Mostrar mensagens com a etiqueta Machado Saldanha. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Machado Saldanha. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 19 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19992: Historiografia da presença portuguesa em África (168): a colónia das terras vermelhas, por Machado Saldanha: excertos de "O Império Português na primeira Exposição Colonial Portuguesa : álbum-catálogo oficial" [, Porto, 1934,] capa + pp. 279-283.












Guiné: a colónia das terras vermelhas, por Machado Saldanha. In: O Império Português na primeira Exposição Colonial Portuguesa : álbum-catálogo oficial [, Porto,  1934,] capa, + pp. 279-283. (*)


1. No início da década de 1930, a colónia portuguesa da Guiné tinha pouco mais de 340 mil habitantes, dos quais apenas 983 eram "brancos" (0,29 %) e 1310 "mestiços (0,38%)... 

No catálogo da Exposição Colonial do Porto,  de 1934, faz-se a apologia da Guiné como "colónia de exploração", dando-se algumas "dicas" para a fixação do europeu: a parte oriental (região leste) era "mais saudável", devido à disposição orográfica, sendo a vinda do colono aconselhada na estação "seca ou fresca", de dezembro a abril...

Não se esconde que a "ocupação" total e efetiva do território só se efetuou a partir de 1913 (início das campanhas de pacificação do capitão Teixeira Pinto)... A festa do "fanado", as festas do Ramadã e o regime matriarcal dos bijagós são três notas marcantes da "idiossincrasia" guineense, segundo o autor do texto, Machado Saldanha, que não esconde a sua "simpatia" pelos povos guineenses, os "aborígenes", termo muito em voga na época, mas hoje arcaico e até depreciativo... (O "africanista" Machado Saldanha usa até um termo, não grafado nos dicionários, para expressar a sua admiração por estes povos, o "maravilhosismo"...).

Pelas fotos publicadas, Bolama, a capital,  ainda era uma cidadezinha colonial com alguns belos edifícios, mas Bissau parecia caminhar, rapidamente, para a suplantar e substituir como capital da colónia, uma década depois.

Trata-se de um escrito jornalístico, e não propriamente propagandístico, O  autor, por exemplo, não deixa de sublinar que a economia local ressentia-se da grande crise do capitalismo em 1929, havendo excesso de produção das oleaginosas em todo o mundo...  A "mancarra" e o arroz eram já os dois principais produtos da agricultura guineense. E até aos finais da década de 1920, e desde 1917, a balança comercial era equilibrada, as exportações excedendo as importações.

Era uma terra "pujante", plena de potencialidades, na perspetiva deo "desenvolvimento económico da colónia". Machado Saldanha destaca também  algumas das recentes realizações da administração da colónia, como a rede de estradas e a rede de linhas telefónicas e telegráficas (c. 800 km, 16 estações). Não deixa de apontar para 3 vertentes essenciais para o futuro: a saúde, a educação e o fomento agropecuária, embora a perspetiva ainda fosse meramente "assitencial"... Um dos graves erros da administração colonial, como sabemos, foi a tardia aposta na formação de quadros técnicos e superiores... Privilegiava-se ainda, desde a I República,  a construção de infraestruturas, mas era preciso esperar pelo pós-guerra e o "desenvolvimentismo" do Sarmento Rodrigues...

Machado Saldanha compara o litoral da Guiné ao "sistema fiórdico da Noruega" (sic), "entrecortado por diversos braços de mar e por um grande número de canais, constituindo uma espécie de rede aquática, engrossada por alguns rios que nascem em território francês, a leste da colónia", sem citar os nomes dos grandes rios como o Geba e o Corunal. Curioso, o rio Corubal era navegável até ao Xitole (ou Xitoli...), por navios de cabotagem, o que deixou de acontecer com o início da guerra na década de sessenta, obrigando ao abandomo das férteis "pontas" que existiam na bacia hidrográfica do Corubal (como, por exemplo, a ponta do Inglês, a ponta João da Silva, a ponta Luís Dias...).

Além de Bissau e Bolama, os principais centros comerciais eram já Bafatá, Canchungo, Mansoa e Farim ... Bissau, por sua vez, já possuía um cais de cimento armado aonde podiam acostar navios de 8 mil toneladas... Curiosamente, as fotos são todas de... Bolam, incluindo a do terreno da futura Escola de Artes e Ofícios...

2. Surpreendentemente, Machado Saldanha  tem nome de rua na cidade de Luanda, uma rua comprida de mais de 3 km, no Bairro Neves Bendinha (ex-Bairro Popular), na parte sudeste da capital. Pelo que apuramos, ele foi um elemento influente, liberal,  da redação do diário ABC - Diário de Angola, fundado em 1958. (**)

Nascido possivelmente no início do século, temos dúvidas sobre a sua região de origem: ou Aveiro ou Cabo Verde. De qualquer modo, ao longo da sua vida, como jornalista, teve uma relação especial com a Guiné, Cabo Verde e Angola.

João Manuel Rocha, que fez um estudo recente sobre a imprensa diária de Luanda, antes da independência, diz o seguinte: "De forma resumida e muito simplificada, pode traçar-se uma paisagem que coloca o Diário de Luanda no papel de porta-voz do regime (...) ; O Comércio como entusiasta da política colonial; o Província como arauto de aspirações autonomistas da sociedade colonial; e o ABC como pólo de aglutinação de oposicionistas ou pelo menos críticos relativamente ao regime e às suas políticas coloniais. (**)

Este investigador cita, entre outros, o testemunho de Adelino Torres, que integrou a redacção do ABC em 1961 e 1962, antes de partir para o exílio, e que escreveu o seguinte em 2000: "É justo relembrar a actividade do quotidiano ABC de Luanda que, cercado (e, poder-se-ia dizer, constantemente 'trucidado') pela Censura, sobrevivia em 1961 com quatro elementos: o director Machado Saldanha, um velho e honrado democrata; o chefe de redacção Acácio Barradas, hoje no Diário de Notícias de Lisboa; e dois redactores: Adolfo Rodrigues Maria e o signatário". (**)

Há pelo menos 10 registos bibliográficos do Manuel Machado Saldanha, na biblioteca digital do portal Memórias de África e do Oriente, da Fundação Portugal-África, Universidade de Aveiro. Tem vários escritos sobre a economia e o comércio coloniais. (LG)

PS - Em 1934, a colónia portuguesa da Guiné ainda era um projeto de país... Será que alguém, no  Estado Novo,  alguma vez pensou ou pôs a hipótese de vir a ser um país independente, como aconteceu com os seus vizinhos, francófonos, embora  com relações privilegiadas com Portugal ? E nós, hoje, podemos fazer a pergunta, meramente teórica e seguramente ingénua: o que seria a Guiné-Bissau sem a maldita guerra colonial / guerra de libertação ? E o que seria o nosso país, hoje, sem o 25 de Abril de 1974 ?
__________

 Notas do editor:

 (*) Último poste da série > 17 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19985: Historiografia da presença portuguesa em África (167) “A Cultura do Poder, a propaganda nos Estados autoritários”, com coordenação de Alberto Pena-Rodríguez e Heloísa Paulo, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016 (Mário Beja Santos)

 (**) Vd. João Manuel Rocha, « Os jornais diários de Luanda em vésperas da guerra colonial », Ler História [Online], 74 | 2019, posto online no dia 25 junho 2019, consultado no dia 07 julho 2019. URL : http://journals.openedition.org/lerhistoria/4898  ; DOI : 10.4000/lerhistoria.4898