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sábado, 25 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24884: Nota de leitura (1637): "O universo que habita em nós: estórias com vida”, do nosso camarada José Teixeira, um talentoso contador de histórias e criador de personagens (Luís Graça)

1. Texto, da autoria do nosso editor LG, que foi lido pelo Eduardo Moutinho Santos (foto à esquerda), na sessão de lançamento do último livro do Zé Teixeira, no passado dia 18, em Leça do Balio, Matosinhos (*), e que publicamos agora como "nota de leitura" (**)


Conheço o Zé Teixeira desde finais de 2005, altura em que ele passou a integrar o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, também conhecido como Tabanca Grande. Passados 18 anos, ele é dos nossos autores mais prolíferos, ativos, proativos, ecléticos e generosos, com mais de 4 centenas de referências. 

E já não falo dele como comentador: é-me impossível contabilizar o número dos seus comentários a textos de outros autores. Em cerca de 25 mil postes (ou postagens), temos pertíssimo de 100 mil comentários (em média, 4 por poste). Algumas centenas serão seguramente do Zé.

Parte da sua vida, desde então, também está escrita no nosso blogue… Por exemplo, foi o cofundador da primeira tabanca da Tabanca Grande, a Tabanca Pequena de Matosinhos, um caso notável, pela sua originalidade e longevidade, de tertúlia de antigos combatentes… Fez parte da ONGD Tabanca Pequena, responsável por várias iniciativas de ação solidária na Guiné-Bissau, país que conhece muito bem das várias viagens que entretanto fez, desde 2005 (se não erro).

É autor de várias séries no nosso blogue, de que destaco, por serem das mais notáveis:

(i) “Estórias do Zé Teixeira”: tem 60 publicadas no blogue, de dez 2005 a set 2022;

(ii) “O meu diário”: tem 2 dezenas de publicações entre janeiro e março de 2006;

(iii) “Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira)”: publicou 13 crónicas, entre maio e agosto de 2013.

Tem, além disso, inúmera colaboração avulsa, entre prosa, poesia e
fotografia, noutras séries como “Álbum  fotográfico”, “Ser solidário”, “Convívios”, “Blogpoesia”, “Fotos à procura de… uma legenda”,“(Ex)citações”, "(In)citações”, “Os nossos enfermeiros”, etc., etc.

Este preâmbulo, já extenso, serve apenas fundamentar aquilo que eu
escrevi em 2022 no prefácio ao seu anterior livro, de poesia, “Palavras (e)levas o vento”. Deixem-me citá-las porque continuam a ser justas, pertinentes e atuais:

“E desde logo (isto é, desde que o conheci por altura do Natal de 2005, na Madalena, Vila Nova de Gaia) o defini como um homem de palavra e da palavra: afável, comunicativo, talentoso, mas também coerente, solidário e generoso. E tem uma qualidade que não abunda por aí, nos tempos que correm, de feroz individualismo e competição: a sensibilidade sociocultural, a abertura aos outros que são diferentes, quer sejam os sem-abrigo a quem vê como irmãos, quer sejam os fulas, muçulmanos, da Guiné-Bissau com quem conviveu durante a guerra colonial”…

E também disse, sem qualquer favor ou lisonja, que ele era uma vocação literária “tardia” mas já “amadurecida” e até “consolidada”.

Este último livro (a que me cabe o prazer e a honra de apresentar) 
comprova-o: o Zé é um talentoso contador de histórias e criador de 
personagens, para além de cronista. São sobretudo os seus microcontos que me encantam. Mas também o registo mais intimista do seu diário…

Recordo-me de ter escrito, há 11 anos atrás, o seguinte a propósito das páginas do seu diário da Guiné:

(…) “São apontamentos que o Zé foi escrevendo num caderninho, durante a sua comissão na Guiné (1968/70). É um notável documento humano onde, para além de dados factuais (colunas, operações, baixas, topónimos...), também vêm ao de cima as dúvidas, as contradições e a angústia do português, do homem, e do cristão (praticante que ele sempre foi). Nesse Agosto de 1968, em Aldeia Formosa (hoje, Quebo), o Zé, enfermeiro, escreve, dilacerado pelo absurdo daquela guerra: 'Ainda não dei um tiro. A minha missão é curar. Jamais darei um tiro nesta guerra. Matar não, nunca. Vou tentar passar esta guerra sem fogo ' " (...).

 Vem também ao de cima o poeta que ele é: veja-se a ternura de poema que ele escreveu sobre "As Mãos de Minha Mãe" (…)

O artesão da palavra, como eu gosto de o definir, não é de agora, mas é ainda mais visível neste seu último livro, “O Universo que Habita em Nós”, que tem como subtítulo: “Estórias com vida”.

Não vou repetir o belíssimo e elegante, para além de sintético e magistral prefácio do prof Júlio Machado Vaz, que o leitor deverá ler no princípio e reler no fim. Ele definiu bem em três palavras o essencial destes textos: “candura, transparência e doçura”. 

O Zé Teixeira, para quem o conhece, está aqui, inteiro, de corpo e alma, nas histórias que nos conta e nas personagens que lhes dão autenticidade, humanidade e consistência, a começar pelo Miguelito que tem muito de “alter ego”, nascido na Lousada, onde ainda, cem anos depois, pairava o fantasma do Zé do Telhado, e cujas histórias ele ouve, da boca da avó, dividido entre o temor maravilhado e a interiorização dos valores dominantes.



Capa do livro do José Teixeira, "O universo que habita em nós". Lisboa: Astrolábio Edições, 2023, 230 pp. (Prefácio de Júlio Macahdo Vaz) (Disponível na Livraria Atlântico: preço de mercado: 17 € (em papel) ou 5 €(ebook); pode também ser comprado "on line" na FNAC, ou pedido diretamente ao autor: Jose Teixeira: jteixei@msn.com )


Não podendo nem querendo ultrapassar as quatro páginas A4 que me foram pedidas, quero tão apenas destacar algumas das singularidades e originalidades deste livro:

(i) do princípio ao fim, o narrador (sempre ou quase sempre na primeira pessoa do singular) está implicado no enredo: diremos que há um recurso, em geral bem conseguido, à técnica da observação participante, seja quando se fala das vivências da infância e depois da guerra, seja das histórias dos que não tem história;

(ii) está dividido em duas partes (Zé, falta-lhe um índice, lapso que podes corrigir na 2ª edição…): “este meu mundo escondido” e “esta minha cidade escondida”;

(iii) na introdução (pp. 11/13), o autor explicita e fundamenta muito bem esta dicotomia cidade aberta / cidade escondida: há um “universo recôndito que está dentro de nós” e que “é a base da construção da nossa cidade”, que deve ser (ou queremos que seja) “bela, acolhedora e cativante” (sic), projeto em que cada um de nós tem de ser um “operário ativo” (pág. 12);

(iv) a “cidade escondida” é como a outra face da lua”, a que não vemos ou não queremos ver, a dos homens e mulheres, social e espacialmente discriminados e segregados, e a que pomos o epíteto (estigmatizante) de prostitutas, alcoólicos, drogados, marginais, sem-abrigo, loucos, indigentes…

(v) podia haver amargura, azedume, revolta, ajustes de contas com o passado,  mas não: há ali muito amor, ternura, carinho, poesia,  ingenuidade, cumplicidade, serenidade, empatia, compaixão… no regresso ao passado, duro, da infância, mesmo quando falta uma importante peça do puzzle da nossa identidade, a figura do pai… ou do seu substituto, ou quando a hipocrisia social diaboliza a figura da mãe solteira;

(vi) o autor recorre a poetas para, num verso ou num pensamento sincrético,  nos dar uma chave de leitura para a suas histórias ou personagens. Por exemplo, “A minha mãe (…) era o vulto que à noite se recorta” (Vasco Graça Moura); “Faz que cada hora da tua vida seja bela. O mínimo gesto é uma lembrança futura” (Claude Aveline”); ou “O mais terrível dos sentimentos é o sentimento de ter a esperança perdida” (Frederico Garcia Lorca); noutros casos, recorre ao exemplo de vida de amigos, que admirava, como o saudoso luso-guineense Carlos Schwarz (Pepito): “Desistir é perder, recomeçar é ganhar”;

(vii) algumas histórias podem ser pícaras,  mas sempre muito humanas e surpreendentes: por exemplo, “Madrinha de guerra” (pp.79/85), “As aventuras do Marcelino” (pp. 87/92) ou “Morreu, morreu o cobrador!” (pp.221/226);

(viii) o autor pertence a uma geração de portugueses, que apesar de tudo foi “win-win”, não se resignou com o destino que lhe coube, foi à luta, resistiu, sobreviveu, conseguiu apanhar o "elevador social", valorizar-se intelectual, social e profissionalmente… Ou em suma: sair do círculo da pobreza e da iniquidade em que nasceu, quando 120 em cada 1000 crianças morriam antes de chegar ao 1º ano de vida; a tuberculose era uma das principais causas de morte; a escola primária (e muito menos o liceu e a universidade) não era para todos; andava-se descalço ou de chancas; e uma criança com 6 anos guardava as ovelhas do “regedor”, em troca, à noite, de um caldo quente, um pedaço de broa e, em dias de festa, uma cabeça de sardinha frita…

Há histórias e personagens tocantes, neste livro, desde a Áurea, sem-abrigo, ao Senhor Augusto; ou o Salvador que transporta em si os fantasmas e os pesadelos de toda uma geração que fez a guerra colonial…

Como eu já disse, não há muito tempo, e a propósito da história do Senhor Augusto, que já tinha lido no blogue: sabemos que nos podem roubar ou tirar-nos tudo, a casa, a terra, o país… Não se escolhe onde se nasce, muito menos pai e mãe... Ninguém pode, todavia, roubar-nos a memória, incluindo as memórias da infância e as nossas geografias emocionais (Buba, Mampatá, Chamarra, Aldeia Formosa, etc.). E a infância tanto pode ser uma rua, como um bairro, ou uma quinta, um lugarejo, um lugar, uma aldeia, uma vila como um rosto ou um estória...

Em “O universo que nos habita”, estão lá muitas das memórias impressivas e das vivências mais fortes do autor, a começar pelas paisagens da infância, sofrida mas também maravilhada, que, mesmo que tenham desaparecido fisicamente, continuam a ter cores, sabores, cheiros, rostos, personagens, homens e bichos, dos casebres dos pobres, os "cabaneiros", às casas dos “fidalgos”; o duro, trágico, mas também às vezes pícaro, lado da guerra colonial na Guiné; e, por fim, um terceiro “filão”, não menos duro mas seguramente nobre, que é também uma missão, a de dar voz a quem não a tem.

Mas o Zé, além de marido, pai, avô, educador, cidadão, também, foi dirigente escuteiro, gerente bancário, andou nas lutas dos moradores das ilhas do Porto… Em suma, ele que é humilde, também pode dizer, com propriedade e sem bravata, como o grande Pablo Neruda: “Confesso que vivi”…E isso dá-lhe o direito e o dever de memória… A escrita é também uma das formas de explorar essa inesgotável matéria-prima com que (re)construímos o universo que nos habita …

Neste Natal, far-nos-á bem a todos ler e reler estas “estórias de vida”, por que são também “estórias com vida”, o mesmo é dizer de esperança.

Parabéns, Zé. E obrigado pelo teu talento, empatia e amizade.

Luís Graça, editor do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

(Nota de LG: Um especial agradecimento ao camarada Eduardo Moutinho Santos por, na sessão do dia 18, me ter "emprestado a voz", o mesmo é dizer, ter tido a gentileza e a nobreza de ler o meu texto...)

  

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Simpósio Internacional de Guiledje > 1 de Março de 2008 > O Zé Teixeira com a Cadidjatu Candé (infelizmente já falecida), filha do valente alferes de 2ª linha e comandante de milícias no Quebo, Aliu Sada Candé,  preso, condenado à morte e assassinado lentamente pela juventude do PAIGC depois do fim da guerra (com "um prego espetado na cabeça, uma morte lenta, dolorosa, horrível").
 
Foto (e legenda):  © José Teixeira (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar:Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Para o Zé Teixeira, um camarada e um amigo, 
 um homem bom e solidário (**)

por Luís Graça

Não, não és um amigo do tu cá tu lá,
Não somos amigos de infância, ai que pena,
Conhecidos só de um Natal da Madalena,
Passei pelo Saltinho e tu, em Mampatá.

Não foi preciso pedir a ninguém licença,
Entraste pela Tabanca Grande adentro,
Sem quereres ser do mundo o umbigo e o centro,
Para partir mantenhas e mostrar a crença,

Nessa grande camaradagem de outrora,
Temperada na Guiné da paz e da guerra,
Sempre pensando no dia de ir embora.

O nosso blogue foi traço de união,
E ponte com essa nossa segunda terra:
Mereces por isso o meu chicoração!


Lourinhã, 6 de fevereiro de 2021

Parabéns do Luís (e da Alice), em dia de anos (***)
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 23 de novembro de 2023 >  Guiné 61/74 - P24874: Agenda cultural (845): a minha festa, em Leça do Balio, no passado dia 18: o lançamento do meu livro "O Universo que habita em nós" (José Teixeiira, Matosinhos)

domingo, 18 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14160: Casos: a verdade sobre... (4): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte IV: "Guerra é guerra, meu irmão", dizia-me em 2008 o antigo guerrilheiro Braima Cassamá que reencontrei em Guileje (José Teixeira)

1. Mensagem do José Teixeira , com data de 16 do corrente

[José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatáe Empada, 1968/70, Foto á esquerda, no Quebo, em 1968]

Luís:

Não posso meter a foice em seara alheia (*), porque em 1974 estava na minha terra, apenas preocupado em não regressar à guerra por repescagem, pois cá pelo Porto já corria esse boato, devido á falta de "carne para canhão".

Passado que foi todo este tempo, penso que a verdade dos factos já não se pode aclarar devidamente. Branquear ou escurecer este acontecimento conforme a origem da informação é um exercício difícil de realizar, dado que a matriz patriótica funciona quer queiramos quer não.

Uma coisa é eu contar um acontecimento de forma natural, vivido por mim, sem pressões de espécie alguma, outra é, contar o acontecimento "pressionado" pelo tempo e por uma informação vinda de outra fonte, neste caso totalmente oposta. Por muito que queira, me parece que a isenção é muito difícil.

A minha forma de estar na vida face a acontecimentos que vivi e relatei em devido tempo, obriga-me a pôr reservas quanto ao que diz o Amâncio Lopes ,com o apoio de um piloto Português de quem se afirma que assistiu (?) ao possível violento assassinato, bem como às afirmações do Rachid Bari, com quem devo ter cruzado em Quebo nos anos 68/69.

Na realidade, que eu saiba no fim da guerra, o PAIGC poucos ou nenhuns prisioneiros guineeses entregou a Portugal e muitos fez, com toda a certeza. Por outro lado, também sabemos das histórias do "corta de orelha". Fama de que o falecido Aliu Sada Candé, com todo o respeito e admiração que tenho por ele e pela sua família, onde me orgulho de ter grandes amigos como exemplo a sua filha Cadi Guerra (minha sobrinha por opção pessoal) e seu primo Sulimane Baldé – Régulo de Contabane, não se livra.

O Aliu Candé era de fato um guerrilheiro ao serviço de Portugal e quando ele ia com o seu grupo de milícia á nossa frente, ou nas laterais da picada, podíamos ir descansados que o inimigo fugia a sete pés. Ele arrancava de peito aberto para o inimigo e dizia-se, à data em Quebo,  que trazia as orelhas dos inimigos mortos em combate, mas nunca ouvi falar de bárbaros assassinatos como relatado. Por isso era temido e por isso foi condenado em tribunal popular juntamente com o seu primo Braima Baldé à morte por fuzilamento, no pós-guerra em Bambadinca.

Outras "histórias" há, de prisioneiros lançados ao mar/rio ou assassinados a frio com a justificação de que se fossem entregues à Pide, "cantavam" e as consequências caiam em cima de nós.

Verdades/mentiras que só o tempo as fará escurecer e não nos compete a nós julgar, mas também não devemos tentar branquear, por muito que nos custe.

Como dizia o meu "ermon de sangre" Braima Cassamá que conheci em 2008 em Guiledge, o tal que colocou em Agosto de 1968 o campo de 80 minas em Txangue Laia a caminho de Gandembel e originou sete mortos às nossas tropas e se cruzou algumas vezes comigo na frente de combate, sem sabermos – Guerra é guerra, discurpa!

Tenho a certeza que o seu coração, nesse momento sangrava, e o meu também, mas fizemos a paz connosco mesmo e a guerra morreu ali.

José Teixeir, Empada, 1969
Guerra é Guerra

Guerra é guerra, meu "ermon",
Quando passa não deixa saudades.
Mas, muitas amizades, neste mundo perdido
Os antigos inimigos se procuram,
Para saldar as contas com um abraço sentido.

Braima Cassamá, antigo guerrilheiro do PAIGC, meu inimigo.
Reencontrado em 2008, em Guiledge.

Armas caladas,
Em mãos armadas,
Cantam horrores,
Silenciam com a morte,
Quem por má sorte
Lhe sofre as dores.

Sangue e pranto, 
Em jorro constante,
Num jardim sem flores,
E na última despedida,
Clamam pela vida,
Que queriam viver.
E pelos seus amores,
A sua razão de ser.

A esperança, essa, resiste,
Num corpo ainda quente,
Até aos últimos estertores.
…E perdeu-se uma vida.

A seu lado, a vida,
De armas na mão,
Não acredita
No sangue que correu.
Chora uma lágrima sentida,
E avança,
Destemida,
Vingando o que morreu.

E verte a raiva que lhe vai no sangue
Para dentro da palavra
Que transpira asperamente.
Põe no dedo do gatilho
E com que raiva o lavra,
O destino de quem matou.
Inutilmente.

Até que a guerra tem o seu fim,
Enfim.
Inimigos de ontem,
Hoje se perguntam num abraço de paz,
Eternamente selado:
– Que fiz eu?
E tu, meu irmão,
O que te aconteceu?

E chora a alegria,
Caldeada com lágrimas de dor,
Não pelo que sofreram,
Já tudo passou,
Sem desejos de vindicta,
Mas pelos amigos que se perderam
Na guerra maldita
Que alguém sem rosto
Nos criou.

José Teixeira

____________

Noat do editor:

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14151: Casos: a verdade sobre... (2): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte II (Virgínio Briote / Rachid Bari, ex-sold trms, CCAÇ 21, Bambadinca, 1973/74, natural do Quebo e residente em Portugal)


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu  >  Setor de Piche > Canquelifá > CCAÇ 3545 (1972/74) > 18 de Março de 1974 > A paisagem desoladora da tabanca, depois do violento ataque do PAIGC com morteiros 120 e foguetões 122, durante 4 horas... A artilharia do PAIGC era operada e comandada por cubanos e caboverdianos.


Foto: © Jacinto Cristina (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


1. Mensagem do nosso coeditor (jubilado) Virgínio Briote [ex-alf mil ex-alf mil , CCAV 489 (Cuntima), e alf mil comando do 2.º curso de Comandos do CTIG (Brá),  cmdt do Grupo Diabólicos (1965/67)]

[Vb, foto à direita, em Seatle, estado de Washington,  EUA,  julho de 2014]


Assunto: Artigo "O martírio de Jaime Mota" [, de José Vicente Lopes]

Caros Luís e Carlos,

O Amadú [Bailo Jaló], embora apresente alguns sinais de melhoria, não está em condições para falar sobre estes assuntos. Está sem memória.

Consegui obter e gravar um depoimento de um fula, o Rachid Bari, que era soldado das transmissões da CCaç 21 e que nesse dia acompanhou e foi testemunha visual do ocorrido. Refuta a acusação de tortura, abertura de barriga, etc. 

O PAIGC não contava com a tropa ali a cerca de 100 metros, encostaram as armas, um pôs-se a trepar uma palmeira e alguns não terão sido apanhados à mão porque um dos militares da CCaç 21 não aguentou a pressão e disparou uma rajada, a que se seguiram séries de rajadas a curta distância. Morreram dois imediatamente e o outro, encurralado, mostrou-se, desafiante. Ainda hoje o Rachid não entende o procedimento desse fula.

Havia directivas muito claras do Com Chefe sobre a questão dos prisioneiros. Aprisioná-los, de preferência sem recurso à violência. Considerava-se que esse modo de actuar era mais adequado para recuperar não só a população como a própria guerrilha. Casos houve, refere o Rachid, em que foram punidos militares por violências exercidas sobre prisioneiros.

Espero que este anexo que remeto seja útil.

Abraço do V Briote


2. Depoimento de Rachid Bari [que vive em Portugal, na zona de Belas, concelho de Sintra,]  sobre o ocorrido em 7 de Janeiro de 1974, na zona de Canquelifá, em referência ao artigo “O Martírio de Jaime Mota", de José Vicente Lopes (*)


Rachid Bari, fula, natural de Quebo, foi incorporado em 22 de Janeiro de 1973 e, depois de ter feito a recruta em Bolama, foi enquadrado na CCaç 21,  comandada pelo tenente [Abdulai] Jamanca. Fez parte da secção de transmissões e desempenhou actividade operacional, uma vez que sempre que um grupo de combate saía dois elementos de transmissões eram destacados para acompanhar o referido grupo.

A CCaç 21, baseada em Bambadinca, desempenhou várias acções na zona, tendo sido destacados para a área de Canquelifá, então sujeita a forte pressão da guerrilha.

Enquanto lá se mantiveram durante cerca de 5 meses não houve qualquer contacto com o IN,  tendo sido então mandada regressar a Bambadinca onde lhe estavam destinadas outras acções.

Logo que abandonaram Canquelifá, foi novamente esta povoação sujeita a bombardeamentos e a CCaç 21 pôs-se de novo em marcha para reforçar o destacamento militar de Canquelifá.

Nesta 2ª estadia em Canquelifá todos os dias e noites saía um grupo, que se emboscava nas imediações do aquartelamento. Num desses dias, por volta das 16 horas, saiu um bigrupo comandado pelos alferes Ali[u] Sada Candé e Braima Baldé.

Quando estavam emboscados viram aproximar-se um grupo de 7 elementos armados. Cautelosamente o comandante do grupo emitiu sinais de alerta e, ao mesmo tempo que começaram a manobra de se disporem em V, avisou que só deveriam disparar ao sinal de fogo.

Inesperadamente um elemento da CCaç 21 disparou uma rajada, a que se seguiram mais rajadas de outros militares até repararem que elementos IN estavam em fuga e que dois ou três teriam sido abatidos. A correr dirigiram-se para o local e enquanto se apoderavam das armas e de um rádio Racal [1] apareceu-lhes de frente um guerrilheiro do PAIGC, fula, com uma Kalash assente na anca direita tendo-os por mira que,  depois de perguntar por que motivo irmãos andavam em guerra, carregou no gatilho. 

A rajada saiu alta e os militares da CCaç 21 responderam a tiro, abatendo-o.

Depois, o grupo recolheu os corpos, improvisaram macas e trouxeram-nos para Canquelifá. Estavam a acabar de entrar na povoação quando começaram a ser bombardeados pela artilharia e o fogo partia da Guiné-Conacri. Não tiveram tempo de mais nada, a não ser abrigarem-se rapidamente, depositando os corpos na pista. A primeira granada acertou no gerador, a segunda no depósito de géneros e o inferno estava instalado em Canquelifá, com as granadas a caírem todas dentro da povoação-aquartelamento.

Ao amanhecer,  o pessoal da CCaç 21 procedeu às cerimónias do funeral do fula, tendo sido seguidos os procedimentos habituais entre os muçulmanos. Corpo envolvido num lençol branco e, depois das orações na mesquita,  o corpo foi enterrado.

Em relação aos dois outros cadáveres,  levantou-se a questão, logo de início, de que como eram de tez muito clara, deviam ser cubanos e para o efeito entraram em contacto com o COP de Nova Lamego pedindo instruções. Foi-lhes dito que aguardassem, que um médico se iria deslocar a Canquelifá e só depois deveriam enterrar os cadáveres. De facto, momentos depois, o médico desembarcava na pista e foi observar os cadáveres.

Dois dias depois da ocorrência procedeu-se ao enterro dos cadáveres na pista de aviação de Canquelifá, depois de terem sido lavados e vestidos com a farda nº 2 do Exército Português.

Rachid diz que, posteriormente, teve a informação que tinham sido feitas análises e que os resultados admitiam a possibilidade desses guerrilheiros serem brancos. Daí o facto de se admitir a ideia de que eram cubanos.

[Depoimento recolhido por Virgínio Briote]



[1] Quando foi emitida para o QG a mensagem da operação com a indicação do material capturado, alguém confirmou, através do nº do aparelho, que o radio Racal era o que as NT tinham perdido, cerca de dois anos antes em Morés. [Vb]

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11613: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (1): Bissau, ontem e hoje


Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2013 > Foto nº 1 > Antiga Messe de oficiais do QG, hoje Hotel Azarai (1)



Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2013 > Foto nº 2 > O primeiro encontro com o passado: um antigo "djubi", hoje quadro superior estatal, reconhece o "alferes paraquedista", hoje médico, ortopedista, Francisco Silva. Do lado esquerdo, a Maria Armanda e a Elisabete.



Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2013 > Foto nº 3 > Antiga Messe de oficiais do QG, hoje Hotel Azarai (2)



Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2013 > Foto nº 4 > Antiga Messe de oficiais do QG, hoje Hotel Azarai (3)



Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2013 > Foto nº 5 > Uma rua de Bissau (1)



Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2013 > Foto nº 6 > Uma rua de Bissau (2)



Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2013 > Foto nº 7 > Um monumento Português com um “toque” independentista, a estrela.



Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2013 > Foto nº 8 > A Cadidjato Candé, filha de Aliu Candé,  e a Maria Armanda, esposa do José Teixeira.




Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2013 > Foto nº 9 > Transportes públicos

Fotos: © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau (28 de Abril - 12 de maio de 2013) - Parte I

por José Teixeira [, membro sénior da Tabanca Grande e ativista solidário  da Tabanca Pequena, ONGD, de Matosinhos; partiu de Casablanca, de avião, e chegou a Bissau, já na madrugada do dia 30 de abril de 2013]


Chegamos alta madrugada ao Aeroporto de Bissau [, terça-feira, 30 de abril]. À nossa espera estavam os dedicados funcionários da AD, o Tchibi e o Bemba,  que nos conduziram rapidamente para a sede desta Associação no Quelélé onde amavelmente disponibilizara dois quartos na Escola de Hotelaria, para os quatro turistas tugas: o Francisco Silva e esposa Elisabete, e o José Teixeira e esposa, a Maria Armanda

Após um sono reparador iniciamos as visitas de cumprimentos na sede da AD, ao Pepito e colaboradores. Pude abraçar de novo a Cadidjato Candé, mas conhecida por Cadi Guerra, a filha do lendário Aliu Sada Candé, dos tempos de Aldeia Formosa (Quebo). O combatente que avançava com o seu grupo, de peito aberto às balas ao encontro do inimigo que nos fazia esperas no mato com fins nada amistosos. Lamento a morte violenta a que foi sujeito, uns meses depois de termos abandonado aquele povo. Sei que, acabada a guerra,  voltou à sua terra e dedicou-se como todos os ex-combatentes ao ganha-pão na lala, onde o foram buscar para julgamento popular e morte violenta. Em 2008 tive o grato prazer de conhecer a sua filha, a Cadi em Guiledje e logo ali firmamos uma grata amizade. Sou o “tio” mais novo da Cadi

Grandes amigos, os companheiros da AD. Sabem acolher como ninguém. Sentimo-nos em casa, com o calor humana que nos proporcionaram, apesar do asfixiante calor solar que se fazia sentir. Momentos gratificantes que não esqueceremos.

Fomos de seguida à procura da nova cidade de Bissau que não conseguimos encontrar. Vimos,  sim, uma cidade velha esburacada, poluída e ruidosa. Muita gente em alegre movimento no seu colorido característico, muitas viaturas a rodar, umas velhas a cair de podre em disputa com a nova vaga de carros e jeeps de luxo, sinais de riqueza de alguns, mas uma cidade sem alma. Muito lixo nas ruas. O Cais do Pijiguiti completamente descaracterizado, pela imundície e pelo cheiro nauseabundo de detritos perdidos na orla marítima. Ali mesmo funciona um pequeno mercado cheio de vida.

Dando asas à saudade,  fomos até à antiga messe de Oficiais em Santa Luzia, onde funciona atualmente um Hotel [, o Azarai]. Foi sem dúvida o único local onde nada mudou e,  se tal aconteceu, foi para melhor. Instalações modernas, bem conservadas e bem apetrechadas, os jardins bem tratados. A piscina, um encanto.

Ali mesmo se deu o primeiro encontro com o passado quando o diretor de um Instituto do Estado Guineense, de passagem, reconheceu ao primeiro olhar o “alferes paraquedista”, ou seja o nome pelo qual o Francisco Silva era conhecido por ter feito uma experiência nos paraquedistas antes de ingressar no Exército e entabulou conversa connosco, sobre os tempos em que,  sendo ele um miúdo, convivia na sua tabanca natal com os militares portugueses ali estacionados. (*)

Um franguinho de chabéu no Restaurante A Padeira Africana retemperou-nos as forças, numa tarde quente que convidava ao repouso, a quem acabava de chegar do frio Portugal.

Terminamos o dia com uma visita à maternidade do Hospital da Cumura, onde a Irmã Irina nos acolhe com um sorriso de agradecimento e esperança. Agradecimento pela instalação do sistema de energia solar que deu luz à maternidade e enfermaria de pediatria. Assim se evitarão,  segundo ela, partos e cesarianas à luz da vela como tem acontecido muitas vezes. Esperança, porque ter a sorte de ser visitada por um médico ortopedista [, o Francisco Silva, do Hospital Amadora-Sintra], o que considerou uma bênção de Deus, logo, aproveitada e muito bem pela Drª Helena, voluntária quase permanente neste hospital.

Uma criancinha aguarda há cerca de um ano o milagre de ser vista e operada a uma perna. Faltava o médico ortopedista e eis que aparece um vindo de Portugal, sem ninguém contar e não se faz rogado. Logo, se alinham as condições para que a criança seja operada. Torna-se necessário pedir à Clinica Pediátrica de Bor para que a operação seja feita neste Hospital, pois no de Cumura não há as condições ideais. Programadas as démarches para se concretizar a operação clínica,  recolhemos a Quelélé para um merecido repouso, depois de jantarmos na Baixa de Bissau e apreciarmos a ruidosa noite com carros e carros em movimento num vai e vem pela única saída da cidade, a Avenida do Aeroporto.

(Continua)
_______________

Nota do editor:

(*) Vd. poste de 26 de abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6252: Tabanca Grande (215): O Francisco Silva, hoje cirurgião, ortopedista, no Hospital Amadora-Sintra, foi o substituto do infortunado Alf Mil Op Esp Nuno Gonçalves da Costa, do Pel Caç Nat 51, morto por um dos seus homens em 16 de Julho de 1973

(...) O Francisco Silva revelou-me na altura [, em Iemberém,] ter saído da CART 3492 para substituir um alferes morto na parada, pelos seus homens, africanos (ou por um dos seus homens, já não sei precisar bem) do Pel Caç Nat 51, sediado em Jumbembem, sector de Farim. Segundo o Francisco Silva, o alferes terá sido morto por que "era um tipo bom de mais, com problemas para impor a sua autoridade ao pelotão (que era etnicamente heterogéneo, e tinha um historial de problemas de disciplina)"...

Sabemos agora, através do Fernando Araújo, que esse infortunado camarada chamava-se Nuno Gonçalves da Costa, era natural de Arcos de Valdevez, e terá sido morto, "traiçoeiramente", a sangue frio, à queima-roupa, " com 3 tiros de G3", disparados por um militar do seu Pel Caç Nat 51, que não acatou o castigo (um reforço) que lhe imposto pelo seu comandante. A data fatídica foi em 16 de Julho de 1973. Os seus restos mortais repousam no cemitério da sua freguesia natal, São Jorge. (...)

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11168: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (2): O meu diário (José Teixeira, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba e Empada, 1968/70) (Parte II): Buba-Aldeia Formosa, 39 horas dolorosas para fazer uma picada, de 35 km, em 24/25 de julho de 1968

1. Mensagem de 25 do corrente, do Zé Teixeira, que vive em Matosinhos, gerente bancário, reformado, e cidadão ativissimo em prol dos outros e das causas solidárias [, foto à esquerda, Farosadjuma, Cantanhez, Região de Tombali, Guiné-Bissau, 2011]


Grande Régulo Luís.

Apanhaste-me na curva. tens insistido comigo para repor “O meu Diário” (*).  Resisti à tentação porque não sinto que tenha o valor que lhe dás e sobretudo porque há vivências de tantos camaradas que merecem muito mais que eu serem valorizadas... Mas já que insistes, vamos lá...

Com tempo pude vasculhar a correspondência com a minha ex-namorada e atual companheira de vida, bem como da minha família, o que me despertou para outras situações vividas e que não foram passadas para o “Diário”, talvez por perguicite, medos, etc.

Assim, tomo a liberdade de reenviar “O meu Diário” acrescido com letra em itálico para não se confundir com o que escrevi em cima dos acontecimentos em que procurava falar para mim mesmo, de partes de aerogramas e recordações que o tempo não consegue apagar. Se vires que tem interesse podes publicar.

Junto algumas fotos para enriquecer toda esta “tramoia”que me pregaste.

Abraço fraterno do Zé Teixeira

Comentário de L.G.:

Grande Zé: Just in time!... Vou reformular os postes... Assim há um motivo acrescido para ler ou reler o teu diário (que é, sem favor, um notável documento)... Tu mereces esta pequena gentileza e muito mais!... Um xicoração. Luis



2. 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (2): O meu diário (José Teixeira, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Os Maioriais, Buba e Empada, 1968/70) (Parte II):  Picada Buba/Aldeia Formosa, 24/26 de julho de 1968

Fotos: © José Teixeira (2005): Todos os direitos reservados


Continuação da publicação do "diário" do José Texeira (ex-1º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381 (Buba e Empada, 1968/70), agora aumentado com correspondência:

Aldeia Formosa,  24/26 de julho de 1968

Comecei a guerra. Saí de Buba dia vinte e quatro às seis da manhã e cheguei a Aldeia Formosa dia vinte e cinco às vinte e uma, depois de durante dois dias batalhar com o IN, com o tempo e ultrapassar outras dificuldades.

A estrada (picada) está num estado lastimoso: buracos de minas, pontes destruídas e outros obstáculos que a muito custo se venceram. Os primeiros sete quilómetros, foram percorridos em oito horas e meia.

O primeiro ataque foi de abelhas. Eram tantas que mais pareciam uma pequena nuvem e era ver quem mais corria a fugir da sua picada. Eu fiquei quedo como um penedo,  sentado na berma, entre os arbustos, a conselho de um africano que estava a meu lado e não sofri uma picada. Assustado e perturbado pelo zumbido à minha volta e pela cor que o meu corpo foi tomando na medida em que se fixavam à minha roupa, na cara e na cabeça. Neste estado pude apreciar a confusão de uma fuga precipitada um tanto hilariante. Se o IN tivesse atacado nesse momento era um desastre total, tal foi a desorganização gerada

Depois... Veio aquela mina roubar mais uma vida e pôr duas em perigo... Inimigo cobarde!... frente a frente não consegue atingir os seus objectivos e ataca à traição, num pequeno descuido dos picadores.

Que culpa terá aquele jovem que me morreu nas mãos, que os homens não se amem? Que culpa tenho eu?

A noite começou mais cedo neste negro dia de vinte e quatro de Julho! Esta vida salvava-se, mas um mal nunca vem só. A viatura atingida era o carro do rádio e consequentemente desde aquela hora (16 h) ficamos completamente isolados do resto do mundo. O ferido mais grave e que veio a falecer era o radiotelegrafista. Isto é guerra...

Quando nos dispúnhamos a montar acampamento o RT morreu. Com o impacte do rebentamento tinha ido ao ar e caiu de peito, rebentando por dentro. Eu e o Catarino [, o outro 1º cabo aux enf, ] nada pudemos fazer.

Esperávamos que o IN atacasse de noite pois tinha sido detectado pela aviação durante o dia. Felizmente durante a noite não houve surpresas e eu entregue totalmente ao ferido que sobrou para mim, o condutor da viatura sinistrada, um pouco mais conformado recomecei, melhor recomeçamos a marcha com toda a cautela, pois no dia anterior, além da mina que rebentou, foram localizadas mais três.

Para alimentação deste dia não tínhamos nada. A ração de combate, mal chegou para o primeiro dia. À frente havia elementos do IN,  "manga dele", havia buracos, pontes interrompidas; havia minas, só não havia comida.

Ainda não tínhamos percorrido três quilómetros, quando caímos na primeira emboscada. Dois bi-grupos esperavam-nos. Felizmente a Milícia do Candé (Aliu Candé) que protegia os flancos descobriu-os e sem compaixão, todas as máquinas de guerra funcionaram. O meio e a retaguarda da coluna embrenhados no mato aguardavam prontos a intervir o que não foi necessário. Quinhentos metros à frente é a vez da retaguarda ser flagelada e obrigar o soldado português a mostrar as suas capacidades de luta. Deste segundo encontro há registar dois feridos.

A coluna recompôs-se e continuou a sua marcha de 30 viaturas carregadas de mantimentos e armamento (três obuses de 140 mm, entre outro material). A meio da manhã chegaram os Fiat. Com a aviação sentimo-nos mais seguros e confiantes. Os feridos foram evacuados de Hélio. Uma coluna que normalmente se faz em oito horas, demorou dois dias.

Agora que sinto o barulho do matraquear das armas, que sinto o sibilar das balas assassinas sobre a minha cabeça, começo a sentir um tremendo ódio a tudo o que seja guerra. Sim. Odeio os homens que em vez de se amarem se guerreiam. Que culpa tenho eu que os homens não vivam o amor?

Quando abriu a emboscada escondi-me debaixo de uma viatura e senti bem perto as balas a assobiarem, pois um IN. estava em cima de uma palmeira à minha frente a fazer fogo. Ainda tentei usar a arma que tinha comigo, mas esta encravou à primeira tentativa e ainda bem. Fui apenas um espectador.

Senhor!, que eu jamais faça guerra!... Que eu ame sempre!

Hoje, 26, recebi uma carta, a que tanto precisava para acordar o meu espírito... Dou-te graças, Senhor,  porque me deste um anjo, porque me deste um amor que está sempre comigo, até nos momentos mais difíceis.

Aldeia Formosa, o meu novo poiso, também foi atacada ao anoitecer . O IN teve fraca pontaria e não meteu uma dentro do Quartel. A mesma sorte não foi para Gandembel,  há cerca de quinze dias, quando atacaram aquele Destacamento com 11 canhões sem recuo, mataram um Alferes e feriram vários militares.

[Foto à esquerda: O Zé Teixeira, em Empada, junto ao pau da bandeira, em 1970, a escrever o seu diário]

Extrato do bate estradas que escrevi à minha namorada

A lição que a G3 me deu, ao recusar disparar e,  ao mesmo tempo, não rebentar o cano em tiras, o que possivelmente me mataria, levou-me a pensar no pedido que minha mãe me tinha feito na minha despedida e ao compromisso que assumi perante mim mesmo de não dar um tiro, nesta guerra. Ser enfermeiro curador de feridas e nunca causa de dor ou morte. Quero ser só e apenas enfermeiro durante o resto da comissão. Afinal é a minha missão.

Entreguei a arma ao quarteleiro e nunca mais quero ter uma G3 na mão. Senti que Deus esteve comigo naquele momento.

Mas aquela vida. Aquele olhar a apagar-se e nós sem lhe poder valer. A sede que o fazia agonizar. Os gritos de desespero de quem sente a vida a fugir-lhe. Depois o adormecer suavemente para sempre.

Meu Deus, que jamais eu faça guerra, nesta missão ingrata de viver em guerra, quando apenas quero viver em paz. Construir a paz.



MATARAM O FUTURO

O destino, no tempo o marcou.
Aquela hora!
A mina escondida!
Aquela viatura!
Quando a quinta passava, deflagrou,
Uma vida cheia de vida,
A morte a levou.
Destino cruel.
Demasiado duro.
Deixou de ser a esperança, no futuro.
Para sempre partiu,
Aquele jovem.

Cheio de saudades de um tempo,
De quem nem sequer se despediu.
Um tempo, para com garra viver,
Mas. . .
Ficou sem tempo, para o conhecer.
Já não vejo!
Já não vejo!
Vou morrer!
Com ténue voz.
Balbuciou.
Tremendo grito.
Eu quero viver!
E . . .
Ali se ficou.
Até morrer.
Sede.
Muita sede.
Aquela vontade danada de viver,
E um corpo a arrefecer!
Vida.
Quase sem vida.
E eu. . .
Sem lhe poder valer.
Tremendo momento.
Num mundo mais pobre,
Um futuro em sofrimento.


(Continua)
_____________

Nota do editor:

(*) Vd. poste anterior da série > 25 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11150: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (1): O meu diário (José Teixeira, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba e Empada, 1968/70) (Parte I): Buba, julho de 1968

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5406: Os nossos camaradas guineenses (16): A morte do Aliu Sanda Candé (José Teixeira)



1. Mensagem de José Teixeira*, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70, com data de 2 de Dezembro de 2009:

Camaradas,

Junto mais um texto sobre a polémica que nunca conseguiremos "abafar" nas nossas consciências: A morte ou assassínio dos combatentes guineenses.

O José Belo e o Mexia Alves voltaram ao velho e para sempre inacabado problema relacionado com a morte ou assassínio de antigos combatentes guineenses, que alinharam ao nosso lado, pela Pátria Portuguesa.

O Grande problema é que muitos destes combatentes como o Aliu Sanda Candé, que conheci em Aldeia Formosa, foram fuzilados sem julgamento legal, mas em julgamento popular manobrado por forças do PAIGC, sem que haja documentação escrita do acto. Assim, não é possível provar o acto de fuzilamento que nos permita actuar junto do Ministério do Exército, para se conseguir o subsídio de morte ao serviço da Pátria.

No caso do Candé, tive conhecimento da sua morte por um primo, meu ajudante de enfermeiro, que alguns anos depois conseguiu fugir para Portugal. Ele, o Candé, ou o Alfero da milícia, Aliu Candé, que toda a gente do meu tempo se recordará, pelo seu porte e pela forma como geria o seu grupo de combate, pela forma como reagia perante o inimigo, avançando de peito aberto. Há que dizê-lo, quantos de nós não lhe deverão a vida. Possivelmente eu sou um deles.

Ele, que se orgulhava de cortar as orelhas dos desgraçados que caíam varados pelas balas da sua G3. Após a independência, recebeu o ”chorudo” prémio que Portugal lhe ofereceu pela dedicação à Mãe Pátria, creio que seis meses de ordenado, entregou a G3 e foi dedicar-se à agricultura na Chamarra, sua terra adoptiva, para continuar a dar á família o apoio necessário, até então suportado pelo exército português com o Pré mensal a que tinha direito por passar a vida a lutar contra conterrâneos e, eventualmente, familiares. Podia ter vindo para Portugal e integrado no exército português com o posto de alferes.

Posto conquistado na árdua luta de vida ou morte pois,  tanto quanto sei, foi lhe dada essa oportunidade, quando lhe ofereceram os seis meses de Pré. Ele que,  de soldado raso em Bolama, passou a cabo por mérito, logo a seguir alferes da milícia, comandante de um grupo de combate. Posteriormente, chamado de novo ao Exército como furriel e,  por fim, alferes comandante de grupo de combate de uma Companhia de Comandos africanos.

Apenas, e aqui está o busílis da questão, teria de vir para Portugal só. Deixar a família na Guiné. A sua família. Optou pelos seis meses de pré e pela família.

Um dia, andava na Lala, quando lhe apareceu um grupo da juventude do PAIGC. Levaram-no para Bambadinca, de onde era natural, promoveram um julgamento popular e condenaram-no à morte, por prego enterrado na cabeça... Morte horrorosa!

Os pormenores desse “julgamento” também são terríveis, segundo o seu primo, entretanto já falecido, o Mudé Embaló. Mobilizaram a população para uma manifestação ao homem grande de Bissau que iria fazer uma visita a Bambadinca. Juntada a população, apresentaram o Candé, como criminoso de guerra e promoveram o julgamento popular que conduziu à sua morte.

A vinda do homem grande de Bissau (Presidente Luís Cabral) fora apenas o engodo para atrair a população e assim lhe poderem demonstrar com se tratavam os chamados inimigos da Pátria

A informação que tenho é que viveu umas horas em sofrimento, até morrer (como me dói o coração ao imaginar tal morte!).

Quando em 2008, encontrei a sua filha Cadidjtu Candé, em Guiledje, uma bebezinha de meses, quando passei pela sua terra, ela disse-me que o pai tinha sido fuzilado. Esta informação da Cadi contradiz o que o primo me tinha dito, no entanto, nada está escrito que comprove a sua morte por fuzilamento em resultado de um julgamento militar legal.

Assim sendo, não se pode provar que tenha sido condenado por servir Portugal, logo, a família terá muita dificuldade em provar que morreu ao serviço de Portugal, por falta de provas testemunhais e documentais. Apenas se sabe que a mãe ainda conseguiu visitá-lo uma vez. Depois oficialmente está morto. Aonde foi enterrado? Não se sabe. A sua morte resultou de quê? Não se sabe, porque não há dados oficiais.

Pergunto, numa situação destas,  do pós-guerra e ajuste de contas, quem se atreveria a descrever e registar dados tão comprometedores?

Como se poderá provar que não foi apenas um ajuste de contas de alguém que combateu pelo PAIGC e sofreu os efeitos da acção guerrilheira do grande Candé?

Perguntas a que eu muito gostaria de poder responder, mas a única verdade que sei, é que o Candé sofreu uma morte horrorosa.

Saibamos nós honrar a sua memória e o seu nome.

José Teixeira
1º Cabo Enf da CCAÇ 2381
__________

Nota de MR:

Vd. último poste da série em:


quarta-feira, 23 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2790: Quem pode ajudar a filha do nosso camarada Aliu Sada Candé? (José Teixeira)

José Teixeira
ex-1.º Cabo Enfermeiro
CCAÇ 2381
Buba, Quebo, Mampatá e Empada ,
(1968/70)



No dia 22 de Abril de 2008, recebemos esta mensagem do nosso camarada José Teixeira:

Caríssimo Luís Graça e companheiros co-editores.

Há dias enviei-vos este pedido/apelo, como ainda não recebi feedback, tomei a liberdade de insistir. Por favor informem se os outros textos que enviei vão ser publicados ou não.
Abraço Saúde paz e felicidade.

Já vos falei do Candé, de nome próprio Aliu Sada Candé, que conheci em Aldeia Formosa (Quebo) em 1968 e da sua formosa filha Cadidjatu Candé, que tive o prazer de conhecer recentemente em Guiledge como elemento da equipa do staff do Simpósio.

Acabo de receber fotocópias da Caderneta do Aliu Candé, em sequência do pedido que a Cadi me fez, para tentar obter a reforma do pai, o que não creio ser possível, mas não há como tentar.

Para melhor vos situar, junto o teor da correspondência trocada


1. Oi José!

Fiquei muita satisfeita por ter recebido a tua mensagem e por outro lado sinto muito feliz de encontrar um tio como senhor. Gostaria que o senhor mi ajuda-se a encontrar os documentos do meu pai para que eu posso fazer as papelada e a reforma? Tambem gostaria que o senhor mi arranjaste o numero telfone de Matos[ Cor Carlos Matos Gomes].

Gostei muito de ti conhecer espero que vamos continuar a corresponder, meu tio quirido.

Receba um forte abraço da tua sobrinha Cadi.


2. Cadi.

Fiquei feliz ao receber notícias tuas. Devo dizer-te que ao saber pelo Mudé Embaló já lá vão muitos anos, da forma como foi assassinado o teu pai, fiquei muito triste e revoltado.

Assim, quando te vi e soube que eras filha do Candé fiquei naturalmente feliz por te conhecer.

Eu pouco tempo convivi com ele. Estive cerca de um mês em Quebo e fiz duas colunas a Buba e uma a Gandembel. Depois fui colocado em Mampatá e nunca mais tive contacto com o Candé. Apenas retenho a imagem de um homem alto e magro, que no campo da guerra merecia o respeito dos camaradas e dos adversários pela sua coragem e determinação.

Gostava de te poder ajudar no que me pedes, mas creio bem que não vai ser fácil, até porque o teu pai já morreu há muito tempo. De qualquer modo pode-se tentar.

Para poder tentar conseguir responder-te, preciso de saber:

- O nome completo de teu pai;
- A sua história militar, isto é: em que ano se inscreveu na Milicia e em que Companhias/pelotões de milícia esteve e ou comandou;
- O posto ou função (Creio que em 1968 era Alferes de milicia e comandante de pelotão);
- Em que ano foi incorporado no exército português e que funções exerceu;
- Se possível o seu número mecanográfico do Exército Português.
- Em que quartéis esteve, durante a guerra. Sei que em 1972 estava em Quebo na CCAÇ 18
- A data da sua morte. Se possível a forma como foi assassinado.

Sei que não será fácil obter estes elementos identificativos do teu pai, mas são necessários para localizar a sua folha de serviços no Exército.
Beijo


3. Bom dia José Teixeira!
queria que o senhor mi manda-se o numero de fax porque eu tenho caderneta conpleto do meu pai ok.tchou beijssssssssssssssssssssssssssssssss



4. Minina bonito, como stá ?

Aqui tudo bem, mas muita saudade da Guiné e suas gentes.

Foi muito bom estar por aí uns dias, mas criam-se raízes, o que é bom, mas se torna doloroso logo de seguida, quando temos de vir embora para a nossa terra.

Bem, quanto ao assunto do teu pai, fico contente por teres os elementos da caderneta. Assim, torna-se mais fácil tentar alguma coisa. Podes enviar para o fax 0035122088835. Deves colocar uma folha com a seguite indicação: - Peço o favor de entregar ao José Teixeira.

Como te disse soube pelo Mudé, teu primo, algumas coisas sobre a morte do teu pai. Precisava de saber mais coisas para eventualmente se fazer uma exposição ao Ministro.

Sei que logo após a Independência foi preso, levado para a sua terra natal que suponho é Bambadinca, julgado num tribunal popular e condenado à morte por prego espetado na cabeça.

Disse-me ele também que houve uma forte mobilização da população local, com o argumento que o homem grande de Bissau ia lá passar, o que se demonstrou era falso. A população juntou-se toda, a juventude do PAIGC instrumentalizou-a (fez agitação) e deu-se um julgamento fora de todas as regras de justiça.

Apesar de tu na altura da morte ainda seres pequenina, possivelmente tens dados em teu poder que ajudarão.

Precisava de saber:
- Onde estava quando foi preso;
- Quanto tempo esteve preso;
- Se durante a prisão foi violentado;
- Onde foi julgado, se houve julgamento;
- Quem foi que o julgou, militares ou civis;
- Quais foram as acusações;
- Qual a condenação ou sentença;
- Como se processou a sentença, isto é, como morreu, onde e o que se passou a seguir.

Por favor responde ao que puderes ou souberes.
Ficando à espera da tua resposta.


5. Oi meu tio querido?

Vou dando tudo que eu sei sobre a morte do meu pai:
- Ele estava no Aldeia Furmosa (Quebo) ele tava no campo a fazer agricultura,
- Ele tava preso em Banbadinca depois foi transfirido para tchim [Xime];
- Depois da ultima visita da minha avô numca mais sabemos dele;
- Claro que foi maltratado porque não vimos o corpo dele e nen sabemos onde Foi sepoltado;
- Foi acuzado de que ele foi dos elementos a não aceitar a entrada do PAIGC;

E tudo o que eu soube sobre a morte do meu pai. Vou ti enviar a copia da cadermeta e outros documentos. Vou contando com a tua ajuda
Cadidjatu


6. Caros amigos.

Parece que eu sei mais sobre a morte do Candé do que a própria filha, ou então ela não quiz dizer tudo. Infelizmente já não posso consultar a minha fonte de origem, pois faleceu há cerca de dois anos. Sei que na altura do acontecimento, estava em Bissau a estudar. Talvez por isso tenha conseguido obter mais elementos.

Outras questões sobre a actividade do Candé se põe eu gostava de aferir:
Quando o conheci em Quebo - Julho de 1968 - usava galões de alferes, dizia-se "alfero de 2ª linha" (milicia) e comandava um temível pelotão de milícias - Grupo de Caçadores Nativos "Relâmpago"

Sobre esse grupo escrevi no "Meu Diário"

Aldeia Formosa, 9 de Agosto de 1968

...Um pelotão de milícia de Aldeia Formosa foi bater a zona de Mampatá (estrada de Colibuia/Bolola), para confundir o IN (enquanto a coluna de Buba, na qual eu me incluia, fazia o trajecto pela estrada de Nhala, sem incidentes) e sofreu dois mortos e três feridos.

Trouxe orelhas de vários IN, mortos durante o combate. É horrível, Senhor... dois mortos e três feridos e... orelhas de vários IN mortos.

Alguns, foi a sangue frio, segundo dizem, depois de serem descobertos com ferimentos que os impediam de fugir. Tudo isto é guerra, enquanto uns estavam na rectaguarda feridos, outros, autênticas feras, procuravam IN, irmãos de raça, para os assassinarem.

Os homens não ouvem a voz de Deus, abafam a tua voz com o matraquear das armas. Matar pessoas, porquê? ... E aquele corte de orelhas, vitorioso!?... Como se fosse um animal! E se fosse, quem deu ao homem tal direito?!...


Note-se que tanto quanto me foi dito pelo enfermeiro da CCAÇ 1792 - Os Lenços Azuís - o "alfero" Candé e seus homens arrancaram de peito aberto para o Inimigo, para forçar o cerco em que estavam a ser submetidos.

Verifico pela Caderneta que o Candé era soldado do Exército Português desde Maio de 1966, chegando a alferes graduado do Exército Português.

Que caminhada! Talvez o Mário Dias o conheça e possa desmistificar um pouco.

Uma dúvida se me põe e para a qual queria a vossa ajuda ou dos bloguistas mais conhecedores. Tal situação era possível? Ou seja, Nativo, Soldado do Exército em serviço na milicia local com o posto de Alferes?

O seu curriculum militar demonstra uma carreira militar bem cheia, pelo que possivelmente é conhecido por alguns dos bloguistas. Talvez se consiga mais alguma luz sobre este homem que segundo consta morreu da forma mais inglória, "ai dos vencidos".

A razão que me leva a voltar ao Candé, é o seguinte:

A Cadi pretende obter os direitos de reforma do pai. Será que algum dos bloguistas tem conhecimentos que possam ajudar a pequena?

Eu, francamente, não sei por onde possa pegar, no sentido de a ajudar, no mínimo a esclarecê-la.

Aqui fica o apelo.

Junto cópias da caderneta.

Fraternal abraço.
Zé Teixeira





Foto 1> Registo de Apresentações e Disponibilidade




Foto 2> Registo Criminal e Disciplinar




Foto 3> Promoções e Colocações




Foto 4> Prémios, Condecorações e Louvores




Foto 5> Habilitações




Foto 6> Foto de família com Castro Neves




Foto 7> Foto de Aliu Sada Candé




Foto 8> Candé com amigos em Lisboa - Prémio Governador



Foto 9> Avó com Castro Neves




Foto 10> Aliu Sada Candé com Castro Neves



7. Comentário de C.V.

Face ao apresentado, o nosso bom camarada José Teixeira está perante um problema de difícil resolução, tanto mais que a maioria dos elementos necessários para tratamento do processo se encontram em Lisboa.

Tendo o camarada Aliu sido assassinado há já muito tempo, pelos vistos com todos os requintes de malvadez e selvajaria, reconstruir todo o processo é tarefa gigante.

Deixamos no entanto no ar o pedido de ajuda a quem por localização geográfica mais favorável, por se mexer melhor nos meandros da burocracia, por disponibilidade de tempo e por último, mas não menos importante, por ser solidário, possa dar uma ajuda ao Zé Teixeira que tem um coração enorme e um amor aos nossos irmãos guineenses como raramente se vê.

Adivinha-se a quantidade de ex-combatentes guineenses, angolanos e moçambicanos, nossos camaradas, que foram assassinados a sangue frio por represália a atitudes menos correctas tidas em campanha.

Mas... Quem nunca pecou que atire a primeira pedra.
_________________

Nota de C.V.:

(1) Vd. poste de 1 de Abril de 2008> Guiné 63/74 - P2710: Os filhos dos que lutaram ao nosso lado (José Teixeira)