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segunda-feira, 18 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25282: Manuscrito(s) (Luís Graça) (247): Quando os ventos sopravam em Assuão...

 

Egito > Assuão > Templos de Abu-Simbel > Cortesia de Wikipedia e Panoramio (foto)

 

Quando os ventos sopravam em Assuão era verão

por Luís Graça


Aqui o verão era fértil,
O verão era fútil,
O verão era fértil em coisas fúteis.
Fértil no Vale do Nilo,  fútil em Abu Simbel.

Era no Verão que se comia melancia ao quilo,
E, enquanto amadureciam as tâmaras,
Vendia-se a inultura geral a granel 
Em folhas de falso papiro:

... "Welcome, sejam bem vindos a Assuão!"

Senhores e senhoras do Norte, 
Em agosto resiste-se melhor 
À melancolia do entardecer em África,
Bem como ao medo das câmaras escuras da morte,
Na linha do horizonte, abaixo do Trópico de Câncer.

Em Abu Simbel, o verão era ostentação.
Tu preferias os óstracos
Onde o operário de Deir el-Medina
Falava da sua condição,
De produtor, de artesão,
De construtor de túmulos,
De escultor de esfinges, 
De guardador de segredos,
De malandro e de grevista,
De salteador e de ladrão,
De violador de medos
E de barqueiro Caronte.

Tu sempre achaste que esta estação não rimava com poesia.
Mas tu não eras o Ramsés Segundo
Nem conhecias o caminho irreversível para a imortalidade.

Aqui o verão era fértil em coisas fúteis
Como o escriba acocorado
Perante o espectáculo risível do mundo globalizado.

..."Na terra prometida do pão e do mel,
Tenham cuidado, meus senhores, com os vegetais,
Bebam águas minerais, encapsuladas, 
Levem dimicina e ultralevure
Por causa dos desarranjos intestinais
E das sete pragas do Egito!

... "E o vírus do Nilo, senhor barqueiro  ? É mortal ?"

... "Descanse, my lady, que o barco tem escolta policial."


Na Ilha Elefantina nâo havia manicure,
Havia apenas pessoas  inúteis
Que adoravam subir aos píncaros do verão.
De camelo.

... "Sobretudo não tome uísque com gelo",

Podia ler-se numa tabuleta à beira do lago Nasser.

... "Meus senhores, estamos em África, be careful"

Aqui o verão era, por excelência, o paraíso 
Com o ocre como pano de fundo.
E sob os carris de ferro das dunas
O barco, bêbedo, do poeta Rimbaud.
O verão era uma casa de adobe e uma esteira no chão
E os altos muros do deserto
Estrangulando o fio de água da vida.

... "Ah, o nascer e o pôr do sol, 
Não esquecer de pagar tributo ao deus-sol".

Porque o verão no Egipto era a rosa do mundo.
O misticismo. A demência. 
Os calores 
De Santa Teresa d’Ávila em trabalho de múltiplos orgasmos.
No Vale dos Reis. E das Rainhas. E dos Nobres.

... "Esqueçam, por favor, a mastabas dos pobres!

... "Ah! Não vêm nos roteiros turísticos ?

... "I'm sorry"!

O verão era o sexo distendido.
O músculo relaxado. A alma em carne viva.
A praia. O creme Nívea. O postal ilustrado.
O repelente para os mosquitos,
A alegre promiscuidade dos cinco sentidos.
O carrossel do Cairo em três dimensões.
O teu gin tónico com limão.
A carne em decomposição. O desastre humanitário.
Mais, ao fundo do mapa,  a Núbia, o Sudão.
Os dóceis núbios. As volúpteis núbias.
A mutilação genital feminina das futa-fulas da Guiné.
A tragédia de Darfur.
Tudo trivialidades.

... E ainda a louca montanha russa. O bazar.
A dança do ventre dançada por travestis, canastrões.
A mesquita de alabastro.
O mítico mar vermelho.
A Sagrada Família. Jesus, Maria e José.
O burrinho puxando a nora.
A felicidade a preço de saldo.
O exotismo com molho de bechamel.
O oásis no deserto. 
Todos os estereótipos do mundo.

... "E, por favor, tirem uma fotografia digital,
Da varanda do hotel Marriott."


Bem gostarias de apresentar uma reclamação,
Por escrito, ao senhor vizir:

... "Eu estive em Abu Simbel
E experimentei as dificuldades da comunicação humana."


O verão era o Vale do Nilo, 
Um gigantesco falo que penetrava, fundo,
A terra árida e seca da Mãe África.
Gretada, a terra, a carne.

... "White women, carne branca.
I Egiptian man, fertility man.
Portugal ? Good, Luís Figo!"


Do alto da mesquita de Najaf,
Mais acima no mapa do corpo humano,
Dizia o guia, o teu guia:

... "Alá é Grande!,,,
Mas o meu o coração sangra de dor
Pelos meus irmãos, xiitas, sunitas, ismaelitas.


Do alto das pirâmides de Sacara
Havia um imã que te notificava
Por carta registada com aviso de recepção:

... "Que a vida eterna te chama
E exige a mortificação, a mumificação!"


Recebeste por fi
m notícias de Lisboa
Onde a fertilidade da futilidade
Era então um problema de saúde pública.
Um osso duro de roer.
Tão duro como o granito de Assuão
Donde soprava o vento que modelava o  rosto das esfinges.

De Lisboa ao Cairo erguia-se o templo do futuro
Com paragem técnica em Luxor
Para consultar os arquitectos da eternidade.
A antiga Tebas, a cidade das cem portas,
Era  já um pequeno burgo.
E o teu guia, egípcio, brasileiro, muçulmano,
Dizia que tinha o coração a sangrar.
Marcos chorava pelos seus irmãos
De Najaf, no Iraque,
E confidenciava-te:

... "Eu nunca poderia trabalhar
Para os meus inimigos e vizinhos de Israel.
Por muito dinheiro que me pagassem."

Marcos não tinha preço.
Incorruptivel como o corpo dos faraós.
E recusava-se a atravessar o Mar Vermelho. 

... "Não matarás!,  sentenciava Moisés".

Que tivessem  santa paciência.
Os pobres. Os diabos. Os pobres diabos.
Os santos. Os turistas. Os contribuintes.
Os camponeses. Os escribas. Os escravos,
Os guias turísticos. Os romancistas policiais.
Os arqueólogos. Os caçadores de tesouros.
As esposas dos ricos homens de negócios das arábias.
Os sacerdotes do templo de Kom-Omb
Que eram carecas.

... "E sobretudo os pobres,
Porque deles ainda há de ser o reino da terra!"


Pobre planeta, sem rei nem roque.
E com tantos súbditos e tão poucos sábios.

... "E não se esqueçam de pôr a escrita em dia.
Pesem a alma. Meçam as bolsas.
Leiam o Livro dos Mortos
Ou A Morte no Nilo,
Que o barco vai zarpar!"...

E o Habibo, de mão estendida:

... "Um oiro, um euro, amigo.
Para o Habibo.
E para o camelo do Habibo,
Que tem sede e fome.
Óscar, de seu nome."


E o Estado que já não garantia ser mais Estado no futuro,
E muito menos o Estado-Providência.
E pagar o leitinho às criancinhas.
E o funeral aos velhinhos.
E a baixa por doença ou acidente 
Aos construtores, descartáveis,  de piràmides,
E nem sequer já a múmia ao faraó.

..."Deixem isso às madraças
E à caridade em tempo de Ramadão".


Restava-te a Alta Autoridade do Nilo
Que regulava os influxos e os defluxos dos deuses.
E a exploração do trabalho infantil
Nas escolas-fábricas de tapeçarias em Memphis.

Na verdade, o verão era apenas uma estação.
De comboio.
Do comboio de via estreita
Que ia do nascer ao morrer,
Duna acima duna abaixo.
E quem dizia estação dizia cais. 
De chegar. De apodrecer.
Como esta falua do Nilo à beira Tejo
Que era o rio que passava à tua porta antes de ser desviado
Para ir regar as palmeiras do Éden.

Sexta-feira, treze.
De Agosto. De azar,
Quer quisessem ou não, a indústria do lazer
Iria ser o principal foco de infecção
Naquele pico de verão.

... "Tenham cuidado com o cão
E com a maldição
Do Faraó Tutankamon."


Morrera a indústria dos metais pesados,
Como acabara por decreto o tráfico de escravos
Que alimentava o Novo e o Velho Mundo.
Pois que vivesse, agora, a indústria do lazer.
Leve. Ecológica. 

... "De terceira vaga.
Com homologação. Com certificação.
Com acreditação. Com exemplos de boas práticas.
Com análises de custo/benefício."


Graças ao lóbi da qualidade
O mundo iria bem melhor sem escravos nem metais pesados.

... "Que a vida era dura,
E o que a gente faz para ganhá-la", dizia o Marcos.

Como o búfalo que pastava nas margens do Nilo.
Como qualquer búfalo domesticado
Depois de trabalhar o dia inteiro
Para o seu suserano,
O camponês egípcio.
Que por sua vez alimentava o Faraó 
E as suas esposas e concubinas,
O seu exército, a sua polícia núbia e os seus esbirros,
E a legião de escribas acocorados
Que tinham o monopólio da escrita. E do saber.
Ah!, sem esquecer os engenheiros da barragem de Assuão.

Na época, as partes pudendas, a zona púbica,
A coisa pia, do Portugal contemporâneo,
Iria ser matéria de alto relevo na televisão.
Dizia o Eça, o escriba ainda de pé,
Em missão de reportagem na inauguração do Canal do Suez.

... "Já não tens rei, ó portuguès,
Nem o tique aristocrático do beija-mão.
Nem o Conde de Burnay.
Nem faraó. Nem deuses. Agora é que é,
A república é quem mais ordena.
Senão popular, pelo menos populista.
A coisa pia mais fino no Portugal pequenino
Mas demo...crático."


Imaginavas.
Sem imagem nem voz.
Porque estavas em férias num cruzeiro do Nilo,
A observar o elegante voo da garça real.

... "Onde estará o pelicano ?
E a cegonha preta ? E a abetarda ? E o jagudi da Guiné ?
E os filhos ilegítimos do povo ?"


No barco não apanhavas a RTP, felizmente de todos nós.
Nem sabias se o Porto perdera na supertaça
E o Obikwelo ganhara a medalha de prata dos 100 metros
Nas Olimpíadas de Atenas.

... "Turco, grego, tunisino ?
Espanhol, italiano, palestino ?"...

... "Ah!, não, ah!, sim, português !

... "Ah!, Portugal, Luís Figo! Compra, amigo."

... "Quanto, quanto ? Dez nove oito sete seis cinco...
Quatro três dois, um!"

... "É só um oiro, um euro, amigo.
Que o Habibo tem fome e sede mais o camelo."


Maria do Patrocínio, tua avó materna.
Lembrar-te-ás dela,  a 'ti Patxina ?!
Patxina, de alcunha, 
Por economia de letras do alfabeto.
Morrera cega,
Sem hieroglifos gravados na estela,
'Ti Patxina, apalpando os netos, o  cabelo,  a cara.
E não a mumificaram
Nem muito menos a operaram às cataratas
Que no seu tempo
As obras de misericórdia
Eram sete espirituais e sete corporais.
Como no Egipto dos faraós.
Como as sete pragas do Egipto.
Como naquela triste aldeia núbia
Que era uma espécie de reserva dos últimos núbios
Com crocodilos de plástico
E pretos garanhões de olhos verdes.
E onde havia uma velhota,
Cega como a  ti' Patxina,
Que vendia bugigangas pró turista.

De Assuão a Luxor, tu gostarias de ter escrito
Um poema sobre os teus estados de alma.
Tão contraditórios que se anulavam.
A verdade é que encontraste aqui
Um povo afável.

... "Mas que te  adiantava o pedigree, ó Habibo,
E os cinco milénios de civilização.
E Ramsés Segundo e Nefertiti,
E o templo de Edfu,
 E a barragem de Assuão,
E o museu do Cairo...
Se nada mudara, pobre de ti,
Na tua condição de burro carrejão ?"

Soprava o vento dessecante.
Estavas em Assuão.
Nos píncaros do verão.
E nem sequer havia um gin tónico, refrescante.


Egipto, em cruzeiro pelo Nilo, 22-28 de agosto de 2004. 
Revisto em 16 de março de 2024.

______________

Nota do editor:

Último poste da série > 10 de março de 2024 > Guiné 61/74 - P25260: Manuscrito(s) (Luís Graça) (246): Provérbios populares sobre a doença, a medicina, a saúde, a vida e a morte: o que podemos aprender com eles? - Parte V: 3. Da medicina mágico-religiosa do templo de Epidauro aos atuais médicos de família

domingo, 10 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25260: Manuscrito(s) (Luís Graça) (246): Provérbios populares sobre a doença, a medicina, a saúde, a vida e a morte: o que podemos aprender com eles? - Parte V: 3. Da medicina mágico-religiosa do templo de Epidauro aos atuais médicos de família

 

Estátua de Asclépio


1. Comecei publicar no blogue, desde meados de março passado, uma série de textos, da minha autoria, sobre as ensinamentos que se podem tirar dos provérbios populares portugueses, nomeadamente sobre a saúde, a doença, os hospitais, os prestadores de cuidados de saúde (médicos, cirurgiões, farmacêuticos, enfermeiros, terapeutas, etc.), mas também sobre a proteção e a promoção da saúde, incluindo a vida, o trabalho, o envelhecimento ativo e a "arte de bem morrer"...

São textos com cerca de 25 anos, que constavam da minha antiga página na Escola Nacional de Saúde Pública / Universidade NOVA de Lisboa (ENSP/NOVA). A págima foi recuperada pelo Arquivo.pt: Saúde e Trabalho - Luís Graça (página pessoal e profissional cuja criação remonta a 1999).

 Chega-se agora ao fim desta série (ou subsérie) "Provérbios populares sobre a doença, a medicina, a saúde, a vida e a morte: o que podemos aprender com eles?", de que se pubklicaram 11 postes. As referèncias biblioghráficas não foram revistas (por manifesta falta de tempo).

 
Luís Graça (2000)

Representações Sociais da Saúde, da Doença e dos Praticantes da Arte Médica.


3. Dos asclepíades aos médicos de família


Se quisermos ir às raízes do modelo salutogénico, teremos que ir muito provavelmente até à origem da própria cultura europeia ocidental, o mesmo é dizer, a uma das suas fontes, a mitologia grega e a cultura helénica.

Já no tempo da antiga Grécia, por volta do Século V a.C., havia santuários - como o grande templo de Epidauro - dedicados a Asclépio (o Esculápio dos romanos). Para os gregos, Asclépio, herói homérico, fruto lendário dos amores de Apolo com uma pobre mortal, tornara-se então o semideus da medicina (Grimal, 1992; Hacquard, 1996). O seu culto prolongar-se-ia até ao princípio da cristianização do império romano e às primeiras invasões dos bárbaros no Séc. IV (Charitonidou, 1978; Graça, 1996).

O seu poder de atracção mágico-religiosa de doentes e peregrinos foi enorme como também, ao que parece, a sua eficácia simbólica e terapêutica, a avaliar pela popularidade e permanência, ao longo de séculos, do culto de Asclépio na civilização helénica e greco-romana.

Estes e outros aspectos da história da medicina estão bem ilustrados nas pinturas de Veloso Salgado na Sala dos Actos da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa (Dória e Silva, 1999)

Sabemos que, do ponto de vista antropológico, o poder médico começa por ser um poder mágico-religioso, independentemente daquele que o exerce (curandeiro, feiticeiro, sacerdote, físico ou cirurgião), tanto nas sociedades primitivas como nas sociedades complexas. 

Esse poder baseia-se sobretudo na crença de que a cura da doença, embora operada por forças divinas, exige a intervenção de um medium dotado de um dom ou carisma. Não é por acaso que o termo terapeuta (do grego therapeutés) significava originalmente "o que cuida, servidor ou adorador de um deus".

Os templos de Asclépio (asclepeions), a avaliar pela reconstituição arqueológica do maior e mais importante de todos, o de Epidauro, eram constituídos basicamente por:

  • Uma nave principal (o templo propriamente dito ou cella, onde se erguia uma imponente estátua da divindade, em ouro e marfim: sentado sobre o trono, Asclépio segurava com uma mão o ceptro enquanto a outra pousava na cabeça da serpente, para os gregos uma animal sagrado e símbolo da própria arte de curar);
  • A fonte sagrada, em frente do templo, cujas águas serviam para os rituais de purificação, bem como os altares, também exteriores, onde os doentes faziam os seus sacrifícios, pedindo a intervenção do deus;
  • O tholos (uma construção circular, de desenho labiríntico, cuja função é ainda hoje enigmática: muito provavelmente, destinava-se a abrigar o túmulo do próprio Asclépio);
  • O abaton, ou seja, o local do templo onde os doentes deviam passar a noite, já que a cura dos seus males decorria durante o sono (incubatio) (Charitonidou, 1978; Lyons e Petrucelli, 1984).

O arqueólogo grego Charitonidou (1978. 13-15) descreve-nos com mais pormenor os rituais e o método terapêutico que então eram usados:

  • O santuário estava sob a jurisdição da cidade de Epidauro, cidade da Argólida, a nordeste do Peloponeso, a qual nomeava anualmente o dignitário supremo, o sacerdote de Asclépio, para o desempenho de funções simultaneamente religiosas e administrativas;
  • Ao sumo sacerdote competia, no essencial, fazer respeitar os preceitos do culto, tomar conta dos ex-voto, das oferendas e das esmolas, e administrar as finanças; 
  • Era ajudado por um corpo de sacerdotes (os asclepíades), cada um dos quais desempenhava funções específicas (o serviço do templo, a guarda dos arquivos sagrados, o transporte do fogo, etc.);
  • Os preceitos de culto, muito antigos, deviam ser fielmente observados pelos doentes que procuravam o templo para cura dos seus males, reais ou imaginários: por exemplo, às mulheres era proibido dar à luz no interior do templo, enquanto os moribundos deviam ser afastados para longe, curiosamente dois interditos que vemos encontrar mais tarde nos hospitais franceses do Antigo Regime;
  • Após os rituais das orações, das purificações e da oferta de sacrifícios (um boi ou um galo, para os mais ricos; frutas ou doces, para os mais pobres), o doente era sujeito a uma série de cerimónias que supostamente iriam pôr à prova a sua fé;
  • Ao que parece, a auto-sugestão era estimulada pelos sacerdotes que guiavam os doentes, de modo a criar as condições propícias ao acontecimento milagroso que se iria seguir durante o sono, com a aparição da própria divindade em pessoa; tudo isto se passava num ambiente de grande recolhimento, acentuado pelos hinos cantados, em coro, pelos peanistes;
  • Conduzido finalmente ao abaton (ou adyton, ou enkoimeterion, "o pórtico da incubação"), o doente devia lá passar a noite: “Nos aposentos sagrados, o doente, em estado de recolhimento, a imaginação febril, cheio de angústia pelo resultado da cura, entregava o corpo ao sono.  Os sacerdotes retiravam-se, deixando as salas na obscuridade. O deus paraceia em sonhos e operava o milagre. De manhã o doente acordava,  curado."(Charitonidou, 1978. 14, tr. de LG, Itálicos meus);
  • Como agradecimento pela cura milagrosa operada, os fiéis deviam presentear o deus com oferendas; havia-as de todo o tipo, para além do dinheiro: vasos de barro, utensílios em bronze, utensílios votivos, estelas, estatuetas, etc.

As estelas (ou inscrições votivas) que foram descobertas pelos arqueólogos constituem hoje uma fonte de informação preciosas sobre o Templo de Epidauro e o culto de Asclépio, os peregrinos que ali ocorriam, a sua origem social, a sua proveniência geográfica, os males de que sofriam e as curas que obtiveram: o paralítico, a criança muda, o homem de Tessália com manchas no rosto, a mulher de Messina que queria ter um filho e que, depois de dormir com a serpente, deu à luz duas crianças, etc.

Até agora não foi encontrado nenhum documento escrito que faça alusão à intervenção médica directa dos sacerdotes ao longo dos primeiros séculos de vida do templo. Eles continuavam a ser terapeutas, no sentido etimológico do termo, servidores do deus Asclépio que esse, sim, é que operava a cura (milagrosa) da doença durante o sono.

Mas, ao que parece, com o desenrolar do tempo, o santuário de Epidauro terá começado a sentir a concorrência dos médicos, na sequência do desenvolvimento da medicina grega, a partir de Hipócrates (460-377 a.C.). 

Terá havido então um processo de adaptação aos novos tempos, provavelmente a partir do Séc. II a.C., em seja, em pleno período helenístico. Para manter vivo o culto de Asclépio e conservar a sua clientela, os sacerdotes passaram a inteirar-se dos males de que sofriam os fiéis e ao mesmo tempo a dar-lhes alguns conselhos, antes de os encaminharem para o abaton:

 
"O paciente evocava em sonho os conselhos dos sacerdotes, considerando-os como prescrições do deus. Pela manhã relatava o seu sonho e os sacerdotes, valendo-se dos seus conhecimentos médicos, interpretavaam os conselhos do deus quanto ao tratamento a seguir enquantoiam pedindo ao paciente que permanecesse  no santuário” (Charitonidou, 1978: 15. tr. de LG.).

Tudo indica, a começar pelos achados arqueológicos que se encontram hoje expostos no Museu de Epidauro (incluindo alguns instrumentos ligados à arte médico-cirúrgica), que a partir de certa altura os sacerdotes do templo passaram, também eles, a prestar directamente alguns cuidados de saúde.

Há uma estela, embora já datada do Século II d.C., cujo conteúdo é bem revelador das mudanças que entretanto se tinham operado no templo de Epidauro (e provavelmente dos demais templos de Asclépio):

  • Este já não é apenas um lugar sagrado, um local de fé e de peregrinação religiosa;
  • É também um estabelecimento sanitário;
  • A par de um centro de lazer, cada vez mais mundano, com os seus banhos de águas quentes e frias, as suas pousadas, os seus ginásios, as suas corridas e os seus jogos, para além do seu famoso teatro, construído no Século IV a.C. e considerado o melhor, o mais belo e o mais fascinante da Antiguidade.

Vale a pena citar essa inscrição votiva que nos conta a história de um tal Apellas que "sofria de hipocondria e de terríveis indigestões" (sic), dois males de que se curou seguramente depois de uma agradável estadia nas instalações hoteleiras do santuário e dos sábios conselhos médicos dos asclepíades sugerindo-lhe que mudasse de vida, de acordo com os ensinamentos da medicina hipocrática.

Esses conselhos são espantosamente tão actuais que bem poderiam ter sido dados pelo nosso médico de família:

  • Nada de stresse, nada de te irritares;
  • Cuidado com as mudanças de temperatura;
  • Faz uma alimentação saudável, variada e equilibrada (come frutas, cereais, lacticínios, legumes, etc.);
  • Come e bebe, mas sempre com muita moderação;
  • Procura ser autónomo, dispensando os cuidados de terceiros;
  • Não te esqueças de dar o teu passeio diário e de fazer exercício físico regular;
  • E, por favor, corta-me com esse tabaquinho!...

Tratava-se, em suma, de um verdadeiro programa de promoção de estilos de vida saudáveis. De facto, está lá tudo (excepto... o tabaco, que só será conhecido no Velho Mundo a partir da descoberta da América, em 1492):

 "Enquanto eu me dirigia para o Santuário, ao chegar a Egina, apareceu-me o deus Asclépio e ordenou-me que não me irritasse em demasia. Uma vez chegado ao Templo, mandou-me que passasse a cobrir a cabeça quando chovesse, a comer pão e queijo, aipo e alface, que tomasse tomar banho sem ajuda de nenhum escravo, que fizesse exercício no ginásio, que bebebesse  sumo de cidra, que desse uns passeios a pé... Enfim, o deus mandou-me gravar tudo isto numa estela em pedra. Deixei o santuário em boa saúde e reconhecido a Asclépio" (
cit. por Charitonidou, 1978: 15, tr. de LG).

 A invasão da Grécia pelos Godos levou à devastação, em 395, do santuário, que depois seria definitivamente encerrado por ordem do imperador bizantino Teodósio II (em 426), em nome do proselitismo cristão e da luta contra o paganismo. Mas Asclépio, o deus-médico, o seu culto e os seus templos (a começar pelo de Epidauro, o mais belo e o mais célebre de todos) continuam, ainda hoje, a exercer um grande fascínio sobre nós, sendo uma referência obrigatória para a compreensão da história da medicina, das profissões, das instituições, das representações e das práticas de saúde no Ocidente.

Há que fazer, em todo o caso, uma distinção entre as práticas médicas laicas e as práticas médicas religiosas na Grécia Antiga. É justamente com a medicina racional hipocrática que se fará a ruptura em relação à medicina mágico-religiosa, associada ao culto de Asclépio.

Em todo caso, o termo asclepíades (originalmente, um sacerdote do asclepeion) vai popularizar-se em Roma como sinónimo de médico, como apelido de médicos e até como nome próprio. 

Antes de Galeno, é Asclepíades (muito provavelmente um pseudónimo) o primeiro médico grego a conhecer a glória e o sucesso em Roma, onde chega em 91 a. C. (Sournia, 1995, p. 58). Recorde-se que os romanos consideravam indigno de um cidadão a prática da arte de curar, razão por que esta estava na mãos dos escravos (a cirurgia) ou dos gregos (a medicina).

Em termos escultóricos, a figura mitológica de Ascéplio era simbolizada por um homem jovem, só ou em família, de pé, apoiado num cajado no qual está enroscada a serpente. Tinha, pelo menos, dois filhos, que também eram médicos, e duas filhas, Higia e Panaceia.

Para os gregos, estas duas figuras personificavam a saúde e a terapêutica, respectivamente, ou sejam, duas artes bem distintas: a de curar a doença (Panaceia) e a de proteger e promover a saúde (Higia).
___________

Nota do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série > 



20 de maio de 2023 > Guiné 61/74 - P24328: Manuscrito(s) (Luís Graça) (225): Provérbios populares sobre a doença, a medicina, a saúde, a vida e a morte: o que podemos aprender com eles? - Parte IVA: Não provam bem as senhoras que se metem a doutoras

4 de maio de 2023 > Guiné 61/74 - P24281: Manuscrito(s) (Luís Graça) (223): Provérbios populares sobre a doença, a medicina, a saúde, a vida e a morte: o que podemos aprender com eles? - Parte III C: Contestação da Iatrogénese, da Medicina Defensiva e do Encarniçamento Terapêutico

3 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24189: Manuscrito(s) (Luís Graça) (220): Provérbios populares sobre a doença, a medicina, a saúde, a vida e a morte: o que podemos aprender com eles? - Parte IIIB: Quando o pobre come frango, um dos dois está doente

28 de março de 2023 > Guiné 61/74 - P24173: Manuscrito(s) (Luís Graça) (220): Provérbios populares sobre a doença, a medicina, a saúde, a vida e a morte: o que podemos aprender com eles ? - Parte IIIA: Hospital, o triunfo da hospitalidade e da caridade... mas "o peixe e o hóspede ao fim de três dias fedem"

23 de março de 2023 > Guiné 61/74 - P24164: Manuscrito(s) (Luís Graça) (218): Provérbios populares sobre a doença, a medicina, a saúde, a vida e a morte: o que podemos aprender com eles ? - Parte IIB: "Com malvas e água fria faz-se um boticário num dia"

20 de março de 2023 Guiné 61/74 - P24155: Manuscrito(s) (Luís Graça) (217): Provérbios populares sobre a doença, a medicina, a saúde, a vida e a morte: o que podemos aprender com eles ? - Parte IIA: 'Deus Cura os Doentes e o Médico Recebe o Dinheiro"

17 de março de 2023 > Guiné 61/74 - P24148: Manuscrito(s) (Luís Graça) (216): Provérbios populares sobre a doença, a medicina, a saúde, a vida e a morte: o que podemos aprender com eles ? - Parte I: "Muita saúde, pouca vida, porque Deus não dá tudo"

Referências bibliográficas:

AMARAL, J. D. (1994) - O grande livro do vinho. S/l: Círculo de Leitores

BARBAUT, J. (1991) - O nascimento através dos tempos e dos povos. Lisboa: Terramar (tr. do fr., 1990).

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terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25167: Manuscrito(s) (Luís Graça) (245): Provérbios populares sobre a doença, a medicina, a saúde, a vida e a morte: o que podemos aprender com eles? - Parte V: 'Pés quentes, cabeça fria, cu aberto, boa urina - Merda para a medicina': 2. O autoritarismo sanitário do Estado Novo


O manual escolar mais famoso do Estado Novo. Da autoria de Barros Ferreira. Ilustrações do talentoso artista "Emmérico", Emérico Hartwich Nunes. 4ª edição, Porto Editora, 1958. Reimpressão, Editora Educação Nacional, janeiro de 2008.  Era o manuel mais "ideológico" da nossa instrução primária, mas era também aquele de que eu mais... gostava.



Capa do livro do musicólogo Luís Moita (1894-1967): O Fado, canção de vencidos: oito palestras na Emissora Nacional. Lisboa:  [s.n.] [Lisboa, Oficinas Gráficas da Empresa do Annuário Comercial], 1936, 357 páginas. Ilustrações de Bernardo Marques (1898-1962). 

Foi, na época, o inimigo público nº 1 do fado... "Enquanto cantamos o Fado, de cigarro ao canto da boca, olhos em alvo e paixão a arrebentar o peito, não passamos de um povo inferior, incapaz de compreender a vida moderna das nações civilizadas. Por isso repito aos rapazes  [da Mocidade Portuguesa] : ' Não cantem o Fado!' " (pág. 229). 

Tanto à esquerda como à direita, em diferentes quadrantes político-ideológicos, o fado nunca foi bem aceite pelas elites portuguesas... a não ser mais recentemente com a sua consagração como "património  imaterial da humanidade, pela UNESCO (2011). (Temos mais de 7 dezenas de referèncias com o "tag" ou descritor "Fado")


1. Comecei publicar no blogue, desde meados de março passado, uma série de textos, da minha autoria, sobre as ensinamentos que se podem tirar dos provérbios populares portugueses, nomeadamente sobre a saúde, a doença, os hospitais, os prestadores de cuidados de saúde (médicos, cirurgiões, farmacêuticos, enfermeiros, terapeutas, etc.), mas também sobre a proteção e a promoção da saúde, incluindo a vida, o trabalho, o envelhecimento ativo e a "arte de bem morrer"...

São textos com cerca de 25 anos, que constavam da minha antiga página na Escola Nacional de Saúde Pública / Universidade NOVA de Lisboa (ENSP/NOVA). A págima foi recuperada pelo Arquivo.pt: Saúde e Trabalho - Luís Graça (página pessoal e profissional cuja criação remonta a 1999).

Dediquei uma boa parte da minha vida (quase quatro décadas) ao ensino e à investigação da arte e da ciência da proteção da doença e da promoção da saúde, o mesmo é dizer às "coisas" da saúde pública... Não gostaria que alguns dos muitos textos que escrevi (em suporte de papel, e em formato digital) se perdessem, independentemente do interesse que ainda possam ter hoje. Não os vou atualizar (em termos de bibliografia, etc.).  Poderão interessar a alguns leitores do nosso blogue, mesmo não tendo a ver, pelo menos diretamente, com a Guiné e a guerra que lá travámos... Ou terão mesmo ? Tudo depende das "grelhas de leitura" de cada um... 

Contando com a complacência (e sobretudo com a cumplicidade) dos nossos leitores, espero, ao menos, que a sua leitura possa ter algum proveito.   Por outro lado, o nosso blogue já atingiu, na Internet, a "terceira idade": vai fazer 20 anos (!) em 23 de abril de 2024 (se lá chegar, se lá chegarmos). E tem que ser "alimentado" todos os dias, com pelo menos três ou quatro postes... Estes textos também funcionam, às vezes,  como uma espécie de "tapa-buracos"... Estão a ser publicados na série "Manuscrito(s) (Luís Graça! (*).

Luís Graça (2000)
Representações Sociais da Saúde, da Doença e dos Praticantes da Arte Médica.



2. O autoritarismi sanitário em Portugal (Estado Novo, Séc. XX)


Os ensinamentos da Escola de Salerno  (**) são tardiamente retomados, entre nós, no célebre livro de Francisco da Fonseca Henriques (1665-1731), a Âncora Medicinal para Conservar a Vida com Saúde (Lisboa, 1721): Médico da corte de D. João V, também conhecido por Mirandela (cidade de onde era natural), Francisco da Fonseca Henriques "cita os princípios que a Escola de Salerno indicava para conservar a saúde e as seis coisas que era preciso ter em conta para o seu bom uso e administração" (Lemos, 1991, Vol. II: 143), a saber:

  • O ar e o ambiente;
  • O comer e beber;
  • O sono e a vigília;
  • O movimento e o descanso;
  • Os excretos e os retentos;
  • As paixões da alma.

A Anchora Medicinal é um dos mais conhecidos tratados de higiene do Séc. XVIII, tendo tido quatro edições entre 1721 e 1754. Embora não sendo um livro propriamente original, seriam dignos de nota, na opinião do conhecido historiógrafo médico (Lemos, 1991) , os "capítulos relativos aos alimentos e bebidas em particular": neles se dão conta de "grande número das substâncias alimentares que entre nós eram e são consumidas". 

É de presumir que Francisco da Fonseca Henriques conhecesse a edição original, em latim, do Regimen Sanitatis Salernitanum, ou das suas muitas versões (em latim e línguas vernáculas) que nessa altura corriam no Ocidente.

Nos conselhos para conservar a saúde e "viver largo tempo" (sic), indicavam-se invariavelmente a dieta moderada e a vida regrada ("Para longa vida regra e medida no beber e na comida"). Obviamente, tais conselhos "destinavam-se especialmente às classes abastadas", havendo pouca [ou nenhuma] preocupação com a alimentação e outras condições de saúde das classes populares (Ferreira, 1990, p. 192, itálicos nossos), incluindo as condições de trabalho cujo estudo só muito mais tarde, lá para o final do Séc. XIX, é que começa a interessar um ou outro médico (por ex., Miguel Bombarda, João Ferraz de Macedo) (Mira, 1947).

Diga-se a propósito, que ainda não encontrámos referência, na nossa literatura médica até à alvorada do Séc. XX, ao papel pioneiro de B. Ramazzini (1633-1717) e ao seu tratado sobre as doenças dos trabalhadores: De morbis artificum diatriba (1700; ed. rev., 1713).

A repulsa pelo trabalho manual é, de resto, um traço que distingue a sociedade senhorial (aristocrática, fundiária) da sociedade liberal (burguesa, capitalista, industrial), e que está bem patente em provérbios tais como (Quadro XIII, em anexo):

  • "Dá ofício ao vilão, conhecê-lo-ão";
  • "Deus ajuda a quem trabalha, que é o capital que menos falha";
  • "Há mais aprendizes que mestres" ;
  • "Mais vale bom administrador do que bom trabalhador";
  • "Mais vale um bom mandador que um bom trabalhador";
  • "Mão de mestre não suja ferramenta";
  • "Mãos de oficial, envoltas em sandal";
  • "Quem sabe de luta luta e quem não sabe labuta";
  • "Se o trabalho dá saúde que trabalhem os doentes";
  • "Sete ofícios, catorze desgraças";
  • "Só trabalha quem não sabe fazer mais nada";
  • "Trabalhar é bom pró preto";
  • "Trabalhar que nem uma besta";
  • "Trabalhar que nem um galego";
  • "Trabalhar que nem um mouro";
  • "Trabalhar que nem um negro";
  • "Trabalhar que nem uma puta";
  • Ou, ainda, como hoje se diz no Rio de Janeiro, "trabalho se fez para burro e português".

Essa repulsa pelo trabalho manual está bem patente na composição sociodemográfica das nossas misericórdias no Ancien Régime. Apesar de serem instituições de composição estatutariamente interclassista, estas confrarias só admitiam membros das elites locais (e do sexo masculino!) : nobreza e alto clero, por um lado; oficiais mecânicos, por outro, incluindo profissões as liberais - como o letrado, o jurista ou o físico (médico) -, os negociantes abastados, os mestres de oficina, os lavradores proprietários e categorias equivalentes.

De um modo geral, os oficiais mecânicos representavam a elite do artesanato urbano. Condição essencial para a sua admissão como irmãos na misericórdia local era não trabalhar por suas mãos, o que, pelo menos em teoria, implicava a categoria de mestre de oficina (Sá, 1996: 137. Itálicos nossos). Em teoria, porque na prática não era bem assim: vamos encontrar entre os irmãos das misericórdias categorias como os cirurgiões, os barbeiros-sangradores e os boticários que claramente trabalhavam por suas mãos (contrariamente aos médicos e aos juristas, por exemplo).

Séculos mais tarde, o Estado Novo saberia tirar partido, na formação ideológica dos portugueses (ou melhor, do "homem português"!), dos preceitos dos velhos higienistas e sanitaristas.  Em meados do século passado, ainda se ensinavam às criancinhas portugueses os aforismos atribuídos a Hipócrates (c. 460-c. 377 a.C.) ou à escola hipocrática, retomados mais tarde pela Escola de Salerno (!), justamente numa altura em que:

  • A taxa de mortalidade infantil era a mais alta da Europa (126 ‰ em 1940);
  • A esperança média de vida à nascença a mais baixa (48,6 anos para os homens e 52,8 para as mulheres, em 1940);
  • As condições de vida e de trabalho miseráveis, com a tuberculose a ser uma das principais causas de morte dos portugueses (200 mortes em cada 100 mil habitantes; 10% de todos os casos de morte).

Com a mais cínica das canduras defendia-se já então, num país que nem sequer tinha um ministério da saúde (!), a teoria do blaming the victim:

"Quando os homens (sic) chegam a velhos, é frequente ouvi-los dizer: Não há bem como a saúde; mas a gente só sabe o que ela vale, depois de a ter perdido para sempre. Eu, se agora começasse a viver, havia de ter mais cuidado" (Caixa 2, em anexo. Itálicos nossos).

Cuidar da sua saúde era responsabilidade principal do indivíduo e da sua família, cabendo ao Estado uma função meramente supletiva. Daí os conselhos dos higienistas de serviço: 

Se quiseres gozar de "saúde e alegria" até aos oitenta anos (!);

  • leva "uma vida regrada e higiénica";
  • depois, procura "viver em casa que tenha bom ar e boa luz";
  • a "vassoura" é importante para manter a higiene da tua casa;
  • mas, atenção!, "é o sol que destrói os micróbios";
  • também precisas de "bom ar";
  •  e, de preferência, deves "dormir em quarto que contenha pelo menos vinte e cinco metros cúbicos de ar por pessoa";
  • e, com o clima tão benigno que Deus nos deu, "o melhor é dormir de janela aberta" (!)

"Cuidar do corpo" (Caixa 3, em anexo) também fazia parte dos "preceitos de conservar a saúde", de uma maneira mais explícita do que "cuidar da alma" ou das paixões da alma. Assim, em caso de doença:

  • deves consultar o médico e não o curandeiro (sic), a bruxa, o endireita, a ervanária, etc.
  • e, antes de tomares qualquer remédio, lê com atenção o rótulo.
Mas o melhor é evitar as doenças,  e para isso deves:
  • não beber água fria;
  • não apanhar correntes de ar;
  • ser moderado na comida e, principalmente, na bebida;
  • lavar bem todo o corpo (e não apenas as mãos e a cara), com destaque para a cabeça que deve andar sempre limpa (leia-se: de parasitas...) e os cabelos penteados.

Last but not the least : meus queridos, "de pequenino é que se torce o pepino"! Ou seja: "Os hábitos de asseio contraídos em criança mantêm-se por toda a vida, e, além de auxiliarem a conservação da saúde, influem muito na consideração das pessoas que nos rodeiam" (sic).

Em suma, o projecto de educação sanitarista do Estado Novo não podia ser mais explícito: trata da tua saúde, trata do teu corpo, que nós depois tratamos do resto, ou seja, das paixões da alma... 

Era o mesmo projecto, tendencialmente totalitário, que levava, no ano da graça de 1936, o germanófilo (mas não necessariamente nazi...)  Luís Moita a gritar aos microfones da Emissora Nacional: "Rapazes, não cantem o fado!". 

Os rapazes eram a "Mocidade Portuguesa" (MP) que acabava de ser criada, no âmbito das reformas da "educação nacional", decretadas pelo poderoso ministro A. F. Carneiro Pacheco (1887-1957).

Organização de tipo miliciano, a MP visava o enquadramento político-ideológico da juventude, era de inscrição obrigatória para todos os estudantes do ensino primário e secundário, e potencialmente mobilizava todas as actividades circum-escolares: a educação cívica, o lazer, os cuidados de saúde, a preparação física, o dsporto, a formação política e militar, etc. (Rosas, 1994, pp. 282-283).

"Canção de vencidos", "cocaína de Portugal", o fado era visto por certas personalidades da direita integralista e nacionalista (incluindo escritores e musicólogos) como um "herança maldita vinda do ultramar" (referência ao lundum, "avô do fado", que nos terá chegado do Brasil, com o regresso da corte de D. João VI), subproduto de uma "raça abastardada" (sic) e que entre nós se havia expandido justamente "nos bairros onde, há trinta anos ainda, se albergavam o vício, o crime e a vadiagem" (sic!), em contraste com as "canções alemãs, fulgurantes e alegres" das cervejarias de Munique e dos wanderfogel (Moita, 1936, pp. 217-218).

Daí a cruzada do musicólogo e conferencista pela educação nacional contra a licença, pela saúde contra a deliquescente morbidez, pelo folclore nacional e pelo canto coral contra os "caldos de cultura" do fado gemido, de cigarro na boca e copo de vinho na mão, numa taberna imunda onde espreitavam o bacilo de Kock, a sífilis e até, hélàs!, as ideias subversivas no meio de versos heróicos, "entrelaçados na foice e no martelo" (sic)...

Em contrapartida, há um longo silêncio sobre as repercussões do trabalho na saúde. Só com o início da internacionalização da economia portuguesa, a partir de finais da decada d 1950 (enrada de Portugal na EFTA - Associação Europeia do Comércio Livre), é que os homens do Estado Novo começam a manifestar preocupações com a elevada incidência de acidentes de trabalho e doenças profissionais como a silicose (nomeadamente nas minas e pedreiras, na construção civil, na cerâmcia, no vidro, na metalomecânica, etc.)

Na justificação da Campanha Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, organizada dentro do melhor estilo propagandístico do Estado Novo, aponta-se para o facto de "a Nação [ vir ] sofrendo anualmente incalculáveis danos de ordem material e moral" (sic).. 

Sem citar números concretos, o Ministro das Corporações e Previdência Social, Henrique Veiga de Macedo, não pode mais esconder a realidade da sinistralidade laboral: 

"Quem compulsar as estatísticas ou se der ao cuidado de tomar contacto com a vida dos tribunais do trabalho ficará impressionado ao verificar a frequência dos sinistros registados e a gravidade das suas repercussões, quer para os trabalhadores e suas famílias, quer para a economia nacional" (Do preâmbulo da Portaria nº 17118, de 11 de Abril de 1959. Itálicos nossos).


Caixa 2 - A higiene da casa

Quando os homens chegam a velhos, é frequente ouvi-los dizer assim:

Não há bem como a saúde; mas a gente só sabe o que ela vale, depois de a ter perdido para sempre. Eu, se agora começasse a viver, havia de ter mais cuidado.

Lembram-se então, quando já não há remédio, do mal que fizeram em não tratar da saúde.

Muitos nem precisam de chegar à velhice, para se sentirem gastos e doentes.

E, pelo contrário, há pessoas de oitenta anos que gozam de saúde e alegria como muitos jovens não têm. É que eles levaram uma vida regrada e higiénica.

O homem deve, pois, cuidar da saúde e esforçar-se por melhorar as condições da sua vida, para se tornar forte e sadio.

Primeiro que tudo, procure viver em casa que tenha bom ar e boa luz. Não se deve dispensar a vassoura, mas é o sol que destrói os micróbios, que se não vêem. É necessário que o sol entre em casa, para acabar com o bolor e a humidade, tão prejudiciais à saúde.

Também se precisa de bom ar.   Deve-se dormir em quarto que contenha pelo menos vinte e cinco metros cúbicos de ar por pessoa. Se o clima o permitir, o melhor é dormir de janela aberta.

Fonte: Livro de Leitura da 3ª Classe. ((Lisboa)): Ministério da Educação Nacional, s/d, p. 66 (Itálicos nossos)


Caixa 3 - Cuidemos do nosso corpo

Precisamos de cuidar do nosso corpo, para que não nos falte a saúde.

Se estamos doentes, devemos consultar o médico, porque só ele tem o saber necessário para averiguar a causa dos nossos sofrimentos e para nos curar. Evitemos, pois, os curandeiros que por toda a parte existem, sustentados pelos ingénuos que se deixam iludir com as suas palavras enganadoras.

Ao tomarmos os remédios, ou ao ministrá-los, é bom ler sempre os respectivos rótulos, para se evitarem confusões que podem ser fatais. Muitos doentes têm morrido envenenados com medicamentos tomados por engano.

Melhor ainda que tratar das doenças é evitá-las, não transgredindo os preceitos de conservar a saúde.

Não devemos beber água fria quando estamos a transpirar,  expor-nos a correntes de ar, para não darmos causa a resfriamentos ou pneumonias.

É preciso haver moderação na comida e principalmente na bebida. O alcoolismo é um vício horrível que todos os dias faz numerosas vítimas.

Todo o corpo deve andar sempre bem lavado, e não apenas as mãos e a cara; a cabeça precisa de  andar limpa, e os cabelos penteados.

Os hábitos de asseio contraídos em criança mantêm-se por toda a vida, e, além de auxiliarem a conservação da saúde, influem muito na consideração das pessoas que nos rodeiam.

Fonte: Livro de Leitura da 3ª Classe. ((Lisboa)): Ministério da Educação Nacional, s/d, p. 65 (Itálicos nossos)

(Continua)

____________


(**) Vd., poste anterior;

1 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25026: Manuscrito(s) (Luís Graça) (243): Provérbios populares sobre a doença, a medicina, a saúde, a vida e a morte: o que podemos aprender com eles? - Parte V: 'Pés quentes, cabeça fria, cu aberto, boa urina - Merda para a medicina' 1. A arte de bem conservar a saúde

domingo, 21 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25095: Manuscrito(s) (Luís Graça) (244): Parabéns, João,... "boa continuação da viagem / E que não te falte a saúde e tudo o mais,/ Que é preciso: talento, amor, coragem!"

Foto nº 1 > A rua comercial da nova Gabu 

Foto nº 2 > Gabu, a nova capital do Leste onde se fala mais francês do que português

Foto nº 3 > Gabu, estúdio Foto Graça

Foto nº 4 > Bafatá, cambando o Geba

Foto nº 5 > Bafatá, pôr do sol no rio Geba

Foto nº 6  > Tabatô, uma aldeia de talentos

Foto nº  7 >  Tabotô, uma tabanca de músicos


Foto nº 8 > Tabató e a linguagem universal da música

Foto nº 9 > Tabatô: e a noite fez-se magia

Foto nº 10 > Tabatô: encontro de culturas


Foto nº 11 > Bijagós: o menino de Bubaque


Foto nº 12 > Bijagós. Bubaque ou Rubane, armadilhas oara turista


Foto nº 13 > Cantanhez: o menino de Iemberém


Foto nº 14 > Iemberém: Centro de Saúde Materno-Infantil, a subnutrição das crianças

Foto nº 15 > Imberém: o macaco fidalgo vermelho (ou fatango, em crioulo). Nome científico: Procolobus  badius.


Foto nº 16 > São Francisco, Cantanhez: dia de casamento, dia de festa, "rancho melhorado"



Foto nº 17 > Cantanhez: Cananima (frente a Cacine),  aldeia de pescadores

Foto nº 18 > Contuboel: o fotógrafo posando ao lado de Braima Sissé,  um estudioso do Corão


'veganFotos (e legendas): © João Graça (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Quarenta é um número mágico, na vida de um homem, e para mais quando é nosso filho. Mas também diz o provérbio (antigo): "Até aos quarenta bem eu passo, mas depois dos quarenta, ai a minha perna, ai o meu braço!"... 

Deixem-me, caros leitores, abusar hoje do privilégio que é ser fundador e editor deste blogue, e reproduzir aqui um soneto de parabéns para o João Graça que hoje faz anos... Os versos, que logo lhe vou ler (num restaurante em Monsanto 'vegan', à volta da mesa com os pais, a mana, a esposa, a filha e alguns amigos) são ilustrados com uma seleção de fotos que ele fez com a sua Nikon quando, aos 25 anos, ainda jovem médico e músico, interno de psiquiatria, foi de férias à Guiné-Bissau, que percorreu de norte a sul, de leste a oeste...  Tem já mais de 145 referências no nosso blogue, que integra como "amigo da Guiné". É autor da série "Notas fotocaligráficas de uma viagem de férias à Guiné-Bissau", e "Álbum fotográfico" de que se publicaram algumas dezenas de postes...

Recorde-se que,  em dezembro de 2009, ele tirou duas semanas de férias, meteu-se no avião da TAP - Air Portugal (ida e volta, viagem paga do seu bolso, não pelo papá...) e passou-as na Guiné-Bissau, onde contou com o inexcedível apoio do seu (e nosso) amigo Pepito (1949-2012), então director executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento, que lhe ofereceu facilidades de transporte, além da hospitalidade da sua família, no Bairro do Quelelé, em Bissau.

O João Graça ofereceu cinco dias (de 6 a 10 de Dezembro de 2009) das suas férias de quinze dias (de 5 a 19 do corrente), para trabalhar como médico (voluntário) no Centro de Saúde Materno-Infantil de Iemberém. Além de Bissau, do sul (Cantanhez), dos Bijagós (Bubaque e Rubane)  o João teve ainda a oportunidade de viajar pela zona leste (Bambadinca, Bafatá, Tabatô, Contuboel, Gabu...) e a região do Cacheu (S. Domingos). Das muitas fotos que então tirou, selecionei uma dúzia e meia, para hoje recordarmos... (Bolas, já lão quinze anos, João!) (LG)


Para o João que outrora também foi menino


Foste o menino lindo que a vida nos deu,

E já lá vão, só em anos, quatro dezenas,

Somando as alegrias, grandes e pequenas,

Como diz o fado, tudo a pena valeu.

 

A tua própria família criaste agora,

Melhor pai para a Clarinha não pode haver,

E, se a Catarina soube bem escolher,

Temos nós a sorte de a ter por nora.

 

Ao quilómetro quarenta do teu caminho,

Os teus amigos, a tua mana, os teus pais,

Aqui reunidos, com ternura e carinho,

 

Auguram boa continuação da viagem,

E que não te falte a saúde e tudo o mais,

Que é preciso: talento, amor, coragem!

 

Lisboa, 21 de janeiro de 2024,

Parabéns da malta toda!

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Nota do editor:

Último poste da série > 1 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25026: Manuscrito(s) (Luís Graça) (243): Provérbios populares sobre a doença, a medicina, a saúde, a vida e a morte: o que podemos aprender com eles? - Parte Va: 'Pés quentes, cabeça fria, cu aberto, boa urina - Merda para a medicina' 1. A arte de bem conservar a saúde