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terça-feira, 8 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24539: Questões politicamente (in)correctas (58): Ainda a própósito do eventual recurso ao "trabalho forçado" (teoricamente abolido em 1961, por Adriano Moreira) (Cherno Baldé)



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339> Março / Maio de 1969 > Op Cabeça Rapada I.

Foto do álbum do Albano Gomes, que vive em Chaves, e que foi 1.º cabo op cripto, CART 2339 (Mansambo, 1968/69).

Foto (e legenda): © Albano Gomes (2008). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339> Março / Maio de 1969 > Op Cabeça Rapada I > Milhares de nativos  (c. 7 mil) são requisitados pela administração do concelho de Bafatá para capinar a estrada de Bambadinca - Mansambo - Xitole (cerca de 30 km), de um lado e de outro, numa faixa (variável) de 100 a 200 metros.

Fotos do álbum de Torcato Mendonça (ex-alf mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69) (1944-2021)

Fotos (e legendas): © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) >  BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Capinagem  

Foto (e legenda): © José Torres Neves (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. É mais uma questão "politicamente incorreta" (*), aqui levantada pelo nosso arguto, sagaz e frontal  Cherno Baldé, a propósito do trabalho de capinagem ou desmatação (**): era ou não, "de jure et de facto", "trabalho forçado", teoricamente abolido em 1961 nas províncias ultramarinas portuguesas, no âmbito das reformas do ministro do ultramar Adriano Moreira (1922-2022)?

(i) Comentário de Cherno Baldé (**):

Voltando ao Poste do dia e sobre o fundo da questão, acho que estamos na presença de imagens que, na linguagem da época da Guiné portuguesa, se designava por "trabalho obrigatório" ou "trabalho forçado". 

Do ponto de vista oficial, era trabalho voluntário de limpeza das vias e arredores dos aquartelamentos, mas na realidade e para a população civil era um trabalho a que eram obrigados a fazer por ordens dos chefes de Postos e autoridades tradicionais legítimas ou impostas.

A presença dos individuos armados com mauseres e G3 no meio dos trabalhadores tanto poderia ser para a segurança assim como um meio de pressão psicológica e de intimidação, tratando-se sobretudo de jovens pertencentes a etnia Balanta de Cutia e arredores.

É a minha opinião à luz da realidade dos anos 60/70 de que fui testemunho e participante. No meio disso tudo, alguns elementos da tropa metropolitana, mal preparada previamente, sobre os reais objectivos e fundamentos da colonização, paradoxalmente, contrariavam estas linhas de orientação que muitas vezes não compreendiam e mal aceitavam excepção feita aos oficiais superiores que estavam melhor informados. 

Na fase final da guerra, o General Spínola tentou acabar com estas práticas, consideradas muito nocivas e que não se enquadravam na nova política "Por uma Guiné melhor" chocando-se fortemente com hábitos há muito estabelecidos e que davam jeito aos comandantes e chefes de Postos nos aquartelamentos do mato a braços com problemas de meios humanos, financeiros e materiais para todas as tarefas necessárias.

(ii) Comentário do editor LG (a propósito da Op Cabeça Rapada( (***):

É um número impressionante de trabalhadores de etnia fula e mandinga, mas também balanta, naturais dos regulados de Badora (e talvez do Corubal). Desconheço se foram recrutados "voluntariamente" e "devidamente pagos"... É muito provável que tenham sido apenas pagos em géneros: em alimentação e  mais um suplemento em arroz... A tradição da administração colonial, antes do início da guerra, e teoricamente até pelo menos a 1961, era a do "trabalho forçado", puro e duro (...).

Recorde-se que, segundo a História do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), "a população de um modo geral é-nos favorável [no sector L1], sendo de destacar o regulado de Badora que tem como Chefe/Régulo um homem de valor e considerado pela população como um Deus" (sic).

Tratava-se do tenente de 2ª linha Mamadu Bonco Sanhá ( que será fuzilado, sem julgamento,  pelo PAIGC a seguir à independência), "um homem (...) já conhecido no meio militar pelos seus feitos valorosos e dignos de exemplo. Da outra população [balantas, biafadas e mandingas...] fortes dúvidas se tem,  especialmente as dos Nhabijões, Xime e Mero" (História do BCAÇ 2852... Cap. II, pag. 1).

Conheci o tenente de 2ª classe, régulo e chefe máximo das milícias de Badora.O quer se dizia sobre ele era manifestamente exagerado: o tenente Mamadu Bonco Sanhá era respeitado e sobretudo temido pelos seus súbditos, mas é manifestamente grosseiro, etnocêntrico e até ofensivo dizer que a população, muçulmana, o "considerava como um Deus"... Convenhamos que é uma figura de estilo"... 

O administrador do concelho de Bafaté (Guerra Ribeiro) e o régulo de Badora eram, na altura, figuras poderosas, com capacidade para recrutar milhares de braços...

Recorde-se que, segundo a Convenção nº 29 da OIT - Organização Internacional do Trabalho (adotada em 1930, e ratificada por Portugal em... 1956)), trabalho forçado ou obrigatório é todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de uma sanção e para o qual a pessoa não se ofereceu espontaneamente (nº 1 do artº 2ª)... Mas depois havia as exceções do nº 2 do artº 2º...

(iii) Comentário do Torcato Mendonça (1944-2021) (vd. poste P9541) (****):


(...) Vou tentar contar-vos, sem grandes pormenores, a maior operação de Acção Psico Social – chamemos-lhe assim – a que assisti. Bem planeada e meticulosamente preparada por quem sabia.

Tudo com o aval do Comandante-chefe e teve o nome de “Operação Cabeça Rapada”. Desenrolou-se de finais de Março a meados de Maio de 69, talvez por seis fases ou seis operações [na realidade, quatro.]

O objectivo era capinar – cortar e desmatar – toda a vegetação numa faixa de trinta ou quarenta metros, talvez mais, para lá do arame que delimitava o perímetro de Mansambo e igualmente, em largura, uma faixa similar para lá das bermas das estradas (picadas) de Mansambo a Bambadinca e daqui até ao Xime. Só nas zonas mais propícias a emboscadas.

Outras desmatações menores,  à volta de algumas Tabancas, por exemplo Amedalai e outros locais, sofreram igual corte.

Estas Operações queriam vincar três pontos:

  • dizer que o IN tinha sido derrotado na Operação Lança Afiada [, 8.19 de março de 1969]; 
  • mostrar que as populações estavam com as NT;
  • fortalecer o slogan “Por uma Guiné Melhor”.

Análise despretensiosa e sem petulância minha. É uma não análise… talvez.

As populações envolveram-se fortemente depois do excelente planeamento. Muitas centenas, talvez um ou dois milhares de civis, muitos militares  [na realidade, 7 mil, na Op Cabeça Rapada I], e uma logística enorme: viaturas civis e militares, alimentação e uma bem montada segurança, próxima e afastada, para dissuadir ou minimizar o efeito de qualquer ataque e, também, colaborar activamente com apoio rápido à resolução de algum acidente e incidente.

Não seria difícil ao IN disparar umas morteiradas e provocar o pânico. Uma ou duas granadas eram suficientes. Não o fez e nós não sabíamos, quantos daqueles homens eram simpatizantes deles e trabalhavam naquela desmatação para obterem informações. Havia certamente.

Lembro-me da enorme confusão da manhã do primeiro dia. Eram muitas centenas e centenas de homens e suas catanas a chegarem a Mansambo. Organizar tudo seria tarefa difícil mas foi conseguido.

A nossa missão, a do meu Grupo, era outra e rapidamente saímos do aquartelamento para a segurança. No fim de toda esta Operação, faseada e por tanto tempo, quando acabou uma dúvida, em mim, se levantou:  "
Aquela desmatação não iria abrir o campo de tiro ao IN?".

Caí, em meados de Maio, numa forte emboscada no Pontão do Almami e, em inicio de Abril, já tinha havido outra no mesmo local. Felizmente as árvores que ladeavam a estrada foram poupadas.

No dia 28 de Maio de 1969 a sede do Batalhão, em Bambadinca, foi atacada pela primeira vez. As tabancas de Taibatá, Moricanhe e Amedalai, sofreram igualmente ataques.

Era a represália do IN. Teve auxílio vindo do Sul e do Norte? Certamente. Mas provava que estava vivo e não fora aniquilado na Lança Afiada e esta não respeitara certas regras básicas de contra guerrilha. O IN não foi aniquilado. Tanto assim que começou a bater forte, a tentar infiltrar-se e a exigir um esforço maior de contenção das NT. 

Só em meados de Agosto. o IN veio a sofrer um forte revés e ficou decapitado - como sinónimo de sem comando [, o comandante Mamadu Indjai, gravememte ferido em emboscada montada por forças da CART 2339].

Nada de relevante ou muito grave aconteceu até ao fim da nossa Comissão, em finais de Novembro de 1969. Emboscadas, ataques a tabancas e aquartelamento, umas baixas sempre lastimáveis e uma ou outra operação igual a tantas outras. A rotina habitual com ou sem desmatações. Embarcámos em 4 de Dezembro de 1969 [de regresso a casa]. (...)
____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 16 de junho de 2022 Guiné 61/74 - P23355: Questões politicamente (in)correctas (57): O luso-tropicalismo e os seus mitos (José Belo, Suécia e EUA)

(**) Vd. poste de 30 de julho de 2023 Guiné 61/74 - P24519 Fotos à procura de... uma legenda (175): Capinadores e "homens armadas" em Cutia, tabanca e destacamento no setor de Mansoa, ao tempo do BCAÇ 2885 (1969/71) (José Torres Neves, capelão)


Vd.também postes de:




segunda-feira, 29 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22049: Notas de leitura (1349): “Trabalho forçado africano, o caminho da ida”, com coordenação do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto, Edições Húmus, 2009 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Julho de 2018:

Queridos amigos,
Aqui está uma boa oportunidade para os interessados em escravatura e trabalho forçado saberem mais a preços módicos: o velho tráfico nas suas condições de transporte, mas também na Costa francesa dos somalis e com incidência em Moçambique e saber mais sobre a intervenção dos Países Baixos no tráfico atlântico de escravos. Extinta formalmente a escravatura, ela manteve-se com outros nomes e daí a análise que se pode ler sobre a mão-de-obra para a cultura do cacau em São Tomé e Príncipe ou os contornos do recrutamento para o trabalho forçado na Companhia dos Diamantes de Angola.

Um abraço do
Mário


Trabalho forçado africano, o caminho da ida

Beja Santos

“Trabalho forçado africano, o caminho da ida”, com coordenação do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto, Edições Húmus, 2009, acolhe um conjunto de trabalhos centrados sobre o caminho da ida, como observa José Capela: o percurso pluriforme que vai da modalidade de tráfico a partir das costas africanas para o Atlântico até ao circuito dos recrutamentos coloniais compulsivos. 

Daí o leque de análises: os “contratados” para a cultura do cacau em São Tomé e Príncipe, o recrutamento para o trabalho forçado na Companhia dos Diamantes de Angola, o tráfico de escravos a partir da Costa francesa dos somalis nas datas tardias de finais do século XIX, atingindo a colónia de Moçambique. 

Mas há ainda mais, precede este trabalho forçado três séculos de comércio negreiro ilícito e daí o estudo das condições de transporte de escravos no Atlântico Sul durante o século XVII; a intervenção dos Países Baixos no tráfico atlântico de escravos e a mão-de-obra fornecida pela Costa da Mina à área servida pelo porto do Recife entre fins do século XVII e a primeira metade do século XVIII.

O leitor interessado por estas matérias encontrará análises de primeira água. Logo a investigação de Arlindo Caldeira sobre as condições de transporte negreiro do Atlântico Sul durante o século XVII. Escreve, em dado passo: 

“O desembarque de multidões de africanos esqueléticos, que faz parte da iconografia da escravatura, não se afasta, em muitos casos, da realidade, mas resulta de múltiplos factores e não apenas da escassez de comida a bordo. A razão principal tem a ver com as condições de saúde. Muitos dos escravos chegavam ao local de embarque bastante debilitados pelas enfermidades e pelo esforço do longo percurso que os trouxera até aí. Mas, mesmo quando não eram atingidos por doenças graves, os escravos embarcados, quase todos criados longe do Litoral e tendo de enfrentar agora mares agitados (e não raros, tempestades) a bordo de pequenas embarcações, eram afectados por violentas crises de enjoo, com náuseas e vómitos. E, nestes casos, o tipo de alimentação disponível não era seguramente a mais atractiva nem a mais indicada. 

Além do enjoo, o pânico e o desespero levavam também muitos a recusarem deliberadamente a comida, como forma de anteciparem uma morte que lhes parecia próxima e ainda mais terrível (…) Um índice significativo das condições de vida a bordo é o das taxas de mortalidade. A mortalidade a bordo revela-se, de uma forma geral, chocantemente alta. Uma doença contagiosa galopante ou um percalço que alargue excessivamente a duração da viagem podiam revelar-se catastróficos. Mas, em contrapartida, as condições de navegação favoráveis, diminuindo o tempo da ligação transoceânica eram, quase sempre, bastante auspiciosas”.

No trabalho de Maciel Santos sobre a compra dos “contratados” para São Tomé avultam aspetos muito interessantes. Logo a conjuntura: 

“Durante a década de 1890, a colónia portuguesa de São Tomé e Príncipe tornou-se um dos maiores produtores mundiais de cacau. Entre 1894 e 1903, a sua produção cacaueira teve uma taxa de crescimento anual de 15,5% (contra 1,9% do Equador e 8,8% do Brasil). Este crescimento – o maior de todos os produtores com quotas de mercado entre os 10% e os 20% – levou a que a ponderação de São Tomé no mercado mundial tivesse passado, entre esses anos, de cerca de 9% a 18%. 

A intensificação da produção do arquipélago esteve associada a uma fase de prosperidade pregando parte dos capitais aí investidos. Entre 1875 e 1903, a cotação do cacau nos grandes centros de consumo não teve uma tendência continuada de alta. No entanto, para capitais agrícolas produzindo para o mercado mundial, o lucro consiste numa diferença entre preços: o que regula o mercado e o preço individual de produção. Este último era tendencialmente mais baixo no arquipélago. 

Devido à desflorestação recente, os cacaueiros das ilhas deram durante anos produções por hectare superiores às da maioria dos centros produtores mais antigos, da América Central e do Sul”

A investigação aprofunda a natureza do recrutamento, o porquê da escolha dos “angola”, o processo do “resgate”, a produção de escravos pelas mercadorias, tudo para concluir a existência de uma correlação entre a expetativa de rendas e a procura de escravos, processou-se uma oferta de escravos fora da ordem colonial (daí a ficção jurídica do “resgate”), a única solução jurídica para São Tomé.

Recorde-se que a editora Campo das Letras já publicara com a coordenação do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto dois outros importantes trabalhos correlativos: Trabalho forçado africano, Experiências coloniais comparadas e Trabalho forçado africano, Articulações com o poder político.

Aproveita-se a oportunidade para se publicitar o importante site do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto que dá informação sobre os conteúdos da primorosa revista Africana Studia, disponível a preços muito acessíveis.
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22025: Notas de leitura (1348): "A Batalha do Quitafine", por José Francisco Nico; edição de autor, 2020 (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20554: Questões politicamente (in)correctas (50): as grandes desmatações à volta de aquartelamentos construídos de raiz como Mansambo, e ao longo da rede viária, com o apoio das populações às NT (Torcato Mendonça, ex-alf mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca( > Mansambo > CART 2339 > Março / Maio de 1969 > Op Cabeça Rapada > Concentração de pessoal e viaturas no quartel de Mansambo. Não sabemos que são os tipos de chapéu colonial, assinalados com um círculo a vermelho: os da direita, junto a militar de Mansambo em tronco nu, podem ser ser cipaios, da polícia administrativa ou até adjuntos do régulo de Badora... Junto à viatura, de calção, pode ser o condutor... Foto do álbum de Torcato Mendonça (ex-alf mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69)



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca( > Mansambo > CART 2339 > Março / Maio de 1969 > Op Cabeça Rapada >  Tropas, a montar segurança,  e civis, capinadores, na estrada Mansambo - Bambadinc. À esquerda, um homem, ocm cabeça colonal, que pode estar a enquadrar os civis e que poderia ser um "cipaio" (polícia administrativa).

Foto (e legenda): © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Zona Leste >  Região de Bafatá Sector L1 (Bmabadinca) > Mansambo > 1970 > Vista aérea do aquartelamento, que foi construído de raíz pela CART 2339 (Mansambo, 1968/69).  À volta foi tudo desmatado. Ao fundo, da esquerda para a direita, a estrada Bambadinca-Xitole. Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

"Quanto à foto de Mansambo, a vista aérea – que é espectacular e que pessoalmente agradeço - gostava de saber de que ano é, se o Humberto tiver esses dados. A zona está totalmente nua, só com uma grande árvore ao fundo que se encontra à entrada do aquartelamento, pois vê-se a bifurcação para a estrada Bambadinca-Xitole (esquerda-direita. Falta ali uma árvore, a tal de referência para o IN, e que os nossos soldados chamavam a árvore dos 17 passarinhos, tal era a quantidade deles, que se situava na parte mais afastada da entrada. A mancha branca de maior dimensão seria o heliporto. 

"Faltam os obuses, um de cada lado à esquerda e à direita. Ao lado dessa árvore ficava o depósito, que era uma palhota, de géneros e munições, que ardeu a 20 de Janeiro de 1969 (nesse dia chegaram os 2 Obuses 105 mm). Era véspera do aniversário da CART 2339. Ao fundo vê-se uma mancha à esquerda do trilho de entrada que era a tabanca dos picadores. À direita no triângulo de trilhos, ficava a nossa horta. A fonte ficava à direita da foto onde se vêem 3 trilhos, na mancha mais negra em baixo. Se confrontares com um mapa da zona vê-se aí uma linha de água" ( Carlos Marques dos Santos, 1943-2019)

Foto (e legenda): © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]© 



1. Excerto do poste P9541 (*), da autoria do nosso colaborador permanente Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69), que participou tanto na Op Lança Afiada como na Cabeça Rapada. e que infelizmente por razões de saúde tem estado afastado do nosso blogue e do nosso convívio:


Não é de assuntos de barbearia que venho falar. Não. Vou tentar contar-vos, sem grandes pormenores, a maior operação de Acção Psico Social – chamemos-lhe assim – a que assisti. Bem planeada e meticulosamente preparada por quem sabia.

Tudo com o aval do Comandante-chefe e teve o nome de “Operação Cabeça Rapada”. Desenrolou-se de finais de Março a meados de Maio de 69, talvez por seis fases ou seis operações [, na realidade, quatro.]

O objectivo era capinar – cortar e desmatar – toda a vegetação numa faixa de trinta ou quarenta metros, talvez mais, para lá do arame que delimitava o perímetro de Mansambo e igualmente, em largura, uma faixa similar para lá das bermas das estradas (picadas) de Mansambo a Bambadinca e daqui até ao Xime. Só nas zonas mais propícias a emboscadas.

Outras desmatações menores,  à volta de algumas Tabancas, por exemplo Amedalai e outros locais, sofreram igual corte.

Estas Operações queriam vincar três pontos:

(i) dizer que o IN tinha sido derrotado na Operação Lança Afiada [, 8.19 de março de 1969];

(ii) mostrar que as populações estavam com as NT;

(iii) fortalecer o slogan “Por uma Guiné Melhor”.

Análise despretensiosa e sem petulância minha. É uma não análise… talvez.

As populações envolveram-se fortemente depois do excelente planeamento. Muitas centenas, talvez um ou dois milhares de civis, muitos militares  [na realidade, 7 mil, na Op Cabeça Rapada I], e uma logística enorme: viaturas civis e militares, alimentação e uma bem montada segurança, próxima e afastada, para dissuadir ou minimizar o efeito de qualquer ataque e, também, colaborar activamente com apoio rápido à resolução de algum acidente e incidente.

Não seria difícil ao IN disparar umas morteiradas e provocar o pânico. Uma ou duas granadas eram suficientes. Não o fez e nós não sabíamos, quantos daqueles homens eram simpatizantes deles e trabalhavam naquela desmatação para obterem informações. Havia certamente.

Lembro-me da enorme confusão da manhã do primeiro dia. Eram muitas centenas e centenas de homens e suas catanas a chegarem a Mansambo. Organizar tudo seria tarefa difícil mas foi conseguido.

A nossa missão, a do meu Grupo, era outra e rapidamente saímos do aquartelamento para a segurança. No fim de toda esta Operação, faseada e por tanto tempo, quando acabou uma dúvida, em mim, se levantou: 
- Aquela desmatação não iria abrir o campo de tiro ao IN?

Caí, em meados de Maio, numa forte emboscada no Pontão do Almami e, em inicio de Abril, já tinha havido outra no mesmo local. Felizmente as árvores que ladeavam a estrada foram poupadas.

No dia 28 de Maio de 1969 a sede do Batalhão, em Bambadinca, foi atacada pela primeira vez. As tabancas de Taibatá, Moricanhe e Amedalai, sofreram igualmente ataques.

Era a represália do IN. Teve auxílio vindo do Sul e do Norte? Certamente. Mas provava que estava vivo e não fora aniquilado na Lança Afiada e esta não respeitara certas regras básicas de contra guerrilha. O IN não foi aniquilado. Tanto assim que começou a bater forte, a tentar infiltrar-se e a exigir um esforço maior de contenção das NT. 

Só em meados de Agosto. o IN veio a sofrer um forte revés e ficou decapitado - como sinónimo de sem comando [, o comandante Mamadu Indjai, gravememte ferido em emboscada montada por forças da CART 2339].

Nada de relevante ou muito grave aconteceu até ao fim da nossa Comissão, em finais de Novembro de 1969. Emboscadas, ataques a tabancas e aquartelamento, umas baixas sempre lastimáveis e uma ou outra operação igual a tantas outras. A rotina habitual com ou sem desmatações.

Embarcamos em 4 de Dezembro de 1969 [, de regresso a casa].

2. Em comentário ao poste P9541 (*) , o nosso amigo e camarada Henrique Cerqueira [, ex-fur mil, 3.ª CCAÇ/BCAÇ4610/72, e CCAÇ 13, Biambe  e Bissorã, 1972/74; vive no Porto] disse o seguinte:

Camarada Torcato:

A simplicidade do tema é na realidade um grande aglutinador das nossas lembranças.

Tambem participei em proteções a grandes grupos de capinadores na região de Bissorã. E apareciam civis aos magotes, pois pudera, o dia era pago pelo Estado Português.embora que em géneros (arroz).

Na realidade a capinagem dava segurança quando estavámos no quartel e quando regressavamos. Mas, quando tínhamos que sair em patrulhamentos,  que era quase sempre ao caír da noite, eu só me achava seguro depois de nos embrenharmos no mato.

______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 27 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9541: Nós da memória (Torcato Mendonça) (12): Cabeça Rapada - Fotos falantes IV

(**)  Último poste da série > 12 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20551: Questões politicamente (in)corretas (49): no 1º ano do consulado de Spínola, ainda havia ou não indícios da prática de trabalho forçado (, extinto por decreto, em 1961), por parte da administração e até do exército ?

domingo, 12 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20551: Questões politicamente (in)corretas (49): no 1º ano do consulado de Spínola, ainda havia ou não indícios da prática de trabalho forçado (, extinto por decreto, em 1961), por parte da administração e até do exército ?


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca( > Mansambo > CART 2339 > Março / Maio de 1969 > Op Cabeça Rapada > Concentração de pessoal e viaturas no quartel de Mansambo. Foto do álbum de Torcato Mendonça (ex-alf mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69)

Foto (e legenda): © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca( > Mansambo > CART 2339> Março / Maio de 1969 > Op Cabeça Rapada- Foto do álbum do Albano Gomes, que vive em Chaves, e que foi 1º cabo op cripto, CART 2339 (Mansambo, 1968/69).

Foto (e legenda): © Albano Gomes (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

I. Seleção de comentários ao poste P20541 (*)

1. Fernando Gouveia:

Em março/abril de 69 estive de férias e não me recordo destas operações de desmatamento, no entanto assisti várias vezes a pequenas capinagens organizadas pelo Administrador da altura. As coisas eram sempre feitas da mesma forma: o Administrador recrutava à força, sem violência, os nativos de que precisava e levava-os para os locais a capinar, como junto à pista de Bafata e onde precisava.

Sempre foi do meu conhecimento, disso lembro-me bem, que pagava a cada elemento 15 escudos por dia, o que me faz pensar que alguns não gostariam da situação mas outros sim.

 2. Luís Graça:

Fernando, esse elemento informativo é importante:

"o Administrador recrutava à força, sem violência, os nativos de que precisava e levava-os para os locais a capinar, como junto à pista de Bafata e onde precisava. Sempre foi do meu conhecimento, disso lembro-me bem, que pagava a cada elemento 15 escudos por dia."

Neste caso foi um operação que envolveu quase toda a população masculina, válida, do regulado de Badora... Estamos a falar 7 mil homens, só na Op Cabeça Rapada I...

Aqui foi preciso seguramente a colaboração ativa do régulo de Badora, o poderoso Mamadu Bonco Sanhá, tenente de 2ª linha, comandante da companhia de milícia do Cuor.Vogal do conselho logístico da Província (, ao lado, por exemplo, de outro grande aliado dos portugueses, o régulo manjaco Joaquim Baticã Ferreira.)

Talvez o Torcato Mendonça, da CART 2339 (Mansambo, 1968/69)., que não tem dado, há muito, "sinais de vida", nos pudesse explicar algo mais sobre o planeamento e a execução da Op Cabeça Rapada...

3. Valdemar Queiroz:

Da minha CART11 'Os Lacraus' esteve um Pelotão (revezando-se),  destacado na segurança da construção de várias pequenas pontes na estrada/picada entre Nova Lamego-Cabuca, que em vários locais do percurso ficava intransponível no tempo das chuvas. 

Os pedreiros e ajudantes, talvez um total de cinco, eram todos indígenas contratados em Nova Lamego. Não me lembro se os próprios pedreiros eram os 'arquitectos a olho' ou traziam algum croqui de como deveriam fazer as pontes.

4. António J. Pereira da Costa:

Quanto à operação, parece-me que seria necessária para negar ao IN locais onde se acoitar.

Aqui põe-se a questão de saber se a Pop. estava ou não do lado das NT. Se assim fosse não se poria a questão de se saber se se tratava de "voluntários da corda" ou de trabalhadores indígenas assalariados gratuitamente.

Se não estavam francamente do lado das NT iriam voluntariamente obrigados, o que é difícil de provar. Uns iriam outros não, como sempre sucede em casos idênticos. Os que não quisessem ir, se fossem poucos, não poderiam manifestar-se; se fossem muitos, já estaríamos na 5.ª fase da subversão ou próximo dela...

Sei que houve múltiplas operações deste tipo, visando criar espaços para as passagens das estradas, criando "espaços de segurança" que impedissem o In de se aproximar a curta distância das colunas.

As desmatações para os trabalhos agrícolas eram levadas a cabo pela Pop e normalmente com a respectiva protecção.

5. Cherno Baldé:

Sobre este tema de trabalhos forçados, porque é disto mesmo que se trata, eu desafio ao Fernando Gouveia, a mostrar provas ou evidências que os trabalhadores recrutados a força e com violência sim, porque havia a violência psicológica e o medo, as pessoas eram coagidas e ninguém o fazia de livre vontade. De pagamentos nunca ouvi falar, talvez aos Régulos, não sei, não posso confirmar. O território de alto Casamansa que era quase despovoado até principios do séc. XIX, acabou por ser povoado por populações que fugiam em massa dos trabalhos forçados da parte portuguesa. Ainda hoje aquelas populações se identificam como fulas e mandingas de Gabu (Gaabunkés).

E nesses recrutamentos forçados feitos junto das familias, nem as crianças escapavam, pois cada familia tinha que indicar uma ou duas pessoas conforme o numero solicitado pelas autoridades coloniais. Uma vez, aconteceu comigo, entre 1973/74 no tempo da CCaç.3549, ser listado para a limpeza da estrada que ligava Fajonquito a Canhamina (3km), por falta de adultos disponíveis na familia, teria 13/14 anos. Já sabia da violência dos trabalhos de genero e recusei-me a ir e fui esconder-me no quartel junto dos meus amigos condutores. Depois, o Agente (Sipaio), foi lá a minha procura, tentando mostrar autoridade, mas foi corrido quase a pontapé pelo Dias o mais agressivo dos meus patrões e nunca mais me chateou. A partir desse acontecimento eu percebi que os soldados portugueses, obrigados a fazer a guerra na Guiné, não conheciam e não colaboravam com o sistema colonial de opressão contra as nossas populações o que por si constituia um grande paradoxo, pois em condições normais deveria ser ao contrário pelo facto de que estariam ali para defender o sistema de dominação colonial de Portugal sobre as populações nativas.

Das poucas vezes que conseguiram arrastar-me, por indicação do meu pai que não tinha outra alternativa, nem água, nem comida e muito menos dinheiro. No entanto muitos estavam convencidos que os brancos davam dinheiro para o efeito, mas que o Régulo e seu séquito se apropriavam do mesmo, facto que não posso confirmar em virtude da minha idade, na altura.

PS: Uma observação que gostaria de fazer relativamente a observação do José Nascimento é que a flora da região Sul da Guiné é muito diferente em relação ao resto do país pois devido a fertilidade do solo os arbustos e suas ramificações têm um ritmo de crescimento espantoso que em poucos dias atingem vários metros de comprimento. Quem viajou pelas estradas da zona sul, incluindo o triangulo Bambadinca-Xime-Xitole sabe do que estou falando.

6. António Rosinha:

Nunca se devia colonizar as pessoas, aliás os europeus em 1880 na Conferência de Berlim só pensavam nas riquezas do subsolo...mas uma coisa leva a outra.
Como é que um colonialista europeu, na África subsaariana, conseguiria convencer um "indígena" a trabalhar às suas ordens? Quando o indígena não sentia nem motivação social, política ou económica? Quando para a sua subsistência (alimentar, habitação, educação, saúde, desporto, vestuário...) estava tudo adquirido há séculos?

Digo eu que devia ser muito difícil convencer aquela sociedade pôr-se ao serviço de qualquer europeu. Claro que havia uma maneira, que era "a mal", outra maneira que era "a bem". Com ou sem dinheiro, só poderia ser a bem ou a mal.

Hoje após 50 anos livres dos europeus, os dirigentes africanos continuam a recorrer a "capatazes" europeus...e a investidores chineses, e de toda a ordem. Se não for a bem, vai a mal.

Sorte tiveram os Zulus que ficou lá muito ouro em cofre, todos os outros os cofres ficaram vazios.

7. Luís Graça:

Fernando e Cherno: 15 escudos na época (anos sessanta) era dinheiro... Os meus soldados da CCAÇ 12 ganhavam 20 escudos por dia (600 escudos ou pesos por mês)... tanto quanto um trabalhador rural indiferenciado no interior de Portugal (, e este só ganhava "à jorna", ou seja, nos dias em que trabalhasse...)

Os meus soldados tinham, além disso, mais 24$50, para comer, tal como eu: eles eram "desarranjados", recebiam em dinheiro; eu recebia, em "géneros", tinha direito a comer na messe... ou uma ração de combate (quando em operações)...

24$50 era igual para todos... do soldado ao general!

É evidente que se eu fosse um jovem fula da região de Bafatá ou da região de Gabu também queria ir para a tropa, que era "manga de ronco", e deixava de estar sujeito às pequenas prepotências dos chefes de posto, dos administradores, dos régulos e dos cipaios...

Isto não me impede de reconhecer que para a população de Badora era importante ter as estradas (Xime-Bambadinca-Bafatá e Bambadinca- Mansambo-Xitole- Saltinho) "capinadas"... Por elas circulavam não apenas os "tugas" mas também os fulas, os mandingas, os balantas, os comerciantes (europeus, libaneses, cabo-verdianos...).

Sei, de experiência própria, quanto nos custou, a todos, no setor L1, "reabriu", em setembro de 1969, grande parte do troço da estrada Bambadinca - Mansambo - Xitole - Saltinho, que estava interdito desde o último trimestre de 1968...

8. Cherno Baldé:

Hoje, mais lúcidos e libertos da propaganda dos Paigecistas, podemos reconhecer a importância das vias abertas no periodo colonial, mesmo com trabalho forçado, porque são as únicas que ainda existem. Mas, devemos dar as coisas o seu nome. Aqueles trabalhos de limpeza das estradas eram feitos por "voluntários" à força, recrutados com a ajuda ou imposição dos Régulos e seus agentes de repressão.
Se os trabalhos fossem pagos a 15 pesos, não seria preciso implicar as autoridades gentílicas, pois os innteressados seriam aos milhares e podiam até vir de outras regiões, porque os rendimentos que tiravam da terra e outros trabalhos eram muito inferiores. Se não, comparem os preços praticados na compra do amendoim que era o principal produto de renda na zona Leste, e o custo de produção para a obtenção de uma tonelada ou saco de 100 Kg.

9. Virgílio Teixeira:

Sobre a capinagem, também tivemos pessoal do recrutamento local a capinar as margens das pistas de aviação, quer em Nova Lamego, quer em S. Domingos, após as chuvas, Eram bastantes, talvez 20, não sei. Também faziam o arranjo, juntamente com as NT, do piso, que ficava todo esburacado, tenho fotos de uma operação destas.

Não me lembro se era trabalho forçado, nem sei quanto lhes pagávamos, não era da minha lavra este problema. Mas não era grátis, de certeza.

Agora um aparte meu, se o território era dos guineenses e por nós também utilizado, as pistas e estradas eram benéficas para todos, tropa e para a população toda, por isso também lhes competia trabalhar nas suas terras, penso eu!

10. Fernando Gouveia:

Para o Cherno e não só:

Concordo que havia violência psicológica e intimidação mas não violência física. Muitas vezes vi camionetas carregadas de africanos, a mando do administrador [de Bafatá] para executar trabalhos necessários, aos quais pagavam os tais 15 escudos (ou pesos, como se queira). Efetivamente quando lá no Comando do Agrupamento [2957, Baftá, 1968/70] precisavam de pessoal para esses trabalhos era só pedir ao Administrador e rapidamente aparecia uma camioneta cheia de gente.

Reafirmo que se alguns iam contrariados outros agradava-lhe irem ganhar os tais 15 pesos.(ponto final).

11. Luís Graça:

Cherno, nas tabancas, fulas, por onde passava e onde ficava uma semana ou mais, de cada vez, em reforço do sistema de autodefesa, a minha secção ou o meu grupo de combate, da CCAÇ 12 (BambadincA, 1969/71)M, era costume comprar, mesmo a custo, galinhas e frangos, a sete pesos e meio por bico (o equivalente hoje 2,22 €)...

Em 1969, recordo-me que os soldados da CCAÇ 12 (que eram praças de 2ª classe, oriundos do recrutamento local), recebiam de pré 600 pesos/mês (, equivalente, a preços de hoje, a 177, 51 €), além de mais uma diária de 24$50 (=7,25€) por serem desarranchados.

600 pesos deviam dar para comprar duas sacas de arroz de 100 kg cada... O arroz, que era a bse da alimentação dos guineenses, custava então 3 escudos /pesos o quilo...

15 escudos por um dia de trabalho (árduo), ao serviço da administração do concelho de Bafatá, dava para comprar 5 kg...

A questão que se pode pôr é: quem ficava com a massa ? Na Op Cabeça Rapada I, 7 mil capinadores durante 2 dias custariam à administração 210 mil escudos...Muita massa!... Havia cabimento orçamental ?

12. Valdemar Queiroz:

Lembro-me do 1º. Sarg. Ferreira Júnior, quando fomos para Paunca, devido a não haver instalações militares para a nossa CART 11, ter de requisitar casas civis para instalar a nossa tropa, dado que nos abrigos existentes já estavam ocupados pela tropa da outra Companhia e neles apenas reforçávamos a segurança de noite durante umas horas.

Falou-me da requisição ser feita ao abrigo de… (não fixei o nome do diploma) em situações de guerra. E assim foi feito e passamos a 'viver' na tabanca em moranças requisitadas à população.
Na situação da capinagem teria funcionado, também, com esta 'requisição do tempo de guerra' ??

Sete mil (capinadores) a 15 pesos pro dia era muito patacão.

13. Manuel Carvalho:

A propósito das populações serem obrigadas a trabalhar a mando das autoridades, é verdade, se não fossem a bem iam a mal e não precisavam de andar a bater todos os dias porque as pessoas tinham medo e umas vezes receberiam alguma coisa, outras alguém recebia por eles.

E não era só na África, aqui há muitas estradas nacionais, não estou a falar de caminhos, que no tempo dos nossos pais foram construidas com a colaboração das populações por onde elas passavam mais ou menos da mesma forma. Ou seja as autoridades das aldeias reuniam com a população e cada família tinha de dar uns tantos dias por semana de trabalho ou aqueles que tinham mais possibilidades forneciam animais, carros e até criados para transportar coisas.

E nós também não íamos para lá obrigados [, para a guerra do Ultramar,] e depois de mortos os nossos pais, se quisessem cá o corpo para fazer o funeral, tinham de pagar cerca de 15 contos, pelo menos até 68 foi assim.

Diziam eles que aquilo era nosso, mas eu nunca tive lá nada.

14. Cherno Baldé:

A tropa em geral, sobretudo no consulado do Gen Spinola, cumpria e era correcta nas suas relações com as populações onde estavam estacionadas e não só. Temos que saber separar a tropa (que foi obrigada a fazer a guerra) e a administração colonial que era do sistema e funcionava em conformidade. Eu tenho sérias dúvidas sobre os pagamentos feitos às populações recrutadas para trabalhos obrigatórios.

O mais provável é que seriam requisições, como refere o Valdemar Silva (O Régulo de Gabu), cuja opinião é ainda reforçada pelas observações do Manuel Carvalho. Pois o regime do Estado Novo era o mesmo em toda a parte, e a sua mesquinhez também, obviamente.

O Luis pagava as galinhas porque não tinha espirito colonialista, senão era só requisitar às autoridades gentílicas. que terias o suficiente para um banquete durante a semana, como faziam muitos.

15. Manuel Luís Lomba:


No tempo dos pré-Portugueses, o exército ocupante romano construía estradas para serventia militar (a via Antonino, etc.) e aplicava às populações servidas o ónus anual da "geira" - dois dias de trabalho gracioso, como cantoneiros, pela sua conservação.

Em 1965 e 1966 desempenhei-me um ano como "patrão" da APSICO em Buruntuma e pagava a capinadores, carregadores, etc o mesmo pré dos soldados, na base de 430 pesos/mês, abonados pelo Exército.

16. Luís Graça:

Só a Op Lança Afiada, de 11 dias, de 8 a 19 de março de 1969, em que se bateu todo o triângulo Bambadinca - Xime - Xitole, expulsando da margem direita do Rio Corubal o PAIGC e as populações sob o seu controlo (calculadas na época em 5 mil, entre balantas e biafadas), envolveu 375 carregadores.

Se eles fossem pagos a 15 pesos por dia, o exército terá desembolsado cerca de 60 mil pesos (60 contos), o que não era nada em termos de custo da máquina de guerra: um helicóptero custava só a módica quantia de 15 contos por hora, mais do que ganhavam, por mês, dois alferes...
Esta operação, tal como a primeira Op Cabeça Rapada, foi em março de 1969, e eu só cheguei à Guiné em finais de maio de 1969... Mas nunca mais, no meu tempo e no setor L1 (Bambadinca), se realizaram operações com esta envergadura e sobretudo duração... O conceito foi abandonado e, por outro lado, em nome da política da "Guiné Melhor", Spínola reprimiu muitos dos abusos ainda em vigor, quer da administração e da políicia administrativa, quer da PIDE ou do exército...

Faltam-nos testemunhos dos nossos 1ºs sargentos, encarregues da "contabilidade criativa" das nossas companhias... Eles é que podiam "abrir o livro"... Não me parecem que o tenham feito np devido tempo, nem que ainda o queiram fazer... Muitos deles já morreram... Eram todos mais velhos do que nós uns 15 anos...

De qualquer modo, suspeito que havia indícios da persistência do "trabalho forçado ou obrigatório" no 1º ano do consulado do Spínola, época em que se realizaram operações de envergadiura, mobilizando grande quantidade de civis como capinadores ou carregadores: caso da Op Cabeça Rapada I, II, III e IV e Op Lança Afiada...

Quanto ao PAIGC, foi useiro e vezeiro no recurso ao "trabalho forçado ou obrigatório": a população sobre a bandeira do PAIGC não só alimentava a guerrilha (trabalhando nas bolanhas...) como fazia o transporte de armas, equipamentos e mantimentos... É uma assunto pouco falado... Fica aqui o desafio ao Jorge Araújo, o nosso especialista da "guerra do outro lado"...