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sábado, 11 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27307: Manuscrito(s) (Luís Graça) (275): 50 pequenas coisas que mudaram em 50 anos no Portugal sacro-profano que eram as terras de Candoz, no Marco de Canveses, em Entre-Douro-e-Minho



Marco de Canaveses > circa anos 40 do séc. XX  > O típico carro de bois de Entre Douro e Minho...O boi com a sua "molhelha",,, A mulher, com o seu lenço de cabeça, escondendo o cabelo, ela e o seu "home", cada um no seu lugar... Ela a tanger os bois...Ele de chapéu e varapau...

(Molhela: almofada, geralmente composta de couro, palha e estopa, onde assenta a canga que junge os bois,e que é  colocada no cachaço, protegendo-o do atrito da canga).


Marco de Canaveses > circa anos 40 do séc. XX  >  A vinha de enforcado, a vindima (com recurso a escadas altas), os grandes cestos de verga à cabeça, as mulheres e os seus "cantaréus" (canções de trabalho, cantadas a 3 vozes, exclusivamente femininas, nas "serviçadas", como a vindima, as desfolhadas, etc.)

Fonte: Aguiar, P. M. Vieira de - Descrição Histórica, Corográfica e Folclórica de Marco de Canaveses. Porto: Esc Tip Oficina de S. José. 1947. (Com a devida vénia).



Quinta de Candoz > A matança do porco (c. 1975/80): uma cena que Bruxelas conseguiu banir definitivamente dos nossos campos e aldeias (mas não da nossa memória) em nome de uma conceção ( fundamentalista, dizem os críticos) da saúde pública e de uma Europa securitária, globalizada, normalizada e tecnocrática, matando a etnodiversidade... 

Declaração de interesses: Não sou "vegan", adoro carne de porco, adoro leitao... Claro que eu hoje não queria ver as minhas netas a assistir a uma cena "cruel" como esta (hoje fala-se em "bem-estar" animal)... Na nossa infância tivemos que "ver e ouvir" os gritos lancinantes do pobre animal, mas a seguir comíamos-lhe o sarrabulho, os rojões, as "febras", as bochechas, o presunto, os salpicões, os chouriços... E jogávamos á bola com a bexiga do porquinho!)



Marco de Canaveses > c. 1975/80>   O "toirinho" (sic), vendido na feira do Marco, uma das poucas fontes de receita dos "caseiros" (ou "rendeiros", tínhamos um em Candoz, nessa altura), para além do vinho e do milho... Este era um
 boi de trabalho, não de engorda; a junta de bois puxava a charrua de ferro, e trazia do "monte" uma carrada de lenha. Por sua vez, o porco era o governinho da patroa (que o guardava, com engenho e arte,  na "salgadeira" ou no "fumeiro"). 




Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > Quinta de Candoz > O que resta do velho carros de bois...Foi caindo aos pedaços, já com uma bela idade...

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2025). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Comecei a ir a Candoz há 50 anos, em 1975... Freguesia de Paredes de Viadores, concelho de Marco de Canaveses, na bacia hidrográfica do rio Douro e do rio Tâmega;  a sul , em frente, ficava/fica a serra de Montemuro, já no distrito de Viseu. 

1975,  em "pleno verão quente", um ano depois do 25 de Abril.  Fui fazer, eu e a Alice, uma viagem pelo "Portugal profundo", "sacro-profano",  que eu não conhecia. Ela sim, tinha começado a trabalhar na instalação do Parque Nacional da Peneda-Gerês. E era nada e criada naquelas terras, donde já se avista o Marão. 

Foi então que descobri a  região do vinho verde, e ainda a tempo de "apanhar em andamento o passado" deste País, a vinha de enforcado, as latadas, o milho, os engenhos (moinhos a água), as histórias do linho e das desfolhadas, as tradições comunitárias como as "serviçadas", a matança do porco,  os carros de bois "a chiar pelos montes acima ou abaixo", a parceria agrícola e pecuária (formas pré-capitalistas de produção) , as feiras de gado, as romarias, as tunas rurais, os bailes mandados, etc.... E, pela primeira vez (e única) na minha vida também ajudei a pisar a uva (tinta) no lagar... Uma tarefa que só podia ser feita pelos homens porque não eram,,, "menstruados".

Casar-nos-íamos, lá, em Candoz, um ano depois. Pelo civil. O primeiro casamento civil do ano, no Marco de Canaveses, segundo nos disse o ajudante de registo civil que foi lá a casa.  Uma heresia, numa família católica e conservadora.

 A 7 de agosto de 1976. Ganhei uma nova família. Fiquei mais rico tendo optado pela exogamia (a lei que manda nunca casar na tua terra...).

As formas de estar, viver, trabalhar, pensar, educar, amar, morrer... até aos anos 60 ainda estavam  ligadas a uma economia agrícola fracamente monetarizada, e em grande parte de autossubsistência... 

Ainda apanhei a tradição e a transição, a mudança, as pequenas mudanças operadas naquelas terras do Norte de Portugal...Em meio século, assisti a muitas mudanças, pequenas e grandes. Naquele microcosmo  (socioantropológico...), no coração de Entre-Douro-e-Minho, aonde dantes ia meia dúzia de vezes por ano (e agora um pouco menos)... E quando digo dantes, ainda era no tempo em que não havia autoestradas (!), e a viagem de Lisboa até lá (400 km), demorava um dia...

Hoje são uma série delas (se eu partir de Alfragide): CRIL A8, A17, A1,CREP, A4... Recorde-se que a autoestrada A1 só ficou completamente concluída em 1991, ligando Lisboa ao Porto. Já a autoestrada A4, que liga o Porto a Amarante, foi concluída em 1995...

2. Aqui vão, por ordem alfabética, sem  qualquer ordem de precedência, importância,  relevância ou cronologia, algumas das 50 (ou mais) pequenas grandes mudanças ali operadas (refiro-me, no essencial, à freguesia de Paredes de Viadores, onde se situa a Quinta de Candoz,  e onde as pessoas precisavam de berrar ou falar alto para comunicarem umas com os outros, porque o povoamento era e é disperso).

***

  • a Água de consortes, as "levadas" (como a água de Covas, que vinha da serra, e de que o meu sogro tinha direito a utilizar, só no solstício do inverno, uma vez por semana, das 10h da manhã às 6h00 da tarde); a construção civil, a abertura de estradões, a abertura de poços e minas, as alterações climáticas, etc.,  levaram... a "levada", a água de Covas, que chegava a Candoz e continuava pela encosta abaixo: era uma alegria para os sentidos, a vista, o ouvido, etc., assistir à rega do milho;
  • o Anho assado com arroz de forno, que hoje é produto... "gourmet" (e tem confraria);
  •  Bacalhau “lascudo” (que ainda não havia no Natal, nem o bacalhau era a pataco, como a República prometia em 1910)
  • o “Baile mandado” com “mandador” e os homens e as mulheres separados, de pé, encostados às paredes da casa; e dançavam-se as danças palacianas e burguesas do passado; a valsa, a mazurca, a contradança, o fado; e o mandador era também o "coreógrafo";
  • cozia-se a Broa de milho e centeio (três partes de milho e uma de centeio), no forno a lenha, e que tinha de durar 8 dias (ou até 15, "duro que nem cornos"!);
  • o Caciquismo político e eleitoral (do regedor, do padre, do comerciante, do professor, do “fidalgo"...);
  • só os homens usavam Calças (!) (e as raparigas, Tranças, que cortavam quando ficavam "comprometidas" ou iam para o Porto estudar, um privilégio);
  • a Canalha, a miudagem,  uma  Cama para três (e às vezes era no Palheiro, o quarto dos rapazes);
  • ouvia-se o Carro de bois a chiar, "com toda a cagança",  pelos estradões (uma verdadeira sinfonia!); 
  • o osso com Carne ("ó pai, chuche e dê  -mo!") no Moado  (caldo);
  • as Cebolinhas do "talho" (de talhão, da horta, provenientes da monda do cebolal...), o Presunto Verde, o Salpicão,  o Verde,  o Arroz de Cabidela, as Papas de Farinha de Pau, a "Aletria", o "Doce da Teixeira", a Regueifa, e outros pequenos manjares da culinária local
  • os grandes Cestos de vime de 50 kg de uva que os “homes” transportavam aos ombros (e as mulheres à cabeça), por leiras e socalcos abaixo (ou acima) até ao “lagar do vinho” (em geral, no piso térreo, da casa, e com chão saibroso por causa da temperatura ambiente: a "loja" onde também ficava a "salgadeira"); 
  • o Compasso Pascal, a Festa de Nra. do Socorro, a Festa do Castelinho (gente de folgar e trabalhar, ou trabalhar muito e folgar pouco);
  • não se conhecia a Contraceção nem o Planeamento familiar (mesmo a “Pílula” chegaria tarde à cidade…) ("porra e lenha é quanto a venha", um provérbio que pode ter uma conotação sexual, mas não tenho a certeza);
  • a Cultura do milho de regadio, exigente em água e mão de obra (escondia-se o milho nas “minas”, as nascentes de água, para escapar à requisição do governo nos anos da II Guerra Mundial e do pós-guerra);
  • as Crianças habituavam-se, cedo, às “Sopas de cavalo cansado” e eram “Sedadas com Bagaço” quando se contorciam com dores, tinham fome ou estavam doentes;
  • andava-se Descalço (ou, tal como em África, se levava os sapatos na mão até à entrada da vila, da escola, da igreja…);
  • a autossuficiência da Economia do pequeno campesinato familiar onde o pai era “pai e patrão” e a “ranchada de filhos” era garantia de mão-de-obra abundante e gratuita;
  • a Electricidade, o Frigorífico a Televisão, etc., só chegariam depois do 25 de Abril (mesmo com a barragem do Carrapatelo a escassos quilómetros de Candoz);
  • Emigração, primeiro para o Brasil (até aos anos 50) e depois para França ( "a salto") e Alemanha, também depois Luxemburgo e Suiça;
  • não havia  Estradões ( e foi com essa promessa de abrir estradões que caciques como o Ferreira Torres ganhavam eleições);
  • a “Esterqueira” (ao pé da porta onde se faziam todos os despejos domésticos e se deitava todo o lixo orgânico que não fosse para a “gamela” de, "com a sua licença", o porco) (já não é do meu tempo, mas da infância da Alice; aliás, da minha infância quando ia casa dos meus tios no Nadrupe, á Quinta do Bolardo,  á casa dos meus parentes do clã Maçarico, em Ribamar);
  •  não havia  Estradões ( e foi com  a promessa de abrir estradões que caciques como o Ferreira Torres ganhavam eleições) ("roubava, mas fazia obra", dizia o povo...);
  • a Estratificação social nos campos: ”fidalgos”, pequenos proprietários, rendeiros…e cabaneiros (gente sem terra nem casa) (e que na igreja também se dispunham pela mesma ordem, com homens e mulheres, socioespacialmente separados);
  • as Feiras anuais e sobretudo as feiras de gado (onde se levava o porquinho e o tourinho para vender, ou onde se ia comprar uma "junta de bois") (era lá que também se fazia, além de negócios, namoros, casamentos, alianças; tal como a igreja, a feira era um importante local de socialização):
  •  a importância das Feiras e romarias como factor de lazer, de socialização, de negócios, de informação, conhecimento e propaganda (ah!, os pregões dos feirantes!);
  • batia-se  forte e feio nos Filhos (em casa e no campo) e nas crianças (na escola) ("quem dá o pão, dá a educação");
  • em que os mais remediados diziam: “criei-os [aos Filhos] fartos e cheios [de pão, que não se escondia na “trave” do telhado de telha vã, fora do alcance dos ratos e… das crianças, isso era sinal de pobreza];
  • o Fumeiro e o Barro vidrado que tanto cancro no estômago provocou;
  • a criação, em cortes, do  Gado bovino (o “tourinho”, mais bem tratado que a “canalha”, a miudagem,  porque rendia dinheiro ao ser vendido na grande feira do Marco de Canaveses);
  • só os Homens usavam calças (!) (e as raparigas cortavam as tranças quando ficavam comprometidas ou iam estudar para o Porto, um privilégio, nos anos 60);
  •  as Juntas de bois lavrando a terra com arados de ferro;
  • só se bebia Leite (de cabra, de vaca era mais raro) quando se estava doente (em geral os adultos);
  •  as Longas caminhadas a pé (para se ir à missa, à romaria, à feira, à repartição de finanças na sede do concelho, mas também ao médico e o hospital da misericórdia... a 13/15 km de distância);
  •  a Luz do candeeiro a petróleo ou querosene;
  • o valor comercial da Madeira de carvalho, castanho, pinho, cerejeira, etc. (madeira nobre hoje destronada pelo eucalipto);
  • a Matança do porco, o fumeiro e a salgadeira (que eram o “governinho da tia Aninhas”, e também uma das principais causas de morbimortalidade por doenças cérebro-vasculares, como a “trombose”):
  • o Médico da vila  ("João Semana") que só se chamava a casa na hora da morte para passar a certidão de óbito;
  • o Medo das trovoadas, das bruxas, dos lobisomens, do mau olhado, das pragas que se rogavam uns aos outros por ódio, vingança,  inveja, intrigas, desamores, etc.; 
  • a escassez de Meios de tração mecânica na lavoura (tratores, motocultivadores, serras mecânicas, etc.) e de transporte automóvel (não me lembro de haver nenhum trator em 1975...);
  • cultivava-se o Milho, o  Centeio... e o Linho (!);
  • a fraca Monetarização da economia (fazia-se algum dinheiro com a venda das uvas, do milho, do tourinho, da cereja e pouco mais; ou trabalhando à jorna, ocasionalmente para o "ramadeiro", para o "construtor civil, etc., que os mais sortudos iam para a polícia e os caminhos de ferro, a CP);
  • os "Montes” (pinhais) que eram “rapados” todos os anos, não só para limpeza e prevenção dos incêndios (não havia incêndios) como sobretudo por causa da importância que tinha o mato para fazer a "cama dos animais” e depois o estrume (fundamental para a cultura do milho ou da batata); 
  • "na casa desta Mulher come-se tudo o que ela der";
  • as grandes Mulheres (ou "Mulheres Grandes") que em geral se escondem(iam) atrás dos seus “homes" (e tinham sempre uma palavra de peso, a última, nos negócios, nas compras de propriedade, nos amores, nos casórios dos filhos, etc.);
  • o Obscurantismo não só político e cultural mas também religioso (como o daquele pároco que mandou cortar as pilinhas dos anjinhos na igreja);
  • a "minha Palavra vale mais do que a minha terra toda" (a palavra dada era lei);
  • as Panelas de ferro, ao lume, na lareira (onde se faziam os "Rojões");
  • as “Parteiras” (que não as havia, diplomadas) eram as “aparadeiras” (sic) (mulheres curiosas, mais velhas, que já tinham sido mães...);
  • jogava-se ao Pião (os rapazes) e  brincava-se às Bonecas de trapos (as raparigas);
  • ó Maria, dá-me o Pito...E Porra e Lenha é quanto a venha (a maneira brejeira, pícara, desta gente do... carago!);
  • as Professoras do ensino primário que se chamavam "regentes escolares"; 
  • fatalismo dos Provérbios populares (“boda e mortalha no céu se talha”, "muita saúde e pouca vida que Deus não dá tudo"...); 
  • as Ramadas e o Ramadeiro (construtor de ramadas);
  • a luta dos Rendeiros, a seguir ao 25 de Abril, contra a parceria agrícola e pecuária, formas pré-capitalistas de exploração da terra, com o pagamento das “rendas” em géneros  (em geral, numa proporção fixa, por exemplo ao terço, a meias, etc.);
  • os Salamaleques da “servidão da gleba”: “com a sua licença, meu senhor e meu amo”, dizia o caseiro para o “fidalgo”, desbarretando-se a 10 metros de distância, num  concelho onde em 1958 mais de metade dos agricultores eram rendeiros;
  • a Salgadeira (onde se guardava o porco, desmanchado) (responsável por muitos AVC);
  • os Salpicões feitos em vinho verde tinto (fundamental na cozinha e nos enchidos, este vinho único no mundo);
  • não havia Saneamento básico, água potável (a não ser o das minas) nem banheiro com duche;
  • a Sardinha “para três” (que chegava de Matosinhos na Linha do Douro até  a estação do Juncal, e depois era transportada à canastra e vendida de porta em porta) (... e os ovos que se vendiam para comprar a "sardinha para três");
  • o Sável e a Lampreia do rio Douro (que as barragens "mataram") (comia-se o sável pela Quaresma,  quando a Igreja proibia o consumo de carne... aos pobres);
  •  as "Serviçadas” como a vindima, a malha do centeio, a desfolhada do milho, a espadelada do linho, a matança do porco, etc., em que os familiares e os vizinhos se ajudavam, uns aos outros;
  • "Ir às Sortes" (à junta médica militar, e ficar apto ou apto para a tropa); (era também um a "ritual de passagem para os "machos", e o início do "home leaving"; quando se regressava, é para para o jovem adulto a começar a governar a sua vida, deixar a casa dos pais, ir para o Porto trabalhar na África, ou para o Brasil, e mais tarde para França, Luxemburgo, Suiça...na construção civil;
  • "na casa deste home quem não Trabalha não come";
  • começava.se a Trabalhar muito cedo (“ o trabalho do menino é pouco, mas quem não o aproveita é louco”; "na casa deste home, quem não trabalha não come; e na casa desta mulher, come-se tudo o que ela fizer"):
  •  as “Tunas rurais do Marão” (indispensáveis nos "bailes mandados") (uma rabeca, um violão, uma viola, um cavaquinho, unas ferrinhos, uma voz) ;
  • “Varapau” como símbolo da masculinidade (mas também de violência) (a ponto de ter sido proibido na via pública, nas festas, nas romarias e nos bailes, sendo o seu cumprimento fiscalizado pela GNR):
  • a Venda, o estabelecimento comercial que era mercearia, tasca, casa de comidas (para os de fora), cabine pública de telefone, caixa de correio, palco de mexericos, boatos e notícias, etc. (a da Candoz, ficava no Alto,na estrada real Porto-Régua,   a 3 km de distância por caminho de carro de bois, que agora é estrada municipal e nos leva à albufeira da barragem do Carrapatelo); 
  • o Verde (ou Bazulaque) (é ou era um prato típico da Páscoa, na altura em que se matava o anho; feito com  colaça, o coração, o fígado e rins);.
  • a Vinha de bordadura e de enforcado (e na sua grande maioria, videiras de tinto… jaquê, um híbrido americano de  há muito proibido mas sempre tolerado; de fraca graduação e pior qualidade, o “jaquê” chegava a maio já era intragável; de resto, nas vindimas toda a uva podre ia “para o tinto”; e não havia vinho verde branco, o que se fazia era “para o padre”; e muito do que ia para o "ultramar", a tropa, que tinha poder de compra, era vinho branco leve, de 9 / 10 graus, enviado para os armazéns do Porto e de Vila Nova de Gaia, e depois gaseificado e rotulado como "vinho verde branco");
  • o Vinho verde branco, feito de bica aberta, e que era só para o padre e para a missa (hoje é um dos senhores "embaixadores de Portugal");
  • o Vinho verde tinto, o tal "berdinho", carrascão, bebido da malga de barro vidrado ou da “caneca de porcelana”;
  • a Virgindade (feminina) antes do casamento (e ai da rapariga que fosse "rejeitada" pelo rapaz...); ou tivesse a desgraça de ser "mãe solteira";
  • ... e quando a gente (a nossa geração) nasceu, por volta de 1945, no fim da II Guerra Mundial, ainda morriam 120 crianças em cada mil nados-vivos.

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Nota do editor LG:

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27280: Manuscrito(s) (Luís Graça) (274): Vindimas, ainda são o que eram ? - Em Candoz, sim, no essencial - II (e última) Parte

 

Foto nº 19 > Quinta de Candoz > Vindimas >  11 e 19 de setembro de 2025 > Uvas da casta Trajadura
(para saber algo mais sobre as castas brancas do vinho verde, ver aqui este sítio)... Candoz pertence à subregião de Amarante, em que predominamo Pedernã / Arinto, Azal, Avesso e Trajadura...

Foto nº 20 > Quinta de Candoz > Vindimas > 11 e 19 de setembro de 2025 > Videira (jovem) carregada de uvas da casta Pedernã  (ou Arinto).


Foto nº 21 > Quinta de Candoz > Vindimas 11 e 19 de setembro de 2025 > Casta Azal (original das b-subregiões de Amarante, Basto, Baião e Sousa)

Foto nº 22 > Quinta de Candoz > Vindimas >  11 e 19 de setembro de 2025 > Casta Avesso  (típica sa subregião de Baiáo, aqui ao lado,a 500 metros, em passando a linha do camainho de ferro do Douro).


Foto nº 23 > Quinta de Candoz > Vindimas > 11 e 19 de setembro de 2025 > Casta Alvarinho (típica da subregião de Monção e Melgaço)


Foto nº 24 > Quinta de Candoz > Vindimas > 11 e 19 de setembro de 2025 > Casta Loureiro (cultivada principalmente na zona norte-litoral da Região Demarcada dos Vinhos Verdes: subregiões de Lima, Cávado, Ave)


Foto nº 25 > Quinta de Candoz > Vindimas > 11 e 19 de setembro de 2025 > Casta Loureiro:  é pela folha que se conhece a casta... Loureiro e das demais. (Eu ainda tenho que ver a etiqueta, que o nosso "engenheiro" fixa nas videiras é para os vindimadores não se fazerem a devida seleção...)


Foto nº 26 > Quinta de Candoz > Vindimas 11 e 19 de setembro de 2025 > Um luxo de uvas, que foi para a Aveleda, em Penafiel...Impecáveis, sem um bago podre ou seco... Deram 13,8 graus de álcool provável... Não adianta: a Alveleda só paga melhor até 11,5º...  Mas ajudamos a empresa a ser talvez a melhor da Região Demarcada dos Vinhos Verdes. Devíamos ter pelo menos direito ukm "like", na página do Facebook da Aveleda, somos uma das formiguinhas que trabalham para eles...


Foto nº 27 > Quinta de Candoz > Vindimas > 11 de setembro de 2025 > Os jovens tiram férias para vir às nossas vindimas...Claro, eles são o futuro. E estão-nos a dar cartas, aos mais velhos... Sempre foi assim em Candoz: as gerações, e já são oito, desde 1820,  cada geração traz o seu "valor acrescentado", a sua marca de inovação, o seu paradigma de mudança...

Foto nº 28 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 > Está na hora do almoço...

Foto nº 29 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 > Apesar do trator, há muito trabalho braçal... E sobretudo muito boa interajuda, cumplicidade, boa disposição... É isso que é a magia das vindimas nas terras do Zé do Telhado... (O fantasma dele ainda vagueia por aqui à noite,)

Foto nº 30 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 > Uma pausa para retemperar forças e beber a "bejeca"... (Super Bock, no Norte, passe a publicidade; cada "tribo" tem direito à sua idiossincrasia; só eu é que sou plural: tanto bebo do branco como do tinto, da Sagres ou da Superbock...

Foto nº 31 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >  Já têm sido, nas vindimas, muito mais à mesa... Desta vez só foram 18, pelos pratos que eu contei... A uma sexta feira, dia útil da semana, nem todos os "citadinos" podem comparecer à chamada...ou simplesmente fazer o gosto ao dedo... Eu, por  exemplo, não cortei um cacho  de uvas (minto, cortei alguns)... O meu papel foi o do fotógrafo, que é mais confortável. Mas alguém tem de se "sacrificar" e deixar registos para a posteridade, escrever as histórias,  as memórias, os afetos...


Foto nº 32 > Quinta de Candoz > Vindimas 11 e 19 de setembro de 2025 > O tacho desta vez foram... "tripas à moda do Porto"...A "chef" Alice esteve á frente do departamento dos "Comes & Bebes" durante as vindimas....Comida apropriada para os trabalhadores da vinha... Um prato tripeiro (e patriótico) por excelências... Oxalá, Enxalé, Inshallah, a gente apanhasse disto no "rancho" na Guiné... Tínhamos ganho a guerra, naqueles anos, só a comer esparguete com cavala, ou bianda com bianda... e a beber "água de Lisboa" (quer dizer, do Beato)...

Foto nº  33 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >   No fim do dia está toda a gente cansada que nem dá tempo para dar um mergulho na piscina...

Fotos (e legendas): © Luís Graça 2025). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Muitos de nós aprendemos a apreciar o vinho verde (branco) só na Guiné...Muitas das marcas de referência, que ainda hoje existem e têm sucesso no mercado  (interno e externa), dos vinhos verdes, foi lá que as conhecemos: Aveleda, Casal Garcia, Gatão, Gazela, Lagosta, Três Marias, Campelo, Casal Mendes, incluindo o "príncipe dos alvarinhos", que era então o "Palácio da Brejoeira". Poucos bebiam "Mateus Rosé"... (Passe a publicidade!...). Também se bebia Dão. A TAP fazia uma boa promoção do Mateus e do Dão.  Não me lembro de ver Verde a bordo avião da TAP, quando fui e vim de férias (ainda não tinha o prestígio que tem hoje à mesa dos apreciadores)...

Eu sempre desconfiei que a Região Demarcada dos Vinhos Verdes (numa época em que ainda  se produzia 90% de tinto e 10% de branco) tinha que ir à minha terra, ao Oeste  (Lourinhã, Torres Vedras, Bombarral, Cadaval...) buscar um "reforço" de vinho leve (ainda não se falava em vinho leve): eram brancos com baixo teor alcoólico que, levados em camiões-cisterna,  abasteciam os armazéns do Norte... 

A Lourinhã, por exemplo, sempre produziu ao  longo dos últimos dois séculos bons vinhos para "queimar" (produzir aguardente vínica para o vinho do Porto...). E não é por acaso que, com toda a justiça, é Região Demarcada da Aguardente Vínica da Lourinhã. 

Lê-se no sítio da  Aguardente DOC  Lourinhá: (...) "As vinhas cultivadas nesta região têm a predominância de castas brancas. Pela sua exposição e solos permitem que as suas uvas deem uma vinificação de baixo teor alcoólico e elevada acidez, obtendo-se a partir desse vinho destilado uma aguardente de grande qualidade. Devido a esta qualidade excecional, esta aguardente foi utilizada pelos produtores do vinho do porto há cerca de duzentos e dez anos" (...)

Ora quem fazia "vinho do Porto", também fazia "vinho verde"... Era só preciso haver "mercado", dizem os economistas... (Aliás, ainda hoje é assim: quem náo tem uvas, compra aos espanhóis...).

Ainda me lembro de ter feito uma reportagem, para o jornal "Alvorada",  sobre a Adega Cooperativa da Lourinhã, em 1966, em plena azáfama das vindimas... Cito de cor, mas naquele tempo, eles deviam receber umas 7 mil toneladas de uvas... O vinho aqui era abundante e barato. De tal modo que arrancaram as vinhas todas, com o fim do mercado de África. (Todas, é um exagero: ainda há as suficientes, de castas rigorosamente definidas, que dão excecionais aguardentes, produzidas e envelhecidas na Adega Cooperativa da Lourinhã e na Quinta do Rol, os únicos dois produtores do mundo desta Aguardente DOC Lourinhá, que estão fartos de ganhar prémios.).

A África Portuguesa (Angola, Moçambique, Guiné), com centenas de milhares de consumidores, entre civis e militares,  eram um grande mercado cativo para os nossos vinhos.

O vinho era um bem de consumo identitário para os portugueses, nascidos num país em que o vinho marcava presença à mesa e no altar (!), uma fonte, além disso, de sociabilidade e de ligação à terra de origem. Claro que as empresas  exportadoras tinham aqui uma oportunidade de ouro.

Misturados, loteados, gaseificados,  e com rótulo de verde, geladinhos, estes vinhos de lote passavam muito bem por "vinho verde", a 4 mil, 8 mil, 12 mil quilómetros de distância... 

Os oficiais e sargentos do quadro permanente, e os milicianos tinham patacão, os colonos de África ainda mais, e a sede era terrível naquele clima medonho... 

Por falta de literacia (como diríamos hoje)  nesta matéria, o  consumidor de vinhos  em África (militar ou colono) não questionava a origem do produto nem a qualidade:  o paladar fresco e gaseificado convencia qualquer um, num clima como aquele, tropical... E, depois, o frio e o gás escondem os defeitos de qualquer vinho. Em qualquer parte dou mundo.

Estas práticas, ilegais,  que o laxismo e a incompetência dos organismos públicos de regulação e fiscalização do sector deixavam passar, cá  e lá, na metrópole e no ultramar, acabaram por trazer muito  má fama ao vinho verde branco: durante anos, será associado a vinho “fraco” ou “de segunda”... Para não dizer a martelo".

"Bons tempos", o do vinho branco verde de 2ª, para o branco de 2ª!... A guerra sempre trouxe, em toda a parte, a corrupção económica... O Estado Novo não foi exceção..., embora o cinismo dos seus saudosistas insista na narrativa do regime impoluto e austero como o do seu  chefe, sempre trancado no Palácio de Belém, longe das tentações e frivolidades do mundo.

Só muito mais tarde comecei a perceber a diferença entre um "vinho branco leve" da Estremadura, de 8/9 graus, gaseificado,  e um nobre "vinho branco verde", DOC... 

Eu sabia lá, camaradas e amigos, com que castas se fazia este vinho único no mundo!... Os segredos do cultivo da vinha,  do enxerto e da poda à "poda verde", sem esquecer a prevenção e o tratamento do míldio, do oídio, do "black rot" (ou "podridão negra"), até à apanha das uvas e da sua vinificação... 

Ainda hoje não sei, confesso... Vou aprendendo alguma coisa com os "trabalhadores da vinha", na Quinta de Candoz... Para vergonha minha, nem podar sei... Preguiça mental: em 50 anos tinha obrigação de saber...

De facto, poucos de nós, os lisboetas, os do Sul, conheciam a Região Demarcada dos Vinhos Verdes (que já existia desde finais da monarquia, em  1908, de resto  uma das mais  antigas da Europa). 

Mas foi preciso esperar por uma nova geração de produtores que profissionalizou o "negócio", por uma autêntica revolução de tecnologias mas também de mentalidades, sem esquecer o aparecimento de uma competente e talentosa  geração de jovens enólogos, mas também o papel fundamental da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes (CVRVV), na regulação e fiscalização do setor, etc .... 

Hoje fazer vinho é uma arte e uma ciência.. E, claro, um negócio. No nosso caso, também é paixão, utopia,  devoção, amor, resiliência, experimentação, gozo... 
_____________

Nota do editor LG:

Último poste da série > 29 de setembro de 2025> Guiné 61/74 - P27266: Manuscrito(s) (Luís Graça) (273): Vindimas, ainda são o que eram ? - Em Candoz, sim, no essencial - Parte I

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27266: Manuscrito(s) (Luís Graça) (273): Vindimas, ainda são o que eram ? - Em Candoz, sim, no essencial - Parte I


 Foto nº 1 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 > As uvas estavam no ponto; nestas vindimas (as segundas e últimas, sendo a colheita destinada à Casa Aveleda; as primeiras, a 11, foram para fazer o "nosso vinho",  Nita, Doc, Escolha, 2025)... O grau atingiu o recorde histórico de 13,8 graus de álcool provável...Muita gente, no Sul, não sabe que o vinho branco verde faz-se com uvas maduras, bem maduras, como se pode ver pelas fotos a seguir...

 Foto nº 2 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 > A 250/300 metros de altitude, em encostas roubadas à antiga floresta de carvalhos, sobreiros e castanheiros, com muros de pedra seculares ou reconstruídos, alguns de 2, 3, 4 metros de altura, é difícil a mecanização.  Sobretudo em pequenas quintas como a de Candoz... Aqui fazer a vitivinicultura ainda é  arte, não indústria... É um ato de amor, em que cada cacho é colhido como uma flor...

 Foto nº 3 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 > Uvas da casta Pedernã... Ao fundo,  a Linha do Douro, o viaduto da Pala, entre as estações do Juncal (Marco de Canaveses) e a Pala (Baião), já na albufeira da barragem do Carrapatelo... É a partir daqui que a Linha do Douro passa a acompanhar de perto as margens do rio Douro, o que a torna uma das linhas férreas mais cénicas do mundo. Fazer uma viagem de Mosteiró ao Pocinho é uma experiência que vale a fazer, pelo menos uma vez na vida!

Foto nº 4 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 > A propriedade confina, a nascente, com a estrada municipal nº 642 (Paredes de Viadores, Marco de Canaveses). A vinha, que se estende para poente, pela encosta acima, em cinco parcelas, todas suportadas por muros de pedra ("socalcos", como se diz aqui), pertence à subregião de Amarante, da Região Demarcada dos Vinhos Verdes. Principais castas: Pedernã (ou Arinto) e Azal; e, em menor quantidade, Trajadura, Avesso, Loureiro, Alvarinho...

Foto nº 5 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >  A parcela principal, a que chamamos o "campo": há meio século era um campo de milho, e a vinha era de bordadura... Do lado esquerdo, junto à estrada (CM nº 642), no início da propriedade, há dois soberbos sobreiros (que aqui crescem, tal como os carvalhos e os castanheiros, a "olhos vistos").


Foto nº 6 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 


Foto nº 7 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >


Foto nº 8  > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >  Toda a gente ajuda, família, amigos, vizinhos (1): a Madalena (Lisboa), a Zezinha (Matosinhos)... Numa sexta feira, alguns tiraram férias...


Foto nº 9 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >  Toda a gente ajuda, família, amigos, vizinhos (2): a Susana (Porto)...


Foto nº 10 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >  Toda a gente ajuda, família, amigos, vizinhos (3):  a Zezinha (Matosinhos) e a Susana (Porto), num momento de descontração...e de pose (para a fotografia); em segundo plano, o vizinho e amigo da casa, o  Zé do Chelo e o Adriano (Matosinhos)...


Foto nº 11 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >  Toda a gente ajuda, família, amigos, vizinhos (4): o Adriano, o Eduardo, ambos de Matosinhos..



Foto nº 12 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >  Toda a gente ajuda, família, amigos, vizinhos (5): o Eduardo...



Foto nº 13 
 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >  Toda a gente ajuda, família, amigos, vizinhos (6): a Joana (Lisboa)...


Foto nº 14  > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >  Toda a gente ajuda, família, amigos, vizinhos (7): a Berta (Madalena / V. N. Gaia)...


Foto nº 15 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >  Toda a gente ajuda, família, amigos, vizinhos (8):  Miguel (Matosinhos), Xico (Matosinhos), Adriano (Matosinhos), Gusto (V. N. Gaia)...Mas  o pior são as bordaduras, é preciso escadote (1)...



Foto nº 16 
 > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >  Toda a gente ajuda, família, amigos, vizinhos (9):  mas o pior são as bordaduras, é preciso escadote (2)...


Foto nº 17 
> Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >  Toda a gente ajuda, família, amigos, vizinhos (10): mas o pior são as bordaduras, é preciso escadote (3)




Foto nº 18  > Quinta de Candoz > Vindimas > 19 de setembro de 2025 >  Toda a gente ajuda, família, amigos, vizinhos (11): o  Xico (Matosinhos), o Miguel (Matosinhos), o Luís F'lipe (Porto), o Gusto (Madalena / Vila Nova de Gaia)...O transporte dos cestos de uvas... Antigamente, era tudo às costas...Uma canseira, com aqueles desníveis todos...


Fotos (e legendas): © Luís Graça 2025). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. E as vindimas no Norte ainda são o que eram ?, perguntam-te cá no Sul.

Há dias vi, no Facebook,  uma máquina de vindimar, gigantesca, marca New Holand (passe a publicidade) a operar numa empresa de vinhos, conhecida, da Península de Setúbal (tem mais de 500 hectares de vinha, mas só usa a vindima mecânica num terço das vinhas, já adaptadas para esse efeito)... Agora imagino o que serão as vindimas em grandes explorações, com milhares e mlhares  hectares, em  países como os EUA, a Austrália, a França, a Espanha, a Itália... 

As nossas maiores empresas (Sogrape, Ermelinda, Aveleda...) produzem entre 50 a 20 milhões de litros de vinho).  São empresas de pequena dimensão à escala global, onde as maiores produzem entre os 300 milhões e  os 3 mil milhões de litros...

Não fiquei nem deslumbrado nem invejoso com o solitário vindimador mecânico, confortável na sua cabine climatizada... Despacha aquilo em meia dúzia de dias... Claro que o vindimador mecânico (amanhã um robô...) vem aumentar a produtividade das vindimas, baixar custos, "democrtatizar" o consumo do vinho, etc. Mas também vem acabar com o encanto, a magia, a alegria, a festa, o romantismo, a poesia, a convivialidade, a solidariedade, etc., que tinha a colheita da uva nosso tempo de meninos e moços... E que ainda tem hoje.  Aqui, em Candoz... Passei lá quase 4 semanas, desde fins de agosto...

No passado, havia as "serviçadas", um termo que desgraçadamente nem vem nos nossos dicionários... Os especialistas da língua ainda não grafaram o termo que aqui se usa (ou usava) para designar o sistema de troca de serviços ou ajuda mútua entre vizinhos e membros da comunidade, especialmente em tarefas agrícolas sazonais, de grande esforço, como as vindimas,  a malha do centeio, a desfolhada do milho, a espadelada do linho, a 
a limpeza dos "montes" (pinhais e carvalhais), a manutenção das levadas (a "água de Covas"), etc., e até a matança do porco e o fabrico dos enchidos...  

A mão de obra era rotativa, não havia "jornaleiros", "ganhões", como no Sul: quando uma família tinha uma tarefa agrícola urgente e pesada (como a vindima), os vizinhos iam ajudar, oferecendo a sua mão de obra gratuitamente. A remuneração não era em dinheiro, mas  em troca de serviços.

 Numa agricultura de quase subsistência, numa economia fracamente monetarizada, e ainda no tempo de fortes laços comunitárias, em regiões de povoamento disperso, e com elevada percentagem de "rendeiros" (antes do 25 de Abril), não havia o "vil metal"... (Até as "rendas", pagas ao "fidalgo", eram em géneros!)... 

Nas "serviçadas", o "patacão" era (é), em Candoz,  a boa vizinhança, a solidariedade, o dom, a convivialidade, a festa.  

O trabalho era duro, mas transformava-se  em  momentos de amziade, convívio, canto e alegria. O dono da terra que  que beneficiava da "serviçada"  esmerava-se em oferecer  uma refeição abundante e  vinho com fartura. As mulheres animavam a vindima com os seus fabulosos "cantaréus"... A família (de fora, os parentes do Porto) também vinham, nesses dias, reforçar a mão de obra... Alguns faltavam ao trabalho na fábrica para ir ajudar a família nas vindimas...

Outros tempos: nos anos 50, na Lourinhã, no meu tempo de escola primária,  já não apanhei nada disso. As vindimas eram já feitas pelos "ratinhos"... 

Os chamados "ratinhos" ou "malteses" era trabalhadores rurais sazonais, sobretudo das Beiras, que vinham em bandos (às vezes famílias inteiras!),  em especial para as vindimas na Estremadura, as mondas no Ribatejo, as ceifas no Alentejo.

Eram mão-de-obra barata, muitas vezes maltratada, mal alojada e mal alimentada, mas indispensável ao funcionamento das médias e grandes quintas agrícolas no sul. Mas também das pequenas, quando a mão de obra familiar não bastava.  (H0je , os "ratinhos" vêm da Ásia, da África..., para os morangos, a pera rocha, a abóbora, as hortícolas...)

Esse fenómeno (o dos "rationhos") insere-se numa tradição de migração interna que antecedeu as grandes vagas de emigração externa. Com o passar do tempo, sobretudo a partir dos anos 60, a miséria do campo, a guerra colonial, a falta de oportunidades e a repressão política levaram muitos a procurar futuro nas cidades de Lisbao e Porto e sobretiudo fora de Portugal: primeiro em França, Alemanha, Luxemburgo, depois espalhados um pouco por toda a Europa (e antes pelo Brasil, EUA, Canadá)...

Sou desse tempo, conheci os "ratinhos" que faziam as vindimas na Quinta do Bolardo, Nadrupe (de meus tios), e as quintas todas à volta... E  tive vizinhos   que começaram a ir para a Índia..., para a Angola, para a guerra...E depois tive colegas de escola e de rua que iam com os pais, de mala aviada,  para as Américas... Até que começaram a desatar a fugir,  muitos outros, "a salto", para França... E depois fui eu para a Guiné...E quando voltei o mundo estava a mudar... E tive dificuldade a reconhecer a minha terra... Acabei por ir para Lisboa...Regressei só agora...

Vindimas ? Já nada é como dantes... Aliás, na minha terra, arrancaram as vinhas todas. Mas hoje é a Região Demarcada da Aguardente da Lourinhã... Só há mais duas no mundo: Cognac e Armagnac... Já me perguntaram, no Norte, como é que a "a gente fazia aguardente sem vinho"... Claro, não tomei a pergunta como uma provocação, mas como simples ignorância... 

Com paciência expliquei que há dois produtores, a Adega Cooperativa da Lourinhã e a Quinta do Rol... E que fazem excelentes aguardentes vinícas, regularmente premiadas, capazes de rivalizar com as outras duas, que há no mundo, o Cognac e o Armagnac... A única diferença é a tradição, o mareketing e a escala... A região de Cognac pode produzir 200 milhões de garrafas por ano... A de Armagnac 7 milhões... E a Lourinhã 200... mil. 

É como Candoz e a Aveleda: mandamos para lá as melhores uvas, mas somos apenas um "quintal"... A Aveleda tem uma quinta, aliás tem várias, e centenas de fornecedores de uvas... e exporta para todo o mundo o nosso "binhinho berde", incluindo alguns milhares de litros de Candoz... A Aveleda produz 20 milhões de garrafas de vinho, tem uma máquina que engarrafa 6 mil por hora... Em Candoz, engarrafamos mil, à mão, e só estão prontas daqui a um ano, depois de estagiarem nas nossas minas (de água), à temperatura do interior da terra... 

Mas ainda se diz, aqui no Norte, em tom de brincadeira: "Mas tu julgas que eu sou da Lourinhã ?!"...Em Penafiel, sede da Aveleda, devem perguntar o mesmo: "Mas tu julgas que eu sou de Candoz ?!"... 

Em suma, felizmente que ainda há algumas coisas boas na vida que não têm preço. Mas o nosso "engenheiro", que é economista, lembra-nos que têm um custo... Tudo afinal tem um custo, direto, indireto, oculto... A começar pelo feroz individualismo, o mercantilismo, o imediatismo consumista, incompatíveis, no passado, com as "serviçadas"...

Respondendo à pergunta "as vindimas ainda são o que eram ?" Hoje, já não, na maior parte dos sítios. Não, felizmente, por muitas razões. Não, infelizmente por outras... Mas em Candoz, sim, no essencial... (*)

(Contimua)


PS - Declaração de conflito de interesses: a Quinta de Candoz (passe a publicidade: tem um "site" próprio, visitável por quem tem  mais mais de 18 anos...) é apenas um dos cerca de quatrocentos produtores-engarrafadores da região demarcada do Vinho Verde, num universo de mais de 13 mil produtores e de 24 mil hectares de vinha... 

A vindima também já não é como era  "antigamente", se bem que ainda seja (e será) manual, dada a pequena dimensão da propriedade.  A dimensão média das explorações na Região Demarcada dos Vinhos Verdes é inferior a dois hectares (1,832 ha), sabendo-se que a área total é de 24 mil hectares, mesmo assim uma das maiores da Europa, e que o nº de produtores é de 13,1 mil. 

A feitura do vinho, essa, modernizou-se, com a introdução das cubas de aço, o controlo de frio, o serviço de enólogo, etc. (**)


(**) Vd. outros postes  relacionados com as vindimas em Candoz:

24 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25975: Manuscrito(s) (Luís Graça) (255): Tabanca de Candoz. Vindimas de 2024 - Parte I: menos quantidade, mas ainda de melhor qualidade do que em anos anteriores

25 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25979: Manuscrito(s) (Luís Graça) (255A): Tabanca de Candoz. Vindimas de 2024 - Parte II: à mesa, para 2 dezenas de "bicos", o prato forte foi dobrada à moda da "chef" Alice, uma variante mourica, com coentros, das tripas à moda do Porto

24 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21388: Manuscrito(s) (Luís Graça) (191): Quinta de Candoz: vindimas, a tradição que já não é o que era... (Augusto Pinto Soares) - Parte I

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27196: Manuscrito(s) (Luís Graça) (272). Erguemos a taça à tua, / Que a saúde está primeiro, / Sete sete é capicua, / Viva o nosso Zé Carneiro!


Marco de Canveses > Candoz > s/d > José Ferreira Carneiro, nascido em 8 de setembro de 1948, dia da festa de Nossa Senhora do Castelinho,  na quinta de Candoz, Paredes de pedra, Marco de Canaveses. Entre Douro e Minho, Portugal. Produtor-engarrafador de vinho verde.  Membro da Tabanca de Candoz... 



Lourinhã > Praia da Areia Branca > 18 de agosto de 2025 > O Zé na festa de aniversário da mana Chita (que fez 80). São agora os manos mais novos da família Ferreira Carneiro,



Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Quinta de Candoz > 1 de setembro de 2025 > O Zé é um dos trabalhadores da "vinha do Senhor"... A 13 é já a primeira vindima. Claro que ele vai cá estar, mas só para super...visionar.



Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Quinta de Candoz > 1 de setembro de 2025 > Rio Douro, a albufeira da barragem do Carrapatelo, Porto Antigo, serra de Montemuro, já no distrito de Viseu...

Fotos (e legendas): © Luís Graça 2025). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




É o nosso mano querido, José Ferreira Carneiro, o nosso Zé, 
faz anos hoje, 8 de setembro,
 77 anos, uma capicua. 

Nasceu em 1948, na festa da Senhora do Castelinho (padroeira da cidade, hoje é feriado no Marco).
Tem um filho, Pedro, e um neto, Diogo.  
A primeira esposa morreu, cedo, 
Carmen, mãe do Pedro. 

Voltou a casar, agora com a Teresa Mesquita.
Vive com ela (e a sogra, a Dona Olinda, e o enteado Luís) em Matosinhos.
São Mamede de Infesta, Padrão da Légua.

Trabalhou nos seguros. 
Está agora reformado. 
Também foi técnico de gás, como trabalhador independente. 
É um jeitosinho, um homem dos sete ofícios.
Ainda aprendeu, com o pai, a arte de ramadeiro.
Mas não ficou na terra, 
o apelo da cidade, a Invita, o Porto, era maior.
Lá podia estudar e fazer-se homem.
Hoje já tem Gmail, 
como qualquer português que se preze.
Mas não faz parte da Tabanca Grande,
até porque não esteve na Guiné.

Foi às sortes,  fez a tropa.
Foi parar ao Norte de Angola, em 1970/72, 
como 1º cabo de transmissões, 
numa companhia mista, de metropolitanos e angolanos. 

Não fala da guerra colonial. 
Não fala com emoção. 
Passou, passou, o tempo da tropa e da guerra.

Gostou de Camabatela e de Luanda. 
Andou na região do café, com a sua companhia 
a guardar as costas dos grandes fazendeiros do café. Se

O que ele mais adora é vir trabalhar na Quinta de Candoz, 
onde nasceu.
Duas vezes por semana.
Trabalhar é limpar bordas,
é podar videiras,
é sulfatar,
é aparar carvalhos e castanheiros,
é sachar, é cavar, 
é tratar da horta, dos tomates aos pimentos,
é regar,
é rachar lenha,
é abrir buracos,
é limpar as minas,
é manter o sistema de rega,
é fazer o vinho,
é cuidar das cubas de inox,
é engarrafar,
é pôr, com muito carinho, o rótulo "Nita" nas garrafas...
é tudo isto e mais outras mil e uma coisas,
que ele não é de home de capinar sentado.
E é legalmente o produtor-engarrafador do nosso vinho "Nita".


Adora os manos (Tó e Manel, mais velhos,
o Tó, o "brasileiro", DAF - Deficiente das Forças Armadas),
e as manas, Rosa (a mais velha), Chita e Nita (que já faleceu). 
Ele é o mais novo de seis.  
O caçula.
É trabalhador, é leal, é alegre, é efusivo, é generoso. 
Tem às vezes azar com o "esqueleto". 
É "accident-prone", 
propenso a videntes...
Já foi operado à coluna. 
Devia ter mais cuidado com os trabalhos pesados... 
Mas é um "mouro de trabalho". 
Não pode estar parado. 
Anda agora com um colete, porque partiu uma vértebra. 
Estar parado não é com ele. 
Está infeliz porque agora vão ser as vindimas, 
e o médico não o deixa fazer disparates. 
Os mais novos que trabalhem, resigna-se ele.
Daqui as duas semanas estará pronto para outra. 

Fizemos  umas quadras, uns versinhos. 
De parabéns. 
Que ele bem precisa,  para levantar o ânimo. 
E bem merece. 
Afinal, ele é o melhor de todos nós.
 
Aqui vai, com todo o carinho, umas quadras para o nosso Zé,
que tem direito a festa, alegria, rancho melhorado
... e ânimo no dia dos seus 77 anos 
(para mais,   uma capicua!):


José Ferreira Carneiro,
setenta e sete a contar,
és mano, és companheiro,
sempre pronto a ajudar.

Na guerra foste valente,
calhou-te Camabatela,
nunca estiveste doente,
nem lá partiste a costela.

Homem bom, leal e forte,
não querias ser lavrador,
não te podes queixar da sorte,
tens família, tens amor.

Rebento da melhor casta,
dos Ferreira e Carneiro,
um dia passas a pasta
ao teu Pedro, "engenheiro".
 
Agora estás no estaleiro,
com o colete a apertar,
logo voltas ao terreiro,
ainda há muito p'ra vindimar.

Responde, contente, o Zé,
com o seu jeito brincalhão:
“Hei de morrer de  pé,
sou um mouro dum c*brão!"

Mouro só a trabalhar,
que no resto é azul e branco,
passa o tempo a chorar
por andar agora manco.

"Com a vindima mesmo à porta, 
e eu não me posso agaitchar,
com esta coluna torta,
nada faço, nem cantar."

Ao médico, obedece,
não nasceste p´ra morrer,
nada de freima ou stresse,
quem trabalha quer  viver.

Esta idade ninguém ta dá,
nem com brancas no cabelo,
sê feliz, agora e já,
sê Carneiro, e não... Camelo!

Erguemos a taça à tua,
que a saúde está primeiro,
sete sete é capicua,
viva o nosso Zé Carneiro!
 
 
Brinde:

Setenta e sete anos,
 uma vida cheia de trabalho, de generosidade e de amor.
De amor  à  sua família, 
e à nossa família alargada, de Candoz.

É o mais novo dos nossos manos,
mas sempre foi um exemplo de força, de alegria e de companheirismo.

Mesmo quando a saúde lhe prega partidas, 
nunca perde o sorriso  nem a vontade de ajudar.
Por isso, ao Zé e aos manos, 
mas também  ao Pedro, ao Diogo, à Teresa, à Dona Olinda, 
e a todos nós, aqui presentes,   levantemos  o copo!...

Ao nosso Zém afinal, não falta nada:
tem anos, tem família, tem alegria… 
só às vezes lhe falta juízo, 
porque o médico mandou-o descansar, por quatro semanas,
e ele já quer é ir para vindimas!

Brindemos a ele, 
que descanse muito por agora, 
que recupere a saúde, 
que beba um copo do nosso vinho
 e que dure... pelo menos até aos aos cem!

 Viva o nosso Zé!

Candoz e Matosinhos, 8 de setembro de 2025, Alice e Luís
 
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Nota do editor LG: