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segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23871: Notas de leitura (1531): Guevara versus Amílcar Cabral: Divergências estratégicas na guerrilha (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Abril de 2020:

Queridos amigos,
O guevarismo e o seu foco insurrecional veio a revelar-se uma aplicação desastrosa da guerrilha na Américas do Sul e Central, era uma conceção desinserida de um processo histórico de alianças de classe e de forças ditas contestatárias que agiam taticamente, incapazes de pegar em armas - daí os falhanços na Colômbia, na Venezuela, no Uruguai, na Bolívia. Amílcar Cabral declarou um dia que encetara o processo revolucionário na Guiné só conhecendo uns rudimentos da maoismo, contudo, como está historicamente comprovado, instituiu uma teoria e uma prática revolucionárias ajustadas às aspirações de população que não se identificava com a potência colonial, cuja presença, aliás, era muito frágil. Cabral teve suficiente astúcia para nunca se confrontar com as teorias cubanas, Guevara e Fidel Castro admiravam-no e Cuba, como é de todos sabido, apoiou a luta armada na Guiné. Cabral também não se impressionou muito com o foco insurrecional, apostou na longa duração e numa possível boa simbiose entre a população e os guerrilheiros. Revelou-se um marxista flexível, embora intransigente na ditadura da direção política; jamais se pronunciou a favor de um futuro desenvolvimentista para a Guiné assente na ajuda humanitária, aspirava a uma agricultura próspera como matriz do desenvolvimento, queria que a Guiné não sobrevivesse à custa de dádivas, sem contestar que recebera apoio da cooperação. Foi um teórico que conduziu até às últimas consequências o processo de independência e estabeleceu balizas, sobretudo na fase inicial, desde o segundo semestre de 1962 até ao processo de consolidação de 1964, para os atos de terror e de intimidação, conhecia as etnias e as suas cumplicidades e nunca ignorou que o PAIGC não podia contar com os Fulas, conhecia muito bem as razões históricas da aliança entre os Fulas e os portugueses.

Um abraço do
Mário



Guevara versus Amílcar Cabral: Divergências estratégicas na guerrilha (2)

Mário Beja Santos

É do senso comum que a luta armada desencadeada pelo PAIGC obedecia a uma estratégia de guerrilha. É um dado curioso como se aborda amiúde este fenómeno nacionalista sempre no enquadramento de descolonização, passando-se, de um modo geral, ao lado dos pontos concordantes e discordantes do pensamento de Cabral com outras estratégias de guerrilha.

Gérard Chaliand, porventura o principal historiador francófono dos movimentos revolucionários à escala mundial, e que acompanhou Cabral no interior da Guiné em 1966, escrevendo depois uma obra no ano seguinte, para além de artigos, releva os fatores históricos das guerras populares na época contemporânea: a crescente intervenção dos camponeses na luta armada (como força combatente ou infraestrutura política clandestina ou local de abastecimento); o facto de a luta passar a dispor de uma vanguarda ideológica mobilizadora orientada pela coesão, disciplina e espírito de sacrifício. Não se pode contestar a importância do pós-II Guerra Mundial, que operou ruturas de equilíbrio entre as grandes potências e que fez despertar nacionalismos, muitos deles em estado latente. Há que ter em conta o gradual desaparecimento dos impérios europeus, as elites nacionalistas iam amadurecendo as vias mais adequadas para chegar ao poder e gerar novas pátrias. Havia populações amadurecidas para a insurreição e houve diferentes modos de encarar a guerrilha. Como se observou no texto anterior, Che Guevara, após a tomada do poder em Havana, não escondia a sua inquietação quanto à necessidade de fazer a disseminação revolucionária do continente. Outro pensador revolucionário, Frantz Fanon, talvez dominado pela guerrilha de cariz sanguinário que se desenvolveu na Argélia, era apologista do ferro e fogo, a qualquer preço.

Em 1974, portanto numa fase já muito amadurecida do quadro das independências em África e na Ásia, Régis Debray passou a escrito a sua análise sobre as lutas armadas da América Latina, fixou-se em grandes atores como Fidel Castro, Che Guevara e Salvador Allende, procedeu a um balanço crítico desses fenómenos revolucionários ou subversivos que ocorreram na Venezuela, em Cuba, na Bolívia ou no Chile. Nunca escondendo a sua admiração pelo guevarismo, preocupou-se em refletir sobre as razões que conduziam a uma revolução nacional vitoriosa, nunca esquecendo a China, o Vietname e Cuba. Dissecando as classes médias da América do Sul e Central, foi-lhes encontrando mais intenção do que determinação pela luta armada, com a agravante que os partidos comunistas, no período estalinista, eram única e exclusivamente incentivados a trabalhar para que se formassem governos de unidade nacional. É nesse contexto que Debray enuncia metodicamente as razões para o triunfo cubano, não desvaloriza a vanguarda constituída por elementos da classe média, mas que souberam doutrinar os agrupamentos da guerrilha e a boa comunicação que estabeleceram com os grupos camponeses.

Medindo cuidadosamente a estratégia desencadeada em Cuba, recorda que num quadro de desigualdade inicial nas relações de forças entre o exército regular e a guerrilha, havendo que incorporar progressivamente a população na luta, é fundamental preparar os militantes para um combate longo, para o tempo que for preciso, saber definir a retaguarda, atender rigorosamente à natureza do terreno, e no caso de Cuba perceber que era uma ilha, de onde não se punha qualquer eventualidade de atravessar fronteiras. Daí a importância do estabelecimento de bases, sem o caráter de fixação, de programar ações num contexto de descontinuidade operacional, nunca descurar a questões ideológica, adotando uma teoria de organização e estabelecer as regras de uma democracia revolucionária.

Não é para aqui chamada a narrativa do processo histórico que levou este movimento revolucionário cubano até à definição do Partido Comunista. O pano de fundo é tentar perceber o que distinguiu Amílcar Cabral dos outros teóricos. E não será pura casualidade que Gérard Chaliand na sua obra monumental Estratégias da Guerrilha, Payot, 1994, distinguir a intervenção de Cabral na Conferência Intercontinental de Havana, em 1966, como o contributo mais original, senão o único contributo original daquelas décadas sobre a estratégia revolucionária dos movimentos de libertação, e sobretudo o papel da pequena burguesia. Perante uma assembleia que aos poucos ficou boquiaberta, Cabral começou por dizer que a maneira mais eficaz de criticar o imperialismo é pelas armas, desde que a motivação ideológica se insira perfeitamente num povo que aceita fazer a causa libertadora de ter que pegar em armas para expulsar a potência colonial. Numa linguagem frontal, Cabral referiu nessa intervenção que passou à história com o título da arma da teoria de que um revolucionário deve saber lutar contra as suas próprias fraquezas, e uma delas poderá ser a falta total de ideologia de um movimento de libertação nacional. E por isso propõe-se contribuir para o debate sobre os fundamentos que os objetivos da libertação nacional em relação à estrutura social. Questiona o conceito de luta de classes e não esconde os equívocos que ele comporta, esquecendo povos que por razões históricas não evoluíram para quadros de industrialização. Não se pode iludir o papel da pequena burguesia, ela é fulcral tanto na situação colonial como pós-colonial. Há segmentos da pequena burguesia que aderem ao chamamento revolucionário enquanto outros se mantêm aliados, talvez com a ilusão de que estão a defender a sua situação social, ao colonialismo. E faz comentários proféticos, observando que a situação neocolonial, que exige a liquidação da pseudoburguesia autóctone para que se realize a libertação nacional, dá também à pequena burguesia a oportunidade de um desempenho decisivo na luta pela liquidação do domínio estrangeiro. Enfatiza o papel desta pequena burguesia na situação neocolonial, ou ela possui consciência revolucionária e a capacidade de interpretar fielmente as aspirações das massas nas sucessivas fases da luta, identificando-se cada vez mais com elas, ou aceita o aburguesamento. E diz abertamente que a pequena burguesia revolucionária deve ser capaz de se suicidar como classe ou então trair a revolução, tornando-se cúmplice de um qualquer processo neocolonialista, cada vez mais distante das profundas aspirações populares.

Cabral, como veremos no próximo e último texto, deliberou, a partir de 1959, que o PAIGC entrava num processo de clandestinidade, com subversão interna conducente à preparação de quadros militares, com uma direção no exterior apta a dar formação, a acolher os novos quadros militares e a consciencializá-los para a natureza da luta armada que se avizinhava, a obter apoios internacionais, e gradualmente instalar a subversão em zonas do território extremamente ásperas para a mobilidade das tropas regulares. O que veio a acontecer, como Gérard Chaliand comprovou no terreno, em 1966.

(continua)

Amílcar Cabral, Maria Helena Rodrigues e a sua filha Ana Luísa Cabral, 1964
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Nota do editor

Poste anterior de 5 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23848: Notas de leitura (1528): Guevara versus Amílcar Cabral: Divergências estratégicas na guerrilha (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 9 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23859: Notas de leitura (1530): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (7) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23848: Notas de leitura (1528): Guevara versus Amílcar Cabral: Divergências estratégicas na guerrilha (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Abril de 2020:

Queridos amigos,
O assunto não é de sua menos importância, as estratégias de guerrilha, ao tempo em que foram desencadeadas pelos nacionalistas das colónias portuguesas, tinham como referência o Vietname, a Argélia, Cuba; havia o contexto ideológico, podemos falar nos fatores históricos destas lutas pela independência, o papel dos camponeses e agricultores sem terra, a organização da vanguarda ideológica mobilizadora e o imperativo da sua coesão, a ligação do guerrilheiro às populações. Quem conduzia essas lutas armadas tinha consciência de que o fim da II Guerra Mundial trouxera a rutura de equilíbrios, que houvera guerrilha na própria Europa, caso da Jugoslávia e da Albânia, e os impérios coloniais europeus estavam em desagregação. Havia que saber conduzir a guerra revolucionária, Guevara tornou-se uma referência, tal como Frantz Fanon. Acontece que Amílcar Cabral tinha uma tipologia sobre a condução da luta, a organização da guerrilha e as finalidades da luta de libertação um tanto distintas do que Guevara e Fanon propuseram. É a contextualização dessas concordâncias e divergências que aqui se ponderam para se avaliar como o pensamento revolucionário de Cabral se ajustou à realidade da luta que conduziu.

Um abraço do
Mário



Guevara versus Amílcar Cabral: Divergências estratégicas na guerrilha (1)

Mário Beja Santos

Para se situar o conceito de guerrilha preconizado por Guevara, e mais adiante pô-lo em confronto com a estratégia de Amílcar Cabral aplicada à Guiné, e tentar medir a distância que separou os modos de aplicação preconizados pelos dois revolucionários, é indispensável procurar enquadrar as condições de lugar em que ocorreu a revolução cubana e um pouco mais adiante se forjou a luta armada na Guiné colonial. O território cubano parecia adverso à guerrilha, o tempo era-lhe favorável, mudara a relação de forças à escala mundial no então designado “campo socialista”. Quando os EUA bloquearam Cuba, subtraindo-lhe energia, matérias-primas, peças de substituição para os tratores, trigo e sabão, a URSS estava em condições, mesmo que estivesse posto numa linha vermelha da chamada coexistência pacífica, de apoiar Cuba. Como escreveu Régis Debray, um acérrimo defensor da doutrina guevarista, e que a impulsionou com o conceito de foco, vivia-se um período fasto para o socialismo. A doutrina estalinista fora posta no sótão, não era imperioso a defesa do “socialismo num só país”, análise que bloqueara a generalidade dos partidos comunistas das Américas do Sul e Central. Nikita Kruschev abraçou as causas do Terceiro Mundo, estamos num período de afundamento dos sistemas coloniais, é o tempo de vitórias na Indochina e na Argélia, há ainda repercussões das conferências de Bandung e de Belgrado, o Sputnik e Gagarin eram vedetas – foi assim o período entre 1956 e 1962, a cisão entre a China e a URSS ainda não provocou mossas monumentais, o socialismo parece estar na ofensiva no mundo ocidental; Kennedy e o desastre da Baía dos Porcos não estavam esquecidos, este quadro idílico só se alterará com a crise dos mísseis, que custará a prazo o afastamento de Kruschev, mas a linha dita de apoio ao movimento revolucionário, a partir de Moscovo, a que se juntava o apoio do apoio incondicional de Pequim ao fim do colonialismo na Ásia e na África manter-se-á.

Guevara deixou um apreciável número de escritos, logo as recordações da guerra revolucionária, tinha a sua própria interpretação do que tinha sido a guerrilha em Cuba, desde o falhanço de Moncada, analisa toda a progressão da guerrilha de 1957 até à entrada em Havana em janeiro de 1959. E tece comentários que podem ser úteis para as concordâncias e divergências com a atuação de Amílcar Cabral. Ele cola a palavra guerrilheiro à luta cubana, a palavra guerrilheiro era símbolo de um desejo de liberdade, e apreciava a revolução cubana pela sua ação libertadora, propulsora da reforma agrária. O exército de guerrilha, exército popular por excelência, era constituído por indivíduos virtuosos, disciplinados, ágeis, física e mentalmente. O guerrilheiro deve procurar esgotar o inimigo, desmotivá-lo, fazê-lo perder a tranquilidade. Para que a tática resulte, o conhecimento do terreno deve ser perfeito, ter um conhecimento rigoroso da aproximação e da retirada, do esquema ofensivo e defensivo do inimigo. O guerrilheiro é um reformador social, pega nas armas contra a opressão, reclama uma pátria e a mudança de regime social e económico, é um intérprete das aspirações da grande massa camponesa.

Guevara pronuncia-se igualmente sobre o método guerrilheiro, lembra a diversidade de aplicações na Ásia, na África e nas Américas, discreteia se o método da guerrilha é a única fórmula para a tomada do poder em toda a América e põe uma questão muito dura se a revolução cubana poderá sobreviver se o movimento revolucionário não se expandir pelas Américas. Na esteira de outras correntes revolucionárias, refere a necessidade da classe operária, observa que a América vivia num estado de equilíbrio instável entre a ditadura das oligarquias e a pressão popular. Tanto ele como Régis Debray não esconderão a sua profunda desilusão com o comportamento seguidor do estalinismo da generalidade dos partidos comunistas das Américas. Vaticina uma luta longa e sangrenta no continente americano, haverá numerosas frentes, custará muitas vidas. Está plenamente convicto da vitória, as burguesias nacionais estavam mancomunadas com o imperialismo. Em dado passo, Guevara dá o parecer que o crescimento do mercado comum europeu iria acarretar o desenvolvimento de contradições fundamentais, acentuar mesmo a eclosão da luta americana, e refere que há já indícios seguros na Venezuela, Guatemala, Colômbia, Peru e Equador. Curiosamente, não fala na Bolívia, em cuja guerrilha se inseriu, em 1965, e onde foi assassinado, dois anos depois.

Guevara sentia-se na obrigação de procurar sistematizar a experiência cubana e o processo revolucionário cubano, definindo o cânon do guerrilheiro e a estratégia de guerrilha. Em tudo quanto escrevia deixava claro que a revolução cubana era o simples prelúdio da onda revolucionária que iria varrer todo o continente latino-americano. Dava como certo e seguro que as forças seculares podiam ganhar uma guerra de guerrilhas contra um exército institucional; que nem sempre se podem esperar todas as condições para a revolução, poderá ser imperativo criar um foco insurrecional e o terreno da luta armada deve ser fundamentalmente o campo. Nunca perde de vista a crítica à inoperância dos partidos comunistas e depois detalha o princípio, o desenvolvimento e o fim da guerra de guerrilhas: “No início há um grupo mais ou menos armado, mais ou menos homogéneo, que se dedica quase exclusivamente a esconder-se nos lugares mais agrestes, mantendo raros contatos com os camponeses, esse núcleo de guerrilheiros pode viver isolado, embrenhado na mata, mas a luta não pode avançar sem o apoio dos camponeses, daí o papel determinante do trabalho político”. E enfatiza de novo o guerrilheiro como um reformador social. Nos seus escritos, Guevara não ignora a existência de contradições na massa dos agricultores e camponeses, a propriedade da terra, a existência de oligarcas possuidores de grandes propriedades, o que gera aproximações interclassistas e interdependências que podem fazer hesitar a massa de agricultores e camponeses em aderir à guerrilha.

Também os seus escritos fazem uma clara apologia ao internacionalismo, e observa que o imperialismo é um sistema mundial, a última etapa do capitalismo, por isso é preciso derrotá-lo numa grande confrontação mundial. Todos os estudiosos do guevarismo não iludem que Che tinha plena consciência que a revolução cubana não poderia permanecer isolada. O seu confronto com os partidos comunistas latino-americanos foi extremamente duro. Ainda preponderava a sombra de Estaline que dava como seguro que os países latino-americanos pelo seu atraso precisavam de modelos de governação de unidade nacional, Guevara achava-os cristalizados, totalmente incapazes de detonar focos insurrecionais, por estrita obediência a um princípio estalinista que já estava no caixote do lixo da História. Guevara também não iludia o princípio marxista do proletariado, respondendo que o camponês era o verdadeiro agente revolucionário, o que contrariava o que Marx dissera, que o camponês constituía uma “massa de produtores não envolvidos diretamente na luta entre capital e trabalho”. Guevara reconhecia as diferenças existentes sobretudo naqueles países com grandes centros urbanos, como era o caso do Brasil, da Argentina, Chile e Uruguai. Mas Guevara não aceitava a necessidade de haver guerras de guerrilha diferenciadas, postulava que a influência ideológica dos centros urbanos inibe a luta guerrilheira e incentiva as lutas de massas organizadas pacificamente, isto para regressar à ideia de que se devia contar com uma guerrilha de camponeses.

Como é evidente, Guevara cometeu inúmeros erros de apreciação da realidade socioeconómica e cultural dos países latino-americanos, esteve no Congo a procurar estimular focos insurrecionais, foi um fracasso total, encontrou-se em Conacri com Amílcar Cabral, não há documentação de Cabral sobre tudo o que se passou nesse encontro, mas que teve resultados promissores. Primeiro, Guevara considerou Cabral o único dirigente revolucionário com consistência e linha organizativa bem delineada. Cabral pediu apoio a Cuba e recebeu. Em 1966, em janeiro, na cidade de Havana, Amílcar Cabral exporá as linhas norteadoras do movimento revolucionário que dirige, incomodará muita gente quanto ao conceito de luta de classes e ao significado do proletariado. Fidel Castro admirou a ousadia da exposição de Cabral. Passeiam-se por Cuba, garante-lhe mais apoio. Será em Cuba que se irão formar os cabo-verdianos que era suposto promoverem a luta armada no arquipélago. Tal não aconteceu, mas esse grupo cabo-verdiano irá ser determinante em território guineense.

(continua)

Che Guevara no Congo
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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23840: Notas de leitura (1527): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte VI: 25 de Abril ? 25 de Novembro ? E descolonização ? Acho que consigo compreender tudo no caso português. Isto parece uma gabarolice, mas não é. A mim, não há nenhum acontecimento que me cause perplexidade" (VPV)

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Guiné 61/ 74 - P18346: (D)o outro lado do combate (19): Os fracassos assumidos pelo PAIGC no ataque a Buba, de 12 de outubro de 1969 … E os outros que se seguiram (ao tempo da CCAÇ 2382 e do Pel Mort 2138) - Parte I (Jorge Araújo)



Guiné > Região de Quínara > Buba  > Material capturado ao PAIGC em 23 de novembro de 1968: granadas, minas, cunhetes de munições, medicamentos, géneros alimentícios enlatados, material diverso, incluindo um "poster" (ou retrato em tamanho médio, tipo 18'' x 24'')  de 'Che' Guevara, seguramente trazido pelos cubanos...

Foto do camarada Francisco Gomes, 1.º cabo escriturário da CCS/BCAÇ 2834 (Buba, Aldeia Formosa, Guileje, Cacine, Gadamael (1968/1969). In: https://guine6869.wordpress.com/album/  (com a devida vénia.


Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974)


GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE  > OS FRACASSOS ASSUMIDOS PELO PAIGC NO ATAQUE A BUBA [12OUT1969] … E OS OUTROS QUE SE SEGUIRAM  (AO TEMPO DA CCAÇ 2382 E DO PEL MORT 2138 - Parte I


por Jorge Araújo


1. INTRODUÇÃO

Nas últimas três narrativas estivemos focalizados na região de Buba, ao tempo da CCAÇ 2382 e Pel Mort 2138, com a primeira visita a acontecer por acaso, quando encontrámos uma foto de um «espaldão de morteiros 81» no Arquivo Amílcar Cabral, localizada na Casa Comum – Fundação Mário Soares, e que, após identificado o local, nos permitiu chegar ao episódio de um ataque a esse Aquartelamento ocorrido em 12 de Outubro de 1969, domingo. Desse ataque foi produzido um “Relatório do Ataque”, como procedimento habitual, redigido pelo CMDT da CCAÇ 2382, ex-Cap Mil Carlos Nery Gomes de Araújo [vidé P18223].

Por efeito da pesquisa com ela [foto] relacionada, na qual se adicionou o contributo escrito das NT, tivemos acesso, «do outro lado do combate», a um relatório, sem referência ao seu autor, elaborado a propósito “das operações militares na Frente Sul”, realizadas pelo PAIGC no último trimestre de 1969, onde se incluía a análise crítica a um primeiro ataque a Buba efectuado naquele dia 12 de Outubro, com se indica acima [http://hdl.handle.net/ 11002/fms_dc_40082 (2018-1-20).

Aí são apresentadas as principais razões para os fracassos contabilizados nessa acção [P18244].

Finalmente, e para concluir a investigação sobre os Pelotões de Morteiros que passaram pelo Aquartelamento de Buba, foi elaborado um cronograma com essas Unidades, tendente a identificar os períodos das suas respectivas comissões, no quadro temporal iniciado em 1964 até 1974 [P18283].


Por todas estas razões, o presente trabalho procura dar sequência ao modo como os responsáveis do PAIGC (re) agiram aos fracassos anteriores e o que preconizaram fazer depois disso, e com que resultados.


2. OS FRACASSOS ASSUMIDOS PELO PAIGC EM 12OUT1969… E OS SEGUINTES…

Recorda-se que este primeiro ataque só foi concretizado depois de um longo período de minucioso reconhecimento sobre as melhores condições geográficas para a actuação da artilharia com três posições de fogo distintas. Por outro lado, esse reconhecimento previa também identificar as melhores vias de acesso para a infantaria e locais para a sua disposição, uma vez que iriam estar no terreno um universo superior a três centenas de combatentes, comandados pelo capitão cubano Pedro Peralta e por Nino Vieira.

Entretanto, durante esse reconhecimento, um grupo de guerrilheiros foi descoberto pelas NT, no dia 7 de Outubro, quando o sentinela do Pel Mort 2138, colocado no posto de vigia junto à Pista de aviação, detectou um guerrilheiro nas imediações da Pista. No dia seguinte (dia 8), na continuação do reconhecimento supra, um grupo IN accionou uma mina A/P reforçada implantada pelas NT junto ao cruzamento das estradas de Nhala e Buba (in: História do Pel Mort 2138, p3, recorte abaixo). 


Pelo acima exposto, confirma-se, então, o que é descrito no relatório da acção do PAIGC; “no cumprimento desta última missão de reconhecimento temos a lamentar a morte de um camarada e o ferimento de outros dois, entre os quais o camarada CAETANO SEMEDO, em consequência da detonação duma mina antipessoal” [P18244].

"Esta operação, que deveria ter início pelas 17 horas, só se iniciou meia hora mais tarde devido a atrasos na instalação dos canhões. O ataque iniciou-se com fogo dos canhões B-10, que falharam os alvos, tendo apenas dois obuses atingido o quartel. O inimigo [NT] respondeu com um nutrido fogo de morteiros [Pel Mort 2138], canhões [2.º Pelotão/BAC], metrelhadoras e armas ligeiras [CCAÇ 2382 + Pel Milícia]. Além disso, unidades inimigas [NT] de infantaria cruzaram o rio [de Buba], pondo sob a ameaça de liquidação do posto de observação, os canhões, em retirada, e os morteiros".


Citação: (1963-1973), "Irénio Nascimento Lopes; ensinando os combatentes do PAIGC a manobrar um canhão sem recuo [B-10] de origem soviética", [será que se trata do actual presidente da Federação de Futebol da Guiné-Bissau - Manuel Irénio Nascimento Lopes “Manelito”?] CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/ fms_dc_43809 (2018-2-2).

"Nestas condições, abortou a acção da artilharia, que teve que se retirar, sempre debaixo do fogo das armas pesadas do inimigo [NT]. Como não actuou a artilharia, tampouco actuou a infantaria. Tivemos duas baixas na operação: dois feridos, um dos quais veio a falecer mais tarde. Além disso, temos a lamentar a morte de um camarada de infantaria, por acidente."


Infogravura adaptada do livro «Guerra Colonial», do Diário de Notícias, p. 295. 

As setas a amarelo servem para referenciar a zona onde se iniciou o ataque. 

Em função do desempenho das NT, que certamente teria provocado uma “louca correria” [digo eu] dos diferentes grupos em direcção a terrenos mais protegidos e estáveis, o que não é de estranhar neste contexto, não houve tempo para utilizar a totalidade do material de guerra transportado para o local do ataque e que, em princípio, seria todo para “queimar”. Assim sendo, e porque era mais cómodo e mais fácil correr sem pesos nas mãos ou noutros locais, grande parte desse material ficou no terreno, sendo recolhido no dia seguinte pelas NT. Disso dá-nos conta a “História do Pel Mort 2138, p.90”.

Como curiosidade, uma outra situação de captura de material ao PAIGC já se tinha verificado um ano antes, mais concretamente em 23 de Novembro de 1968, sábado, pelas 15h30, quando elementos da mesma Unidade - CCAÇ 2382/BCAÇ 2834 (1968/1969) -, que se encontravam perto do cruzamento de Buba, contactaram com uma coluna de reabastecimento IN, causando a estes baixas prováveis. 

Foram apreendidas [, vd. foto acima]: 
 - 74 granadas RPG; 
- 16 granadas de Morteiros 82;
- 3 minas anticarro;
- 11 minas antipessoais;
- 20 cunhetes 7,9 mm;
- muitos medicamentos e géneros enlatados, incluindo um "poster" do 'Che' Guevara [in; História da Unidade, da qual retirámos a citação que abaixo se reproduz].



Como consequência dos sucessivos fracassos observados nas suas acções contra o contingente sedeado em Buba [NT], foi aprovado pelos comandantes da Frente Sul [que desconhecemos] a realização de um segundo ataque a esse aquartelamento, com a inclusão de alterações estratégicas e de outros procedimentos operacionais.

Como elemento histórico, seguidamente daremos conta do seu conteúdo, dividido em pequenos fragmentos, ficando a sua conclusão para a Parte II, a publicar oportunamente.


3. O SEGUNDO ATAQUE A BUBA EM 10DEZ1969)… QUE PASSOU PARA 11DEZ1969 DEVIDO A SUCESSIVAS FALHAS NA SUA ORGANIZAÇÃO

"Dado o fracasso da primeira operação contra Buba, tentada no dia 12 de Outubro [1969], foi decidido cumprir a missão de atacar Buba na fase final da campanha [último trimestre]. Para isso levámos a cabo novos reconhecimentos: novas vias de acesso para a infantaria e escolha de novo posto de observação.

As nossas forças deviam actuar no dia 10 de Dezembro [1969], quarta-feira, com os seguintes efectivos [indicam-se no quadro abaixo, como elemento de comparação logística, as quantidades utilizadas no 1.º ataque]:


Desenvolvimento da acção: 

"Deviam actuar primeiro as peças do GRAD, em seguida os morteiros 120 da mesma posição de fogo que as peças do GRAD e, por último, a infantaria devia assaltar o quartel."



"Utilizávamos, pela primeira vez, os “rádios 104” para garantir a comunicação entre o posto de observação e a posição de fogo. Infelizmente, estes não funcionaram no momento em que se devia iniciar a operação, forçando-nos a adiá-la para o dia seguinte, com a substituição dos rádios por telefones."


Citação: (1963-1973), "Operador de rádio da guerrilha", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43758 (2018-2-2) 

"De novo tivemos de suspender a operação que devia ter lugar no dia 11 [Dez’69], devido a uma série de falhas nas instalações telefónicas e, mais tarde desistir da utilização da artilharia, dada a actuação independente da infantaria, com a qual, por falta de meios de comunicação, não foi possível combinar um outro plano em substituição do que estava previsto."


Final da Parte I.

Na Parte II deste tema, serão abordados os seguintes pontos:

1 – Conclusão do desenvolvimento da acção e respectivos resultados.

2 – Análise crítica sobre os aspectos que influenciaram a marcha das operações, como sejam: o reconhecimento dos quartéis; equipamento (fardamento); alimentação; comunicações e funcionamento do corpo de exército.

Obrigado pela atenção.

Com forte abraço de amizade,

Jorge Araújo.

05FEV2018.
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Nota do editor::

Último poste da série > 23 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18244: (D)o outro lado do combate (17): ataque a Buba em 12 de outubro de 1969, ao tempo da CCAÇ 2382 e Pel Mort 2138: os fracassos assumidos pelo PAIGC (Jorge Araújo)

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17573: Inquérito 'on line' (122): o aerograma era "seguro e rápido" ? ... Da minha experiência não tenho razões de queixa, mesmo sabendo que tinha ficha na PIDE/DGS (Hélder Sousa, ex-fur mil, TSF, Piche e Bissau, 1970/72)




Guiné > Bissau > s/d [1970-1972] > O Hélder Sousa no seu quarto em Bissau... Na parede, um poster (um pouco insólito) do 'Che'  Guevara, um ícone da juventude da época, mas também um grande amigo do PAIGC... Sabendo-se que o  Hélder tinha "ficha" na PIDE/DGS (, é ele que o diz), pode perguntar: "Como é que um homem do reviralho vai parar à arma das transmissões e, para mais, do STF ?"...Isso só quer quiser que os "psicoténicos" do exército estavam acima da PIDE/DGS ?... Seria mesmo ?... Está na altura de dar à PIDE/DGS a devida conta, peso e medida... Não era assim tão omnipotente, omnipresente e omnisciente como alguns a julgavam ou pintavam...

Foto: © Helder Sousa (2007). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Comentário do nosso colaborador permanente Hélder Valério de Sousa (ex-fur mil trms TSF, Piche e Bissau, 1970/72, ribatejano a viver em Setúbal, com página pessoal no Facebook)


E pronto, também já votei!

Desta vez não me apercebi das habituais objecções/sugestões do nosso António José [Pereira da Costa] mas realmente fiquei um pouco sem saber exactamente como responder.

É que, como por aqui já foi referido, é possível ter todas as opiniões.

"Era seguro e rápido".... 

Pois teria sido seguro a maior parte das vezes e para a maior parte das pessoas, nalgumas outras situações nem tanto. Quanto a rápido, pois também está visto que 'variou' embora, dadas as circunstâncias, também se possa considerar rápido.

"Era seguro mas não rápido"...

É tudo uma questão de relativização. A 'segurança' é a mesma da primeira questão, já a rapidez deve aqui entrar em linha de conta com o facto onde se estava. Em Bissau ou sede de Batalhão era seguramente mais rápido do que num Destacamento qualquer.

"Era rápido mas não seguro"...

Sobre a 'rapidez' os pontos acima mostram que o conceito depende então de onde se estava. Quanto à 'segurança' aqui podemos dividir em dois campos principais: o da violação da correspondência para verificação do conteúdo escrito, fosse lá motivado porque motivo fosse, ou para 'apropriação indevida' de qualquer conteúdo extra. Sobre isto acho que se pode considerar que, na generalidade, não houve assim tantas razões de queixa, pelo menos de extravio, embora isso não seja garantia de que a correspondência não tivesse sido lida por pessoas além do destinatário.

"Não era nem seguro nem rápido"....

Trata-se de considerar negativamente qualquer das situações e sobre isso a minha opinião é que "depende". Algumas vezes, sim, a maior parte das vezes, não.

"Não sei / já não me lembro"....

A questão mais fácil. Ao responder aqui, cumprimos o dever de participar no inquérito e descarregamos considerações.

Ora bem, a minha experiência foi de que não tive razões de queixa.

Escrevi e recebi aerogramas. Escrevi e recebi cartas. Com fotos. E chegaram todos e todas. Mais ou menos rápido, dependendo de estar em Bissau ou em Piche mas sem grandes razões de queixa.

Logo em Novembro, resolvi escrever um aerograma com uma série de observações que poderiam ser tomadas em conta como "subversão",  dirigido a uma jovem "católica progressista" e chegou sem problemas.

De um modo geral também não me alongava em grandes considerandos, apenas a superficialidade das circunstâncias: calor, bom tempo, muita chuva, saúde... etc.

Já agora.... sem querer alimentar qualquer tipo de polémica ou coisa parecida, tenho a ideia que um camarada que esteve comigo no CSM [, Curso de Sargentos Milicianos,] em Santarém e depois teve uma 'especialidade' diferente da minha, estava colocado na Repartição de Sargentos e Praças e na véspera da minha partida para a Guiné me esclareceu (vou 'vender' pelo mesmo preço, tanto quanto me recordo) que a "prestimosa polícia política" classificava os mancebos que tinha "debaixo de olho" como "suspeitos", "activistas", "comunistas" e "anarquistas" e que tinha visto a minha ficha de mobilização e lá figurava uma determinada 'categoria'.

Nunca quis confirmar isto. Embora na altura me interrogasse pela ordem da escala de 'perigosidade'.

Hélder Sousa

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Nota do editor:

(*) Vd. poste de  1 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17567: Inquérito 'on line' (121): O aerograma ?... "Era rápido mas não seguro" (José Brás)... "Acabou por justificar a existência do Movimento Nacioanal Feminino" (António J. Pereira da Costa)... "A malta chegava a solidarizar-se e fretar a avioneta civil para trazer o correio" (Henrique Cerqueira)

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16940: Recortes de imprensa (83): Na morte de Fidel Castro, o apoio de Cuba ao PAIGC é relembrado pro Fernando Delfim Silva e Oscar Oramas ("Nô Pin«tcha", Bissau, 1 de dezembro de 2016) - Parte I




1. Um dos nossos amigos da Guiné-Bissau chamou-nos a atenção para um artigo de homenagem à memória de Fidel Castro (1926-2016), por ocasião da sua morte, no passado 25 de novembro, publicado no jornal "Nô Pintcha", e que seria da autoria de Fernando Delfim Silva, conhecido ex-governante, professor universitário e analista político. 

Recorde-se que esta publicação (primeiro semanário e agora bissemanário)  tem hoje mais de 40 anos, tendo sido criado em 1975. Tem um sítio na Net desde 2010. É considerado um jornal oficial ou oficioso [não percebo muito bem qual é o seu estatuto editorial atual...].

Foi-nos inclusive remetido um recorte (parcial) desse artigo, digitalizado, mas com fraca resolução. O artigo foi reproduzido no portal do jornal "Nô Pintcha", de 1 de dezembro de 2016, mas sem indicação de autor. Pode ser lido aqui na íntegra: título: "Morrel El Comandante".

Com a devidas vénia, e para conhecimento de uma comunidade de leitores lusófonos mais vasta do que a dos leitores habituais do "Nô Pintcha", vamos reproduzir aqui, em duas partes, alguns excertos desse extenso artigo...

O nosso destaque vai em particular para a "ajuda internaciionalista" cubana ao PAIGC, sobre a qual temos publicado aqui vários postes nos últimos tempos.  É um tema ainda muito pouco conhecido dos antigos combatentes portugueses que estiveram no TO da Guiné. A principal fonte citada ainda é a cubana, neste caso o livro do antigo embaixador de Cuba na Guiné-Conacri,  Oscar Oramas. Pode ser que, entretanto, surjam outras fontes. De r4esto, tanto em Cuba como na Guiné-Bissau é que, só muito lenta e tardiamente, e nalguns casos muita tardiamente de mais, é que se começa a recolher, tratar e divulgar informação até há pouco classificada...

Os subtítulos e os negritos são da responsabilidade do autor [, Fernando Delfim Silva],  bem, como os parênteses curvos. Os parênteses retos da nossa responsabilidade (LG).


2. Recortes de imprensa > O apoio de Cuba à luta de guerrilha do PAIGC > Parte I


Excertos de: "Nô Pintcha", Bissau, de 1 de dezembro de 2016 >  "Morrel El Comandante". [com a devida vénia...]


[...] Fidel, Amílcar e nós

[...] Fidel “descobriu” Cabral através do Comandante Che, que em 1965 andou pela África “espalhando” generosamente a solidariedade do povo cubano para com os povos africanos, incluindo nessa onda solidária, os combatentes guineenses e cabo-verdianos unidos no PAIGC. Che encontrou-se com Cabral, e, claro, contou a Fidel. Só no ano seguinte (1966), Fidel e Cabral se vão encontrar, em Havana, na Conferência internacional -chamada “Tricontinental – de solidariedade com os povos em luta, da África, Ásia e América Latina.Da empatia, nasceu a amizade, a admiração, o respeito entre os dois homens, dois líderes.

O Comandante Che Guevara primeiro; o Comandante Fidel a seguir, ambos cristalizama mesma imagem valorativa: Amílcar Cabral era, já em 1966, o mais impressionante dos líderes africanos; alguém que transmitia confiança, um homem em quem se podia confiar: sério, inteligente, responsável, competente nas coisas que fazia, carismático. [...]

[...] Cabral e a revolução cubana

Cabral, por sua vez, não só admirava Fidel: a revolução cubana foi para ele uma das suas fontes de inspiração; ficaria definitivamente impressionado com a ética dos seus dirigentes, a começar pela do seu líder, Fidel. Na sua muito discutida tese de “suicídio da pequena burguesia”, o pano de fundo que está lá é o peso, digamos assim, do fator subjetivo, a importância da qualidade politica e moral dos dirigentes e quadros, o papel primordial do líder. Alias, Cabral, disse-o, explicitamente: tomem o exemplo de Cuba, o compromisso ético, a atitude moral da liderança cubana. O exemplo pessoal que os dirigentes devem transmitir à sociedade – de abnegação, do espirito de sacrifício, de entrega total ao bem comum -, sob pena de trair a confiança do povo, trair os objetivos progressistas da revolução, romper o contrato social [...]

Cuba > Havana > Janeiro de 1966 > Amílcar Cabral com Fidel Castro, em Cuba por ocasião da Conferência Tricontinental.

Fonte: Fundação Mário Soares > Portal Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral. (Com a devida vénia...)

Citação: (1966), "Amílcar Cabral com Fidel Castro", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43973 (2016-10-11)



[...] O fator cubano

Agora passo a palavra a Óscar Oramas, discípulo de Fidel, companheiro de Cabral, logo, um amigo do povo guineense. Faço-o à intenção da juventude guineense, que precisa de conhecer o que se fez no passado, de um passado de orgulho nacional, de um passado de dignidade que outrora se construiu com a solidariedade dos cubanos, com sangue cubano, com a valentia dos soldados de Fidel.

As palavras, como já o disse, são de Óscar Oramas; a sua seleção e arrumação bem como os subtítulos – dos excertosdo seu livro Amílcar Cabral, Para além do seu tempo– já são da minha responsabilidade.[...]


[,,,] Che e Amílcar


[,,,] Entre os compromissos estabelecidos por Che em África figura o apoio material e politico ao PAIGC. Como consequência disso, no mês de abril de 1965 parte do porto de Matanzas o barco cubano “Uvero” com um considerável carregamento de alimentos, medicamentos e utensílios médicos, uniformes, alfaias agrícolas e armas com destino a esta organização, assim como a outros movimentos revolucionários africanos. (...)


O Comandante Jorge Serguera, então Embaixador de Cuba em Argélia, cumprindo as orientações de Che, a quem havia acompanhado no périplo africano, espera o cargueiro em Conakri (aonde que chega a 11 de maio), e faz a entrega da primeira ajuda solidária cubana ao PAIGC.


Paralelamente, intensifica-se a preparação de militares cubanos (…) que, voluntariamente se oferecem para apoiar os movimentos de libertação africanos (...)


(...) Em dezembro desse mesmo ano, viaja para Havana uma delegação do PAIGC, conduzida por Amílcar Cabral e integrada (…) por Domingos Ramos, Pedro Pires, Joaquim Pedro Silva (Baró) e Vasco Cabral, para participar na I Conferência de Solidariedade com os Povos da África, Ásia e América Latina (Conferência Tricontinental) que se celebra de 3 a 9 de janeiro de 1966.


Convidado por Fidel, Amílcar Cabral percorre com ele a Sierra del Escambray, situada a sul do centro da Ilha, onde conhece “in situ” passagens importantes da guerra revolucionária cubana (…) Óscar Oramas que acompanha Fidel no percurso com Amílcar, é designado Embaixador de Cuba na República da Guiné, com o objetivo central de manter relações bilaterais com o PAIGC.


Amílcar explica a Fidel das necessidades materiais que o PAIGC enfrenta para desenvolver a gesta libertadora e o Chefe da revolução cubana promete-lhe ajuda em assessoria e equipamento militar, assim como pessoal de saúde.,


.Março de 1966 – O Comandante em Chefe informa o Presidente Sékou Touré, por intermédio do Embaixador Oramas, da decisão cubana de ajudar o PAIGC e solicita autorização para encaminhar essa ajuda através do território guineense. O Presidente aceita o pedido de Fidel Castro.


Umas semanas depois de concluída a Conferência Tricontinental, parte para Conacri uma pequena delegação militar encarregada de conhecer no terreno a situação da luta armada, para determinar o apoio militar que Cuba poderá dispensar, contribuindo para o desenvolvimento da luta.


Maio de 1966 – partem para a República da Guiné os primeiros grupos de assessores militares e médicos cubanos que colaborarão como PAIGC. Um grupo de sete companheiros fá-lo por via aérea, e outro de duas dezenas, fá-lo no navio Lídia Doce, levando, ainda, uma nova remessa de material para apoiar a guerra de libertação. (…)


Os primeiros cubanos que haviam chegado, anteriormente, para explorar as condições existentes na guerra pela independência nacional guineense e que haviam sido enviados para a região de Boé, na Guiné-Bissau, são chamados no mês de junho à República da Guiné para uma reunião com Amílcar Cabral, na Escola do PAIGC na zona de Ratoma, onde são apresentados aos dirigentes da organização que ali se encontram. O ambiente é de alegria e com o decorrer do tempo estabelece-se uma grande confiança entre uns e outros, baseado no respeito mútuo.Durante a estada dos primeiros instrutores cubanos na zona de operações de guerrilha de Boé, observam-se algumas deficiências no “modus operandii” da guerrilha (…)


Uma vez distribuídos os assessores cubanos pelas diferentes frentes de guerrilha com base nas decisões de Amílcar a vida diária vai demonstrando a impossibilidade de assessorar e corrigir a tática da luta sem a participação direta nas ações.A primeira operação de envergadura que se realiza com a participação dos assessores cubanos é a efetuada contra o quartel português de Madina de Boé, em 10 de novembro de 1966 [em que morre Domingos Ramos, LG]

[...] O Comandante Victor Dreke (, Moja, o “Moia”, para os guineenses, ) assume o comando da missão militar cubana (Fevereiro de 1967)


Amílcar Cabral decide então que um grupo de assessores militares cubanos, que se encontra no Sul, seja transferido para Frente Norte, juntamente com alguns médicos. (…) Com o objetivo de as Frentes Norte, Leste e Sul ficarem, assim, cobertas com a assessoria militar e médicos cubanos.

A experiência no Sul havia sido muito satisfatória tanto com o Chefe da Frente João Bernardo Vieira (Nino), como com Úmaro Djaló, Arafan Mané e outros chefes e combatentes. Na verdade, no Norte havia algum receio e inclusive alguns chefes militares manifestaram o seu desacordo com a presença cubana nessa região. A atitude do segundo Comandante da frente Norte, Chico Mendes, difere por completo da dos outros chefes, como Inocêncio Kani (…)

A presença miliar cubana é acompanhada de uma importante ajuda em armamentos que a União Soviética fornece ao PAIGC. Em muitos casos os soviéticos forneciam novos armamentos, que nem sequer eram do conhecimento dos assessores cubanos, e que são testados nos campos de combate na Guiné-Bissau. 
Assim, o PAIGC recebe lança-roquetes GRAD [, e não GRAP, também conhecidos como o "jato do povo", LG], canhões sem recuo de 82 mm, e roquetes portáteis Strela 2 que só tinham sido usados pelos soviéticos em manobras internas, mas cuja eficácia real em combate ainda não conheciam. Os soviéticos solicitam aos assessores cubanos informações sobre a eficiência de tais armamentos em combate real.
Não se pode negar a importante contribuição que significou a ajuda soviética, mas deve ficar claro que jamais um soviético passou para além de Boké, na República da Guiné, e que os únicos estrangeiros que participaram, diretamente, nas ações da luta de libertação, ombro a ombro com os guerrilheiros guineenses, foram os cubanos. [...]

(Continua)

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Nota do editor: