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quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25863: Manuel de Pinho Brandão: entre o mito e a realidade - Parte II (J. L. Mendes Gomes / Victor Condeço, 1943-2010)







Em 1935, o Manuel de Pinho Brandão já estava na Guiné, como se infere desta reclamação que ele apresentou ao Chefe da Repartição Central dos Serviços de Administração Civil, sediados em Bolama.  

O reclamante apresenta-se nestes termos: 

(i) "Manuel de Pinho Brandão, maior, solteiro, proprietário e comerciante, residente em Bolama";

(ii) "o expoente é dono e senhor de uma propriedade rústica   denominado "Belém", [na] área da Circunscrição Civil de Fulacunda, exercendo legítima e legalmente o comércio com os indígenas da propriedade, a quem concede regalias na agricultura e exploração dentro dela";

(iii) o reclamente  insurge-se contra a cobrança de imposto de extração de vinho de palma ("licença de fiuração") a indígenas  manjacos  que, com a sua autorização, praticavam esta atividade na sua propriedade para consumo exclusivamente próprio;

(iv) o administrador de Fulacunda  mandou-lhes cobrar, indevidamente, o imposto na importância de 760$00 (talvez mais de 500 euros, a preços de hoje):

(v) além disso, terá  usado e abusado da sua autoridade, mandando prender e conduzir ao posto de Empada aqueles indígenas;

(vi) pede. por fim, que sejam "restituídos aos indígenas interessados os escudos 760$00  para o bom nome das autoridades administrativas e para o bem geral da colónia".


A reclamação, em papel selado e devidamente estampilhada,  é datada de Bolama, 16 de julho de 1935.  A assinatura do reclamante é reconhecida pelo notário de Bolama.  O Manuel de Pinho Brandão tinha carimbo comnercial com indicação da caixa postal, Bolama, nº [ilegível, 26 ? ]. 


Fonte: Casa Comum | Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, Bissu | Pasta: 10429.230 | 
 
Conjunto de documentação [10 folhas]  relativa a reclamação, apresentada pelo comerciante Manuel de Pinho Brandão, proprietário do terreno denominado "Belém", na área da Circunscrição Civil de Fulacunda, que se insurge contra a cobrança de imposto de extracção de vinho de palma a indígenas que, com a sua autorização, praticam esta actividade na sua propriedade para consumo exclusivamente próprio. | Data: Julho de 1935 - Setembro de 1935 | Fundo: C1.6 - Secretaria dos Negócios Indígenas | Tipo Documental: Documento (...)

Citação:
(1935-1935), Sem Título, Fundação Mário Soares / C1.6 - Secretaria dos Negócios Indígenas, Disponível HTTP: http://www.casacomum.org/cc/visualizador?pasta=10429.230 (2024-8-20)


 
 1.  Sabemos que em 1935 o Manuel de Pinho Brandão já estava na Guiné, como se comprova pelo  documento, de 10 pp., acima reproduzido, e  que está no arquivo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP), de Bissau, disponibilizado em formato digital, na  Net, pelo portal Casa Comum / Fundação Mário Soares.

Também sabemos que em 1946 tinha diversas propriedades, incluindo em Ganjola (Catió), Cachanga (Catió), Cangalaia,  Iassé e Cauane (Ilha do Como):


Fonte: In: Estácio, António J.E. (2002) – O Contributo Chinês para a Orizicultura Guineense, in: Actas, V. Semana Cultural da China, Centro de Estudos Orientais, ISCSP/UTL: 431‑66


2. Mas também consta o seu nome (ou de um  homónimo) num processo de "expulsão" do território, por "atividades subversivas"


Seria interessante slguém do nosso blogue poder consultar este documento do Arquivo Histórico Diplomático... 

Será que o Francisco seria o tal Chiquinho que, segundo o o Mário Dias, ser filho do velho Brandão da Ilha do Como, e se yornou "turra" e que já teria morrido em 1964 ? (*) 

 O Manuel de Pinho Brandão seria o pai, o velho Brandão, ou algum "júnior" ? Sabemos que o velho Brandão espalhou os seus genes pela Guiné...

Inventário dos arquivos do Ministério do Ultramar

Código de Referência: PT/AHD/MU/GM/GNP/RNP/0559/08865

Título: Expulsões de Manuel de Pinho Brandão e Francisco Pinho Brandão

Data(s): 1964

Nível de descrição: Unidade de Instalação

Dimensão e suporte: 1 U.I.; papel

Idioma: Português

Notas: Classificador do Arquivo do Gabinete dos Negócios Políticos: P17: Segurança Nacional: Sanções Penais aos colaboracionistas com os inimigos.

Entidade detentora: Arquivo Histórico Diplomático


3.  Vejamos, entretanto, o que  mais se diz, no nosso blogue, sobre este homem, em cuja história de vida  se mistura a lenda e a realidade...  Terá conhecido a "época de ouro" da Guiné, com o governador Sarment0 Rodrigues, no pós-guerra, em que era um dos grandes colonos do sul da Guiné, até à decadència (física, económica e social) com o início da "subversão"... Náo sabemos quando nem onde morreu.. O J. L. Mendes Gomes faz um retrato humaníssimo da sua companheira, de alcunha "Sexta-feira" (tal como o companheiro de infortúnio  do Robinson Crusoé).


(ii) Joaquim Luís Mendes Gomes [ex-alf mil at inf, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66]

(...) Era-nos fácil imaginar, com sadia cobiça, a deliciosa época da vida colonial, de antes da guerra, para os felizardos, a quem a sorte, em boa hora, escorraçara, com a pena de desterro, por feitos heterodoxos à moral reinante das gentes da metrópole.

Era o caso do Sr. Brandão, de Ganjola (...) , a quinze km de Catió, um injustiçado lavrador das terras de Arouca. Ali vivia há dezenas de anos, por assassínio, cometido numa das romarias da Senhora da Mó. No meio dos folguedos e romarias, por vezes, acertavam-se contas atrasadas, duma qualquer hora de desavença, mesmo no fim da missa domingueira.

O Sr. Brandão, agora, era um velhote, rodeado de filhos e netos que foi gerando, ao sabor das madrugadas de batuque e da liberdade de escolha, sem custos, entre as mais viçosas bajudas da tabanca…

Uma negra, velha, mas de rosto e olhar, ainda iluminados por olhos meigos, como a sua voz, doce, era a predileta, de sempre. Seu nome, Sexta-Feira. Soava bem aos ouvidos dos falares balantas, fulas ou mandingas. Era ela quem lhe tratava das tarefas caseiras. Dedicada. Sem nada cobrar, para além do breve e malicioso sorriso do velho Brandão, quando lhe despontava o desejo do seu corpo, negro, sem idade. Podia despontar a qualquer hora. Sexta-Feira ali estava, sempre dócil e submissa.

Uma loja farta de tudo o que chegava na carreira regular das barcaças de Bissau. Os lindos panos de cor garrida e os gordos cordões reluzentes, de fantasia, com que as negras tanto gostavam de se enfeitar.

O vinho tinto da metrópole era o regalo dos ociosos negros, de rostos engelhados e curtidos pelo álcool, pela tarde fora, a par da cachaça de coco.O saboroso bacalhau, curado nas míticas secas da Figueira da Foz e Aveiro, tão apreciado e toda a sorte de ferragens eram tudo o que aguçava o desejo daquelas gentes, para a troca do arroz, milho, mandioca, galinhas e demais produtos que, em cortejo lento e constante, pelas picadas entre as frondosas matas, traziam em açafates, à cabeça.O preço era feito, à medida da vontade gulosa do velho, matreiro e bem afortunado, Brandão.

Dizia-se que tinha metade das terras de Arouca… não fosse o diabo tecê-las. Ali, vivia, pacatamente, como se não houvesse guerra, numa típica mansão colonial, de um piso sobreelevado, com um varandim a toda a volta, com as dependências necessárias à farta panóplia de utensílios, alfaias e mercadoria. (...)



A senhora Sexta-Feira


por J. L. Mendes Gomes  (*)


Vivia em Ganjola,
arredores de Catió.
Era a doce companheira
do senhor Brandão. 

Um desterrado de Arouca
a cumprir pena na Guiné.

Fez-se comerciante,
vendia de tudo aos nativos,
por todo o sul desde Bedanda a Cufar.

Faziam bicha em corropio
as mulheres negras,
açafates à cabeça,
e filhinhos atrás das costas.

Traziam ovos,
traziam galinhas,
de cristas rubras,
e levavam arroz e sal
para suas tabancas.

Sua casa era um palacete,
à beira-rio,
onde abundavam os crocodilos,
mas havia peixe a dar com pau.

Ali fui parar um mês com meu pelotão.
Como num quartel.
Ali dei com o célebre Brandão,
sempre rodeado de muitas crianças,
que lhe ventilavam o ar,
na sua esteira suspensa.

E havia uma senhora negra,
cabelo grisalho
um rosto belo,
cheio de rugas,
e uns olhos brilhantes,
um sorriso divino e puro.

Era a Sexta-Feira.
Cozinhava tão bem!...
Que será feito dela?


Berlim, 19 de Junho de 2015, 8h47m
Joaquim Luís Mendes Gomes

[ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66]



Foto nº 1



Foto nº 1A


Foto nº 2

Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (Catió, 1967/69) > Destacamento de Ganjola > Meninos, filhos de habitantes locais, dois deles irmãos, os mestiços . Dizia-se que eram filhos (ou netos?) do velho Brandão (que não sabemos quando e onde morreu). 

O que foi feito destes meninos e desta menina, pretos e mestiços de Ganjola ? Estarão vivos ? Casaram ? Tiveram filhos ? Vivem na sua terra ? São felizes e livres ? Ficamos sempre fascinados pelas fotos de gente da nossa Guiné, de ontem e de hoje... Quantas histórias não ficarão por contar se não inquirirmos estas fotos ?

Fotos do nosso saudoso grão-tabanqueiro  Victor Condeço (1943-2010) [ex- fur mil mec armamento, CCS / BCAÇ 1913, Catió , 1967/69 ], com quem ainda falei, ao telefone, pouco tempo antes de morrer. Uma conversa dramática; ele sabia o que o esperava... Oxalá tenha morrido em paz...


Foto nº 3


Foto nº 3A



Foto nº 3B

Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (1967/69) >    Foto 31  do Álbum fotográfico do Victor Condeço > Quartel >> "Cerimónia militar em fevereiro de 1968, por ocasião da imposição à CART 1689 da Flâmula de Honra (ouro) do CTIG, atribuída em julho de 1967. Edifício do comando. Presença de militares, civis da administração, correios e comerciantes locais. Vista parcial do quartel com as tropas em parada".




Foto nº 4

Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (1967/69) > Foto 32A do álbum fotográfico do Victor Condeço > Quartel >   "Cerimónia militar em fevereiro de 1968, por ocasião da imposição à CART 1689 da Flâmula de Honra (ouro) do CTIG, atribuída em julho de 1967. Edifício do comando. Presença de militares, civis da administração, correios e comerciantes locais." > Pormenor; quatro funcionários dos correios (à esquerda), seguidos de quatro comerciantes, o libanês José Saad (e filha), o Mota, o Dantas (e filha) e o Barros.



Foto nº 5



Foto nº 5A

Guiné > Região de Tombali > Catió > Foto 26 do álbum fotográfico de Vitor Condeço (ex-Furriel Mil, CCS do BART 1913, Catió 1967/69) > Catió, Vila > 1968> A praça do mercado, vista de quem vinha da pista [tirada à porta da casa do sr. Barros Correia]. À direita o Mercado, ao fundo à esquerda a casa do Sr. Brandão e à direita debaixo da mangueira o Bar Catió e bem ao fundo o quartel.



 Fotos (e legendas) do nosso saudoso Victor Condeço (1943/2010) / Edição e legendagem complementar:  © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Todos os direitos reservados.

(iv) Victor Condeço (1943-2010) [ex- fur mil mec armamento, CCS / BCAÇ 1913, Catió , 1967/69 ]

(...) Na verdade falta ali,  naquela foto [nº 4] , o Pinho Brandão, decerto terá sido convidado tal como outros comerciantes que também não aparecem na foto, caso dos Srs. Coelho, Adib e João,  da casa Gouveia.

Poderão estar na foto Catió_Quartel-31 junto do edifício da direita, junto de outra população mas não dá para reconhecer quem é quem. De memória também não sei se estiveram ou não. [Foto nº 4] 

Contudo pela lembrança que tenho do Sr. Manuel Pinho Brandão, é muito provável que não tenha estado presente. Era pessoa bastante reservada, nunca o vi no quartel nem sequer na rua.

As falas dele com militares ou civis resumiam-se ao Bom dia ou boa tarde, entre dentes, quando ao passarmos à sua casa o cumprimentávamos.

A maioria dos seus dias passava-os na sala de sua casa de esquina frente ao mercado [foto Catió_Vila-26], de portas abertas, na sua cadeira de repouso, fumando.

A lembrança que tenho da família que com ele vivia em Catió é muito vaga, mas lembro-me perfeitamente de duas bonitas, mestiças, suas filhas, das quais não me lembro o nome, jovens na casa dos 20 anos, que confeccionavam bolos de aniversário por encomenda. (...) (***)
_______________


domingo, 16 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8911: Antologia (70): Tarrafo, crónica de guerra, de Armor Pires Mota, 1ª ed, 1965 (3): Ilha do Como, 18 e 20 de Janeiro de 1964





Fonte: © Armor Pires Mota (1965-2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


Continuação da publicação de Tarrafo; crónica de guerra, de Armor Pires Mota, 1ª ed., Aveiro, 1965. Parte 2 (Ilha do Como, Jan / Mar 1964), pp. 56-60.  (*)

Começámos, a partir de 14 do corrente, a publicar as crónicas do Tarrafo, relativas à Op Tridente, na Ilha do Como (15 de Janeiro a 15 de Março de 1994),  utilizando para o efeito a primeira edição (pp. 47 a 85).  

O exemplar, fotocopiado, que temos vindo a digitalizar, tem a particularidade (e a raridade) de mostrar as muitas páginas com os "cortes" ou "marcas" (traços, sublinhados, exlamações...) da censura.  O livro de crónicas, publicado em Outubro de 1965, impresso na Gráfica Aveirense, foi de imediato retirado do mercado e hoje só é possível encontrá-lo nalgum alfarrobista. O autor fez depois uma 2ª edição, "autorizada", em 1970, com o mesmo título, Tarrafo (Braga, Pax Editora).

Sobre ele e o Tarrafo, escreveu Beja Santos, na série Notas de leitura: (...) "Resta perguntar porquê este silêncio em torno do primeiro repórter combatente, alguém que escreveu a guerra quase em directo, em tom singelo, frugal nas imagens, entregando-nos os seus estados de alma sobre a forma de diário. Porventura houve preconceitos ideológicos, hoje totalmente inexplicáveis, talvez porque o escritor assumisse que fizera esta comissão numa convicção dos destinos da Pátria. Ele foi o primeiro escritor entre nós, devemos-lhe esta guerra quase em directo, no tempo em que se combatia de capacete e se transportavam munições e víveres em burros. Como veremos, a Guiné tem acompanhado a sua obra literária, até ao presente. Armor Pires Mota ofereceu-me a cópia de “Tarrafo” com as marcas do lápis da PIDE. É um exemplar que, cheio de orgulho, entrego ao blogue".

Acompanhe-se aqui a descrição que o Mário Dias, na altura furriel comando, integrado no grupo de comandos do Alf Mil Saraiva, instalados perto da CCAV 488/BCAV 490, a que pertencia o Alf Mil Armor Pires Mota, nas imediações da antiga tabanca de Cauane, faz destes primeiros dias  de ação:

(...) "Precauções redobradas, chegada a Cauane festivamente saudada pelos guerrilheiros com nutrido fogo de PPSH e de outras armas a partir da mata em frente, distanciada cerca de 200 metros da nossa posição. Felizmente os tiros saíam muito altos e só o som irritante das chicotadas incomodava.

"Instalados em abrigos expeditos cavados no chão arenoso, as tropas montavam guarda aquele local estratégico por ficar próximo da mata, um pouco elevado, o que permitia
domínio sobre o terreno circundante. Sob orientação do cmdt. do 8º Dest.Fuz. que aí se encontrava já há 3 dias, foram-nos indicadas as nossas posições. Cavamos abrigos, o que não foi difícil, o terreno era mole, ficando uma equipa em cada abrigo. Sempre em mente o princípio sagrado de nunca se separarem os elementos de uma equipa". (...)




Guiné > Região de Tombali > Ilha do Como > Janeiro de 1964 > Na tabanca de Cauane, após a acção descrita. Estou eu, (de óculos) encostado a uma palhota, visivelmente cansado. A meu lado, a comer uma bolacha da ração de combate - não havia mais nada - o 1º cabo fotocine Raimundo que estava destacado pelo QG a fim de fazer a cobertura da operação, e que se juntou ao nosso grupo nunca mais deixando de nos acompanhar.

Foto (e legenda): © Mário Dias (2005-2011) / Blogue Luís Graça & camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
 

 (...) "A tabanca de Cauane, bem como as restantes, estava praticamente destruída assim como a casa do comerciante Brandão, ali bem próxima. Meses antes, já a aviação havia actuado na ilha bombardeando e destruindo todas as instalações que pudessem ser proveitosas ao IN. Recordo-me ainda de assistir no QG em Santa Luzia, onde ocasionalmente me encontrava, aos protestos do referido Brandão por lhe terem escavacado tudo quanto possuía no Como.Nada a fazer. Tivemos que ordenadamente retirar e regressar às nossas posições na tabanca de Cauane. Nesta acção, os fuzileiros sofreram 2 mortos e 3 feridos graves. Dos guerrilheiros não se sabe pois ninguém conseguiu lá chegar e verificar o que entre eles se passou.

"Mesmo em ruínas, as palhotas de Cauane foram úteis para guardar muito do nosso material e sempre proporcionavam alguma sombra. Junto a uma das casas, foi colocado um tosco mastro, bem alto, onde flutuava orgulhosamente a bandeira nacional. Creio que tal “provocação” irritava os guerrilheiros que para lá disparavam longas rajadas de metralhadora, sensivelmente de hora a hora. Nós, ao fim de algum tempo habituámo-nos ao festival e até já sabíamos que horas eram, sem necessidade de consultar o relógio. Bastava contar as rajadas. As munições que assim gastaram, e foram milhares delas, (nós nem respondíamos) nunca atingiram o pessoal instalado na tabanca de Cauane. Milagre ou falta de pontaria. Ou ambas as coisas.

"No dia 20 de Janeiro de 1964, o 8º Dest. Fuz. Esp. saiu para uma incursão na mata entre Cauane e S. Nicolau. Como era de esperar, um numeroso grupo estimado em cerca de 100 guerrilheiros nos quais foram referenciados alguns brancos e caboverdeanos, recebeu-os com nutrido fogo que durou aproximadamente 2 horas. Devido à gravidade da situação, saímos em reforço. A distância não era grande e rapidamente chegamos ao combate que estava mesmo feroz. Os guerrilheiros não paravam o fogo. Escondidos na densa mata, eram alvos difíceis de atingir. Progredindo por lanços, de árvore em árvore ou qualquer pequena elevação de terreno que nos protegesse, fomos tentando a aproximação à mata onde se encontrava o in. Impossível. O terreno até lá era descoberto e as metralhadoras varriam tudo. Perto de mim, um fuzileiro, temerariamente em terreno descoberto, fazia fogo. Quando reparei e lhe gritava para sair dali e se abrigar, só o vi a virar-se de barriga para o ar e ali ficou atingido com um tiro na cabeça. Fiz um disparo com o lança-roquetes (a minha arma, além da indispensável G3) para quebrar o ímpeto do IN e permitir que fosse socorrido. Resultou, e alguns elementos dos fuzileiros foram buscá - lo. Estava morto.

"O PAIGC estava a opor grande resistência. Foi necessária a ajuda da aviação e artilharia para que aos poucos se fosse tornando possível a nossa progressão para o interior do Como. Recordo algumas noites em que nos era recomendado não acender fogueiras, nem sequer cigarros, pois os P2V5 vinham (à socapa pois eram da NATO) bombardear a mata. As explosões eram tão fortes que o chão onde estávamos deitados estremecia.

"Durante o dia actuavam os F86 e T6 bombardeando e metralhando todos os movimentos que detectassem". (...)

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Nota do editor: