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sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10873: Memórias de Jolmete (Manuel Resende) (3): Alferes, temos que tramar o Capitão



BCAÇ 2884 - MAIS ALTO
CCAÇ 2585 - AQUELA MÁQUINA


MEMÓRIAS DE JOLMETE (3) 

“Alferes, temos que tramar o Capitão” 

(Esta estória tem como objectivo fazer uma pequena homenagem ao DANDI)

Manuel Resende

O nosso Capitão, António Tomás da Costa, já nos tinha prevenido durante o IAO, no Pragal, que seria promovido a Major em Agosto de 1969, e que por esse motivo teria de deixar a Companhia. Ele era do Quadro portanto as promoções tinham data certa. Teríamos de nos mentalizar que iríamos ter outro comandante durante a nossa comissão.

A Companhia 2585 chegou a Jolmete a 17-05-69, e após o tempo de sobreposição com a 2366 ficamos entregues a nós próprios, e fizemos a guerra à nossa maneira, como já foi dito noutra publicação neste, em “A MINHA GUERRA”, Poste 7151 do Blog Luís Graça & Camaradas da Guiné. Praticamente saíamos para o mato todos os dias e patrulhávamos sempre os possíveis trilhos por onde o IN poderia vir para atacar o quartel, ou trilhos de passagem de grupos, pois a nossa zona era essencialmente de passagem da Coboiana para Ponta Nhaga. Normalmente levávamos um grupo de combate, parte do Pelotão de Caçadores Nativos Nº 59 e alguns elementos do Pelotão de Milícias Nº 128 comandados pelo Cajan. Periodicamente, ou quando havia indícios de passagem de colunas do IN, as operações eram a nível de dois grupos de combate, Pelotão de Caçadores Nativos e Pelotão de Milícias quase sempre comandados pelo Dandi. Não é minha intenção fazer aqui um relato das operações que fizemos, mas somente salientar a brincadeira que por iniciativa do Dandi e com a nossa colaboração fizemos ao nosso comandante de companhia que estava prestes a abandonar Jolmete para ir para o QG em Bissau já como Major.

Estávamos em fins de Julho/princípios de Agosto de 1969, quando o Dandi veio ter comigo e comentou: - Alferes, então o Capitão nunca saiu para o mato e quando faz o relatório das operações assina sempre como comandante da operação, e Alferes não diz nada? Um dia destes temos de o levar a dar uma volta. Aceitei de imediato a sugestão, mas disse-lhe que tinha de ser uma “volta” sem riscos, pois a nossa consideração por ele era grande, pelo menos da minha parte.

Falei com o Alf. Marques Pereira, comandante do 3º grupo de combate e com o Alf. Mosca, comandante do pelotão de Caçadores Nativos Nº 59, e os três juntamente com o Dandi organizamos uma operação, à partida sem riscos de contacto com o IN, mas que seria, logo pelo fresquinho da manhã atravessar uma bolanha com água pela cintura, daríamos uma volta ao quartel e regressaríamos por outro lado atravessando outra bolanha. Esta foi a maldade sugerida pelo Dandi. Nada de mal, mas que serviria para ele ter uma noção do que custava sair para o mato todos os dias.

A primeira parte da operação e a mais importante seria convencer o nosso Capitão a aceitar ir comandar no terreno. Já não me lembro dos pormenores, mas foi-lhe dito que era uma operação de caça, e ele aceitou. Os Furriéis também foram informados da operação a brincar, mas íamos preparados para o pior, pois eventualmente poderia haver algum contacto. O nosso Capitão apresentou-se cedinho, equipado a rigor de G3 e cartucheiras à cintura, tudo como mandava a sapatilha. Ele tinha uma caçadeira calibre 12 automática de 5 tiros e pediu a alguém para a levar, dizia ele que no regresso podia aparecer alguma gazela. Esta arma era usada pelo Dandi para caçar, e foi-lhe oferecida antes da sua partida para o QG em Bissau. Andados alguns quilómetros por trilhos e corta mato, já com a roupa seca no corpo após o atravessamento da primeira bolanha, chegámos a um pequeno descampado com um bom embondeiro a fazer sombra. Estávamos numa zona em que, pela nossa experiência, não haveria problema, e não houve. Eu, para esta operação e pela primeira vez, até levei a minha máquina fotográfica, e seguia relativamente perto do Capitão. O Dandi em vez de ir na frente, como costumava, ia como guarda-costas dele. À ordem de parar para descansar todo o pessoal emboscou. Diz-me ele: ó Ferreira, (eu na tropa era Ferreira) tire uma fotografia para recordar esta operação. Chamou os Alferes e alguns Furriéis que estavam mais próximos para ficarem na foto. Estava eu a fazer o enquadramento e diz-me ele: alto, não tire ainda para eu compor as cartucheiras, quero ficar com um ar de guerreiro.

Acabado o descanso continuamos o nosso percurso, e eis senão quando aparece outra bolanha. Mais uma vez água pela cintura. Diz o Capitão: ó Dandi, então não havia outro caminho para evitar a bolanha? É que isto de secar a roupa no corpo é muito desconfortável… Não me lembro quantas fotografias eu tirei nesta operação, mas a única que tenho é a Nº 1, já anteriormente publicada, mas agora com legenda. Este pequeno episódio foi verídico no seu essencial, embora 43 anos depois a memória já não ajuda nos pequenos pormenores.


Foto nº 1 – Operação de patrulhamento comandada pelo Sr. Cap. Tomás da Costa 1- Cap. Tomás da Costa, 2 - Dandi, 3 - Alf. Joaquim Mosca, 4 - Alf. Marques Pereira, 5 - Fur. Meireles, 6 - Fur. Guarda



Foto nº 2 – Jantar de festa no refeitório dos soldados 1- Cap. Tomás da Costa, 2 - Alf. Joaquim Mosca, 3 - Alf. Ferreira (eu), 4 - Fur. Meireles, 5 - Fur. Furtado (enfermeiro)



Foto nº 3 – Um cafezinho depois do almoço - 1 - Cap. Tomás da Costa, 2 - Alf. Godinho, 3 - Alf. Marques Pereira


Foto nº 4 – Cap. Tomás da Costa com a esposa e as duas filhas numa visita a Jolmete

A seguir vou apresentar todas as fotografias que tenho tiradas com o Dandi. No meu tempo ele tinha sete esposas e sempre com ânsia de arranjar mais, pois quantas mais tivesse maior era o seu estatuto social, dizia ele. Teria cerca de 25/30anos de idade e era Natural do Jol, portanto, em princípio seria Manjaco. Os proventos dele resumiam-se à caça que fazia e vendia à Companhia e às saídas para o mato, pois ele recebia por cada operação que fazia. Era uma pessoa leal, não me lembro de qualquer desavença que possa ter havido. O seu nome era ”DASSIM DJASSI”. Numa das visitas que o Sr. General Spínola fez a Jolmete, prometeu que o iria propor para uma Cruz de Guerra, mas segundo as minhas últimas informações ele talvez nunca a teria recebido. Teve sim umas férias em Lisboa, mas sinceramente não sei de pormenores.

Não me admiro nada que, devido às burocracias militares, não tenha sido possível atribuí-la, pois nem sempre o QG fazia o que o Sr. General queria. Veja-se o caso das graduações de Alferes em Capitão, que deram que falar naquela altura. Na minha Companhia o Alferes Almendra, graduado em Capitão e comandante da mesma durante cerca de 18 meses, hoje Coronel reformado, depois da saída do Sr. Major Tomaz da Costa, na altura do regresso à Metrópole, ainda recebia o vencimento de Alferes e sem aumento. Lembro que em Outubro de 1969 houve aumentos de vencimentos. Coisas de Marcelo Caetano. Claro que depois tudo terá sido regularizado, mas não era como o Sr. General queria. Lembro que no jantar de despedida no palácio do Governo, o Sr. General Spínola falou no assunto e disse ao Cap. Almendra que iria receber até ao último centavo, nem que para isso tivesse de pagar do seu bolso.


Foto nº 5 – Dandi junto aos memoriais da 2366 e 2585


Foto nº 6 – Eu com o Dandi e uma das esposas


Foto nº 7 – Eu com o Dandi em pose para a foto

Manuel Resende
ex-Alf Mil da CCaç 2585/BCaç 2884,  Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 – P8377: Memórias de Jolmete (Manuel Resende) (2): FNAC - Fundação Nacional dos Apanhados do Clima

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Guiné 63/74 – P8377: Memórias de Jolmete (Manuel Resende) (2): FNAC - Fundação Nacional dos Apanhados do Clima

1. O nosso Camarada Manuel Resende*, ex-Alf Mil At da CCaç 2585 do BCaç 2884, que esteve em Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, (1969/71), enviou-nos a seguinte mensagem:

BCaç 2884 – Mais Alto
CCaç 2585 – Aquela Máquina


O tempo da nossa passagem pela guerra, mais concretamente pela Guiné, não foi feito só de tristezas, desalentos, saudades, … enfim, tantos outros sentimentos que não vale a pena enumerar. Também passamos os nossos bons momentos de boa disposição, camaradagem, convívio, etc. 

Na companhia 2585 de Jolmete 1969-1971 houve, em determinada altura, meados de 1970 depois do assassinato dos Oficiais do CAOP, um grupo de graduados, que de tão apanhados que estavam, criaram a FNAC. Não estejam já a imaginar uma empresa de ar condicionado para a Guiné, nem tão pouco uma editora de livros ou discos de vinil. Não, tratava-se pura e simplesmente de uma fundação. A “FUNDAÇÃO NACIONAL DOS APANHADOS DO CLIMA”, em abreviaturas FNAC.

A FNAC era composta por todos os oficiais e sargentos da Companhia 2585 que quisessem aderir. Praticamente aderiram todos. Os aderentes, como fazia parte dos estatutos, tinham de ter um nome artístico. Depois de fazerem o juramento de adesão, ficavam a pertencer ao grupo dos “organizados”, pelo que recebiam o respectivo cartão de “sócios”. Junto fotos de alguns cartões (só consegui estes).


De cima para baixo, da esquerda para a direita: Fur Mil Araújo, Alf Mil Godinho, Fur Mil Gomes, Fur Mil Gondar, Alf Mil Ferreira, Fur Mil Filipe, 2ºSarg Mesquita, Fur Mil Rodrigues e 1ºSarg Vinagre

A direcção da FNAC era exercida por:

Presidente: José Manuel Gonçalves Rodrigues (ex-fur), de nome artístico “GEM-GIS-KAN”
Secretário: António Alberto Miguéis Marques Pereira (ex-alf) de nome artístico ” WASINGTON”.

Tesoureiro: Manuel Joaquim Meireles (ex-fur) de nome artístico “O MENINO DO BARREIRO”. 

Além dos estatutos pensados e escritos ponto a ponto, com a colaboração dos associados, e votados sempre em assembleia-geral, e do cartão individual com foto artística do associado, foi desenhado pelo (ex-fur) Cristo um emblema de lapela. Aproveitando a vinda de férias à Metrópole do nosso presidente, foi encarregue de os mandar fazer na Fotal em tempo útil. Assim aconteceu.



Capa dos estatutos da FNAC
 
 

À distância de 40 anos tenho pena que o parágrafo nº 1 dos estatutos restringisse a adesão apenas a graduados da CCAÇ 2585, pois tivemos muitas solicitações para aderências por parte de outros que gostariam de pertencer, o que viria a valorizar no futuro (agora) os convívios. Enfim, temos de interpretar os estatutos à luz dos tempos de então, apanhados, à espera da peluda e cheios de boas intenções.

Agora perguntam os amigos leitores deste apontamento… “então e onde está a FNAC”? Boa pergunta, mas sinceramente não sei responder. Ainda tenho esperanças, com a ajuda desta publicação de nos voltarmos a reunir. Tenho contactos com o presidente, o (ex-fur) Rodrigues, que vive no Fundão e com o tesoureiro o (ex-fur) Meireles, que vive em Linda-a-Velha. Espero que o (ex-alf) Marques Pereira também apareça.

A FNAC, paralelamente ao que acontecia na parte militar, também deu alguns louvores aos organizados que mais apanhados estivessem. A mim tocou-me também esse galardão, que passo a reproduzir.

 .



A seguir vou publicar uma cópia dos estatutos.

 





A FNAC tinha também como missão animar todo o pessoal da 2585, não eram só os graduados que andavam stressados. Para isso fundamos a “RADIO PIRATA DE JOLMETE”. Esta Rádio, cujo aparelho transmissor era um receptor a válvulas do curso da “RÁDIO ESCOLA” que eu tinha tirado no último ano antes da minha entrada na tropa, e que tinha levado para a Guiné, serviu para, com uma adaptação feita por mim, transformá-lo em “receptor-emissor”.

Com uma boa antena cedida pelo nosso furriel Gomes de transmissões, e instalada entre a minha caserna e o refeitório dos soldados, conseguia captar perfeitamente a EN em onda média e dar um pouco de música durante o jantar. Convém dizer que o som era dado por uma coluna feita pelo nosso carpinteiro, tipo corneta com um altifalante que eu levei e que me tinha custado na “Astro-Técnica” 2.200$00, com 40 W de potência. Pesava cerca de 10 KG. 

Mais à noite retransmitia a EN e outras em onda curta, numa frequência que todos os pequenos receptores a pilhas com OM-OC captavam. Nesta frequência era transmitido também um programa de discos pedidos que às vezes fazíamos, no abrigo do Comando, numa pequena sala do 1º Sargento Vinagre.

Na foto que a seguir mostro, vê-se o grupo de locutores em acção. À esquerda o (ex-fur) Guarda, ao centro o (ex-fur) Rodrigues (nosso presidente) e à direita o (ex-alf) Marques Pereira (nosso secretário).

Fotos: © Manuel Resende (2010). Direitos reservados.

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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

10 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5246: Memórias de Jolmete (Manuel Resende) (1): A visita dos Deputados a Jolmete em Julho de 1970

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7151: Recortes de imprensa (34): A guerra do Manuel Resende, ex-Alf Mil At da CCaç 2585/BCaç 2884 (Correio da Manhã)


1. O nosso Camarada Manuel Resende*, ex-Alf Mil At da CCaç 2585 do BCaç 2884, que esteve em Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, (1969/71), enviou-nos, com data de 19 de Outubro de 2010 a seguinte mensagem:

A Minha Guerra
Manuel Cármine Resende Ferreira, 63 anos, reformado.
Casado, com uma filha.
Mobilizado para a Guiné, Jolmete, como Alferes Miliciano.
Embarque a 7 de Maio de 1969.
Regresso a 2 de Março de 1971.

Fui mobilizado para a Guiné em Fevereiro de 1969. Após a minha recruta como cadete na Escola Prática de Infantaria em Mafra, de Julho a Setembro de 1968 (3º turno), foi-me atribuída a especialidade de “Atirador de Artilharia”, por isso fui “tirar” a especialidade em Vendas Novas, na Escola Prática de Artilharia, de Outubro a Dezembro de 1968. Terminado o curso fui colocado nos Açores, no Regimento … (não me lembro o nome) nos Arrifes, em Ponta Delgada, para onde segui em meados de Janeiro de 1969, no navio “Angra do Heroísmo”.
Cerca de um mês depois de lá estar recebi ordem de marcha para me apresentar no quartel do Pragal (Almada) para fazer o IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional), a fim de ser integrado no Batalhão de Caçadores 2884, que seguiria para a Guiné. Como o transporte era escasso, esperei pelo próximo barco, o FUNCHAL, que saiu de Ponta Delgada em 28 de Fevereiro de 1969, dia do grande tremor de terra aqui no continente. Este Batalhão era constituído pela Companhia de Comando e Serviço (CCS), e pelas Companhias Operacionais 2584, 2585 e 2586. A minha seria a Companhia de Caçadores 2585. Feito o IAO embarquei para a Guiné a 7 de Maio de 1969, no paquete Niassa, onde cheguei a 12 do mesmo mês.
Após alguns dias em Bissau disfrutando daquele calor intenso e húmido, o Batalhão foi para Pelundo (zona de Teixeira Pinto), onde ficou sediada a Companhia CCS e a Companhia Operacional 2586, tendo sido atribuído o destacamento de “Jolmete” à minha Companhia 2585 e “Có” à 2584.
No dia 17 de Maio chegamos a Jolmete, onde fomos recebidos pela Companhia 2366 que nos esperava e íamos substituir. Nos dias que estivemos em Bissau fomos informados pelo Governador e Comandante-Chefe Sr. General Spínola, que a responsabilidade da nossa Companhia, a 2585, iria ser muito grande, pois íamos substituir uma das melhores Companhias Operacionais da Guiné (acção psicológica já a funcionar).
Foi-nos dito que esta Companhia, comandado pelo Sr. Capitão Barbeites, era considerada uma das melhores companhias operacionais da Guiné, quer pelo seu trabalho operacional, quer pela obra começada da construção do quartel a partir do nada, e que nós (2585) soubemos continuar.
Chegamos na altura da transição do tempo seco para a época das chuvas, que começava a 15 de Maio, e que de facto começou. Foi uma sensação muito estranha, para quem não estava habituado, chuva torrencial e calor ao mesmo tempo. Com as chuvas começava a época da bicharada. Coisas que só compreende quem lá esteve …
A nível operacional, nos dez dias de sobreposição de companhias, tudo correu bem. Saíamos em patrulhamentos com os grupos de combate da companhia cessante, mas não íamos para zonas perigosas.
O interesse da 2366 era passar o testemunho da melhor maneira possível, sem correr grandes riscos, pois a “peluda” estava próxima. No dia em que a Companhia cessante se foi embora, a 27 de Maio, começaram os nossos problemas com 2 mortos e vários feridos, não em combate, mas por acidente com arma de fogo.
Ao chegarmos ao quartel, depois da operação de segurança e protecção à coluna auto que levou a 2366 para o Pelundo, o soldado que transportava a BASUCA ao retirar a granada da arma, talvez por deficiência da mola ou por descuido, ela caiu pelo tubo, explodindo ao tocar no chão.
Este foi o primeiro contacto com a triste realidade das mortes e evacuações. A partir deste dia, entregues a nós próprios, começamos a fazer a nossa guerra. Fazendo uma retrospectiva devo concluir que não nos demos muito mal com o sistema adoptado. Saídas diárias evitaram flagelações ao quartel, que nunca tivemos, todavia emboscadas no mato eram constantes.
Nos 21 meses de mato a Companhia esteve 28 vezes debaixo de fogo, e eu com o meu grupo de combate (4º Grupo) estive 22. Lembro perfeitamente como se fosse hoje a primeira emboscado a sério em que caímos. Emboscada em “U” em que nós entramos pelo centro. Foi a 22 de Julho de 1969. Tivemos 2 mortos e vários feridos por tiro de RPG 2 e respectivos estilhaços.
“HOMENAGEM”
Neste apontamento quero e tenho o dever de salientar o contributo altamente positivo dos soldados africanos do Pelotão de Caçadores Nativos Nº 59, comandado inicialmente pelo colega Alferes Mosca, e pela secção de milícias, comandada pelo chefe da milícia, o célebre “DANDI”, mais tarde promovido a Capitão de Milícia pelo Sr. General Spínola, e que já vinha com boas referências da companhia anterior.
Sempre que saíamos para o mato estes homens iam sempre à frente, pois como conhecedores do terreno, sabiam como chegar ao objectivo. O Dandi natural do Jol, conhecia como ninguém todos os recantos da mata.
Bom guerrilheiro, bom caçador, muito nos ajudou a evitar cair em emboscadas, abrindo trilhos novos na mata. Quando saíamos para o mato com ele, ninguém tinha medo, por mais difícil que fosse a missão. Mais tarde fez parte do rol dos fuzilados. Sinceramente não sei se a Cruz de Guerra prometida pelo Sr. General Spínola lhe foi entregue antes de 1975. Que será feito dos outros?
Apesar do primeiro contacto a sério com o inimigo, já referido atrás, com 2 mortos e alguns feridos, o dia ou o facto que mais me marcou durante toda a comissão, e o fez profundamente, foi a morte dos Oficiais do CAOP, os três Majores e o meu colega Alferes Mosca (além dos outros três nativos) no dia 20 de Abril de 1970, em prol da paz e do entendimento dos povos do “Chão Manjaco”.
O Alferes Joaquim João Palmeiro Mosca pertencia à minha Companhia, 2585, pois era comandante do Pel. Caç. Nat. 59 (já referenciado) que fazia parte da Companhia, embora a rendição fosse individual. Em Set./Out. de 1969 o Alferes Mosca foi convidado pelo CAOP em Teixeira Pinto, para cuidar das plantações experimentais que se começavam a desenvolver no Chão Manjaco, pois ele era Regente Agrícola de formação.
Como as suas qualidades para a “PSICO” eram boas, foi convidado para colaborar nessa área com o Sr. Major Joaquim Pereira da Silva, Oficial de Informações e Coordenador da Acção Psicológica com as populações.
Estas acções da “psico” deram tantos frutos que praticamente de Novembro de 1969 a 20 de Abril de 1970 (fatídico dia), não tínhamos contactos com o “IN”, nem tínhamos autorização para abrir fogo em primeiro lugar, caso os víssemos, tendo até havido alguns que se entregaram voluntariamente. Sabíamos que o “IN” procedia exactamente como nós, pois as ordens que tinham eram iguais.
O Major Magalhães Osório e o Major Passos Ramos estavam mais ligados à parte operacional, como planeamento de operações conjuntas e afins e que nos visitavam diariamente do ar, com a sua DO, a perguntar se estava tudo bem, se era preciso alguma coisa, pois sabiam a nossa posição exacta no mato. Estes dois Majores e o respectivo comandante, Coronel Alcino, eram visita constante ao nosso quartel em Jolmete.
Como a Companhia estava empenhada na construção de casas para a nossa população, composta quase exclusivamente por militares do Pel. Caç. Nat. 59 e milícias, com as respectivas famílias, foi uma época propícia à descoberta e transporte de matéria prima para as obras: pedras, que eram poucas e madeiras que íamos procurar junto ao rio Cacheu, completamente avontade e sem grande segurança. Na minha modesta opinião e traduzindo os sentimentos da altura, perdemos ali, de uma só vez, um conjunto de Oficiais único e inigualável. Mas como dos fracos não reza a História, é por isso que ainda hoje eles são falados…
Escusado será comentar que as tréguas que existiam acabaram nesse dia. Nos meses que se seguiram até ao fim do ano de 1970 tivemos uma actividade operacional muito intensa. Felizmente não houve mais baixas. Passamos a pasta à Companhia que nos sucedeu a C Caç 3306 em Fevereiro de 1971, tendo regressado a Bissau para embarque. Após alguns dias de atraso do “UIGE”, embarcamos a 26 de Fevereiro, tendo chegado ao cais de Alcântara em 2 de Março de 1971.
Era costume o Sr. General Spínola convidar para um jantar de despedida com bate-papo os comandantes de Companhia (Capitães) e um dos alferes de cada companhia antes do embarque de regresso. Em relação à minha Companhia a 2585, O Sr. General fez questão de convidar todos os alferes além do Capitão, como recompensa pela actividade desenvolvida.
Ainda me lembro que o prato foi arroz de frango. Nessa altura já o Sr. General Spínola dizia que a Guiné não tinha solução pela guerra. Manifestava muitas ideias que mais tarde veio a publicar no seu livro “Portugal e o Futuro”.

Nº 1 – A bordo do Niassa, a caminho da Guiné. O sentimento dominante era de expectativa.

Nº 2 – Operação de patrulhamento comandada pelo nosso Capitão Tomaz da Costa, sentado ao centro. Do seu lado esquerdo, em pé, Dandi, sempre equipado a rigor; à sua esquerda, sentado, o Alf. Mosca.

Nº 3 – Atravessamento de uma bolanha à chegada de uma operação. O nosso quartel estava rodeado por bolanhas.

Nº 4,5 e 6 – Recolha de materiais, madeiras e pedras, para construção de abrigos e casas para a população.

Nº 7 – Eu com o Dandi, que mais tarde foi promovido a capitão de Milícia.

Um abraço,
Manuel Resende
Alf Mil At da CCAÇ 2585/BCAÇ 2884

Fotos: © Manuel Resende (2010). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

3 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7075: Recortes de imprensa (33): A guerra do Alberto José dos Santos Antunes, ex-Fur Mil da CCaç 5 (Correio da Manhã)

(*) Vd. também o poste da CCAÇ 2585 do BCAÇ 2884:

14 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2106: Tabanca Grande (33): Apresenta-se José Rodrigues Firmino, ex-Soldado Atirador (CCAÇ 2585 / BCAÇ 2884, Jolmete, 1969/71)

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5246: Memórias de Jolmete (Manuel Resende) (1): A visita dos Deputados a Jolmete em Julho de 1970

1. Mensagem de Manuel Resende*, ex-Alf Mil da CCaç 2585, BCaç 2884, que esteve em Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, (1969/71), com data de 6 de Novembro de 2009:

Caros amigos Luís Graça e Carlos Vinhal:

Em relação ao Post 5162 e 5176TRÁGICO ACIDENTE AÉREO EM 25 DE JULHO DE 1970, devo acrescentar o seguinte: não sei até que ponto posso ajudar, mas acho que devo mostrar os fotos que ainda guardo da visita dos deputados à Guiné em 1970, para os interessados tentarem descobrir as pessoas que conhecem.

Estive em JOLMETE desde Maio de 1969 até Março de 1971.
Vim de férias em Julho de 1970. Embarquei no 707 da TAP que levou os Deputados para visitarem a Guiné, conforme fotos que mostro abaixo.
No Aeroporto de Bissalanca havia grande agitação. Esperava-se a chegada do avião da TAP com os deputados da metrópole que vinham visitar a Guiné. Tirei algumas fotos, mas como a minha meta era embarcar, não liguei muito a essa visita.

Aguardando a chegada do 707 da TAP

Saída dos passageiros

Sessão de cumprimentos

Chegado a Jolmete, depois das férias, fui informado que os tais deputados tinham ido lá visitar o aquartelamento, e que no regresso, um dos helicópteros tinha caído antes de chegar a Bissau, com um tornado. Como havia fotos da visita tiradas pelo Furriel Rodrigues da minha Companhia, eu adquiri cópias, que são as que mostro a seguir.
Terminada a visita os helis saíram de Jolmete para Teixeira Pinto depois do almoço, para deixarem o pessoal do CAOP. Como não estive lá, não sei quem foi do CAOP, mas pelo menos o Sr. Coronel Alcino, comandante, esteve lá, como se pode ver em quase todas as fotos. Ainda estava próxima a dor pela morte dos Majores e do meu colega Alferes Mosca. Depois seguiram para Bissau, e nessa viagem aconteceu o acidente.

Abre-se a porta e vê-se o Gen Spínola. No banco de trás o Cor Alcino, CMDT do CAOP

Do outro heli saem outras individualidades

Cap Almendra CMDT da CCAÇ 2585 cumprimenta e dá as boas-vindas ao Gen Spínola

Cumprimentos ao Oficial de Dia, Alf Mil Marques Pereira, pelo Ministro Silva Cunha e Gen Spínola. Vemos distanciado, à esquerda, o Cor Alcino

Visita da comitiva à Cozinha. Além de Siva Cunha e Coronel Alcino, vemos dois Furriéis dos helis e dois repórteres

Visita à Capela

Despedidas finais


JOLMETE era um aquartelamento exemplar no mato. O Sr. General Spínola tinha um fraquinho por Jolmete; esta mensagem foi-nos transmitida logo à chegada. Os nossos antecessores, CCaç 2366 comandada pelo Sr. Cap. Barbeites, construíram o quartel de raiz, nós continuamos e aperfeiçoamos. Eles tiveram uma forte actividade militar, nós continuamos e aumentamos, com saídas praticamente diárias, o que nos privou de ataques ou flagelações ao aquartelamento durante toda a comissão. Construímos, entre outras coisas dois abrigos, a vala de defesa em volta do quartel, uma escola e 24 casas para a população civil, graças à nossa equipa de pedreiros, como o Firmino (Régua), o Ramos, o Lima, o Spínola (não confundir com o nosso General), o Risadas e outros que não me recordo os nomes, mas que de seu modo, deram o corpo ao manifesto, erguendo obra que após a independência foi toda destruída.

Manuel Resende junto ao Memorial da CCAÇ 2366 e 2585

Vista aérea do nosso aquartelamento como nos foi entregue pela CCAÇ 2366

Vista aérea do aquartelamento e casas civis como deixamos para a CCAÇ 3306

Grupo de Combate da colher e da gamela

Não sei nada da companhia que nos sucedeu, a 3306. Se alguém souber algo desta Companhia, agradeço que me informe, pois gostaria de saber, pelo menos, o que foi feito do Rádio-receptor de OM e OC, a válvulas e com retransmissor em OM, para que todo o pessoal nas casernas pudesse ouvir a Emissora Nacional a partir das 17/18 horas e não só, que eu deixei para eles. Também fazíamos programas em directo de discos pedidos, com os poucos recursos que tínhamos. O estúdio era montado no quarto do nosso primeiro Vinagre, no edifício do Comando. O locutor principal era o colega Alf Mil Marques Pereira e Alf Mil Godinho, além de outros, como o Furriel Pargana (ilusionista que engolia agulhas), o Furriel Meireles, que cantava o Alfredo Marceneiro, etc.
Por falar nisto, era muito bom que alguém tivesse alguma cassete gravada desses programas e que se dispusesse a emprestar para que, com as tecnologias de hoje, pudessemos todos ouvir neste blog. Resta dizer que este aparelho foi totalmente construído e adaptado para retransmissão por mim. Muitas das peças usadas foram retiradas de rádios apanhadas aos nossos agora amigos da Guiné.

Rádio a válvulas do Curso da Rádio escola

Rádio anterior,mas já adaptado para retransmissão


Olá João Tunes
Lembras-te do Alferes de Jolmete que mexia nos Rádios? Sou eu. Se me quiseres dar a porrada, ainda estás a tempo. Um grande abraço.

Disse atrás que o Sr. General Spínola enchia a boca com Jolmete, e era verdade. Tivemos algumas visitas de estrangeiros e militares de outras zonas que iam lá ver como se trabalhava. Não esqueço uns repórteres do Washington Post que foram fazer uma reportagem filmada, de que tenho fotos, mas que comentarei em outra altura, para não tornar este apontamento muito pesado. Também o Sr. Major do SM António Goulartt Branco, após visita ao aquartelamento no Natal de 1969, fez o seguinte relatório:

Relatório (clicar para ampliar)

Fotos © ex-Alf Mil Manuel Resende e ex-Fur Mil Rodrigues (2009). Direitos reservados.
Legendas: Manuel Resende
Edição das fotos: CV


Um abraço para o Luís Graça e Carlos Vinhal
Manuel Resende
Manuel Resende
Alf Mil
CCaç 2585/BCaç 2884
1969/1971
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4228: Louvores e punições (6): Alf Mil Cav Joaquim J. Palmeiro Mosca, morto a 20/4/1970 no chão manjaco (Manuel Resende)