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terça-feira, 9 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25361: Historiografia da Presença Portuguesa em África (417): "Desastre de Bolor ou Bolol" [Carlos Cordeiro, 1946-2018) / Patrício Ribeiro]


Antiga Província Portuguesa da Guiné > Carta Geral (Escala: 1/500 mil) (1961) > Posição relativa de Bolor (1), Bolola (2), Jufunco (3), Varela (4) e Cacheu (5). No Google Map, o topónimo uado é "Bolor" (mas os guineenses hoje dizem "Bolol"... e o povo é quem faz a língua)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)


1. Comentário de Carlos Cordeiro (1946-2018) ao poste P8622 (*)

[O desstre de Bolor ou Bolol] aconteceu em finais (talvez mesmo em dezembro) de 1878. A Guiné era governada por um governador, dependente do governador-geral de Cabo Verde.

Foi uma grande mortandade: falou-se mesmo em cerca de duas centenas de mortos. 

Tudo aconteceu por incompetência das autoridades portuguesas, em especial, do governador, que mandou sair tropas com armas descarregadas e ficou num barco a ver o desenrolar dos acontecimentos. Depois, o barco onde estava,  disparou o canhão (que me desculpe o C. Martins), que, mal assente, tombou e foi parar ao mar, etc.. 

A Câmara dos Deputados tem debates acalorados sobre os acontecimentos, ao longo de várias sessões, bem como sobre a legislação que, em 1879, criou a "província da Guiné portuguesa", tornando o seu governo independente do de Cabo Verde. 

Administrativamente ficou dividida em quatro concelhos: Bolama, Bissau, Cacheu e Bolola. (**)

Três aspectos sempre em destaque nos debates (além de outros, naturalmente):

(i) Que fazer? Expedição punitiva ou reconhecimento da incompetência das autoridades ao terem intervindo numa rixa que não tinha propriamente a ver com os interesses portugueses?

(ii) A falta de informações sobre as realidades ultramarinas e o problema da dificuldade das comunicações.

(iii)  As insuficiências das guarnições militares em todas as "possessões ultramarinas".

Não resisto a transcrever esta passagem de um discurso do deputado Freitas Oliveira, na sessão de 11 de Março de 1879 

(...) "Ouvi fallar das fortalezas da Guiné, como se ali houvesse alguma fortaleza! O que se chamou fortaleza da-Guiné, consiste em um paredão sobre o qual estão dez peças do artilheria, collocadas em sarilhos de madeira, que em dias de grande galla, por occasião das salvas, se voltam de traz para diante, quando disparam, como aconteceu ao rodizio da canhoneira que ultimamente aggravou com o ridículo o desastre dè Bolor". (...)

Só mais uma coisa: fala-se sempre em "Bolor" e não Bolol. No mapa aqui publicado também tem a indicação "Bolor". Deve ter havido alteração do nome.

Um abraço,
Carlos Cordeiro

1 de agosto de 2011 às 03:28


2. Comentário do editor LG:
 
O nosso "correspondente em Bissau" Patrício Ribeiro já em tempos nos tinha mandado fotos destas terras do chão felupe, que poucos de nós conheceram... Chama "Bolor" ao lugar que hoje outros chamam "Bolol"... E lá está o canhão... e vestígios (correntes de ferro) provavelmente do tempo ainda do tráfico de escravos... A rever. (***)



Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Bolor ou Bolo, na foz do rio Cacheu > Velhos canhões... e correntes de ferr

Fotos (e legenda): © Patrício Ribeiro (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
____________  


(***) Vd. poste de 2 de setemnro de 2015 > Guiné 63/74 - P15065: Memória dos lugares (318): em terra dos felupes: Bolor, Rio Cacheu, Djufunco, Varela... (Patrício Ribeiro)

(...) Envio, para recordarem, algumas fotos tiradas no mês de maio [de 2015],  de visita por terra à Tabanca, do antigo Fortim da Ponta de Bolor (...).

Como sabemos, esta tabanca [Bolor, no estuário do Rio Cacheu, na margem direita, e vizinha de Jufunco ou Djufunco e de Bolol,] está cheia de histórias:

(i) afundamento de um barco inglês e morte dos tripulantes;

(ii) morte de mais de 30 militares portugueses, envenenados por flechas e lanças;

(iii) queda de avioneta com dois franceses, que desapareceram; após muitas buscas em terra e nos rios, nunca foram encontrados...

A quem pertencem estas correntes ? 
[vd. foto acima] (...) Foi a pergunta que o nosso amigo Pepito (Carlos Shwarz) fez aos Homens Grandes da tabanca, nunca teve resposta … aquando do almoço nesta tabanca de dezenas de brasileiros descendentes de escravos, em 2010, em Cacheu.

Será que alguém sabe a quem pertence? (...) Fotografei, nesta festa, mais ou menos 5 canhões , do tempo das caravelas, que só neste dia estavam nos largos da tabanca. (...)

(...) [Falta-nos a carta, de 1/50 mil, de Jufunco, lapso nosso ou do nosso "cartógrafo" Humberto Reis...Esta região faz parte do Parque Natural dos Tarrafes do Rio Cacheu, "considerado o 5º maior parque com mancha contínua do ecossistema do mangal em África"...]

segunda-feira, 8 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25356: Blogues da nossa blogosfera (190): Recuperando parte dos conteúdos do antigo sítio da AD Bissau - Parte III: Foto da semana, 19 de dezembro de 2010, o canhão do fortim de Bolol (ou Bolor), memória silenciosa do desastre de 1870


Guiné-Bissau > AD-Acção Para o Desemvolvimento > Foto da Semana >  Título da foto: Canhão do Fortim de Bolol | Data de Publicação: 19 de Dezembro de 2010 | Data da foto: | 21 de Novembro de 2010 | Palavras-chave: história (*)

Legenda:

Durante o período colonial, no final do século XIX, os portugueses estabelecem um fortim em Bolol para controlar o movimento marítimo na embocadura do Rio Cacheu, já próximo do oceano Atlântico.

A tabanca felupe de Djufunco, situada a pouca distância de Bolol, não aceita a presença desse Fortim e faz uma investida que acaba por destruí-lo e impedir de vez o seu funcionamento.

Ofendido, o governador da Guiné, sediado em Cabo Verde, organiza uma expedição punitiva a Djufunco, que acaba por se traduzir na morte de quase todos os soldados portugueses envolvidos nesta operação.

Passará a ficar conhecido na história como o Desastre de Bolol, vindo a ter como consequência imediata a afectação de um governador na Guiné, em vez de continuar a estar em Cabo Verde.

Fonte: Arquivo.pt > ADBissau.org (com  devida vénuia...)


Antiga Província Portuguesa da Guiné > Carta Geral (Escala: 1/500 mil) (1961) > Posição relativa de Bolol (ou Bolor(, Bolola, Jufunco, Varela e Cacheu.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guimné (2024)


2. Sobre o desastre de Bolol (ou Bolor, como ainda se escrevia na carta de 1961), pode ler-se na Wikipedia (com a devida vénia...)

(...) Desastre de Bolol é a designação por que ficou conhecida na historiografia colonial portuguesa o resultado da expedição militar portuguesa enviada em finais de 1878 para recuperar o fortim de Bolor (era assim que se escrevia na época ao) na foz do rio Cacheu, na então Guiné Portuguesa.

A expedição, enviada pelo governador de Cabo Verde, que à época tinha jurisdição sobre a costa da Guiné, resultou na morte de quase todo o contingente envolvido na operação, o que determinou a alteração da estratégia portuguesa na região, nomeadamente a criação de um governo específico na Guiné, sedeado em Bolama e separado do de Cabo Verde.

(...) No contexto da corrida à ocupação efectiva do território africano, que culminaria na Conferência de Berlim (1884-1885), forças britânicas da colónia da Serra Leoa instalaram-se na ilha de Bolama, iniciando uma disputa pelo controlo da foz do Cacheu que culminou em 1870 com a decisão arbitral do presidente norte-americano Ulysses S. Grant que reconheceu a soberania portuguesa na região.

Em consequência, o Governo português ordenou a ocupação efectiva daquela região, visando a consolidação do seu estatuto como possessão portuguesa. 

Entre os postos criados, foi estabelecido um fortim na tabanca de Bolol (ao tempo referida como Bolor), em território do grupo étnico dos felupes, na margem direita do rio Cacheu.

O objetivo do fortim de Bolor/Bolol era albergar uma pequena força portuguesa à qual caberia controlo do movimento marítimo na embocadura do rio Cacheu, estabelecendo assim a posse efectiva do território em antecipação a novos conflitos pela posse daquela estratégica porção da costa africana e das ilhas fronteiras, nomeadamente a posse de Bolama e da parte mais interna do arquipélago dos Bijagós.

Aparentemente com o apoio britânico, cujos mercadores na região terão fornecido armamento, o povo da tabanca felupe de Jufunco (lê-se: Djufunco),  situada a pouca distância de Bolor/Bolol, não aceitou a presença militar portuguesa, atacando e destruindo o fortim.

Em resposta ao ataque, o governador da Cabo Verde, então com jurisdição sobre a costa africana fronteira ao arquipélago de Cabo Verde, na qual se incluía a actual Guiné-Bissau, enviou em 1878 uma expedição punitiva a Jufunco. 

A resistência do povo felupe foi inesperadamente dura e a expedição foi um desastre militar, resultando na morte da maioria do efetivo português envolvido na operação.

O incidente, apelidado de 'desastre de Bolol' (na época dizia-se Bolor), foi uma das maiores derrotas do Exército Português na luta pelo controlo das populações africanas das colónias portuguesa no contexto das campanhas de pacificação.

Como consequência imediata foi determinado a criação de um governador autónomo na Guiné, separado de Cabo Verde, sendo escolhida como sede a vila de Bolama, estabelecendo assim uma efectiva presença portuguesa no território que havia sido disputado com os britânicos.

 Seguiram-se múltiplas acções militares visando a submissão dos diversos povos da região, nomeadamente contra os biafadas em Jabadá (1882), os papéis em Bissau e no Biombo (1882-1884), os balantas em Nhacra (1882-1884) e os manjacos em Caió (1883).(...)

No local do fortim, agora parte do Parque Natural dos Tarrafes do Rio Cacheu, apenas resta uma pequena peça de artilharia em ferro, de alma lisa.(...)

(Seleção, revisão / fixação de texto, itálicos, negritos: LG) 
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Guiné 61/74 - P25355: Blogues da nossa blogosfera (189): Recuperando parte dos conteúdos do antigo sítio da AD Bissau - Parte II: Foto da semana, 16 de janeiro de 2011 (Tambores de Bolol na festa do fanado felupe)


Guiné-Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Título da foto: Tambores de Bolol |  Data de Publicação: 16 de janeiro de 2011 |  Data da foto: 21 de novembro de 2010 | Palavras-chave: Cultura popular

Legenda: 

A tabanca de Bolol, situada no extremo sul da planície de Varela, junto à embocadura do rio Cacheu (Bolor, ao lado de Bolola, segunda cartografia portuguesa, vd. carta de Jufunco, que não temos), prepara-se este ano para realizar o seu 'fanado', o que está a mobilizar toda a comunidade felupe desta zona e em especial os jovens.

Trata-se da cerimónia ancestral de iniciação dos jovens à vida adulta, onde são acolhidos numa 'barraca' num local isolado durante cerca de 2 meses, onde aprendem a sua história, a sua cultura, os valores éticos e morais e a forma de se comportarem em sociedade.

Felizmente que este ano a colheita de arroz foi boa e muito melhor que a do ano passado, o que vai assegurar que todas as cerimónias culturais que antecedem a partida dos 
'fanados' para a 'barraca' e a sua saída se anteveja com muita alegria e festa.

Foto (e legenda): Arquivo.pt > AD - Bissau (com a devida vénia...)


1. Continuamos a recuperar, com sorte e paciência, algumas "fotos da semana", do antigio da AD - Acção para o  Desenvolvimento,  como esta que reproduzimos acima: os tambores de Bolol na festa do 'fanado' felupe...

Como já dissemos anteriormente, a maior parte das fotos desta série eram tiradas pelo Pepito,  nas suas andanças pelo interior da Guiné. Gostava gostava muito do "chão felupe". Tinha casa de praia em Varela, já deste o tempo dos pais.

Cada foto tinha um título, uma data, uma palavra-chave ou "descritor", e uma legenda, resumo analítico ou sinopse. Esta série, "foto da semana", começou a publicar-se no início da criação da página, em 2005.

O sítio, AD Bissau  (http://www.adbissau.org/ ) fazia parte da lista dos "blogues da nossa blogosfera" (*), Infelizmente ficou inativo por volta de 2020/2021 e foi desontinuada,  por razões que desconhecemos (talvez devido à pandemia).  O sítio atual da Ação para o Desenvolvimento (nova designação, de acordo com a ortografia em vigor) é: https: www.ad-bissau.org

Só muito recentemente, através do Arquivo.pt, conseguimos recuperar parte dos seus conteúdos. Outros perderam-se, como o casos de alguns excelentes vídeos didáticos, como o Bemba di Vida (Celeiro da Vida), uma produção do IBAP, com apoio de várias ONGD, incuindo a AD... (Está disponível no You Tube, na conta de Edgar Ferreira Correia). O Arquivo.pt não recupeera estes vídeos por que "o Adobe Flash Plaer já não é suportado"... Enfim, é o preço que se paga pela obsolescência tecnológica no domínio da gestão da informação.


De qualquer modo, é uma pena que estes recursos (vídeos, áudio, fotos, texto...) se percam. (Vd. também a página do Facebook do IBAP - Instituto da Biodiversidade e Áreas Protegidas), instituição que merece o nosso apreço e apoio.

No tempo do nosso amigo Pepito, engº agrº Carlos Schwarz da Silva (Bissau, 1949 - Lisboa, 2014), cofundador e diretor executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento, tínhamos uma relação privilegiada com esta organização guineense, com sede em Bissau, Bairro do Quelelé..
.
Fomos perdendo os contactos, com a morte do Pepito e os sobressaltos da vida interna da ONG.  Mas durante anos o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné continuou a figurar como um dos "parceiros" da AD, a par, por exemplo, da Tabanca Pequena de Matosinhos (vd. imagem à esquerda).

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23808: Historiografia da presença portuguesa em África (344): L’Affaire Gaté: o mirabolante desaparecimento de um avião, com guerra em chão Felupe (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Março de 2022:

Queridos amigos,
A história deste avião desaparecido tem foros de tragicomédia, o palco principal foi o chão Felupe, tudo começou com um avião desaparecido, as autoridades senegalesas consideraram que se despenhou no mar devido a um tornado, a viúva moveu o céu e a terra para haver inquérito in loco, temos três peças fundamentais para analisar o assunto. Primeiro, o que escreve René Pélissier na sua História da Guiné, 1841-1936, volume II, Editorial Estampa, 1997, houvera rebelião Felupe no início da década de 1930, aparentemente contida, refere os aspectos caricatos e mitológicos do canibalismo Felupe, entramos depois no desaparecimento de 30 de junho de 1933 que vai levar a interrogatórios duríssimos à palmatória, os inquiridos disseram tudo o que o inquiridor pretendia, nasceu a confusão de que o avião teria caído em chão Felupe na Guiné portuguesa, nada se comprovou, certo e seguro foi o registo de declarações contraditórias e por vezes delirantes; segundo, a documentação elaborada pelo capitão Jorge Vellez Caroço em que se encontra nos Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa, o oficial também desmonta as inverdades e aproveita a oportunidade para criticar abertamente a intrusão missionária francesa e responsabilizar os missionários portugueses de não estarem cabalmente a cumprir o seu múnus. Iremos ver seguidamente o que já aqui se escreveu sobre o relatório do BNU da Guiné, em 1933, não se possui mais documentação sobre este caso.

Um abraço do
Mário



L’Affaire Gaté: o mirabolante desaparecimento de um avião, com guerra em chão Felupe (2)

Mário Beja Santos

Nos Reservados da Biblioteca da Sociedade de Geografia aparecem dois relatórios com a assinatura do Capitão Jorge Frederico Torres Velez Caroço, Diretor dos Serviços e Negócios Indígenas, em que apresenta ao Governador Carvalho Viegas o resultado das pesquisas desenvolvidas por uma comissão de inquérito que envolveu autoridades francesas e portuguesas para apurar se um desaparecido avião francês tinha aterrado em solo colonial português, houvera denúncias que testemunharam que tal tinha acontecido. São documentos de leitura obrigatória e contribuem, a seu modo, para introduzir uma nova abordagem ao extenso comentário do historiador René Pélissier no seu trabalho "História da Guiné, portugueses e africanos na Senegâmbia 1841-1936", Editorial Estampa, 1997; acontece igualmente que o assunto aparece tratado também no ano do desaparecimento do avião (1933), num relatório enviado pela delegação do BNU na Guiné para a sede em Lisboa, e que consta do meu livro "Os Cronistas desconhecidos do canal de Geba, o BNU da Guiné", Húmus, 2019.

Fez-se referência no texto anterior a um conjunto de diligências associadas ao desaparecimento de um avião francês, o relatório oficial de Dacar dava-o como desaparecido no mar, por efeito de um tornado, a mulher do aviador não estava conformada, apelou às autoridades francesas, seguiu-se um conjunto de diligências, não conduziram a coisa nenhuma.

Vejamos agora o relatório dos Serviços de Negócios Indígenas, referente ao ano de 1934, assinado pelo Capitão Velez Caroço, este tivera grave contencioso com o governador, houve mesmo apreciação em Lisboa do seu comportamento, processo arquivado, daí poder entender-se o cuidado da sua escrita sobre o Caso Gaté. Observa que toda a sua ação dentro da colónia foi a de conseguir o regresso dos indígenas refugiados em território francês e procurar a pacificação da região com a cooperação das autoridades de Ziguinchor. Tinha acompanhado o jornalista Didier Poulain na sua visita à região dos Felupes e, igualmente, enquanto membro da Comissão Internacional sobre o Affaire Gaté procurara desempenhar da melhor maneira a sua missão tanto em território nacional como em território francês. E dirige-se ao governador do seguinte modo:
“Brevemente serei afastado desta Direção de Serviços. Apenas terei de dizer a V. Exª que deixo com eles a saudade de não poder levar ao fim dos problemas, que era meu desejo concluir, saindo com a consciência tranquila de que trabalhei quanto pude o mais e melhor que sei”. A data deste relatório é de 30 de março de 1935, Bolama.

Convirá ter-se em atenção, neste acervo que está nos Reservados da Biblioteca da Sociedade de Geografia a outros documentos, logo o aditamento que o dito Capitão Jorge Velez Caroço fez ao relatório sobre a visita à região dos Felupes do jornalista Didier Poulain, a data é de novembro de 1934:
“Na visita ao Administrador Superior do Casamansa, Mr. Chartier, foi-me revelado que o órgão parisiense Le Journal, largamente subsidiado por Madame Gaté vinha proceder a investigações sobre a queda do avião tripulado pelo marido e para tal incumbira o jornalista e aviador Didier Poulain. Depois da sua estada na região, o referido jornalista tinha a convicção de que o aeroplano caíra na região dos Felupes. O jornalista do Le Matin chegara a conclusões totalmente opostas. O guia de Didier Poulain, de nome Mussá, apenas pôde informar ter visto um avião sobre Carabar, não garantia a data em que o avião fora visto, tendo, no entanto, apurado que as horas a que foi visto esse avião não condiziam com as do voo do avião de Gaté, o avião teria sido visto a uma hora em que o aviador Gaté nem sequer tinha ainda levantado voo. Este Didier Poulain prestou informações falsas a Madame Gaté. O administrador do Casamansa informou o seu governo que o avião de Gaté não podia ter caído na nossa Guiné, mas sim nos mares, e possivelmente bem perto do ponto de partida. Vários aviadores se tinham pronunciado que nem as condições atmosféricas nem a quantidade de gasolina que continha o depósito do avião de Gaté lhe permitiam o voo tão longo, não podendo atingir a Guiné Portuguesa. O jornalista Didier Poulain visitou Jufunco e toda a região dos Felupes e se não viu mais foi porque não quis ver”.

Igualmente há que ter em conta o relatório sobre a visita à região dos Felupes de Didier Poulain, feito igualmente pelo Capitão Jorge Velez Caroço, datado de outubro de 1934. A missão era a de acompanhar o jornalista na sua visita a Jufunco, procurando indagar dos fins com que essa visita se fazia e características especiais que a definiam.

“Didier Poulain era capitão aviador e combateu na Grande Guerra. Encontra-se presentemente ao serviço do Affaire Gaté. Diz-se interessado nos usos e custos indígenas. O Capitão Rouxel voara anteriormente sobre território português sem respeito pelas condições que haviam sido estabelecidas pelo governo da colónia. O Capitão Rouxel agira incorretamente. Madame Gaté fora acompanhada na sua visita à região Felupe por Mr. Figuier, um comerciante que afirmara ao signatário que pouca importância mereciam as informações de Madame Gaté. Cheguei à conclusão de que o avião Gaté não aterrou na Guiné Portuguesa. A receção dos Felupes aos visitantes franceses foi muito cordial. O guia de Madame Gaté fora habilidoso a pôr todos os indígenas a dizer que sim a todas as perguntas de Madame Gaté. Apareceu extemporaneamente um pedaço de tela de avião conforme mostrou o Sargento Chambon, que acompanhara Madame Gaté.
As próprias autoridades francesas tinham concluído não haver provas da queda do avião Gaté. Didier Poulain criticava o facto de o governo francês ter consentido sempre que Madame Gaté procedesse a investigações particulares. Didier referiu a versão que Madame Gaté fez correr de que o marido estava nos Bijagós prisioneiro dos alemães”
.

E vai tecer mais considerações que tem a ver com a missão e extrapolam, fala sobre o problema missionário em que era escandalosa a intrusão francesa preparando indígenas da nossa colónia. Os missionários franceses ensinavam os nossos indígenas a exprimirem-se em crioulo. Criticava igualmente as missões portuguesas que só procuravam instalar-se nos grandes meios, fugiam às duras provas de trabalhar no interior do mato.

Temos agora o relatório da comissão internacional franco-portuguesa com vista a encontrar os restos do avião desaparecido em 30 de junho de 1933, no decurso de um voo experimental que tinha na tripulação o Piloto-ajudante Gaté e como passageiro o Sargento Brée. Portugal fazia-se representar pelo Capitão Jorge Velez Caroço e pelo Administrador Arrobas Martins, responsável pela região dos Felupes em Susana; a França fazia-se representar pelo Capitão Dendoid, reuniram-se em 18 de dezembro de 1934 em Ziguinchor e começaram as suas pesquisas em 22 de dezembro. Nos Bijagós Madame Gaté pretendia que o seu marido estava prisioneiro numa companhia alemã, concessionária num grupo que fazia a exploração do óleo de palma. A comissão visitou várias ilhas sem qualquer resultado. E acontece que a empresa alemã a que Madame Gaté fazia referência tinha capitais mistos portugueses e alemães. Não fazia qualquer sentido que aquela empresa retivesse como prisioneiros dois aviadores que teriam sidos transportados por mar, já que o avião não tinha combustível para chegar aos Bijagós. O governador português também deu conta da informação que lhe fora prestada pelo Coronel do Regimento de Atiradores Senegaleses, em Dacar, ele tinha a convicção de que o avião caíra no mar. O governador pedia que se verificasse a informação antes de começarem as pesquisas na região dos Felupes.

Temos agora outro documento, o relatório da Comissão Franco-Portuguesa constituída para encontrar os restos do avião Potez-Salmson n.º 821, desaparecido em 30 de junho de 1933 no decurso do voo experimental acima de Cabo Verde. Dá-se a constituição do grupo, do lado português estão presentes o Capitão Velez Caroço e também o Administrador Martins. Apareceu, segundo se ouviu dizer, um pedaço de tela em território Felupe, na Guiné portuguesa, mas a testemunha ouvida pela Comissão Franco-Portuguesa não conseguiu obter informações precisas por quem inicialmente fizera tal declaração, Moussa N’Doyle, estava em Dacar e de lá não saía. Dava-se um prémio da região Felupe do Senegal a quem entregasse uma peça do avião desaparecido ou informações que permitissem encontrar o aparelho. Madame Gaté trouxera uma grande quantidade de tela para a Guiné e distribuiu-a pelos indígenas. Velez Caroço escreve o seguinte: “nós encontrámos 1 m2 em Bolama e cerca de 3-4 m2 em Susana. Esta tela não pode de modo algum ser considerada como proveniente do avião de Gaté”. Para Velez Caroço tinham sido 15 dias de inquéritos inúteis na região Felupe, o Coronel Comandante do 7.º Regimento de Atiradores Senegaleses era perentório de que o avião tinha sido atingido por um tornado. Foram ouvidos outros depoimentos e a questão do tornado era uma constante. Em 8 de fevereiro de 1935 Velez Caroço faz o seu relatório, é profundamente cáustico: nascera a lenda dos aviadores devorados pelos antropófagos de Jufunco; contradiziam-se as declarações de quem vira e de quando um avião, até já se falava na fronteira da Gâmbia e do Senegal; eram completamente fantasiosas as declarações de Moussa N’Doyle; chegara-se ao cúmulo de alguém ter dito que vira uma peça grande metálica, de forma cilíndrica, que se assemelhava ao motor do avião, veio-se a descobrir que não passava de uma caldeira de alambique; fizera-se um reconhecimento aéreo na região Felupe, sem quaisquer resultados, embora houvesse ali locais onde o avião pudesse aterrar; e alerta o governador para casos de indisciplina, desobediência e agressão às autoridades administrativas portuguesas em região Felupe. Concluído a consulta deste acervo, vamos dar a palavra ao chefe da delegação do BNU, enviou relatório sobre toda esta questão para Lisboa.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23789: Historiografia da presença portuguesa em África (343): L’Affaire Gaté: o mirabolante desaparecimento de um avião, com guerra em chão Felupe (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18345: Fotos à procura de... uma legenda (100): quem não tem "turpeça", senta-se no chão... e quem "turpeça" também cai...



Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Jufunco ou Djufunco > 9 de maio de 2013 > Os régulos da Tabanca, Alberto Sambú (o mais novo) e o Necolá Djata, com os seus "banquinhos"  [, em crioulo, "turpeças") que os acompanham sempre.


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Jufunco ou Djufunco > 9 de maio de 2013 > O local sagrado das reuniões da comunidade, que neste dia se abriu pela primeira vez para reunir com a comunidade de brancos que visitou a tabanca, vendo-se os régulos no lugar que ocupam habitualmente, sentados nas suas "turpeças".

Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Na sua visita a Jufunco, no chão felupe, em maio de 2013, o José Teixeira, régulo da Tabanca de  Matosinhos, fez as seguintes observações sobre os seus "pares", os régulos locais, e os seus símbolos do poder:

(...) O régulo faz-se acompanhar de um pequeno banco em madeira, onde só ele se pode sentar, sob pena de perda de vida. Mesmo quando nos acompanharam pela tabanca, levavam o banco debaixo do braço e, quando parávamos, sentavam-se nele. Cada terra tem seus usos e costumes, mas este é, com o devido respeito, deveras estranho.

Pudemos visitar o chão sagrado debaixo do poilão onde o povo simples vai encontrar-se com o Irã, o espírito superior, para implorar proteção e cura dos seus males, bem como o local sagrado onde os homens grandes se reúnem para decidir sobre as grandes questões que afetam o seu povo.

Neste local sagrado, os dois régulos sentados no seu banco tradicional explicaram como se desenvolvem as reuniões da comunidade, cujas decisões são seladas com um jantar bem regado com vinho de palma e aguardente de cana. Do animal morto para o repasto ficam ali guardados a cabeça ou parte da dentuça como sinal de que houve acordo e o mesmo deve ser posto em prática. Isto fez-me lembrar os meus tempos de criança quando os homens de negócios nesse interior de Portugal selavam os seus acordos com uma caneca de saboroso vinho".(...)


2. Em crioulo, este "banquinho" (que é mais do que um adereço da casa que serve para a pessoa se sentar-se) chama-se "turpeça"... Em fula, é "ciran" ou "cirange" (no plural). Alguns de nós, como o António J. Pereira da Costa ou eu próprio, temos em casa objetos destes, feitos em madeira, com função de adorno ou peça de artesanato "guineense"...

O termo apareceu-nos no subtítulo de um livro, da autoria de Santos Fernandes, recenseado pelo Beja Santos: "Lideranças na Guiné-Bissau: avanços e recuos". Na capa vem um destes banquinhos tradicionais, de que todos estamos lembrados: com a seguinte legenda: "a imagem de 'turpeça',  símbolo de poder na Guiné-Bissau" (**).

O nosso querido amigo e grã-tabanqueiro Cherno Baldé, contou-nos, a propósito, a seguinte históira: "O caso mais insólito que observei com este fenómeno das 'Turpeças', aconteceu em 2004 quando o Ministério das Obras Públicas, onde trabalhava, convidou as autoridades locais das ilhas dos Bijagós para uma reunião de concertação em Bissau. Estranhamente, todos traziam consigo uma 'turpeça', a sua 'turpeça',  porque na sua tradição estava consignado que deveriam utilizar sempre aquela e não outra qualquer. Fiquei estupefacto, mas é a realidade. Não conhecia e nunca tinha visto" (**).

3. O vocábulo ainda não vem nos dicionários da língua portuguesa, e nomeadamente no Houaiss. Mas acho que o temos de grafar. Não era, que me lembre, usado no tempo colonial... Mas hoje é usado, pelos guinenses, urbanizados. Ou faz parte do "calão político":  tenho-o encontrado com significado  equivalente à nossa "cadeira do poder"... Fala-se por exemplo dos dirigentes partidários instalados nas suas "turpeças", de costas viradas para o povo... 

E é nesse sentido que temos de entender as argustas observações etnográficas registadas pelo "régulo" Zé Teixeira, quando foi em 2013 a Jufunco em visiat aos seus colegas... O tal "banquinho" é, antes de mais, um símbolo de poder... Quem tem poder, tem "turpeça"... Quem não tem, senta-se no chão... O chão é o plano da igualdade... O chefe, nas línguas latinas, vem do "caput" (cabeça): chefe é aquele cuja cabeça sobressai da multidão de cabeças, o povo, o grupo, os outros... Daí o "banquinho", o "cirã", a "turpeça", a "cadeira", o "trono", o "penacho", o "chapéu", a "coroa", as "divisas", os "galões", as "dragonas", enfim, todos os símbolos de status que conferem poder, autoridade... (Mas há uma diferença semântica e conceptual entre líder e chefe: liderança é uma relação, chefia um atributo).

O grande músico guineense Binham tem uma canção chamada "Turpeça de mortu"... Tenho pena de não "apanhar" a letra... Julgo que ele vem da melhor tradição da grande música guineense, de crítica social e de intervenção cívica e política (Zé Carlos Schwarz, etc.)... Talvez aqui o Cherno Baldé nos possa, mais uma vez, dar uma ajudinha a perceber a letra... Há um videoclipe disponível no You Tube...

O crioulo é fascinante. A(s) língua(s) humana(s) é(são) fascinante(s). Infelizmente não podemos dominá-las todas... Mas acho que o termo "turpeça" deve ser grafado e enriquecer a nossa lusofonia. Mas pergunto, na minha "santa ingorância": o vocábuo "turpeça" (em crioulo) não será uma corruptela do português "tripeça", assento, também baixinho, composto de 3 pés, e sem encosto ? 

Aqui fica mais uma pista para os nossos leitores, amigos e camaradas da Guiné. (***)

_________________

tripeça | s. f.

tri·pe·ça |é|
(tri- + peça)
substantivo feminino
1. Assento de três pés e sem encosto. = TRIPÉ

2. [Figurado] Ofício de sapateiro.

3. [Burlesco] Grupo de três pessoas que andam sempre juntas.

cair da tripeça
• Ter idade avançada e indícios de senilidade.

"tripeça", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/tripe%C3%A7a [consultado em 22-02-2018].


(***) Último poste da série > 29 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18267: Fotos à procura de... uma legenda (99): Porque é que este(s) barco(s) nunca poderia(m) chamar-se Luís Graça? Ou Virgílio Teixeira? Ou Carlos Vinhal? Ou outro nome de grã-tabanqueiro, macho?

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18203: Notas de leitura (1031): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (17) (Mário Beja Santos)


Escola Missionária de Bolama


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Outubro de 2017:

Queridos amigos,

Este documento é intencionalmente extenso, não conheço melhor comprovante, relatório tão meticuloso e protesto quase virulento, como este.
Trata-se de responder ao governador do BNU sobre uma alegada revolta de Felupes que ocorreu em Novembro de 1933, fruto da queda de um avião francês, que se presumia ter acontecido na região de Susana. O que aqui se expõe,  demonstra de forma eloquente que era precária a posição portuguesa em toda aquela região, cambiava a violência, não se pagava o imposto de palhota, cortavam-se cabeças por tudo e por nada. É um episódio tão impressionante que o historiador René Pélissier lhe dedicará inusitada atenção, como veremos mais adiante.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (17)

Beja Santos

O ano de 1933 vai ser dominado pela chamada revolta dos Felupes. Em 10 de Novembro desse ano o BNU sede envia o seguinte telegrama:

“Este telegrama é absolutamente confidencial e só poderá ser decifrado pelo gerente devendo na sua ausência ser devolvido indecifrado ao expedidor – telegrafe se o gentio se revoltou – telegrafe se ordem restabelecida quem e como foi sufocada alteração. Telegrafe as notícias que puder pormenorizando. Este telegrama é absolutamente confidencial para toda e qualquer pessoa seja como for a sua categoria.

A 13, por carta talhada, o gerente de Bissau escreve ao governador relativamente à revolta dos Felupes:  

“Há cerca de três meses levantou voo de Dakar, com destino a Ziguinchor, um avião francês tripulado pelo aviador Gatti, acompanhado de um observador.

Por qualquer razão desconhecida – diz-se que fugindo a um tornado, o avião desviou-se da sua rota e presume-se que por falta de gasolina tenha caído em território desta colónia, a uns 40 ou 50 quilómetros da fronteira Norte, na região dos Felupes, área do posto civil de Susana, circunscrição de Canchungo.

O governo francês, supondo que o avião tenha de facto caído nesta região, solicitou do nosso que mandasse proceder às necessárias pesquisas. Diz-se que essas pesquisas foram efetuadas sem resultado. Há 20 dias, pouco mais ou menos, apareceram na área do posto de Susana a mulher do aviador desaparecido e uma outra senhora francesa acompanhadas de um sargento aviador francês e ainda de um outro indivíduo que se dizia comerciante de Dakar, para fazerem, por sua vez, novas pesquisas.

O administrador da circunscrição não consentiu nessas diligências sem autorização superior, e essa equipa francesa foi a Bolama conferenciar com o governador, regressando ao posto de Susana acompanhada pelo ajudante de campo deste.

Em breve começaram a circular boatos sobre o aparecimento de vestígios do avião e dois ou três dias depois seguia também para Susana o Diretor dos Serviços e Negócios Indígenas, Capitão Velez Caroço. Afirma-se que este oficial, depois de iniciadas novas pesquisas, notando certo retraimento do gentio, receando qualquer agressão dos Felupes (gentio da região) que desde sempre se tem mantido mais ou menos rebelde, pagando o imposto positivamente quando e como quer, sem que lhes tenha sido aplicado o corretivo necessário por falta de recursos, cobardia ou desleixo, resolveu de acordo com o governador, não continuar as suas diligências sem se fazer acompanhar de uma pequena força militar.



No dia seguinte ao da ida daqueles oficiais a Bolama, regressaram a Bissau com um pequeno contingente, e daqui partiram de novo para Susana, armados e municiados. Os Felupes receberam-nos hostilmente, travando-se um combate em que morreram dois soldados, ficando vários feridos. O facto foi comunicado ao governador, seguindo imediatamente para o local, com reforços, o Capitão Sinel de Cordes, comandante da polícia. Chegado este a Susana, e posto ao corrente do que se tinha passado, entendeu, e muitíssimo bem, que era preciso castigar energicamente os revoltosos, tanto mais que já o ano passado, na mesma região, tinham cortado a cabeça a cinco soldados, presumindo-se que outro tanto tivessem feito aos tripulantes do avião desaparecido.

O Capitão Sinel de Cortes veio a Bissau conferenciar com o governador, no dia 4 do corrente, e no dia seguinte regressava a Susana com mais reforços, sendo expedidas ordens para de Bolama virem todos os oficiais e soldados disponíveis que aqui chegaram cerca de meia-noite desse dia, seguindo ato contínuo por via marítima para a região revoltada.

Entretanto, era mandado chamar o nosso [, do BNU,] chefe dos contínuos, Bora Sanhá, alferes de 2ª linha, com bons serviços prestados em anteriores campanhas, para se lhe ordenar que organizasse o mais rapidamente possível um grupo de irregulares Fulas, com o fim de coadjuvarem com as tropas regulares na ação decisiva que o momento impunha contra os Felupes. Poucas horas depois, Bora Sanhá escolhia 100 homens da sua confiança, alguns deles seus antigos companheiros de armas, dos 300 que se lhe ofereceram, depois de armados e municiados, embarcaram para Jufunco (povoação revoltada). Ao mesmo tempo, foram expedidas ordens para em Bambadinca serem mobilizados mais 200 irregulares Fulas, também comandados pelo Tenente de 2.ª Linha Bonco Sanhá, primo de Bora, um dos quais foi a Lisboa o ano passado, à Exposição Industrial.

Corriam os mais desencontrados boatos sobre o que se estava a passar com os Felupes. Dizia-se que aos aviadores desaparecidos tinham sido cortadas as cabeças, operação de especial simpatia dos Felupes, para, depois de descarnadas por elas beberem vinho de palma com sangue de galinha, como manda o ritual.

Tinham sido mortos dois soldados nossos e feridos outros, em combate; foram mandados para a região revoltada, todos os soldados disponíveis, 100 ou 120; mobilizaram-se irregulares, etc; mas as autoridades, guardando uma reserva que nada justifica, a nosso ver, informavam que nada se passava de anormal, que se tratava de um simples caso de polícia! O Capitão Sinel de Cortes assumiu o comando de regulares e irregulares, ao tudo cerca de 400 armas e cinco metralhadoras, começando a bater os revoltosos com a energia que o momento impunha. Os revoltosos, porém, batidos mas não derrotados, refugiavam-se entre pântanos de onde era difícil desalojá-los por falta de artilharia, visto estarem fora do alcance das metralhadoras e espingardas, fazendo pequenos ataques de guerrilhas, dizimando dezenas de auxiliares. A região é muito pantanosa e portanto moroso o avanço das nossas forças.

O governador seguiu para o campo de operações, e durante quatro dias estivemos, em Bissau, sem quaisquer notícias. Sua Excelência regressou a esta cidade em 11, à noite, e no dia seguinte, aproveitando o convite que nos fez para irmos falar, tivemos ocasião de trocar impressões sobre o que se passava com os Felupes.

Disse-nos que, apesar das grandes dificuldades de avanço das nossas tropas, o gentio, desalojado, se tinha posto em fuga, sofrendo importantes baixas; resolvera dar por findas as operações, deixando apenas na região uma pequena força para policiamento, visto que os acontecimentos não tinham a gravidade que se lhes atribuía; que se tratava apenas de um caso de polícia, já solucionado, e que se iniciaria uma política de atração do indígena, que se deve ter refugiado no território francês, criando-se para início dessa política, a circunscrição civil de S. Domingos, que abrangerá toda a região dos Felupes.

Ao senhor Ministro das Colónias devem ter sido prestadas outras informações mais claras e precisas, pois nós julgamos saber que a situação de Susana, conquanto não seja grave, é, todavia, um tanto melindrosa. As nossas tropas, à custa de sacrifícios grandes, têm efetivamente avançado e arrasado todas as povoações por onde têm passado, incendiando as palhotas e destruindo as culturas, dizimando os revoltosos sem contudo os derrotar.

A revolta, que teve início na tabanca (povoação indígena) de Jufunco, estendeu-se a outras povoações, como Egino, Bolor e Lala, engrossando, consequentemente, o número dos rebeldes, que a princípio se calculavam entre 1500 a 2000, número que hoje deve ser muito mais elevado, oferecendo mesmo poucas garantias toda a região dos Felupes. 

A ação das nossas tropas está longe, muito longe mesmo, segundo as informações que temos, de se poder considerar decisiva. Ainda nos últimos dias foi assaltada pelos rebeldes uma camioneta que conduzia auxiliares, escapando, por milagre, o condutor do carro; aos outros foi a todos cortada a cabeça e membros, e os troncos decapitados deixados na estrada, alinhados, numa demonstração de ameaça e requintada selvajaria. As cabeças foram levadas para, consoante o uso, servirem de taças.


Bolama- Interior de uma escola

É curioso notar, e convém não esquecer para melhor se poder aquilatar do caso de polícia em questão, que, até hoje, as nossas tropas não conseguiram ver nem uma mulher nem uma criança. Quer isto dizer que o gentio está perfeitamente decidido a tudo e disposto a combater até ao fim. O gado também desapareceu, na sua quase totalidade, o que não é menos significativo. Só por manifesto desconhecimento dos usos e costumes gentílicos se poderá atribuir significado diferente a estes detalhes. O senhor governador, porém, resolveu, e possivelmente com muito acerto, mandar recolher as tropas em operações, deixando na região revoltada, porventura batida mas não derrotada – não é demais frisá-lo – um destacamento de polícia.

Não desejamos comentar esta medida governamental, porque isso não está na nossa índole, nem temos fundamento bastante para considerar desastrosa a ordem de retirada. Não percebemos nada de assuntos militares, nem dos altos problemas de administração ou de política indígena e muito menos de política internacional.

Mas, talvez justamente por isso, permitimo-nos discordar absolutamente – perante V. Exa., nesta carta confidencial –, da atitude assumida pelo senhor governador. A saída das nossas tropas da região revoltada sem ter infligido um exemplar castigo aos revoltosos é desprestigiante e será, necessariamente, mal interpretada pelos vizinhos franceses, que estabeleceram postos militares ao longo da nossa fronteira, guarnecidos por tropas senegalesas rapidamente transportadas para lá em camiões e bicicletas, como fomos informados.

Sabe-se que em Ziguinchor um francês que acompanhou as duas senhoras a que atrás fizemos menção ao referir-se à nossa ação nas pesquisas do avião desaparecido nos alcunhou de cobardes. Talvez tenha sido por isso que o Capitão Sinel de Cordes, calmo e sereno, mas decidido, tivesse tido a intenção de acabar de vez, com a lenda dos Felupes, lenda que tem custado a vida a soldados e auxiliares indígenas”.

Nunca até agora me fora dado ler documento tão contundente e exposição tão pormenorizada de gerente para governador do BNU. Fala-se em vergonha, na arrogância Felupe que no ano anterior tinham feito sofrer um revés na mesma região às nossas tropas, cortando cabeças, era completamente incompreensível deixar os Felupes sem uma punição severa. E o gerente da filial de Bissau recorda ao governador em Lisboa os Bijagós da ilha de Canhabaque e a falta permanente de respeito dos Papéis na ilha de Bissau, os Papéis recusavam-se à reparação das estradas da ilha e à limpeza da cidade mandando fazer este trabalho os Balantas e os Mancanhas, considerados os intrusos do “seu chão”. E mais criticava o governador por não ter acedido à proposta do ministro das Colónias de dispor de dois aviões para acompanhar as operações. E assim se despede o gerente de Bissau:

“O efeito moral seria ótimo, sendo esta a melhor forma de mostrar aos franceses que também dispomos dessa arma de guerra”.

Mas não fica por aqui esta saga da revolta dos Felupes, como veremos a seguir.

(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 5 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18175: Notas de leitura (1029): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (16) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 8 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18188: Notas de leitura (1030): A Guiné-Bissau, os acontecimentos de 14 de Novembro de 1980 e um relatório do CIDAC de Dezembro do mesmo ano (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16987: Tabanca Grande (424): Armando Tavares da Silva, nosso grã-tabanqueiro nº 734, autor de “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)” (Caminhos Romanos, 2016), livro galardoado com o prémio "Fundação Calouste Gulbenkian, História da Presença de Portugal no Mundo"


Capa do livro do prof Armando Tavares da Silva,“A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)”, Porto, Caminhos Romanos, 2016, ISBN 978-989-8379-44-3).

O nosso mais recente membro da Tabanca Grande, o historiador Armando Tavares da Silva, foi galardoado com o prémio  Fundação Calouste Gulbenkian, História da Presença de Portugal no Mundo, pela publicação deste livro. O prémio foi dado pela Academia Portuguesa da História, e a cerimónia de entrega decorreu em 7 de dezembro de 2016, pelas 15,30 horas na sede desta Academia, Palácio dos Lilases, Alameda das Linhas de Torres, 198-200, 1769-024 Lisboa. A cerimónia foi presidida pelo Presidente da República.


1. Mensagem,  de 23 do ocorrente, do nosso leitor e escritor Armando Tavares da Silva,  convidado a integrar a Tabanca Grande em 6/12/2016 (*):

Prezado Professor Luís Graça, demais Editores do blogue e caros Grã-Tabanqueiros

É para mim uma grande honra e prazer pertencer a esta grande comunidade, aceitando o convite que me foi dirigido. Honra que é acrescida pelo facto de considerar este blogue do máximo interesse e importância por documentar, pela voz dos próprios interventores, grande parte do que foi a luta na Guiné durante os anos 1961-1974. Quem quiser, assim, fazer a história dos acontecimentos deste importante período, não poderá prescindir do manancial de informação que ele contém. É este um motivo do agradecimento que deve ser feito aos promotores deste blogue e a todos os que nele colaboram.

Eu não estive na Guiné, mas não é difícil de imaginar que, tendo durante cerca de uma dezena de anos feito uma extensa investigação sobre o que foi a presença portuguesa neste antigo território ultramarino português (agora a República da Guiné-Bissau) entre os anos 1878-1926, siga com grande interesse e apreço tudo o que respeita a este território, sua história presente e passada.

Devo começar por esclarecer que o meu interesse pela história do território resultou do facto de um avô meu, como aspirante de marinha, ter participado, em 1904, na chamada guerra do Churo, uma das operações militares ditas de “pacificação” da Guiné. O Churo era uma região de povos da etnia papel ao sul de Cacheu, os quais amiudadas vezes atacavam esta praça causando mortos entre os seus habitantes.

Aquele interesse foi acrescido por se ter dado a coincidência de o chefe-do-estado-maior na altura (major Lapa Valente) ser casado em segundas núpcias com a minha avó materna. Lapa Valente serviu na Guiné durante 7 anos – uma das mais longas presenças de militares – e durante este período foi por 3 vezes governador interino e uma vez encarregado do governo, tendo participado nas expedições ao Jufunco em 1901, ao Nhacre e ao Oio em 1902, ao Arame em 1903 e ao Churo em 1904.

Foi por verificar quão escassa era a historiografia portuguesa relativa à Guiné que decidi empreender a morosa tarefa de mostrar quais foram os problemas – militares a administrativos – que as autoridades portuguesas tiveram de defrontar para o estabelecimento de uma efectiva administração num território onde Portugal dispunha de várias praças, presídios e feitorias, a qual se tornou premente na sequência das resoluções da Conferência de Berlim de 1885.

O trabalho empreendido levou à publicação em 2016 do livro “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)” (Caminhos Romanos, ISBN 978-989-8379-44-3) (**). Foi abrangido o período de quase 50 anos que se seguiu à separação administrativa da Guiné relativamente a Cabo Verde em 1879, período em que se verificou a quase totalidade das operações militares no território após a delimitação de fronteiras com a França em 1886.

Com a realização deste trabalho fiquei a compreender a razão por que o partido independentista criado nos finais dos anos 1950 dizia respeito não apenas à Guiné, mas simultaneamente também a Cabo Verde. E fiquei ainda a compreender a particular composição do grupo dos seus promotores e principais dirigentes.

Nesta perspectiva, aquele livro lança-nos luz sobre os antecedentes da luta travada para expulsão dos portugueses daquele território entre 1961 e 1974, e permite-nos compreender melhor o seu real significado, bem como os desenvolvimentos que têm ocorrido na Guiné-Bissau até aos nossos dias.

A este propósito tem interesse transcrever o Prefácio que o Almirante Nuno Vieira Matias, que comandou na Guiné de 1968 a 1970 um destacamento de fuzileiros especiais, elaborou para o livro.


2. Resposta der ontem do nosso editor:

Meu caro Armando: Acabo de ver a sua mensagem, vou no Alfa a caminho de Braga, onde tenho um júri de doutoramento na área das ciências da comunicação.

Regresso ao fim da tarde. Já comecei a editar os seus textos: a apresentação à Tabanca Grande (, vou procurar mais umas notas bibliográficas... a seu respeito) e o prefácio ao seu livro (que vou ilustrar com imagem da capa). Os nossos postes, como sabe, não podem ser muito extensos, daí esta minha opção.

Naturalmente que respeitarei a sua (e a do prefaciador) opção no que diz respeito à ortografia. Os nossos autores e comentadores têm essa liberdade, faz parte do nosso "livro de estilo".

O meu amigo irá ser apresentado mais logo, na viagem de regresso (espero estar despachado por volta das 17/18h). Será o grã-tabanqueiro nº 734, e a sua presença muitos nos honra, enquanto blogue dos "amigos e camaradas da Guiné". [Últimas duas entradas, mais recentes, Braima Galissá e Armando Gonçalves] (***). Já sabe como são as regras: aqui, os camaradas de armas tratam-se por tu; os amigos dispensam as formalidades, os títulos... Mas todos respeitam todos...

Fique com o meu número de telemóvel (...). Já corrigimos a gralha que apontou, no marcar do nosso blogue [Armando Tavares da Silva]...

Boa saúde, boa continuação do seu valioso trabalho de pesquisa. Luís Graça

3. Nota biográfico do nosso grã-tabanqueiro nº 734:




4. Citação do prefácio do livro (, assinado pelo Almirante Nuno [Gonçalo] Vieira Matias, que comandou na Guiné,  de 1968 a 1970, um destacamento de fuzileiros especiais (, o DFE nº 13) [. é atualmente Presidente da Academia de Marinha, vice-presidente da Direcção da Sociedade de Geografia de Lisboa, membro correspondente da Academia das Ciências de Lisboa, membro de mérito da Academia Portuguesa da História, entre outros cargos]: 


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quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15065: Memória dos lugares (318): em terra dos felupes: Bolor, Rio Cacheu, Djufunco, Varela... (Patrício Ribeiro)



Foto nº 1 > Bolor, rio cacheu


Foto nº 2 > Bolor, casa


Foto nº 3 > Bolor, vinho de palma e correntes


Foto nº 4 > Bolor, correntes


Foto nº 5 > Bolor, canhões


Foto nº 6 > Djufunco


Foto nº 7 > Varela, casa do homem grande

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro  (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Mensagem do Patrício Ribeiro, com data de 31 de agosto último

 [Foto à esquerda, em Farim: Patrício Riubeiro, português, natural de Águeda, criado e casado em Angola, com família no Huambo, ex-fuzileiro em Angola durante a guerra colonial, a viver na Guiné-Bssau desde 1984, fundador, sócio-gerente e director técnico da firma Impar, Lda; também conhecido carinhosamente como "pai dos tugas"]


 Assunto - Fotos, Bolor, Rio Cacheu e Palha


Ao ler o bom texto do Manuel Vaz, sobre a demarcação das fronteiras da Guiné (*)...

Vem a propósito (já que ando a reler), “ A questão de Casamança e a delimitação das fronteiras da Guiné",  de Maria Luísa Esteves, destinado ao IV Centenário da Fundação da cidade de Cacheu 1588-1988.

Envio, para recordarem, algumas fotos tiradas no mês de maio,  de visita por terra à Tabanca, do antigo Fortim da Ponta de Bolor, que é mencionado no artigo. (Foto 1)

Era época da mudança da palha (Foto 2):  ver a vedação da varanda, em paus de tarrafe, as casas naquela tabanca são autênticos fortins.

Era época das cerimónias, antes das chuvas, corria por todo o lado o vinho de palma (foto 3).

Como sabemos, esta tabanca [Bolor,  no estuário do Rio Cacheu, na margem direita, e vizinha de Jufunco ou Djufunco,] está cheia de histórias:

(i) afundamento de um barco inglês e morte dos tripulantes;

(ii) morte de mais de 30 militares portugueses, envenenados por flechas e lanças;

(iii) queda de avioneta com dois franceses, que desapareceram; após muitas buscas em terra e nos rios, nunca foram encontrados...

A quem pertencem estas correntes ? (vd. foto nº 4).

Foi a pergunta que o nosso amigo Pepito (Carlos Shwarz) fez aos Homens Grandes da tabanca, nunca teve resposta … aquando do almoço nesta tabanca de dezenas de brasileiros descendentes de escravos, em 2010,  em Cacheu.

Será que alguém sabe a quem pertence? (Foto nº 4).

Fotografei,  nesta festa, mais ou menos 5 canhões , do tempo das caravelas, que só neste dia estavam nos largos da tabanca. (Foto nº 5)

Jovens felupes, na tabanca de Djufunco (Foto nº 6). [Falta-nos a carta, de 1/50 mil, de Jufunco, lapso nosso ou do nosso "cartógrafo" Humberto Reis...Esta região faz parte do Parque Natural dos Tarrafes do Rio Cacheu, "considerado o 5º maior parque  com mancha contínua do ecossistema do mangal em África"... LG.]

Sou também um morador daquela zona desde há 20 anos, onde passo muitos fins de semana, na praia de Varela. Fiz como os outros, em maio troquei a palha, na casa do “homem grande” (Foto nº 7) (**)

Patrício Ribeiro
Impar Lda. Bissau
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Notas do editor:

domingo, 11 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11928: Fotos à procura... de uma legenda (22): Os régulos felupes de Djufunco e os seus banquinhos onde mais ninguém se pode sentar (sob pena de morte!) (José Teixeira)



Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Djufunco > 9 de maio de 2013 > Foto nº 21 >   Os régulos da tabanca, felupes,  Alberto Sambú (o mais novo, que vai á frente, vestido de verde) e o Necolá Djata (o mais velho, vestido de vermelho, que vai atrás)... Para que ninguém ouse sentar-se no banco dos régulos (, sob pena de morte!) , estes têm o cuidado de o trazerem sempre consigo, como se pode ver nesta foto em que acompanham os tugas  na visita à tabanca. O mais novo ainda se faz acompanhar de uma vassourinha para limpar a terra e areia dos pés. Cada terra tem seus usos e costumes, mas este é, com o devido respeito, deveras estranho. (JT)

Foto (e legenda): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Ediçãor: LG]

1. Comentário de L.G.: Alguém quer complementar a legenda do José Teixeira, aventurando-se numa tentativa de explicação, mais etnológica, deste "tabu" (é proibido sentar-se no banco do régulo, sob pena de morte) ? É um passatempo de verão, para estes dias de canícula... Os editores, mais ou menos em férias, agradecem... e desafiam os especialistas em usos e costumes jurídicos dos felupes da Guiné-Bissau...

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Nota do editor

sábado, 10 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11923: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (12): Djufunco, a hospitalidade felupe, a solidariedade portuguesa



Guiné-Bissau > Região de Cacheu >  A caminho de Djufunxo > 9 de maio de 2013 >  Fotp nº 1 > O deserto do Cacheu



Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº 2 >  O Centro Materno-Infantil, construído pelo Instituto Marquês de Vale Flor com apoio da Comunidade Europeia



Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº 3 >  O Centro Materno-Infantil: a sala da maternidade


 Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº 4 >  O Centro Materno-Infantil: a sala de espera (1)


 Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº 5 >  O Centro Materno-Infantil: a sala de espera (2)


Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº 6 >  Aspeto exterior  do antigo espaço onde as mulheres davam à luz.


Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº 7 > Aspeto interior do antigo espaço onde as mulheres davam à luz.


Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº 8  > Aglomerado de pessoas junto à escola para receber os visitantes.



Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  9 > Aspeto da dança guerreira efetuada pelas crianças da escola (1)





Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  10 > Aspeto da dança guerreira efetuada pelas crianças da escola (2)



Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  11 > Aspeto da dança guerreira efetuada pelas crianças da escola (3)

Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: LG]



1. Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau  (30 de Abril - 12 de maio de 2013) - Parte XII

por José Teixeira

O José Teixeira é membro sénior da Tabanca Grande e ativista solidário da Tabanca Pequena, ONGD, de Matosinhos; partiu de Casablanca, de avião, e chegou a Bissau, já na madrugada do dia 30 de abril de 2013; companheiros de viagem: a esposa Armanda; o Francisco Silva, e esposa, Elisabete.

No dia seguinte, 1 de maio, o grupo seguiu bem cedo para o sul, com pernoita no Saltinho e tendo Iemberém como destino final, aonde chegaram no dia 2, 5ª feira. Ba 1ª parte da viagem passaram por Jugudul, Xitole, Saltinho, Contabane Buba e Quebo.

No dia 3 de maio, 6ª feira, visitam Iemberém, a mata di Cantanhez e Farim do Cantanhez; no dia 4, sábado, estão em Cabedú, Cauntchinqué e Catesse; 5, domingo, vão de Iemberém, onde estavam hospedados, visitar o Núcleo Museológico de Guileje, e partem depois para o Xitole, convidados para um casamento ] (*)...

É desse evento que trata a 8ª crónica: os nossos viajantes regressam a Bissau, depois de uma tarde passada no Xitole para participar na festa de casamento de uma filha de um fula que, em jovem, era empregado na messe de sargentos e que tinha reconhecido o Silva, no seu regresso ao Xitole. A crónica nº 7 foi justamente dedicada ao emocionante reencontro [, em 1 de maio, ] com o passado, por parte do ex-alf mil Franscisco Silva, que esteve no Xitole, ao tempo da CART 3942 / BART 3873 (1971/73), antes de ir comandar o Pel Caç Nat 51, Jumbembem, em meados de 1973,

A crónica nº 9, corresponde ao dia 6 de maio: os nossos viajantes foram até Farim e regressaram a Bissau. já que o Francisco Silva, mesmo de férias, teve de fazer uma intervenção cirúrgica, a uma criança que esperava um milagroso ortopedista há mais de um ano! Na crónia nº 10, descreve-se a viagem até Varela, em 7 de maio. No dia 8, o grupo vai, de barco, até Elalab. Estamos em pleno chão felupe.

A crónica nº 12 é penúltima crónica do Zé Teixeira... Corresponde ao dia 9 de maio de 2013, passado na região de Cacheu, numa visita a Djufunco...  Próximas crónicas: 10 maio – Descanso em Varela;  11 maio – Regresso a Bissau e embarque de madrugada.



2. Parte XII: 9 de maiop de 2013, visita a Djufunco:

2.1. O deserto do Cacheu e o chão felupe

Entramos na reta final, nesta viagem de regresso à Guiné. Hoje, nove de maio, enfrentamos uma aventura diferente. Atravessar o areal que separa Suzana de Djufunko a norte do Rio Cacheu. Uma tabanca Felupe, só pode ser pelo seu isolamento, tão característico deste povo.

“Perdidos” entre o Rio Casamansa e o Rio Cacheu, com as suas tabancas construídas em espaços semidesérticos que envolve a região de Suzana e Varela, ou dentro desta região de beleza inconfundível, os Felupes de estatura elevada e grande robustez física, são um povo muito unido, fechado em si próprio, amigo do seu amigo, e de uma fidelidade profunda. Amantes da luta física como um desporto que praticam com paixão e os torna adversários temíveis.

São também conhecidos como peritos na azagaia e flechas como armas de eleição para a caça e defesa das suas comunidades. Se há dois anos atrás, na vista que fiz a Varela tive como segurança um velhinho guarda noturno que usava como arma um perigoso arco e respetivas flechas, o qual dormia a seu lado, toda a noite. Desta vez dispensamos segurança tal é a confiança que este povo nos inspira. Ainda há dias nos cruzamos em Ingoré com outro velhinho, antigo soldado portuguêsm  que vinha da caça com o seu arco, companheiro de muitos anos.

Pela sua forma de estar e ser, unidos e fechados na sua comunidade étnica, em que a honestidade e a seriedade é ponte honra, são vistos como pouco hospitaleiros pelas etnias envolventes, sobretudo a balanta. Não é verdade esta visão do povo Felupe. Trata-se de um povo simples, amante da sua terra que defende com vigor, que sabe acolher quem o visita com carinho e alegria. Aproveita para fazer festa, sem pedir nada em troca. Sentimos bem esta foram de estar em Elalab. Hoje vamos até Djufunko, uma tabanca perdida na areia que até há pouco tempo se servia da água de uma lagoa existente no meio da tabanca para as suas necessidades.

Um povo muito isolado pelo tipo de região em que vive, de acessos difíceis e afastada dos grandes centros. Esquecido e abandonada pelos poderes públicos, onde não existem qualquer infraestruturas de apoio à saúde,  bem-estar e ensino, a não ser as que vão sendo construídas pelas ONGDs locais como a AD e outras em parcerias com as organizações internacionais como a Tabanca Pequena, a Afetos com Letras, a Memórias e Gentes, a Tabanka,  a Plan International e outras. Um povo voltado para si próprio, orgulhoso dos seus princípios e formas de estar, simples e pobre, mas com história.

É acusado de canibalismo em tempos que se foram, mas acima de tudo é um povo trabalhador em que a mulher tem um papel muito importante na gestão das comunidades locais.

Às nove horas da manhã o condutor Bemba e o guia Kissimá esperavam-nos solícitos e preocupados com a água que precisaríamos de levar para matar a sede, porque o calor ia ser muito. Rapidamente nos conduzem até Suzana pela picada cheia de gente. Crianças a caminho da escola que nos dizem adeus e pedem “caneta,caneta” e adultos à porta das moranças ou envolvidos no trabalho diário.

Embrenhamo-nos no “deserto”, sentados, eu e o Francisco na caixa da carrinha aberta, para melhor desfrutarmos do ambiente que nos rodeia. Aliás, as nossas viagens pelo interior foram feitas sentados no descoberto da viatura para saborear tal como nos tempos idos da guerra a paisagem tão rica de beleza natural, pese embora, muito destruída devido à incúria das autoridades que facilitam o criminoso abate da floresta em troca de benesses pessoais, como está mais que provado.





Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  12  > Os Régulos da Tabanca, Alberto Sambú (o mais novo) e o Necolá Djata, com os seus banquinhos que os acompanham sempre.


Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  13 > Uma oferta simbólica das crianças da escola aos visitantes.

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Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  14 > A placa do poço construído pela AD com o apoio da Tabanca Pequena e a Câmara Municipal da Maia.




Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  15 > A lagoa de onde se abasteciam de água para consumo.



 .Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  16 >  O poilão sagrado e o altar para as ofertas e rezas ao Irã.




Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  17 > A seca de três qualidade de arroz.




Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  18 > O local sagrado das reuniões da comunidade, que neste dia se abriu pela primeira vez para reunir com a comunidade de brancos que visitou a tabanca, vendo os régulos no lugar que ocupam habitualmente (1) 


Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  19 > O local sagrado das reuniões da comunidade, que neste dia se abriu pela primeira vez para reunir com a comunidade de brancos que visitou a tabanca, vendo os régulos no lugar que ocupam habitualmente (2)


Guiné-Bissau > Região de Cacheu >   Djufunco > 9 de maio de 2013 >  Foto nº  20 >  O local sagrado das reuniões da comunidade, que neste dia se abriu pela primeira vez para reunir com a comunidade de brancos que visitou a tabanca, vendo os régulos no lugar que ocupam habitualmente (3).


Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: LG]



 2.2. A receção festiva dos felupes de Djufunco

Após cerca de uma hora de marcha lenta no areal, percorrida em potente jeep com tração às quatro rodas, com alguns atolamentos forçadas pelo caminho, vencidos com dos músculos dos turistas e populares que conseguiram uma boleia, chegamos a Djufunko.

Um grupo de mulheres esperava junto ao Centro Materno infantil, construído com o apoio da Comunidade Europeia. Fomos recebidos em festa, como é peculiar das gentes desta linda terra. Aproveitam todos os momentos para nos apresentar o seu folclore tradicional, a dança do batuque, cada etnia a seu jeito, sempre num ritmo contagiante. 

Visitamos de seguida o referido Centro acompanhados pela Comissão de mulheres responsáveis pela sua gestão. Dá prazer entrar dentro destes espaços e verificar a forma cuidada como são tratados. Muito limpo e asseado, com cada coisa no seu lugar. A comparação com o local em céu aberto ali mesmo ao lado, onde as grávidas até há pouco tempo sofriam os trabalhos de parto a diferença é abissal, daí o carinho e respeito que o Centro lhes merece. Elas que apenas queriam um espaço reservado onde pudessem ter os seus rebentos em lugar fechado e longe dos olhares curiosos, foram brindadas com duas salas, equipadas com o material minimamente necessário para facilitar um parto em ambiente reservado, limpo e higienizado. Organizaram-se em comissão para gerir o Centro e acolher devidamente as parturientes. 

As “matronas”, mulheres que adquiriram alguns conhecimentos práticos de apoio ao trabalho de parto expressam a sua alegria por terem agora melhores condições para executarem a sua nobre missão. Cá fora num espaço coberto com capim, espécie de sala de espera as outras mulheres aguardavam a nossa visita ao Centro Materno-Infantil para de seguida nos acompanharem até à escola, onde recentemente a Tabanca Pequena financiou a construção de um poço de água, de modo a garantir qualidade mínima na água de consumo para beber e cozinhar.

E a festa de receção continuou, agora com todas as crianças de escola, cerca de duzentas em festa. Receberam-nos com uma dança guerreira bem ritmada e acompanhado por cânticos a condizer. Espetáculo digno de se ver e apreciar, pelas vestimentas, pelo ritmo, pela alegria e pelos sons instrumentais, tudo isto, aliado à sonoridade dos cânticos e gritos típicos dos Felupes.

Os homens grandes, liderados pelos dois régulos,  estavam presentes para nos darem as boas vindas e agradecer em nome das crianças a construção do poço, junto à escola, pela qualidade da água que agora podem desfrutar. De recordar que até há pouco tempo a água para consumo era retirada de umas grande lagoa que existe no centro da população, sem o mínimo de garantia de potabilidade.

Do discurso do velho régulo Necolá Djata, sentado no seu banco recoberto com pano vermelho,  registei uma frase que me emocionou profundamente – “fostes para nós uma janela que se nos abriu para o mundo, porque nos ajudaram a ver que há outras formas de podermos ajudar o nosso povo a ser mais saudável e feliz”.

Seguiu-se uma visita guiada à tabanca,  tendo como cicerone o régulo Coronganço (Augusto) Sambú, com quem pudemos conversar em português corrente, sobre os usos e costumes do seu povo.

O régulo faz-se acompanhar de um pequeno banco em madeira, onde só ele se pode sentar, sob pena de perda de vida. Mesmo quando nos acompanharam pela tabanca, levavam o banco debaixo do braço e,  quando parávamos, sentavam-se nele. Cada terra tem seus usos e costumes, mas este é, com o devido respeito, deveras estranho.

Pudemos visitar o chão sagrado debaixo do poilão onde o povo simples vai encontrar-se com o Irã, o espírito superior, para implorar proteção e cura dos seus males, bem como o local sagrado onde os homens grandes se reúnem para decidir sobre as grandes questões que afetam o seu povo.

Neste local sagrado, os dois Régulos sentados no seu banco tradicional explicaram como se desenvolvem as reuniões da comunidade, cujas decisões são seladas com um jantar bem regado com vinho de palma e aguardente de cana. Do animal morto para o repasto ficam ali guardados a cabeça ou parte da dentuça como sinal de que houve acordo e o mesmo deve ser posto em prática. Isto fez-me lembrar os meus tempos de criança quando os homens de negócios nesse interior de Portugal selavam os seus acordos com uma caneca de saboroso vinho.

Registemos os seus pedidos. As crianças pediram uma televisão para a escola. As mulheres pediram medicamentos para que o enfermeiro que visita a tabanca uma vez por mês tenha “mezinho” para curar os seus males e os homens na pessoa do régulo Sambú pediram-no para voltarmos mais vezes.

Dá que pensar!

A hora da despedida é sempre a mais difícil. Recordo com saudade o fraterno abraço do régulo Augusto Sambú apelando ao meu ouvido para voltar.

O resto do dia, após o almoço em casa do Pepito e uma repousante sesta, foi passado na bela praia de Varela a saborear o excelente Algarve africano.

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Nota do editor:

Último poste da série > 2 de agosto de 2013 >  Guiné 63/74 - P11897: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (11): Visita ao Centro de Saúde Materno-Infantil de Elalab, em pleno chão felupe