiores que se avançava para um novo patamar da guerra e temia que Portugal tivesse dificuldade em prevalecer.

Os líderes do PAIGC, por outro lado, começaram 1973 numa atmosfera de otimismo, o PAIGC recebera uma delegação da ONU através das suas zonas ditas libertadas e anunciou publicamente a sua intenção de declarar unilateralmente a independência, nos próximos tempos. Na sua comunicação de Ano Novo, Amílcar Cabral também elogiou as “grandes derrotas e perdas muito importantes” infligidas às forças portuguesas durante 1972. Mas admitiu que o inimigo tinha mais aviões e helicópteros fornecidos pelos aliados na NATO e tinha intensificado os bombardeamentos e ataques contra as regiões libertadas.

“Só a aviação permitiu a Portugal criar situações difíceis para nós.” Nessa mesma alocução Cabral instava as forças do PAIGC a desferir golpes mais duros contra o inimigo colonialista e prometia armas e outros meios de guerra ainda mais poderosos, alertando que o PAIGC iria utilizar de forma mais eficaz os meios existentes e a chegar, suscetíveis de ferir golpes decisivos nos colonialistas.

Para os militares da Força Aérea na Guiné, estas palavras seriam proféticas.

Operações portuguesas helitransportadas em 1972 (por Matthew M. Hurley, baseado em documentação portuguesa)
Área de atividades no decurso da Operação Grande Empresa (Matthew M. Hurley)

Anexo I – Aeronaves atribuídas à Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné

Anexo II – Surtidas na Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné
Surtidas por tipo de aeronave, 1968-1972
Surtidas por categoria de missão, 1968-1972

Anexo III – Perdas da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné e Reivindicações Propagandísticas do PAIGC, 1962-1972
Perdas confirmadas pela FAP, 1962-1972
Números indicando o lugar dos acontecimentos descritos no quadro acima (mapa elaborado por Matthew M. Hurley)
Reivindicações propagandísticas do PAIGC comparadas com as perdas apresentadas pela FAP
____________

Nota do editor:

Vd. posts anteriores de:


9 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25153: Notas de leitura (1665): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (11) (Mário Beja Santos)

16 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25176: Notas de leitura (1667): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (12) (Mário Beja Santos)

23 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25204: Notas de leitura (1669): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (13) (Mário Beja Santos)

1 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25229: Notas de leitura (1671): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (14) (Mário Beja Santos)

9 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25254: Notas de leitura (1674): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (15) (Mário Beja Santos)

15 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25276: Notas de leitura (1676): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (16) (Mário Beja Santos)

22 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25296: Notas de leitura (1677): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (17) (Mário Beja Santos)

29 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25316: Notas de leitura (1679): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (18) (Mário Beja Santos)

5 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25342: Notas de leitura (1680): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (19) (Mário Beja Santos)

12 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25377: Notas de leitura (1682): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (20) (Mário Beja Santos)
e
19 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25411: Notas de leitura (1684): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (21) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25411: Notas de leitura (1684): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (21) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Abril de 2024:

Queridos amigos,
Estamos prestes a concluir a apresentação do trabalho do nosso confrade José Matos e de Matthew Hurley, trata-se do penúltimo volume que eles dedicaram à Força Aérea Portuguesa na guerra da Guiné. Naquele ano de 1972, Caetano rejeitou peremptoriamente qualquer solução política entre Portugal e o PAIGC, mediada por Leopold Senghor, diz abertamente a Spínola que negociações com a guerrilha teriam impacto direto e imediato noutras parcelas do império. Continua o afã para encontrar meios aéreos mais modernos do que o Fiat, entretanto o PAIGC melhora o seu armamento e equipamento, visando claramente avançar para a guerra convencional. É todo o relato de tais peripécias que aqui se dá conta ao leitor, já não havia ilusões nos altos comandos de que o PAIGC tudo estava a fazer para quebrar a supremacia dada pela Força Aérea. Mas será matéria que ficará para o derradeiro volume, fica-se à espera que o José Matos nos dê essa notícia.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (21)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.


Capítulo 5: “Tudo estava dependente deles, de uma forma ou outra”

Como se viu no texto anterior, no rescaldo da Operação Mar Verde emergiu com mais intensidade toda a questão da defesa aérea que já preocupara o governador Schulz. Era indesmentível a incapacidade de Portugal em defender a Guiné de ataques aéreos, e Spínola estava bastante bem informado das lacunas existentes. O Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas, General Venâncio Deslandes, que visitou a Guiné em junho de 1971, concordou com Spínola que a situação se estava a deteriorar a um ritmo preocupante, reconheceu o agravamento do clima militar, observando que as forças portuguesas “não são suficientes para garantir a permanência dos sucessos obtidos”, admitindo também que o PAIGC “pode tentar impor uma solução pela força, criando situações desfavoráveis, difíceis ou impossíveis de reverter”.

Spínola, no entanto, nunca baseou a sua estratégia apenas sob resultados militares, continua a insistir que “a expressão vitória militar” não tinha qualquer sentido naquele tipo de conflito, como disse claramente na reunião havida em maio desse ano no Conselho Superior de Defesa Nacional. “O problema só pode ser resolvido no domínio político, e quero acreditar que tal solução ainda é viável”. O Governador estava certamente a deixar mensagens que incluíam a abertura de um diálogo com as forças de guerrilha, um esforço que considerou necessário para evitar “uma agonia prolongada e inútil”. Spínola já tinha tentado negociações com elementos do PAIGC no chamado “chão Manjaco”, e o ministro do Ultramar escreveu mais tarde que Spínola estava eufórico com os resultados que antevia. A aventura terminou em tragédia, quando três majores, um alferes e os intérpretes foram brutalmente assassinados por elementos do PAIGC, em 20 de abril de 1970. “Foi um duro golpe que sofremos”, informou Spínola o Ministro da Defesa Nacional, Sá Viana Rebelo, no dia seguinte, “já que eles eram uma equipa de valor e determinação excecionais”.

Voltando um pouco atrás, Spínola julgara que o planeamento da Operação Mar Verde lhe oferecia uma oportunidade para remodelar radicalmente a guerra. O impacto internacional do ataque a Conacri, as repercussões que teve e a escalada da guerra na Guiné, tolheram qualquer iniciativa em direção ao acordo negociado até 1972, quando os esforços diplomáticos face ao Senegal foram retomados. Houve uma reunião em Cap Skirring, em 18 de maio desse ano, entre Spínola e o presidente senegalês Senghor, os dois discutiram um cessar-fogo e um período de 10 anos de transição para preparar a independência da Guiné. Ainda tendo na mente o chamado “massacre dos majores”, as forças portuguesas prepararam uma operação de peso com o objetivo de proteger o comandante-chefe durante a conferência. Sem o conhecimento do presidente Senghor, um conjunto de aviões Fiat estava de alerta em Bissalanca, pronto para bombardear “toda a área” ao primeiro sinal de qualquer ameaça de Spínola; a par desta eventual operação de bombardeamento, dez helicópteros Alouette III e dois Noratlas aguardavam para levar 130 paraquedistas para Cap Skirring, onde iriam “recolher os corpos”, incluindo o de Spínola, se fosse preciso.

A reunião terminou sem quaisquer incidentes, assim como um encontro de acompanhamento, vários dias depois. Encorajado pelos resultados, Spínola viajou para Lisboa no fim do mês para informar Marcello Caetano sobre o encontro diplomático. Fê-lo com grandes esperanças: Caetano era considerado menos rígido e dogmático em questões coloniais do que o seu antecessor. Em 1972, porém, a perspetiva imperial de Caetano tinha aparentemente endurecido. Durante a reunião havida em 28 de maio com Spínola, proibiu terminantemente novas iniciativas diplomáticos de resolver o conflito na Guiné, dizendo a um estupefacto Spínola: “Para a defesa geral dos territórios ultramarinos é preferível deixar a Guiné através de uma derrota militar com honra do que através de um acordo com terroristas que justificaria outras negociações em outros territórios.” Se as forças portuguesas fossem militarmente derrotadas depois de terem lutado com todo o seu potencial, argumentou Caetano, “tal derrota deixa-nos intactas as possibilidades jurídicas e políticas para continuar a defender o resto dos territórios ultramarinos”. Spínola concluiu, desapontadamente, que Caetano tinha desperdiçado a última oportunidade de Lisboa para resolver o problema da Guiné com honra e dignidade, a resposta de Caetano significava o sacrifício de vida das suas tropas e o prestígio das Forças Armadas.

Os comandos subordinados a Spínola tinham preocupações mais imediatas, observavam com preocupação o aumento das capacidades militares do PAIGC e a introdução de novas armas. Numa avaliação feita em 1972, a guerrilha conduzida por Amílcar Cabral tinha canhões antiaéreos de 37 mm, lançadores múltiplos de foguetes BM-21 de 122 mm, veículos blindados de transporte de pessoal BTR-40 e até tanques leves PT-76.

Além disso, a guerrilha começava a realizar operações mais ambiciosas, com formações maiores, o que correspondia à sua intenção há muito estabelecida de desencadear uma guerra de manobra convencional. O resultado óbvio, como concluía o comandante do GO-1201 (e, mais tarde, Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné) Coronel José Lemos Ferreira, era que o PAIGC acreditava agora que a vitória militar estava ao seu alcance, mas “o que eles precisavam era algo que anulasse a Força Aérea”. Com esta finalidade, as defesas antiaéreas da guerrilha reapareceram na Guiné em 1972. Em maio, por exemplo, canhões antiaéreos de 37 mm abriram fogo contra um par de Fiat que patrulhava a fronteira Sudeste e as chamadas zonas libertadas do Quitafine. Aqueles caças escaparam ilesos, mas outras oito aeronaves portuguesas ficaram danificadas pela ação da guerrilha durante o ano. Em fevereiro e agosto, fogo antiaéreo não especificado, presumivelmente originado da República da Guiné, atingiu um total de três Fiat que patrulhavam a fronteira Nordeste, provocando danos ligeiros. Dois DO-27 foram atingidos por tiros de armas leves durante março, assim como o T-6 em fevereiro, enquanto três Alouette III foram danificados por morteiros, por disparos de RPG e armas automáticas, em novembro e dezembro. A Zona Aérea reportou um total de 23 ações contra aeronaves ao longo de 1972, mas apenas dois resultaram em danos materiais ou ferimentos graves em militares portugueses. Significativamente esses incidentes envolveram armas e morteiros e infantaria em vez de sistemas antiaéreos especialmente construídos.

O Mirage passou a ser a opção para as operações da FAP em África (Dassault)
Em 1972, Spínola procura uma solução política para a questão da Guiné desde a mediação do presidente senegalês, mas Caetano rejeitou a iniciativa de paz (Coleção Revista do Povo)
O primeiro-ministro Marcello Caetano rejeitou qualquer negociação para a Guiné, temendo que ela seria um procedente irreversível para o resto do império colonial português (Arquivo Histórico do Ultramar)
Operações de fogo independentes da Zona Aérea, 1972 (Matthew M- Hurley, baseado em documentação portuguesa)

(continua)

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Notas do editor:

Vd. post de 12 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25377: Notas de leitura (1682): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (20) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 15 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25389: Notas de leitura (1683):"Memórias SOMântícas", de Abulai Sila; Ku Si Mon Editora, 2016 (Mário Beja Santos)