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segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27357: Notas de leitura (1856): Escritos de médicos que viveram a guerra colonial (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Fevereiro de 2025:

Queridos amigos,
Feliz a hora em que o médico Adélio Martins convocou a malta do seu curso para pôr por escrito recordações da experiência de alferes miliciano médico, e num punhado de páginas ficamos a saber que um feiticeiro ganhou a um médico por saber pôr um elefante a defecar, houve alguém que soube da história de como se fazia uma armadilha em cruz, ouvido o estrondo estalou a alegria no aquartelamento e foram todos ver um espetáculo devastador naquela confusão de pedaços humanos, com tanta gente em regozijo por ter funcionado bem aquela arma mortífera; há quem venha contar o que era ser médico em Mueda e conviver com camaradas médicos já em estado de transtorno, um deles afeiçoado a um cágado; houve quem desertou e venha agora agradecer ao Antigo Regime ter um casamento que dura há cerca de 50 anos... Há quem esteve na região dos Dembos, quem vivesse no centro de Luanda e tenha sido confrontado com os tiroteios da guerra civil, e ouviremos de novo histórias do escritor Rui Sérgio, o médico Rui Vieira Coelho que tem aparecido regularmente no nosso blogue, são belos testemunhos, um enriquecimento nestas intervenções que nos põem sempre a pensar nas dívidas com que deles ficámos.

Um abraço do
Mário



Escritos de médicos que viveram a guerra colonial

Mário Beja Santos

O escritor Rui Sérgio tem tido a gentileza de me fazer chegar através da editora 5Livros.pt todos os seus escritos relacionados com as memórias como médico do BCAÇ 3872, sediado em Galomaro, leste da Guiné, que conheci nos bons tempos em que se ia de Unimog por toda esta região, é certo que armados, mas cientes de que a região estava pacificada, graças a um régulo destemido, o Tenente de 2.ª linha Mamadu Sanhá.

Acabo de receber um livro editado em 2020, também pela 5Livros.pt, foi um desafio que o médico Adélio Martins lançou a colegas de curso para escreverem um conto relacionado com as suas experiências em terras de África. O resultado é tocante, mas talvez valha a pena refletirmos que possuímos um legado de testemunhos de profissionais de saúde. Não vale a pena acrescentar mais ao muito que aqui se tem publicado sobre as nossas enfermeiras, o escritor João de Melo foi enfermeiro em São Salvador, daí resultou um notável romance Autópsia de um Mar de Ruínas (recomendo a 1.ª edição), os primeiros romances de António Lobo Antunes estão profundamente marcados pela sua vivência em território angolano, e é também bem merecedor de leitura a correspondência que travou com a sua mulher em tal período; na mesma época em que António Lobo Antunes se lançava na escrita, outro médico, Abílio Teixeira Mendes, publicou um escrito magnífico, deploravelmente esquecido; e continuo a pensar, ao nível de escritos de médicos, que as memórias de José Pratas, Senhor médico, nosso alferes, está no pódio de narrativas de médicos quanto à Guiné.

Quanto a estes contos de guerra coordenados por Adélio Martins, há quem chegue na noite de 24 de dezembro inesperadamente a casa, tocou campainha e “no ar havia o cheiro a doces e o vapor da água das panelas que em breve se encheriam para a ceia, noite de Natal inesquecível!” Há aquele cego na enfermaria que recalcitra por um camarada não o ter levado ao futebol, o outro responde que não o levou porque ele está cego, “estou cego mas podia ouvir”, isto passou-se na cidade da Beira; havia um enfermeiro que fazia desaparecer medicamentos para levar para a FRELIMO, mais concretamente ampolas de estreptomicina que faziam falta aos guerrilheiros; há aquela história de um médico chamado à pressa lá no Fingue, no norte de Moçambique, para fazer defecar um elefante, caso tal não acontecesse, seria mau presságio, o médico falhou, quem entrou em ação foi o feiticeiro.

Há um médico que reflete dolorosamente sobre a alegria que alguns sentiam quando as armadilhas desfaziam em pedaços os guerrilheiros da região. Houvera quem inventasse a armadilha em cruz. “Consistia num dispositivo que continha cargas explosivas ao longo do percurso da picada, e noutra linha, cruzando a picada, nova fila de explosivos, de maneira a formar uma cruz imensa, onde no centro era montado o sistema de detonação, ativado por um fio de metal que atravessava de um lado ao outro a picada, uns bons metros. Assim, em qualquer direção que se caminhasse, de norte para sul, pelo lado direito ou pelo lado esquerdo da picada, todos eram apanhados, mesmo que se viessem a caminhar mais na retaguarda. Era uma cruz imensa de explosivos, uma obra de arte, como dizia o meu camarada especialista em minas e armadilhas.”

A armadilha resultou, ao amanhecer, ouviu-se um estrondo, uma súbita alegria e gritos de contentamento encheram o aquartelamento, seguiu prontamente uma patrulha, o espetáculo era devastador, numa extensão de metros e metros inúmeros corpos jaziam espalhados e dispersos pelo chão, a alegria dos soldados é exuberante. “E eu olhava-me por fora de mim, ator e espetador da cena, cobarde por não sentir a alegria pela morte dos outros e por não sentir tristeza com a alegria deles. Amarrado neste paradoxo de ter de viver em simultâneo o agrado por dever e o desagrado por sentimento, sentia-me também preso nesta armadilha em cruz.”

Há quem descreva Mueda como uma fortaleza rodeada de arame farpado, com uma Base Aérea, Companhias de Engenharia, Serviço Jurídico, tropa fandanga, grupos especiais e um hospital de campanha com cinco médicos. O estado de espírito destes profissionais de saúde era pouco abonatório. “Um havia, que nos lia as cartas da mulher, em que ela pedia para tomarmos conta daquela alma frágil. Não era caso para menos. Cirurgião com medo de ir ao bloco, adotou um cágado, do tamanho de um palmo, por quem se afeiçoou.” Não esqueceu as suas deslocações a Ibo, Mocímboa da Praia e Mocímboa do Rovuma. O Natal de 1974 foi diferente, a ceia do bacalhau foi disputada com os guerrilheiros.

Há quem conte a sua deserção, um casamento que caminha para meio século com uma alemã. “Tenho de agradecer ao Antigo Regime a oportunidade que me deu ao obrigar-me a sair de Portugal por motivos de consciência. Não digo motivos políticos pois eu era nessa altura pouco maduro, fazia mais barulho que trabalho. O meu pai teve em Angola dois filhos, meus meios-irmãos, cerca de 20 anos mais velhos do que eu, ambos estavam no MPLA. O meu irmão Gino estava nas Forças Armadas e a possibilidade de ter pela frente um irmão inimigo era real.”

Há quem acordou com as balas a entrar pela janela do quarto, médico que apanhou a guerra civil ao rubro, há aquele médico a viver em Nambuangongo que conhecia por cópia datilografada aquele que eu considero o mais belo poema da guerra colonial, Nambuangongo, meu amor, viveu as peripécias de um parto inesperado, conta o que era viajar num Auster ou num DO, houve um episódio inesquecível, uma evacuação por fratura do úmero, o médico explica que o jovem soldado tinha o braço muito bem imobilizado com múltiplas ligaduras que o mantinha solidário com um triângulo de tábuas. A tábua vertical estava enfaixada ao tronco e a oblíqua obrigada o braço a estar esticado, como mandava a figurinha do manual de primeiros socorros da Segunda Guerra Mundial. Terá havido um alvoroço e uma precipitação por parte do piloto, o pobre soldado andou aos repelões, tudo se desconjuntou, o ferido bem penou até chegar ao hospital.

E chegou a vez de entrar em cena Rui Sérgio, lembra com muita saudade a Companhia Dulombi, jamais esqueceu as colunas de 18 km até Galomaro, ou vice-versa. Ele fazia a sua consulta militar num posto de saúde acompanhado por um furriel enfermeiro e havia um encarregado civil pela limpeza, o Jamba, homem de porte atlético, com uma face de quase riso permanente. Pois o Jamba em certa altura passou a andar acabrunhado, o médico ouviu confidencialmente, tinha havido um feitiço, já não era um homem, perdera a ereção, o médico deu-lhe uma mezinha, foi ao quarto e trouxe um comprimido efervescente de vitamina C. “Bebe Jamba, tudo de uma vez e daqui a cerca de uma hora vais à tabanca ver a mulher.”

Voltou duas horas depois, sorridente, voltara-lhe a força, tudo graças à eficácia psicológica de um comprimido efervescente de vitamina C.

Recordações magníficas, ficamos com estes médicos no coração.

Médico Rui Vieira Coelho, escritor Rui Sérgio
O Alferes-médico Defensor Moura quando se candidatou às presidenciais, tinha programa para os antigos combatentes
Alferes miliciano médico Manuel Vieira da Costa Neto, da CCAV 680/BCAV 682, Cruz de Guerra de 4.ª classe
Alferes-médico Abílio Teixeira Mendes
Alferes-médico António Lobo Antunes
_____________

Nota do editor

Último post da série de 24 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27348: Notas de leitura (1855): "Ecos Coloniais", coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto; edição Tinta-da-China 2022 (3) (Mário Beja Santos)

domingo, 5 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27287: Casos: a verdade sobre... (57): a emboscada de 1 de outubro de 1971, em Bangacia (Duas Fontes), Galomaro, Sector L5, ao tempo do BCAÇ 2912 (1970/72) (António Tavares / J. F. Santos Ribeiro / Vasco Joaquim / Paulo Santiago)

 



Foto nº 1 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L5 > Galomaro > CCS/BCAÇ 2915 (1970/72)  > Rascunho, manuscrito, com a lista dos efetivos escalados para o patrulhamenmto noturno, em coluna auto, às tabancas em A/D (auto-defesa) de Bangacia (ou Duas Fontes).  A rúbrica no rascunho parece ser do comandante da CCS, cap inf Joaquim Rafael Ramos dos Santos. este manuscrito, ou fotocópia,  quase ilegível,  já tinha sido publicada no poste P10480 (*). Foi  agora recuperada e reeditada a imagem.

Segundo as ordens superiores, a coluna dessa  fatídica noite de 1/10/1971 seria constituída por 3 secções, duas da CCS/BCA 2912 e 1 da CCAÇ 2700 (Dulombi) (que tinha 1 Pelotão de reforço a Galomaro), mais  alguns milícias (Pel Mil 288) e, ao que parece, ainda alguns elementos  do Pel Caç Nat 53 (vd.  depoimento do Paulo Santiago, mais abaixo).  Considerando o visto (o OK) do comandante, fariam parte desta força, nesse dia, os seguintes militares: 
  • 2 furriéis (um, o Gomes, o outro, de  apelido é ilegível) (nenhum deles parece ser da CCAÇ 2700);
  • 3 atiradores;
  • 3 caçadores nativos (do Pel Caç Nat 53 ?)
  • 3 milícias (do Pel Mil 288 / CMil 30)
  • 3 sapadores
  • 1 mecânico auto
  • 2 condutores
  • 1  (ilegível) (maqueiro, cabo aux enf ? ou alguém do Pel Op Info Rec ?)
  • 1 transmissões
Sabemos, por comentário do ex-alf mil at inf Luís Dias CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74), que este Gomes era o ex-fur mecânico, Mário Gomes, da CCS,  um dos sobreviventes da emboscada:

(...) "Lembro-me desse triste acontecimento, que teve lugar uns meses antes da nossa chegada à Guiné, para render o BCAÇ 2912. Alguns anos depois, um dos sobreviventes, o então furriel mecânico, Mário Gomes, que faz o favor de ser meu amigo, contou-me em pormenor o que havia sucedido.

De facto, o capitão da CCS não ficou lá muito bem na fotografia, como se costuma dizer, mas no inquérito realizado chegaram à conclusão que a sua fuga foi "uma retirada estratégica" (coisas de malta do quadro)" (...) (sexta-feira, 5 de outubro de 2012 às 23:57:10 WEST) (Comentário ao poste P10480) (*)



Foto nº 2 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L5 > Galomaro > CCS/BCAÇ 2915 (1970/72)  >  O estado em ficou uma das duas viaturas, na sequência da emboscada sofrida, à noite pelas NT, em Bangacia (Duas Fontes). Tudo indica que os atacantes tiveram tempo para tudo: executar pelo menos um prisioneiro e um moribundo; levar 5 espingardas automáticas 3 G; roubar 2 relógios, revistar os bolsos dos mortos (donde recolheram mais de 300 pesos!), além de  destruirem as 2 viaturas... 

Esta barbaridade do Paulo Maló & Companhia tem de ficar escrita preto no branco... Na guerra não vale tudo, camaradas!... 

E o "Tchutchu" bem como o "Abel Djassi" também terão feito vista grossa a estas barbaridades: infelizmente acabaram os dois por serem vítimas dos Inocêncio Cani, Mamadu Indjai, Paulo Maló... 

O comunicado do "Tchutchu" é de um cinismo atroz: diz ao "chefe" que manda um prisioneiro, quando o desgraçado tinha sido executado, sem dó nem piedade, pelo Paulo Maló & Companhia.. (Não sabemos se foi ele o carrasco, mas cinco meses, na emboscada do Quirafo, ele já era comandante de bigrupo e usou os mesmos métodos contra os moribundos, e só deixou fazer um prisioneiro, porque era "tuga", o nosso saudoso amigo e camarada António Baptista, o " morto-vivo";  e em 2007 era coronel e quadro superior das Alfândegas).


Fotos (e legendas): © António Tavares (2012). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Foto nº 3 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L5 > Galomaro > CCS/BCAÇ 2915 (1970/72)  >   Uma foto "dramática" da tabanca de Bangacia (ou Duas Fontes), em fim de tarde.




Foto nº 4 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L5 > Galomaro > CCS/BCAÇ 2915 (1970/72)  >   Vista da porta de armas e demais instalações do quartel de Galomaro, que foi construído de raiz pelo BENG 447. Na foto há um "x" a sinalizar uma das casernas do pessoal, talvez a de transmissões.

Fotos (e legendas): © J. F. Santos Ribeiro  (2013). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O António Tavares (ex-fur mil SAM,  CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), tem um emocionado, duro  e contundente  apontamento sobre esta tragédia, com data de 1 de outubro de 2012, que vamos recuperar, com vista à tentativa de apurar a "verdade dos factos", o que 54 anos depois é difícil, para mais não havendo possibilidades de recurso ao "contraditório" e à "triangulação de fontes": os quatro depoimentos que aqui publicamos não são de nenhuma das vítimas, sobreviventes  da emboscada, mas camaradas próximos).(**).

 Por outro lado, é bom lembrar umas das nossas regras de ouro: a guerra já foi há mais de meio século, estamos aqui para partilhar memórias (e afetos), não estamos aqui  para julgar (e muito menos criminalizar e punir) ninguém


Patrulhamento auto por todas as A/D da CCS/BCAÇ 2912 (Galomaro, 1970/72): o fatídico dia 1/10/1971

por António Tavares


O original deste “manuscrito”  (Foto nº 1) tem 41 anos.

Manuscrito que nada tem a ver com uma obra escrita à mão mas um assassinato... escrito à mão!

Manuscrito que traduz uma das ordens dadas (1970/72) nas matas do leste do CTIG. Poderes incompetentes! Poderes que receberam e foram ensinados, na Academia Militar, para praticá-los bem.

Manuscrito que levou ao encontro da morte cinco jovens emboscados em Duas Fontes (Bangacia) na noite de 1 de outubro de 1971.

Manuscrito que no Hospital Militar 241 (Bissau) originou mais três mortes dos quatro feridos graves evacuados na manhã de 2 de outubro.

Manuscrito igual a outros anteriores em que só mudavam os nomes.

Manuscritos que levaram diariamente militares (só praças e furriéis...) em patrulhamentos auto, noturnos, às tabancas em A/D da CCS (e que  no regresso traziam informações).

Recordo que certa noite numa das tabancas em A/D sentíamos e ouvíamos os rebentamentos e o Homem Grande da tabanca dizia-me:

−  Vai embora… vai embora!...

Chegados ao quartel confirmámos que tinha havido um ataque na ZA de Nova Lamego.

Manuscrito escrito antes ou depois de ter havido informações de que havia indícios de que o IN andava na zona de acção das nossas tropas nesse dia 1 de outubro de 1971. Movimentação de indígenas (população e milícia) foram vistos dentro do quartel antes da partida da coluna auto.

Coluna auto pronta a partir (às 20h00) e retardada para integração do capitão. Elemento que foi o último a subir para um dos Unimog
 mas o primeiro a chegar ao quartel depois de ter ouvido o tiro do IN,  sinal de que as NT estavam debaixo da área de fogo do PAIGC. Estes, bem posicionados,  só tiveram de aguardar as viaturas e fazer fogo, felizmente atabalhoado,  contra  as NT. Caso contrário o número de mortos teria sido  maior.

O oficial, a chorar e desarmado, chega ao quartel com a justificação de que vinha pedir auxílio. Entretanto, no local,  os guerrilheiros do PAIGC matavam, feriam e tentavam levar um prisioneiro. Prisioneiro que foi arrastado e,  uns metros à frente morto, à queima-roupa, e encostado a um poilão. Sentado com as pernas e braços cruzados e uma bala na boca, a fazer de cigarro,  assim o encontraram.

Tudo testemunhado e narrado por quem viu nas Duas Fontes (Bangacia) e confirmado no quartel pelos camaradas que trataram dos corpos.

Manuscrito que marcou tragicamente a família do BCaç 2912 e a história da Guerra Colonial.

Manuscrito inserido na página 39 do Livro "Guineídas - Memórias de uma Comissão – BCaç 2912 CCS – X Encontro - Tavira”.

Os corpos de:

  • Alfredo Tomás LARANJINHA,
  • José Peralta OLIVEIRA,
  • Leonel José Conceição BARRETO,
  • José Guedes MONTEIRO e
  • Rogério António SOARES

depois de recolhidos em Duas Fontes/Bangacia e arranjados em Galomaro,  seguiram (em coluna auto) para Bambadinca e acompanhados, por um camarada da CCS,  até Bissau onde embarcaram no T/T “Carvalho de Araújo” até Lisboa. O mesmo T/T “Carvalho Araújo” que os havia transportado há dezassete meses e uns dias ao chão do Teatro de Operações da Guiné

Foram sepultados nas suas terras. Paz às suas almas!

António Tavares
Foz do Douro, 01 Outubro 2012

 
2. Excerto do depoimento do nosso camarada José Fernando dos Santos Ribeiro (ou J. F. Santos Ribeiro, como consta da lista da Tabanca Grande),  ex-1º cabo trms, CCS / BCAÇ 2912 (Galomaro, 1970/72), aquando da sua apresentação à Tabanca Grande 


Emboscada em Bangacia (Duas Fontes)

por  J. F. Santos Ribeiro




Era o fim da tarde, preparava-se um Grupo (de Combate) para partir, para um emboscada, a realizar na picada entre Galomaro e Dulombi.

Mais precisamente no aldeamento de Bangacia (Duas Fontes). Aldeamento que tinha como população feminina, as mulheres de pele negra (fulas) mais lindas que eu alguma vez vi. Tinham feições de brancas... mas bonitas!


Nesse dia, além do grupo destacado por escala (dos sapadores, onde alinhava o "Vermelhinho", nosso camarada, de Matosinhos, que tinha essa alcunha pela cor da sua tez, devido às "bazucas", whisky e vinho que ingeria), foram também por castigo o Laranjinha e mais outro camarada (do qual não me lembra o nome).

Como já tinha acabado o meu serviço nas Transmissões e o jantar no refeitório, encaminhava-me para a cantina, juntamente com outros companheiro... quando ao longe começamos a ver "balas tracejantes" a rasgar o céu.

Antevimos, de imediato, a desgraça que estava a acontecer para os lados das Duas-Fontes.. Ficámos em estado de alerta. Passados, sei lá, duas horas ou mais... começaram a chegar ao aquartelamento, a chorar, os companheiros que haviam saído sem serem feridos ou mortos, na emboscada em que o Pelotão havia caído...

Primeiro o "Vermelhinho" e outros... mais adiante o capitão da CCS, todos sem arma e o pânico espelhado no rosto.

Formou-se, rapidamente, um pelotão de homens que avançaram (sujeitos a serem de novo emboscados) até ao sítio onde se desenrolou o combate, encontrando deitados no chão, entre outros, o Oliveira das Transmissões e o Laranjinha da "ferrugem"... com a boca cheia de cartuchos da "costureirinha" e trespassados à bala.

Pelas suas posições, verificou-se que tinham sido feridos e, posteriormente, deitados no chão onde, cobarde e selvaticamente, foram mortos a tiro!

Durante os primeiros seis a sete meses de comissão, em Galomaro, foram "umas férias", o que deu origem a "facilitanços"... O ior deles foi o Grupo passar a levar as armas metidas debaixo do banco do Unimog e, assim, foram apanhados de surpresa na emboscada. (...)

 
 


Guiné > Zona Leste >  Região de Bafatá > Carta de Duas Fontes ( 1959) / Escala 1/50 mil : Posição relativa de Galomaro, Duas Fontes (Bangacia), Cansamba... Bafatá ficava a norte, Dulombi  a sudeste.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)



3. Outros depoimentos (c0mentários ao poste P2529) (**):

(i) Timóteo Santos (ex-fur mil, CCAÇ 2700, Dulombi, 1970/72) 

Sobre a referida emboscada ao patrulhamento de corpo bom "giria que se dizia na altura", depois do cap.Jaoquim Rafael Ramos Santos ter fugido e deixar os feridos espalhados pelo chão o IN veio ao saque juntou os corpos uns aos outros e fez a matança a sangue frio. 

O prisioneiro que dizem ter feito foi executado a sangue frio antes da tabanca. Que esperavam de um comandante de batalhão caduco, um major de operações alcólico e um 2º comandante que só via cabelos grandes. Nunca gostei de criminosos de guerra. Aos historiadores estarei sempre pronto a dar o meu contributo. Timoteo Santos ex.Fur.mil 2700 70/70.


(...) Informo que a fotografia das urnas que estão referidas como pertencentes a esta emboscada, não está correta a legenda: as mesmas referem-se aos mortos que a CCAÇ 2700 teve com uma mina que destruiu uma viatura a caminho de Jifim numa operação.

Timoteo Santos

timoteomemoria@gmail.com

sábado, 19 de fevereiro de 2011 às 01:50:00 WET
 

Vasco Joaquim

(ii) Vasco Joaquim, ex-1º cabo escriturário, CCS/BCAÇ 2912 (Galomaro, 1970/72)

(...) Era habitual nas patrulhas noturnas  sairmos de noite para o mato em viaturas com faróis acesos. Certamente era para dar a entender ao IN onde nos encontrávamos. Foi isso que aconteceu na noite de 1/10/1971. 

Os sobreviventes estiveram por sua conta e risco e foram aparecendo no aquartelamento a conta-gotas. Como diz o Timóteo, em comentário anterior, não tinhamos comando. Eu, na altura 1º cabo escriturário,  e todos os outros e não só, fazíamos essas patrulhas noturnas. 

O nosso comandante só depois de sofrermos os mortos aos 17 meses de comissão,  requereu forças militares especiais (companhia de paraquedistas) para a zona.

Sei que estes mortos que tivemos, CCS/BCAÇ 2912 e  e CCaç 2700,  poderiam ter sido evitados se tivéssemos tido
 comandantes que tivessem responsabilidade de comando.

Entre as tropas da CCS houve mesmo,  na época, recusa de avançar para o mato como antes se fazia.

O governador e comandante-chefe António Spinola chegou mesmo a ir a Galomaro por motivos que se englobavam com as tropas estacionadas.

O BCaç 2912 e companhias operacionais 2699. 2700 e 2701, junto com a CCS,  sabem bem o que sofremos  e o desprezo a que estávamos votados, numa zona de guerra onde o PAIGC tudo fazia para mostrar a sua supremacia. (...)

domingo, 14 de agosto de 2016 às 23:41:00 WEST  


PS - Por esquecimento deixei de dizer que foi vivido por mim, na altura 1º cabo escriturário, Vasco de Jesus Joaquim, e que fui incumbido te transcrever as mensagens dos mortos na emboscada, afim de que a noticia fosse transmitida às famílias através do Serviço de Transmissões.

domingo, 14 de agosto de 2016 às 23:41:00 WEST 



Paulo Santiago


(iii) Paulo Santiago (ex-alf mil, cmdt, Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72)


(...) Não foi emboscada a uma coluna, tratava-se de um patrulhamento... E agora reparem nas horas,20.30: fazer um patrulhamento noturno, montado em viaturas, deu em tragédia,

Culpados? Octávio Pimentel, comandante do BCAÇ 2912 (Galomaro) que mandou executar,e o cap Santos, comandante da CCS, que executou sem normas de segurança, acabando por abandonar os mortos e os feridos, e regressar a pé ao quartel,com a desculpa de vir em busca de ajuda.

Não estive lá, mas estava uma secção do Pel Caç Nat 53, comandada pelo fur mil Martins, e o sold Iero Seide foi ferido 
com alguma gravidade, sendo evacuado para o HM 241.Também
o 1º cabo Mamadú Sanhá foi ferido ligeiramente


(Revisão / fixação de texto: CV/LG)
_______________



(...) Em 1970/72 estive em Galomaro, dentro e fora do arame farpado tendo viajado por Bafatá, Bambadinca, Nova Lamego, Saltinho e muitas tabancas.

Tive sorte de nunca ter dado um tiro apesar de ter estado sob fogo e tido muitos sustos!

Amiga G3, saíste da minha mão virgem e limpa conforme te recebi e com toda a certeza que me agradeceste o descanso que te dei durante 23 meses embora muitas vezes estivesses engatilhada para me ajudar!

Amiga G3, foi desumano o transporte para Bambadinca dos nossos amigos defuntos caídos na emboscada da noite de 01-10-1971... e no regresso trazer 6 urnas para reserva... 

Amiga G3, vamos pertencer a uma Tabanca Grande, diferente das outras onde estiveste mas é bom recordar a História e Estórias dos ex-combatentes.(...)

Guiné 61/74 - P27286: Efemérides (468): Faz agora 54 anos: em 1 de outubro de 1971, a CCS/BCAÇ 2912 e a CCAÇ 2700 sofrem uma emboscada, num patrulhanento auto noturno a aldeias em A/D, na picada Duas Fontes-Bangacia, de que resultaram 8 mortos (5 no local, 3 no HM 241). Mais uma vez a CECA não reportou este revés das NT, no livro sobre a atividade operacional de 1971.



Foto do álbum do Américo Estanqueiro, com a devida vénia ao autor e à editora, a Fundação Mário Soares (*). 

 Na foto, alinham-se os caixões que hão-de levar os restos mortais das vítimas...Cinco, na sequência da emboscada, e mais três, dos evacuados para  o HM 241, em Bissau, com ferimentos graves (e que acabaram por morrer, uns dias a seguir). 

Mais uma vez a CECA não reportou este revés das NT,  no livro  sobre a  atividade operacional (neste caso do ano de 1971).

Fonte: Américo Estanqueiro (2007) / Fundação Mário Soares


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá, Sector L5 > Galomaro > CCS / BCAÇ 2912 (Galomaro, 1970/72) e CCAÇ 2700 (Dulombi, 19670/72) >

Em 1 de outubro de 1971, por volta das 20h30, duas secções da CCS / BCAÇ 2912, reforçadas por uma secção da CCAÇ 2700, em coluna auto, sofreram uma violenta emboscada, na estrada Galomaro-Duas Fontes (Bangacia), de que resultaram de imediato 5 mortos e vários feridos graves, da CCS / BCAÇ 2912, do CCAÇ 2700 e do Pel Mil 288.

Bangacia (ou Duas Fontes) ficava a meio caminho entre Galomaro e Dulombi, a sul de Bafatá, a sudeste de Bambadinca, a oeste do Xitole, a sudoeste do Saltinho. Com a retirada de Madina do Boé, em 6/2/1969, o sector L5 tornou-se mais vulnerável a incursões do PAIGC.
 





1. Foi há 54 anos. Não há registo desta trágica ocorrência no livro da CECA sobre a atividade operacional no ano de 1971. Apenas no livro dos mortos.  

No passado dia 1 de outubro, às 20:06, na sua página do Facebook,  o nosso grão-tabanqueiro António Tavarese que vive no Porto veio lembrar,  oportunamente, esta efeméride:

"Emboscada em Duas Fontes/Bangacia

Pelas 20h30 do dia 01 de outubro de 1971 (há 54 anos) uma coluna de Patrulhamento Auto por todas as Autodefesas da CCS/BCaç 2912 foi emboscada em Duas Fontes/Bangacia.

No local faleceram cinco militares continentais e houve quatro feridos graves.
Passadas poucas horas a rádio da 'Maria Turra' anunciou a morte de seis militares na emboscada. Errou.

Dos evacuados para o HMR 241, em Bissau, faleceram posteriormente mais três militares. (...) Descansem em paz."


Antóno Tavares 
ex-fur mil SAM, 
CCS/BCAÇ 2912, 

2. Foram 8 os militares (incluindo 1 milícia) mortos nesta emboscada (5 no local,  e posteriormente, mais 3  no HM 241, em resultado dos ferimentos em combate). 


(i) 2 militares da CCAÇ 2700, Dulombi
  •  sold at inf, José Guedes Monteiro, solteiro, natural de São João da Folhada, Marco de Canaveses (foi inumado no cemitério da sua terra);
  • 1º cabo at inf, Rogério António Soares, casado, natural de Canas de Senhorim,  Nelas (inumado no cemitério paroquial de Oliveira do Conde - Carregal do Sal).

(ii) 5 militares da CCS / BCAÇ 2912, Galomaro (dos quais dois já no HM 241, Bissau, dias depois)

  • 1º cabo bate-chapas , Alfredo Tomás Laranjinha, solteiro, natural de Lumiar, Lisboa (inumado no cemitério paroquial de Pombais, Odivelas);
  • sold mecânico auto Leonel José da Conceição Barreto, solteiro, natural de Guia, Albufeira (inumado no cemitério da sua terra natal);
  • sold trms, José Peralta de Oliveira, solteiro, natural de Souto da Casa, Fundão (inumado no cemitério da Covilhã);
  • sold apontador de metralhadora, Luís Vasco Fernandes, solteiro, natural de São João da Pesqueira (inumado no cemitério Paroquial de Pereiros; ferido em 1 de outubro de 1971, vindo a morrer a 5, no HM 241, Bissau);
  • sold sapador, José Ferreira, casado, natural de Longos, Guimarães (inumado no cemitério da sua terra natal; ferido em 1 de outubro de 1971, vindo a morrer,a 6, no HM 241, Bissau).
(iii) 1 milícia, do Pel Mil 288 / CMil 30, Dulombi
  • sold milícia, Iderissa Candé, casado, natural de  Jemjelém,  Galomaro, Bafatá (inumado em Galomaro: falecido a 20 de outubro).
  •  
Repare-se que dos 8 mortos acima listados, só três são atiradores ou operacionais p.d, sendo os restantes (i) um bate-chapas, (ii)  um mecânico auto, (iii) um operador de transmissões, (iv) um sapador e (v) um milícia.

 Voltaremos, oportunamente, a falar desta emboscada que afetou profundamente, na altura, o moral do pessoal da CCS/BCAÇ 2912. 

Terá havido erros no planeamento e execução deste patrulhamento auto, à noite. Um atividade de rotina, ao que parece, mas feita em parte por pessoal "atiruense", sem desprimor para ninguém.  A coluna, de duas viaturas (1 Unimog 404 e 1 Unimog 411), levava 1 secção da CCAÇ 2700 e 2 secções da CCS/BCAÇ 2912.   


2. Comunicado do PAIGC de 7/10/1971 assinado por Constantino dos Santos Teixeira (Tchutchu) sobre a emboscada de 1/10/1971
 


O Constantino dos Santos Teixeira (nome de guerra, "Tchutchu"), um dos históricos "comandantes" do PAIGC, formados na Academia Militar de Nanquim, China: distinguiu-se na Frente Sul; em finais de 1971 liderava a Frente Bafatá / Gabu Sul. 

Foto; John Sheppard & Granada TV, in Liberation of Guinea, Basil Davidson. Acedido em: A Brief History of PAIGC (com a devida vénia...).

Recorde-se que o "Tchutchu" frequentou, em 1960, o 1º Curso de Sargentos Milicianos, juntamente com o Domingos Ramos e outros futuros combatentes do PAIGC, e ainda  com o nosso Mário Dias. Deve ter desertado já como 1º cabo miliciano, tal como Domingos Ramos.

 Depois da independência da Guiné-Bissau, Teixeira desempenhou várias funções governamentais: (i) foi ministro do Interior, no tempo de Luís Cabral; e (ii) após a morte de Francisco Mendes (que era Primeiro-Ministro) a 7 de julho de 1978, Teixeira assumiu temporariamente o cargo de Primeiro-Ministro: por pouco tempo, de 7 de julho até 28 de setembro de 1978, quando João Bernardo Vieira foi nomeado Primeiro-Ministro.

Após o golpe de Estado de 14 de novembro de 1980, o "Tchutchu", uma figura prestigiada do PAIGC,  também caiu em desgraça, como outros elementos próximos de Luís Cabral, tendo ficado em prisão domiciliária em Bolama; morreu em 1988 ("apareceu morto dentro do carro em Bissau", diz o Mário Dias, que foi seu colega de recruta).



Fonte: (1971), "Comunicado de guerra [Frente Leste]", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40550 (2025-10-4)


Guiné > PAIGC > Comando da Frente Bafatá > Gabu Sul > 1971 > Comunicado, assinado por Constantino dos Santos Teixeira ("Tchutchu"), sobre os resultados da emboscada montada pela guerrilha a forças do BCAÇ 2912 (CCS e CCAÇ 2700) na estrada Galomaro - Bangacia (ou Duas Fontes, em 1 de outubro de 1971.

O documento original é do Arquivo de Amílcar Cabral / Fundação Mário Soares, reproduzido, na página 67, no catálogo da exposição de fotografia do Américo Estanqueiro (*).

É um notável documento, objectivo, seco, brutal, sucinto, escrito em português (quase perfeito), e revelador dos valores, da organização e da disciplina (revolucionária) dos combatentes do PAIGC... O resultado do "saque" (despojos dos mortos foi devidamente, burocraticamente, discriminado e reportado a Conacri, onde estava estado-maior do Partido).


Reprodução do documento (LG);

Comando Frente Bafatá. Gabu Sul, 7/10/71

Comunicado

Dia 10/1/71, os nossos combatentes numa emboscada
feita na estrada Galomaro-Bangacia,
conseguiram destruir dois camiões militar[es], 
maioria dos ocupantes liquidados; 
deixaram no terreno 6 mortos confirmado[s] pelo nosso c/ [camarada],
e apanharam 5 espingardas G-3
e alguns carregadores da mesma arma,
e apanharam 2 relógios, 
(302$50) trezentos e dois escudos e cinquenta centavos
 e nove (9) vacas
onde mandaram 5 para Quembera [ou Kambera] **, e ficaram com 4 no interior do país.

O c/ [comarada] Paulo Maló mandou-me dizer para pedir à direcção do Partido, 
para que o c/ [camarada], M’ Font Tchuda (?) N’ Lona estava sem relógio[;], 
resolveram deixá-lo com um dos dois relógios apanhados durante a acção. 
Também trouxeram um prisioneiro, ele encontra-se con[n]osco.

Durante a operação tivemos dois feridos não grave[s], 
são eles Canseira Sambu, N’ Dankena (?) N’Hada.

Segue[m] com o portador as 5 espingradas G-3 apanhadas ao inimigo, 
e os outros objectos.

Saudações combativa[s].

Constantino dos Santos Teixeira (Tchutchu)



3.. Ficaram ecos desta terrível emboscada na memória dos vindouros. Leia-se por exemplo este excerto de um poste do nosso camarada Juvenal Amado (CCS/BCAÇ 3873, Galomaro, 1972/74)

"Duas Fontes: local onde abastecíamos de água perto de Bangacia. Era um local que inspirava confiança, mas não podemos esquecer que essa mesma confiança custou a vida a seis camaradas do Batalhão antigo [,BCAÇ 2912, 1970/72,] que ali foram emboscados.

Bangacia foi também destruída por um ataque durante a nossa comissão. Nós reconstruímos a povoação com ordenamento tipo Baixa Pombalina, com escola, posto médico e o PAIGC nunca mais atacou. Deve ter considerado que era uma coisa boa a manter para quando a paz chegasse. E tinham toda a razão".

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27221: Notas de leitura (1838): "Uma Outra Perspectiva", por Rui Sérgio; 5livros.pt, 2023 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Agosto de 2024:

Queridos amigos,
Quando leio as narrativas do escritor Rui Sérgio, que foi alferes-médico num batalhão sediado em Galomaro, interrogo-me sobre o que aconteceu no Leste da Guiné desde agosto de 1970, altura em que regressei a casa, e os acontecimentos que ele descreve vividos predominantemente em 1973 e 1974. A partir de novembro de 1969, passei à intervenção em Bambadinca exclusivamente com um pelotão de caçadores nativos. Íamos corriqueiramente cumprir missões através de cimento, transporte de doentes a locais como Galomaro (então sede de companhia), Madina Bonco, Afiá, Madina Xaquili e outros pontos que Rui Sérgio aqui refere como autênticas operações, isto enquanto nós percorríamos estas regiões com num Unimog 411, ao nível de secção, impensável recorrer à picagem da estrada. Cumpríamos a coordenação das colunas que se organizavam a partir de Bambadinca até ao Saltinho, exatamente nos mesmos termos que Rui Sérgio descreve, só com a distinção que não parávamos em Mansambo, embora a tropa local picasse a estrada e ficasse em vigilância até à nossa passagem no regresso a Bambadinca. Muito provavelmente, o desaparecimento dos destacamentos de Béli e Madina de Boé deixaram o Boé mais permeável às investidas das forças do PAIGC. O régulo do Cossé, Mamadu Sanhá, tenente de 2.ª linha, dizia a quem o queria ouvir que ninguém do PAIGC se atrevia a molestar a vida dos habitantes do Cossé, isto até agosto de 1970. Vemos agora o batalhão em Galomaro, escusam de me dizer que a guerra não se tinha acentuadamente agravado no Leste.

Um abraço do
Mário



Há lembranças que aquele alferes médico não quer deixar apagar

Mário Beja Santos

É o mais recente livro de Rui Sérgio, intitula-se Uma Outra Perspetiva, 5Livros, 2023. São lembranças avulsas, por vezes releva o olho clínico, há queixumes e não menos azedumes, mas aquela natureza, as solidariedades, a sua atividade como alferes-médico colaram-se-lhe à pele, escreve como ninguém sobre a Guiné, mesmo quando aqui e ali se repete ou regressa à mesma história com outro pormenor. E momentos há em que narrador e leitor coincidem no olhar.

Logo as pragas, lembra uma praga de sapinhos, as viaturas a esborrachá-los, os gafanhotos, predadores terríveis, nuvens que quase encobrem o Sol; e os morcegos, a sair dos telhados do quartel, aos milhares, à noite era vê-los a comer os insetos, ótimo, eram menos picadas sobre nós. E recorda o Santos, maqueiro, que o chamou para ver o centro de saúde militar em Galomaro, centenas senão milhares de morcegos dependurados de cabeça para baixo nas traves do telhado, à procura de alimento, talvez insetos ou gafanhotos ou aranhas voadoras.

Não esquece as expedições ao Saltinho, de Galomaro a Bafatá, daqui a Bambadinca, aqui organizava-se uma grande coluna, pelo trajeto, que incluía Mansambo, a Ponte dos Fulas, Xitole e depois Saltinho, com inversão de marcha para evitar emboscadas e minas, ao longo do trajeto gente dos diferentes aquartelamentos ficavam e guardavam a passagem da coluna.

E vem o testemunho do profissional, a assistência médica no mato, ele fala na evacuação Yank (nós conhecíamo-la por Y), o alferes-médico e o cabo-enfermeiro seguiam no helicóptero como soros e mala de medicamentos. Rende uma homenagem aos anjos do céu, as enfermeiras paraquedistas. Volta a recordar Bacar, dava-lhe apoio no centro de saúde civil, ficara sinistrado numa mina antipessoal, era um intérprete de um médico, transmitia a sintomatologia do doente, filtrava a lista de doentes de acordo com as etnias. De igual modo, volta a lembrar o comandante Braima, um Futa-Fula alto e esguio, muito respeitado pelos seus pares (pisteiros e milícias).

O alferes-médico tinha em Galomaro a seu cargo a missão do sono e no pequeno hospital tratava tuberculosos e leprosos. Enuncia o tratamento dos leprosos, as dosagens, as manifestações, o que tomavam os tuberculosos, quais os seus sintomas e fala da vacinação das crianças.

Há também a lembrança do Sr. Regalla, proprietário do restaurante Pescaria em Galomaro. Um dia o alferes-médico perguntou-lhe se era do PAIGC, o Sr. Regalla contestou, era cabo-verdiano, o alferes-médico ripostou: “Sr. Regalla, disseram-me que tem um filho que se chama Agnello que se encontra na Suécia, em Upsalla, na produção de livros escolares do PAIGC.” O Sr. Regalla disse que era tudo mentira, o alferes-médico confirmou posteriormente ser tudo verdade.

As recordações não param, a onda do macaréu a subir o rio Geba, os ataques de abelhas, o fanado, os acontecimentos de Guidaje e Guileje, as suas recordações chegam à Marinha e aos Fuzileiros, manifesta-lhes gratidão, alude à importância dos botes pneumáticos utilizados pelos Fuzileiros, os zebros, retorna aos agradecimentos à Marinha, pelo seu papel fundamental na logística no transporte através dos rios em lanchas de diverso porte, recorda um acontecimento que envolveu um parente seu:
“O patrulhamento do Cacheu através das lanchas de fiscalização grandes como a Hidra, comandada em 1973 por um meu primo direito, o 1.º Tenente Jaime Luís Vieira Coelho eram fiscalizações com certo risco, como aconteceu em 20 de maio de 1973, em que houve um ataque à lancha com rebentamentos e incêndio no convés do navio, imediatamente apagado. Ataque na curva de Jugali. Houve feridos provocados pelos rebentamentos com RPG 2 e 7 e que atingiram os cunhetes de munições da peça de artilharia Bofors do Levante.”
As suas recordações retornam às colunas de abastecimento ao Saltinho, local que ele considera paradisíaco, a água revolta dos rápidos centros rochedos, o marulhar das águas e o seu espelhado refletindo o Sol, sentiam-se acobertados de paz e sensação do repouso do guerreiro.

Uma boa parte da sua narrativa prende-se com a crítica que faz à descolonização, aos fuzilamentos da tropa africana, mostra-se favorável à criação de um exército europeu e à exploração que os chineses fazem das riquezas florestais, mais propriamente as madeiras exóticas da Guiné-Bissau.

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Nota do editor

Último post da série de 12 de Setambro de 2025 > Guiné 61/74 - P27212: Notas de leitura (1837): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 11 (Mário Beja Santos)

sábado, 30 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27167: Felizmente ainda há verão em 2025 (27): Meter o "chico" (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo CAR da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 28 de Agosto de 2025:


METER O CHICO

No tempo em que estive na tropa, havia dois termos depreciativos, se não ofensivos, Chico e Básico

Na recruta cedo travei conhecimento com os dois postos militares.

O Básico era um indivíduo sem qualquer especialidade, incapaz de marchar e manusear armas, enfim, servia para limpezas e recados dentro do quartel. Mandava em nós recrutas pois ainda éramos menos que básicos. Lidei mais de dois anos com um básico, que o era, vá se lá saber porquê.

O Santos de Grijó, esperto, desenfiado, bom de bola, indisciplinado, pronto para a malandragem, enfim figura incontornável. Estava ao serviço do Tenente Raposo que invariavelmente o mandava à procura de alguém. Esse alguém nunca aparecia, nem o Santos, e quando o tenente lhe perguntava por onde tinha andado, ele respondia que tinha andado à procura do fulano, mas que o não tinha encontrado.

Tantas vezes a bilha foi à fonte que um dia deixou lá a asa, e o Santos acabou preso na barbearia/prisão com uma porrada do Tenente-Coronel, que depois foi agravada pelo Comando-Chefe, e assim o também conhecido por Grijó, esteve praticamente um mês livre de fazer recados e de encostar a barriga ao balcão da cantina seu lugar preferido. Durante a noite fazia companhia aos camaradas na porta de armas, pois todos lhe abriam a porta e assim tirá-lo do calor horroroso que aquelas paredes do exíguo cubículo absorviam durante ar horas de sol escaldante. Um dia fez uma maldade, a jogar a bola, ao furriel Fernandes e levou logo uma chapada e, embora a contragosto, teve que ficar com ela.

Os chicos eram uma espécie imprescindível. Por cá eram eficazes em secretarias e tudo que dissesse respeito a orgânica militar. Os primeiros-sargentos eram na verdade os comandantes de companhia, os amanuenses, os que compravam e distribuíam. Era um posto invejável com benesses e lucros.

Também eram seres humanos, embora a malta desconfiasse da fartura. Na recruta, ia eu todo bem fardado a preparar-me para ir a casa pela primeira e vez faço continência a um sargento de cigarro na boca. O homem ainda me deixou passar, mas depois chamou-me e lá levei uma ensinadela.

Mas na CCS do 3872 todos os oficiais do quadro eram oriundos da GNR ou Guarda Fiscal. O tenente-coronel e o capitão já em fim de carreira, e dois sargentos promovidos a tenentes em duas passadas, acabando o tenente Raposo em comandante da companhia, nem seis meses após a nossa chegada a Galomaro.

Pródigo em ameaças, nunca castigou ninguém e maldisse a sua sorte de estar entregue a semelhante canalha. Era também conhecido por tentar aliciar para as meninas dos seus olhos, a GF e a GNR, todos os apanhava a jeito. A maior parte mantiveram as promessas em lume brando e outros aceitaram integrar essas forças onde fizeram carreira. Nunca me convidou a mim, vá-se lá saber porquê.

O outro chamava-se Moscoso, nunca o conheci bem embora fosse voz corrente que não era flor que se cheirasse.

Devem ter morrido pois já não eram jovens e já se passaram mais de cinquenta anos. O Caramba ainda se encontrou com o já Capitão Raposo ainda de serviço na sua amada Guarda Fiscal.

Que a terra lhes seja leve bem como ao Santos que morreu pouco tempo depois de cá chegar.

Juvenal Amado
28/08/2025


Na foto o nosso Tenente Raposo e do Caramba.
Na foto estão: de pé, o Caramba; o Aljustrel; o sargento Silva e outro que não me lembro o nome pois esteve quase sempre em Bissau; o Tenente Raposo e o Santos Grijó. À janela o Ermesinde, já falecido.
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Nota do editor

Último post da série de 28 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27163: Felizmente ainda há verão em 2025 (26): O Meu Poema Azul (Versão do fim da tarde) (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

segunda-feira, 14 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27016: Notas de leitura (1819): "Guiné Destino Imposto", por Rui Sérgio; 5livros.pt, 2020 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Julho de 2025:

Queridos amigos,
Temos aqui uma nova narrativa, por vezes com histórias bem curiosas de um médico que assina com o nome de escritor Rui Sérgio. Andou por Dulombi, Cancolim e Saltinho, fez serviço médico nos Bijagós, assistiu ao fim do Império na Guiné. Em permanência, homenageia quem combateu na aspereza daqueles caminhos, recorda carinhosamente os seus colaboradores, lamenta do fundo do coração a hecatombe que se seguiu. O fio da memória está vivo, tão vivo que iremos ouvir falar dele nas terras da Guiné.

Um abraço do
Mário



Foi alferes médico em Galomaro e tem histórias para contar

Mário Beja Santos

Mais um comprovativo de que a literatura memorial está viva e recomenda-se. O título da obra é "Guiné Destino Imposto", por Rui Sérgio, 5livros.pt, 2020. Rui Sérgio é já um nosso autor conhecido, temos agora um punhado de memórias avulsas, lembra a sua partida para a Guiné, foi o segundo filho a marchar para a guerra, o irmão mais velho, também médico, esteve na 18.ª Companhia de Comandos em Moçambique. Em Bissau comunicam-lhe que irá para Galomaro, viajou do Pidjiquiti até ao Xime numa LDG, e começa por nos apresentar algum do pessoal que estava na sede do BCAÇ 3872, dele guarda recordações memoráveis, tanto do BCAÇ 3872 como do pelotão de reconhecimento e da CCAÇ 3491, vai elencando os nomes, desde os comandantes aos capitães e alferes, não esquecendo o tenente da secretaria e o padre capelão. “Fui substituir o António Pereira Coelho, que transitou para diretor do Hospital de Bafatá, e que é hoje professor da Faculdade de Medicina de Lisboa, onde se destacou como o homem da inseminação e procriação in vitro. Nesta guerra fui o alferes miliciano médico, Rui Vieira Coelho, licenciado na Faculdade de Medicina do Porto, com a especialidade hospitalar de Cirurgia Geral. Regressado, fui assistente da Faculdade de Medicina da cadeira de Clínica Cirúrgica.” Confessa que não esqueceu tudo o que por lá passou, as amizades que fez, os seus colaboradores diretos, aqui agradece-lhes muitíssimo, e não esquece o batalhão que substituiu o 3872, o BCAÇ 4518. E dá-nos seguidamente um quadro muito afetivo das suas lembranças.

Logo o Jamba, um encarregado civil pela limpeza do aquartelamento. “Era um homem de porte atlético, de etnia Mandiga, de olhos esbugalhados e com uma face de quase riso permanente, bem musculado e sempre com uma atividade acima do normal. Tinha uma grande liderança em relação à sua equipa de limpeza quer da parada quer dos refeitórios, ajudando em todos os serviços da cozinha, assim como no posto de saúde, a limpeza da enfermaria.” Um dia encontrou-o acabrunhado, ansioso, o médico ofereceu-se para conversar com ele. Jamba contou de sua justiça. “Há cerca de duas semanas, quando ia do quartel para casa, encontrei na porta uma galinha preta, sem cabeça e uma cruz de sangue na soleira, fora feito um grande feitiço, nunca mais fui homem.” Perdera todo o ensejo de fazer amor, perdera vontade de viver, pensava em fugir. O médico procurou descansá-lo, deu-lhe uma mezinha para beber, com a garantia de que passado uma hora ficaria mais homem do que alguma vez teria sido. O médico deu-lhe um comprimido efervescente de vitamina C, em frente dele deitou o comprimido no copo de água, Jamba bebeu e o médico disse-lhe para voltar à tabanca dentro de uma hora. Duas horas depois Jamba voltou alegre, cheio de vitalidade, a mezinha dera efeito.

Segue-se Bacar Djaló, antigo pisteiro, fora ferido em combate e perdera um olho, agora era o tradutor-intérprete do médico. Bacar apresentava-se no Centro de Saúde, organizava a vila nos doentes dentro da seguinte lógica: primeiro os Futa-Fulas, depois os Fula-Forros, mais adiante os Fula-Negros, seguiam-se todos os outros, terminando nos Biafadas. Como o médico considerava que deviam ser atendidos em primeiro lugar aqueles mais graves pediu explicações ao Bacar que respondeu que “Fula é conde! Mauro Dótor tem de entender que Fulas mesmo pequenino já fala e escreve três línguas. De manhã anda na escola portuguesa, sabe português e escreve de cima para baixo e da esquerda para a direita. À tarde, menino vai na escola árabe e lê e escreve de baixo para cima, da direita para a esquerda, Fula tem inteligência na cabeça e, portanto, é conde, portanto fica em primeiro em qualquer fila.” Quando Bacar via o médico a cumprir rigorosamente os horários de trabalho, Bacar interpelava-o: “Calma, Mauro Dótor, não tem pressa no trabalho. Para quê trabalhar depressa se o trabalho nunca mais acaba?”.

O autor recorda as colunas para Dulombi, a 18 km de Galomaro, onde o médico ia com frequência, não esqueceu a picagem dos caminhos, a admiração que tinha por todos, por aquelas árduas caminhadas na época das chuvas, as picadas inundadas. Descreve a vida em Galomaro, os edifícios, os diferentes itinerários, e regressa às lembranças pessoais.

Logo, Binta, uma jovem lavadeira de riso e alegria contagiantes, foi uma heroína, recusou energicamente a mutilação genital. Ocorre-lhe a referência da quadrícula em que se inseria o seu batalhão, o setor L5, as unidades que o compunham, as companhias operacionais em Cancolim, Dulombi e Saltinho, a população predominante era a Fula; não esquece os pelotões de milícias e os pelotões de caçadores nativos e onde cumpriam a sua missão, na zona do batalhão operavam 15 pelotões de milícia, visitas frequentes do posto militar de saúde; lembra também a Marinha, as canseiras das colunas de abastecimento, sobretudo ao Saltinho. Refere os perigos da vida corrente, como a desidratação, as doenças que tratava, as de transmissão sexual. “Confiavam em mim e no segredo profissional que estava subordinado, servindo de intermediário válido entre eles e o comando. O medo e em alguns a ansiedade permanente levava por vezes a depressões quase todas de caráter reativo à situação de guerra por que passavam, que se agravava exponencialmente, com mortos e ou feridos, com a falta de notícias. O sentido de perigo constante fazia com que entre camaradas a amizades e a solidariedade fosse a melhor terapêutica para um bom equilíbrio emocional. Não é por acaso que o pessoal militar que passou pela Guiné tem um sentido tão gregário.” Como não será por acaso que se formaram organizações não-governamentais solidárias, na área da saúde e educação, predominantemente. Volta a falar nas doenças com que se confrontava, a malária, a disenteria amebiana, o programa de vacinação no campo da saúde pública (tuberculose, cólera, difteria, tétano e tosse convulsa, bem como a hepatite).

Guarda recordações dos Bijagós, ele era subdelegado de saúde da zona de Galomaro, competia-lhe prestar assistência médica no arquipélago, percorria Orango, Bubaque, a Ilha das Galinhas, guarda saudades. Refere depois um aeródromo de recurso, tudo usto já no final da guerra. Constava na boataria que estava para breve um assalto final a Bissau pelo PAIGC, os comandos decidiram que era necessário uma aeródromo de recurso no arquipélago dos Bijagós, concretamente na ilha Caravela, havia que instalar uma tenda de apoio médico, assistiu a todo aquele espetáculo de máquinas de terraplanagem a nivelarem as terras revolvidas, passadas todas estas décadas não sabe se aquele aeródromo de recurso da ilha Caravela chegou a ser concluído sem empréstimo.

Junta um vasto elenco de fotografias, despede-se homenageando todos os antigos combatentes da guerra.

Rui Sérgio
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Nota do editor

Último post da série de 11 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27003: Notas de leitura (1818): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 2 (Mário Beja Santos)