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segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26481: Notas de leitura (1771): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (5) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Setembro de 2023:

Queridos amigos,
O historiador Hermann Kellenbenz faz um tipo de relatório de situação sobre aspetos histórico-económicos da expansão ultramarina portuguesa, não emite juízos quanto a um sugerido balanço. Reconheça-se o interesse pelo que escreve quanto a formas de povoamento, de presença portuguesa em fortalezas e postos de África, a natureza do comércio oriental, as etapas da colonização brasileira, o modo como os portugueses influíram no comércio mundial devido ao açúcar, às especiarias, ao ouro, às madeiras e ao comércio negreiro. O autor observa a falta de recursos humanos, e daí o abandono das praças do Norte de África, onde a beligerância era constante e os proventos baixos; como a presença portuguesa em África foi alterando as redes de negócio do ouro; as mudanças operadas após o descobrimento da rota do Cabo que trouxe uma cascata de preciosidades a Lisboa; e o bom exemplo da pimenta que era distribuída por toda a Europa, se bem que Portugal não possuísse o monopólio das especiarias e muito menos dos metais preciosos. Enfim, uma estimulante análise da vertente histórico-económica dos Descobrimentos portugueses. E assim se chegou ao fim da apreciação do livro Balanço da Colonização Portuguesa, que nos suscitou a curiosidade por ter sido editado precisamente em 1975.

Um abraço do
Mário



A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (5)

Mário Beja Santos

Iniciativas Editoriais foi uma editora altamente conceituada, dirigida por José Rodrigues Fafe, os temas sociopolíticos foram o seu polo atrativo. Lançou um projeto aliciante, o de juntar um conjunto de profundos conhecedores da historiografia da expansão/colonização portuguesa e pedir-lhes uma apreciação em jeito de balanço, estávamos no ano de 1975.

Responderam ao pedido vários historiadores e investigadores, já aqui se falou dos textos de Banha de Andrade, Frédéric Mauro, Charles Ralph Boxer e Joel Serrão. Vamos hoje despedirmo-nos com o contributo do historiador alemão Hermann Kellenbenz, intitulado Aspetos histórico-económicos da expansão ultramarina portuguesa.

Ele começa por várias interrogações: como foi possível a um país tão pequeno criar condições de povoamento nas suas possessões ultramarinas? Como foi financiada a expansão ultramarina? O que significou a expansão para a economia portuguesa? De que modo se enquadrou a expansão na economia europeia? Qual o seu significado para os territórios ultramarinos?

Procurando responder, conduz-nos às condições climático-geográficas do país, de terra pobre, com períodos consideráveis de seca e de chuva irregulares, o que pode explicar a concentração demográfica nas zonas costeiras; foi sempre permanente a escassez demográfica, apesar das conquistas feitas no Norte de África não foi possível penetrar no Norte de Marrocos, mas tudo sempre numa cadeia infindável de dificuldades, e a partir de 1541 perderam-se uma a uma as possessões conquistadas; os arquipélagos da Madeira e dos Açores eram áreas relativamente pequenas, suscitou poucos problemas, mas vieram colaborações do continente europeu e cedo se começou a utilizar a mão-de-obra escrava; os flamengos tiveram um papel importante no povoamento dos Açores e foram feitas concessões no povoamento de Santiago e outras ilhas de Cabo Verde; os povoadores que se apresentaram na Senegâmbia e S. Tomé eram descendentes dos judeus degredados; não havendo, pois, condições de povoamento intensivo e alargando-se o espaço da presença portuguesa em África e depois no Oriente, encontrou-se solução a criação de postos de apoio tanto militares como comerciais, caso de Arguim ou São Jorge da Mina; a partir de 1503, Cochim na zona orienta da Índia, tornou-se o principal reduto dos portugueses, o governador-geral Afonso de Albuquerque, o primeiro vice-rei da Índia, favoreceu a mistura de mulheres muçulmanas hindus em casamentos com portugueses.

Proposto escrever em que termos os portugueses estavam presentes no longínquo oriente, o historiador observa que a situação do Brasil era completamente diferente, recorreu-se aos sistemas de donatorias e sesmarias, os donatários eram principalmente mercadores, funcionários públicos, gente que se tinha distinguido na Índia, sem necessariamente descenderem de famílias aristocráticas. Passando para a questão do financiamento, o autor releva o espírito empreendedor dos portugueses, nomeadamente os da costa algarvia e o povo de Lisboa, chamo a atenção para a contribuição de burgueses como Fernão Gomes e Martim Anes Boa Viagem, no entanto, o financiamento dos Descobrimentos competia em primeiro plano à Coroa, e tece a seguinte consideração: “Os reis portugueses demonstraram um alto grau de inteligência acolhendo estrangeiros com capital e espírito empreendedor e dando-lhes a possibilidade de participar nos Descobrimentos.” – e refere nomes como o do veneziano Cada Mosto, o de genovês Antonio de Nola, e enumera também outros nomes de italianos e de alemães. A sede da organização da Coroa era a Casa da Índia que foi dissolvida em 1549, para facilitar a entrada de capital estrangeiro. Mas havia um senão: o aparelho financeiro da Coroa não se desenvolvera de acordo com as exigências crescentes das expedições ultramarinas – daí a dívida galopante e a incapacidade de lhe pôr termo dada a vida luxuosa que se praticava.

Qual o significado económico destas possessões ultramarinas? Ceuta rapidamente perdeu importância comercial que até aí detivera; as ilhas do Atlântico revelavam-se economicamente importantes, a Madeira fornecia madeira, urzela e peixe, o açúcar virá depois, será exportado para os mercados da Europa Central; os Açores tornaram-se produtores de cereais, exploravam a produção de tinta-pastel que era exportada sobretudo para os flamengos; Cabo Verde não se prestava muito à cultura da cana do açúcar, na Ilha do Fogo desenvolveu-se a cultura do algodão bem como a criação de gado bovino e cavalar e em ilhas inabitadas praticou-se a criação de gado caprino; em S. Tomé, em 1512, desenvolveu-se a cana açucareira, havia um total de 60 engenhos e 300 escravos; mas é importante relevar que Cabo Verde passou a ter um importante papel no comércio ultramarino português, devido ao ouro e aos escravos. Kellenbenz alarga-se na descrição deste fenómeno económico na costa ocidental africana, mas também no reino de Monomotapa, na África Oriental, aqui se adquiriu muito ouro que também vinha do longínquo oriente, de Sumatra e da Malásia. E dá enfâse ao tráfico africano de escravos, da maior importância a partir do último quartel do século XV, não deixando igualmente de mencionar o comércio da pimenta e a malagueta, mas não deixa de referir que a pimenta africana ficava muito aquém da pimenta vinda da Índia Oriental. Tece uma larga exposição sobre todo este comércio para depois mencionar o Brasil, primeiro pela exploração açucareira, com destaque para Pernambuco e Baía, depois o comércio do pau-brasil, muito apreciado em Lisboa, Antuérpia e Amesterdão.

Outra questão a responder à pergunta das consequências da expansão portuguesa na economia europeia. O autor afirma que é difícil estabelecer uma nítida separação entre a parte portuguesa e a espanhola, procura, no entanto, aferir o carregamento dos barcos e os portos a que se destinava tal carga, de Antuérpia a Danzig, e indiscutivelmente traziam novidade: “Os produtos que chegavam à Europa, as mercadorias africanas e asiáticas, alteraram completamente a antiga rota do Mediterrâneo. Os produtos vindos das ilhas do Atlântico e Brasil eram completamente novos. A importação de especiarias orientais é o setor mais interessante na rota do Cabo, alteravam-se as regras da concorrência e com o tempo o comércio no Mediterrâneo foi-se desvanecendo. E importa não esquecer que Portugal não possuía o monopólio das especiarias, Portugal era forçado a vendê-las para comprar os produtos apetecidos em África e na Ásia, acontecerá o mesmo com os nossos metais preciosos.” E daí a nova questão: como é que se verificou o domínio português na economia das regiões subjugadas: nas ilhas atlânticas houve povoamento, eram terra-virgem; nos pontos africanos era necessário apoio militar, e o autor recorda que os portugueses que vivam fora das fortalezas eram na sua maioria exilados, reclusos ou ventureiros, caso dos tangomaos na Guiné; e no tráfego de escravos faziam-se acordos com chefaturas africanas; recorda que o movimento comercial português no Índico devem ser observadas à luz da ligação com a viagem ao Oriente, era simultaneamente um sistema de alianças mas também podia envolver crueldade e intimidação; e tece considerações sobre a missionação fundamentalmente no Brasil e nalgumas parcelas do Oriente. Kellenbenz não formula qualquer juízo sobre qual o balanço da colonização portuguesa, a não ser estes tópicos de interações socioeconómico-culturais, tanto em África como no Oriente e Brasil.

Damos assim por findo um conjunto de sumulas em torno de uma iniciativa bem curiosa de se fazer um balanço da colonização portuguesa em pleno ano de 1975.

Para que conste.

Hermann Kellenbenz
Exploração açucareira no Brasil
Vista do Castelo de São Jorge da Mina, figura do século XVII, a fortaleza já está em poder dos holandeses
O tão apetecido pau-brasil comercializado por toda a Europa
Como se organizava uma missão jesuítica no Brasil, século XVII
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Notas do editor:

Vd. post de 3 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26455: Notas de leitura (1769): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (4) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 7 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26471: Notas de leitura (1770): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, a governação de Vellez Caroço, totalmente distinta das anteriores (13) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26432: Notas de leitura (1767): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Setembro de 2023:

Queridos amigos,
Entre os historiadores estrangeiros que se debruçaram aturadamente sobre o império marítimo português, Charles Ralph Boxer é um dos nomes mais sonantes. Convidado a fazer um texto sobre o balanço da colonização portuguesa, em 1975, centrou as suas observações em África, entre 1415 e 1800. Começa logo por dizer que as praças-fortes semeadas ao longos das costas africanas eram essencialmente entrepostos de escravatura, houve uma contradição de base jamais resolvida: a apregoada propagação da fé e conversão das populações africanas, isto enquanto se escravizam as mesmas almas que eram objeto de cuidados dos missionários. Havia singularidades como Cabo Verde e S. Tomé, onde se assistiu à destribalização e à cristianização, mulatos e negros livres trabalhavam a terra e mesmo em S. Tomé possuíram a maior parte da ilha, daí o massacre de Batepá, em 1953, quando o Estado Novo se pôs ao lado dos roceiros e os seus propósitos capitalistas; Boxer chama a atenção para a fanfarronice dos monarcas portugueses intitularem-se "Senhores da Guiné", coisa que nunca foram; e dá-nos um quadro admirável da presença portuguesa no Congo, não deixando no final do artigo de recordar que a ocupação efetiva do interior e as tentativas bem-sucedidas da colonização branca datarem apenas dos fins do século XIX.

Um abraço do
Mário



A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (3)

Mário Beja Santos

Iniciativas Editoriais foi uma editora altamente conceituada dirigida por José Rodrigues Fafe, os temas sociopolíticos foram o seu polo atrativo. Lançou um projeto aliciante, o de juntar um conjunto de profundos conhecedores da historiografia da colonização portuguesa e pedir-lhes uma apreciação em jeito de balanço. Demos a palavra já aos professores Banha de Andrade e Frédéric Mauro, excluímos Eric Axelson dado que este se focaliza na colonização portuguesa no sudeste africano entre 1505 e 1900, e damos agora a palavra a Charles Boxer que se irá centrar no tema As raízes de Portugal em África, 1415-1800. Este eminente historiador recorda que a presença portuguesa em África foi objeto de grandes divergências entre diferentes historiadores. Houve críticos que clamaram que durante mais de três séculos o interesse primacial de Portugal era o comércio negreiro. “As praças-fortes portuguesas semeadas ao longo das costas africanas de Arguim (1445), na Mauritânia, a Mombaça (1593), no Quénia, eram essencialmente entrepostos de escravatura. Mesmo após a sua relutante abolição da escravatura no decurso do século XIX, os portugueses continuaram a depender fortemente de várias categorias de trabalho forçado ou contratado, que frequentemente eram formas ligeiramente disfarçadas de servidão.”

Em oposição, houve quem escrevesse e argumentasse que os portugueses eram mais humanos no trato dos escravos do que quaisquer outros europeus, não tinham barreiras de cor nem preconceitos sexuais. Nesta observação havia um dado histórico irrefutável: “Os portugueses tinham sido parte integrante da cena africana por mais de quatro séculos.” E lembra um depoimento de Cunha Leal, um crítico de Salazar, que assim escrevia: “É preferível, mil vezes preferível, o nosso colonialismo honrado e progressivo, ao colonialismo de certos anticolonialistas, em especial ao da Rússia, com os seus campos de concentração, e ao dos EUA, com o seu odioso racismo interno.” Há em tudo isto uma dicotomia nas atitudes portuguesas com os africanos nunca resolvida: por um lado, o propósito de converter os africanos ao cristianismo e, por outro, a ânsia em escravizar os tais pagãos ignorantes.

Quando os portugueses chegaram a Terra dos Negros, a Senegâmbia, rapidamente compreenderam que era muito proveitoso obter escravos através de permuta com os Mandingas, os Jalofos e outros povos, independentemente de as navegações irem descendo a caminho do Cabo da Boa Esperança. A grande maioria destes chefes africanos não puseram dificuldades em permutar homens, mulheres e crianças capturados em guerras intertribais. E Boxer também observa que os escravos africanos trazidos para Portugal eram relativamente bem tratados, apesar das práticas discriminatórias (por exemplo, os negros livres não podiam tornar-se aprendizes da corporação dos ourives). Nalguns lugares (caso de S. Tomé) os africanos destribalizaram-se e cristianizaram-se. E nasceu uma nova realidade: “Os brancos guardaram o controlo dos altos postos do governo, da Igreja, e da economia; mas os mulatos, mestiços ou filhos da terra, obtinham por vezes posições de poder ou influência, bem como boa parte da terra (…)"

As ilhas de Cabo Verde eram descritas pelo seu governador em 1628 como sendo o cemitério e a estrumeira do império português. Em contrapartida, um jesuíta português que visitou a ilha de Santiago durante a semana de Natal de 1652, ficou muito impressionado com o alto nível do clero indígena. Escreveu o Padre António Vieira: “São todos pretos, mas somente neste acidente se distinguem dos europeus. Têm grande juízo e habilidade e toda a política que cabe em gente sem fé e sem muitas riquezas, que vem a ser o que ensina a natureza. Há aqui clérigos e cónegos tão negros como azeviche, mas são compostos, tão autorizados, tão doutos, tão grandes músicos, tão discretos e bem morigerados, que podem fazer inveja aos que lá vemos nas nossas catedrais.”

Refere igualmente Boxer que embora os monarcas portugueses se intitulassem “Senhores da Guiné” desde 1481, a Coroa não fez qualquer tentativa para ocupar mais do que uns quantos postos de apoio costeiros com vista ao comércio de escravos, ouro, marfim, cera, malagueta, entre outros. A língua portuguesa passou a ser língua franca por muitos nos Rios da Guiné, muitos topónimos da costa ocidental africana são também de origem portuguesa. Os portugueses permaneceram em S. Jorge da Mina até 1637, estavam acantonados, mas permutavam bacias de latão, braceletes, contas, têxteis e outras mercadorias por ouro, marfim e escravos trazidos por mercadores africanos do interior. Mantiveram contactos de grande significado, caso do Benim, que era então o mais importante Estado do que é hoje a Nigéria. A presença portuguesa ficou atestada pelos bronzes a marfins artísticos produzidos no século XVI, representando soldados portugueses, mercadores de escravos, e por pequenos artigos tais como pimenteiros, saleiros que vieram a ser transacionados no mercado europeu. A ação missionária a norte do Equador não conduziu a resultados duradouros, mas os missionários foram mais bem-sucedidos no velho reino do Congo, e Boxer alarga-se em considerações sobre a presença portuguesa na região.

Pelo adiante, dirá que os portugueses nunca tentaram estabelecer-se no Cabo da Boa Esperança e observa que as suas praças-fortes costeiras no atual território de Moçambique, Sofala (1505), ilha de Moçambique (1507) e Quelimane eram escassamente povoadas e só a ilha era fortemente fortificada. E dá conta de como se processou entre os séculos XVI e XVII as formas de ocupação no vale do Zambeze e na região de Manica. Ajeitando as conclusões neste seu artigo, Boxer dirá que as raízes portuguesas em África até tempos recentes da ocupação efetiva do território foram sempre muito fracas. “Por exemplo, em meados do século XIX havia apenas 1800 brancos em Angola, a maioria dos quais em Luanda. Bissau tinha só 16 europeus; e a ilha de Moçambique, que se manteve continuamente na mão dos portugueses desde 1507, tinha só 6 famílias brancas em 1822.”

É evidente que as doenças tropicais, particularmente a malária, a disenteria infeciosa, a febre biliosa, a doença do sono e a triquiníase fizeram de África o que se designava pelo túmulo do homem branco antes das descobertas científicas e médicas de fins do século XIX. E Boxer adianta uma outra observação: “O homem português emigrava sozinho para África. Raramente o acompanhava uma mulher branca até mesmo ao século presente.” E, mais adiante: “E é por demais sabido que as tribos africanas e os povos para além da franja costeira opunham uma resistência muito forte (…) As raízes portuguesas em África limitaram-se por séculos aos estabelecimentos costeiros e a alguns vales insalubres. A ocupação efetiva do interior e tentativas bem-sucedidas de colonização branca datam apenas de fins do século XIX e particularmente dos tempos da Segunda Guerra Mundial.”

Findo o texto de Charles Boxer, Joel Serrão reserva-nos um texto admirável, datado de janeiro de 1975.

Charles Ralph Boxer (1904-2000)
Castelo de São Jorge da Mina, Gana, imagem recente
Saleiro bini-português, século XVI
Saleiro bini-português, século XVI
Fortaleza de Cacheu, Caminho de Escravos
Cabo Verde, desenterrada a igreja mais antiga dos trópicos. Imagem do Público, com a devida vénia

(continua)
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Nota do editor

Vd. post de 13 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26385: Notas de leitura (1764): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (2) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 24 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26421: Notas de leitura (1766): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, os acontecimentos posteriores à campanha de Teixeira Pinto, 1917-1919 (11) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26077: Notas de leitura (1737): Notícia de um conflito interétnico sangrento na ilha de Bissau, em 1931 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Feitas as contas ao quadro de hostilidades que o Governador Soares Zilhão vai punir, temos uma guerra sangrenta na Península de Bissau que vitimou sobretudo Mancanhas, e das averiguações feitas apurara-se que os Grumetes tinham extravasado competências, procedimento inaceitável para a potência colonial soberana, e daí a dureza dos castigos, para serem exemplares. Estávamos em 1931, a pacificação de Canhabaque chegará em 1936, tudo leva a crer que há uma mudança radical de atitudes e já com a governação de Ricardo Vaz Monteiro e fundamentalmente com a política do desenvolvimento aplicada pelo comandante Sarmento Rodrigues, tirando a ilha de Bissau do seu isolamento.

Um abraço do
Mário



Notícia de um conflito interétnico sangrento na ilha de Bissau, em 1931

Mário Beja Santos


Continua ativa uma certa historiografia que responsabiliza integralmente a potência colonial pelo acirramento dos conflitos interétnicos, fazendo tábua rasa de que antes da chegada dos portugueses toda a região tinha os seus reinos com as suas permanentes hostilidades, agressões, rapinas e arrebanhamento de escravos; simultâneo à chegada da presença portuguesa nessa difusa região a que se chamou Senegâmbia, assistia-se à desagregação do Império do Cabo, que foi acelerada por esses mercadores portugueses (mais tarde vieram concorrentes espanhóis, holandeses, franceses e britânicos); as regras do mercado foram completamente alteradas, os mercadores evitavam envolver-se em conflitos interétnicos. Há também outra acusação de que, com a consolidação da ocupação e pacificação, os portugueses dividiam para reinar, estavam do lado dos Fulas e antagonizavam os Balantas, por exemplo.

Nada disto em termos históricos pode ser visto a preto ou branco. E nada como pegar num acontecimento, tirar a prova dos nove de que os conflitos interétnicos existiram ao arrepio da estratégia colonial.

No suplemento ao Boletim Oficial n.º 39, de 1931, o Governador João José Soares Zilhão, com a data de 20 de outubro faz publicar a seguinte portaria:

“É do conhecimento público que esta colónia foi sobressaltada pelo desencadear em Bissau de uma desordem gravíssima entre as tribos Papel e Mancanha, cujas povoações se aglomeram nos subúrbios da cidade de Bissau e seus arredores até ao sítio de Bissauzinho, cobrindo assim aproximadamente a metade Este da ilha de Bissau, que agricultam em conjuntos com algumas povoações Balantas, que não intervieram diretamente nos acontecimentos.

É igualmente sabido que parte da ilha de Bissau a Oeste do Bissauzinho, incluindo esta povoação, se conservou perfeitamente submissa e ordeira, respeitando deste modo, como devia, as autoridades. Do domínio público é também que, a seguir às desordens sangrentas de 27, 28 e 29 de setembro, os estado de sítio da ilha de Bissau organizou no mesmo dia uma repressão sistemática da grave perturbação da desordem que rebentou em 27, atingiu o ponto agudo em 29 que, apesar das medidas de coação tomadas pelo corpo de Polícia de Bissau, causou a morte a numerosos indígenas, sobretudo da tribo Mancanha, entre os quais inocentes mulheres e inocentíssimas crianças, que foram vítimas de única circunstância de pertencerem a uma tribo, com a qual andava, havia muito tempo, de rixa a tribo dos Papéis.

Não pode ignorar-se nem desconhecer-se a perturbação política e económica, que tal alteração de ordem veio causar, fazendo gastar os serviços das colunas de polícias e auxiliares Fulas, dinheiros deveriam ser aplicados a fins úteis do fomento da colónia e à assistência do indigenato, assistência que este Governo sempre manteve cuidadosamente, pelo organismo de curadoria, que é chefiado pelo Diretor dos Serviços e Negócios Indígenas.

Do conhecimento público é ainda que nos motins e assassínios de setembro intervieram vários indígenas assimilados, conhecidos pela designação de Grumetes, já instigando direta ou indiretamente os Papéis já agindo pessoalmente nos ataques à arma branca contra os Mancanhas.

Ora, o facto de indígenas há muito sujeitos ao domínio português resolverem dirimir entre eles estas questões para cuja resolução existem os Tribunais Indígenas de 1.ª Instância, presididos pelos administradores e o Tribunal Superior funciona na direção dos Serviços e Negócios Indígenas, representa um desrespeito gravíssimo das leis nacionais e um atentado contra a ordem interna da colónia. E os indígenas sabem-nos muito bem porque à administração soberana recorrem – e têm recorrido sempre, para a resolução de casos graves e até de outros fúteis.

Mas, se a ignorância de indígenas num estado ainda bárbaro pode perceber-se, a intromissão numa rixa gravíssima (como foi a que se produziu em setembro) de elementos assimilados, os Grumetes, que tudo devem à nação dominadora, desde o vestuário europeu que aprenderam a usar, até à instrução que recebem das várias escolas desta colónia, representa a mais formidável deslealdade e a mais descaroável ingratidão possíveis para com a Mãe Pátria.

E tais Grumetes administravam justiças em indígenas em suas propriedades ou concessões, intrometiam-se em questões indígenas, exercitando atos de procuradoria e advocacia, que só competem naturalmente, ao diretor dos Serviços e Negócios Indígenas e respetivos agentes. Assim, pois, cometiam atos de clara indisciplina contra a leis e regulamentos nacionais, como se prova das averiguações agora levadas a efeito.”

E postos um conjunto de considerandos o Governador expulsa da Guiné e deporta para a colónia de S. Tomé e Príncipe por uma certa quantidade de anos régulos e chefes de povoação e assimilados, de acordo com a listagem que aqui se publica.

Escusam de me perguntar se tão dura sentença foi por diante, ou até se houve comutação das penas; o que prova esta decisão do Governador Zilhão é que diferentes tribos na ilha de Bissau pretendiam um claro espaço de autodeterminação que a potência colonial jamais podia tolerar E escusado é lembrar que a Península de Bissau tem um longo histórico de hostilidades a quem vivia dentro da fortaleza e das muralhas da vila. O que nos leva a perguntar o que foi efetivamente a pacificação da Península de Bissau feita pelo capitão João Teixeira Pinto, em 1915.


Uma imagem muito antiga
Outra imagem muito antiga de Bissau
Aviação do antigamente na Guiné, imagem restaurada, Casa Comum/Fundação Mário Soares
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Nota do editor

Último post da série de 21 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26065: Notas de leitura (1736): Regresso a um clássico da historiografia guineense: A questão do Casamansa e a delimitação das fronteiras da Guiné (3) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26044: Notas de leitura (1735): Regresso a um clássico da historiografia guineense: A questão do Casamansa e a delimitação das fronteiras da Guiné (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Junho de 2023:

Queridos amigos,
Era para mim um imperativo regressar a um ensaio de altíssima qualidade sobre uma questão que se tornará crucial para entender os termos em que os representantes portugueses assinaram em Paris a convenção luso-francesa, em 12 de maio de 1886. Maria Luísa Esteves dá conta do rol de adversidades que pesaram na ténue presença portuguesa na Guiné ao longo de séculos, confinada a fortaleza-feitorias, o assalto persistente de franceses, ingleses e holandeses para tomarem posições e quando se chegou à Restauração estávamos reduzidos a uma Senegâmbia portuguesa que em termos de litoral se aproximava às fronteiras de hoje, porque no interior aventuravámo-nos no interior até Geba, e pouco mais. E é muito agradável recordar o trabalho incansável de Honório Pereira Barreto, um dos pais da Guiné-Bissau, lamentavelmente ignorado nos dias de hoje. O último texto será dedicado aos termos da convenção luso-francesa e às sucessivas etapas da delimitação das fronteiras, processo só concluído na década de 1930.

Um abraço do
Mário



Regresso a um clássico da historiografia guineense:
A questão do Casamansa e a delimitação das fronteiras da Guiné (2)


Mário Beja Santos

No repositório das obras admiráveis, de leitura obrigatória para melhor compreender a historiografia luso-guineense, avulta o impressionante trabalho de Maria Luísa Esteves, A Questão do Casamansa e a Delimitação das Fronteiras da Guiné, edição conjunta do Instituto de Investigação Científica e Tropical e do INEP, 1998. Trata-se de uma revisitação, o anseio de um novo olhar sobre tão importante narrativa, isto depois de ter lido e aqui comentado o texto do tenente da Armada Real, Cunha Oliveira, que coordenou em 1888, do lado português, a comissão mista que procurou resolver questões encrencadas na delimitação das fronteiras, tudo produto de quem assinou a convenção luso-francesa de 12 de maio de 1886 não fazer a menor ideia das delicadezas da topografia da região.

Continuando o histórico sobre a presença portuguesa na região, a autora recorda que ao porto de Bissau afluíam os produtos e os escravos vindos das regiões do rio Geba e de outros pontos. Vai surgir a primeira fortaleza. O governador Veríssimo Carvalho da Costa obteve do régulo de Bissau licença para a construção da fortaleza, iniciou-se em 1687. Para fazer face às despesas da construção, fundou-se a Companhia de Cacheu e Cabo Verde, no início de 1690, e estabeleceu-se a capitania-mor em Bissau em 1692. Mas o tempo não soprava de feição a favor da Guiné. O governo, ofuscado pelo brilho das riquezas do Brasil, deixava o porto de Bissau à mercê da ambição dos franceses. D. José I imprimiu um novo rumo à política ultramarina, seguiu para a Guiné a nau Nossa Senhora da Estrela e mais três navios, levavam homens e apetrechos para construir uma nova fortaleza. E a exploração da costa da Guiné foi dada à Companhia do Grão-Pará e Maranhão, com obrigação de acabar as obras da fortaleza.

Em 1783, uma nova empresa vai tomar a responsabilidade do comércio, denomina-se Sociedade do Comércio das Ilhas de Cabo Verde, durou pouco, foi dissolvida em 1786. É neste contexto que a autora recorre a uma caracterização feita por Teixeira da Mota como síntese do sistema económico: “Durante séculos, pontificou a ‘economia de resgate’, com feitorias e fortalezas para a proteger. O sistema de trocas constava em contas, vidros, objetos metálicos, panos e álcool trocados por escravos, marfim e oiro. Havia produtos da Europa ou das ilhas de Cabo Verde e faziam-se trocas com o comércio regional: nozes de cola, ferro e até arroz da Serra Leoa por escravos do Cacheu e do Gâmbia.” Ao findar o século XVIII, Portugal possuía espalhados pela costa da Guiné centros de tráfico negreiro com as suas feitorias-fortaleza.

Mas numa atmosfera de tanta adversidade, evitou-se a formação de mais núcleos e assim os pontos mais importantes eram Cacheu, Bissau, Geba, Ziguinchor e Farim. Este era o panorama da Guiné. E se lhe juntarmos a existência de feitorias inglesas e francesas e o contrabando feito pelos barcos americanos, temos a visão completa desta colónia ao findar o século XVIII, é um quadro de decadência que se irá agravar com a repercussão no Ultramar das lutas fratricidas (que culminarão com o fim do absolutismo miguelista).

Franceses e ingleses procuram expulsar os portugueses da região, recorde-se a ocupação de Bolama pelos ingleses. Nem a França nem a Inglaterra respeitavam os direitos de Portugal à Guiné e apenas consideravam sob a sua autoridade os pontos onde exista força militar. Este quadro sociopolítico-económico fica desenhado com o fim da escravatura.

A autora projeta agora a sua reflexão para a “luta” pela posse do Casamansa. Até 1828, volta a recordar-se, os centros de povoamento sobre domínio português eram pouquíssimos: Bissau, Geba, ilha de Bolama, Cacheu, Fá, Farim, Ziguinchor, Bolor e Bolola (Buba). Os franceses penetraram no rio Casamansa em 1828, procede-se à compra de território ao régulo de Borin, na margem esquerda do Casamansa. Nesse mesmo ano, um negociante francês instala-se na Ilha dos Mosquitos ou de Carabane, na embocadura do Casamansa. A diplomacia portuguesa reage em Paris, protesto inútil, as usurpações irão continuar.

Honório Pereira Barreto distingue-se pela perspicaz e contumaz política de compras do território para Portugal. Em 1836, por via diplomática, chega a informação que os franceses estavam a organizar companhias para irem estabelecer feitorias na Guiné, acima de Ziguinchor, e que tencionavam enviar tropa para fazerem frente a qualquer ação dos portugueses. No ano seguinte, os franceses instalam-se na ponta de Jemberém, e, mais tarde, na aldeia mandinga de Selho. Honório Pereira Barreto protesta junto das autoridades francesas, envia cartas ao governador em Cabo Verde. Aspeto curioso, em 1838, D. Maria II ordena a Honório Pereira Barreto a construção de dois forte, um no mesmo braço do rio onde os franceses em 1828 tinham fundado um estabelecimento, e outro acima de Selho. Era uma medida de grande alcance, mas não vieram os meios financeiros necessários.

No meio de trocas diplomáticas sulfúreas, com as autoridades francesas a fazer ouvidos de mercador, a diplomacia francesa monta uma fantasia: que desde o século XVI está presente no Senegal, que há mais de dois séculos que exerce direitos de posse, comércio e soberania desde o Cabo Branco até à Serra Leoa. Chega-se ao desplante de dizer e escrever que os normandos tinham chegado à Guiné antes dos portugueses. E segue-se um período em que não há correspondência entre Lisboa e Paris. Depois, veio a reação de Lisboa com a enumeração exaustiva das razões históricas da presença portuguesa na chamada Senegâmbia, Paris não responde a estas notas. É neste contexto completamente desfavorável que o Visconde de Santarém enviou, em 1841, uma cópia da sua Memoria sobre a prioridade dos Descubrimentos dos Portugueses na costa d’Africa occidental, acrescentando-lhe alguns capítulos no ano seguinte. O embaixador em Paris, Visconde da Carreira, reforça a argumentação invocada pelo Visconde de Santarém com documentos existentes no Museu Britânico, todos eles elucidativos que monarcas franceses, ingleses e espanhóis aceitavam inequivocamente a soberania portuguesa na região. Os políticos franceses resistem, tergiversem, demoram a responder, Carreira continua na sua luta sem se dar por vencido e continua a enviar notas a expor ao governo francês as razões de Portugal. Não obtém resposta. O ponto curioso da artimanha usada pelos políticos franceses, quando recebiam o embaixador português, era a de assegurar-lhe que o governo de Paris não pretendia a soberania nem a exclusividade do comércio de costa. Por mais argumentos válidos que Lisboa apresentasse, por mais fortes que fossem as suas razões, nada abalava nem desviava o caminho que fora traçado pela ambição da França, que, como a Inglaterra, procurava alargar a sua influência sobre regiões que não lhe pertenciam, nunca atendendo a direitos históricos. Era o começo de uma nova política comercial (imperial) em que predominava o princípio da ocupação efetiva que virá a ser consagrado na conferência de Berlim.

Voltemos a Honório Pereira Barreto. Enquanto se está a dar este combate diplomático, o governador, quase na sombra e sem alarde, procura por meio de convenções com chefes indígenas Banhuns e Felupes, trazer novos territórios para a Coroa, à volta de Ziguinchor. Entre 1844 e 1845, firma em seu nome pessoal e à sua custa doze contratos de compra de terrenos. Em 11 de abril de 1844 foram celebrados contratos entre ele e os naturais de Jagubel e Afinhame.

Mas a este tempo já se vive numa atmosfera de tensões na região do Casamansa, assim vai acontecer em Selho e Jagubel, procuram-se todos os expedientes para impedir o comércio nesta área do Casamansa. A autora descreve ao detalhe a ação deste notável governador, os tratados celebrados com os chefes gentílicos que asseguravam que aos portugueses cabia o exclusivo direito de fazerem estabelecimentos e alfândegas e que a navegação e o comércio estrangeiro ficavam sujeitos à fiscalização portuguesa. De igual modo, é meticulosa a apresentar a ação portuguesa na Guiné, dado conta dos diferentes incidentes graves no Casamansa (o caso da ponta de Adiana, o caso Laglaise, o incidente de M’Bering). E assim, nos vamos encaminhando para os termos da convenção de 12 de maio de 1886, e por último teremos as sucessivas fases para determinar as fronteiras da Guiné.

O marco 173 está situado em Chão Baiote, junto à tabanca Kassu, na praia de um dos muitos cursos de água da Baixa Casamansa. A linha de fronteira atravessa Kassu, deixando um bairro na Guiné-Bissau e outro no Senegal. O marco está instalado num espaço aberto, apenas frequentado por vacas que, para fugirem às moscas, buscam as zonas perto de água. Imagens de Lúcia Bayan, já publicadas no blogue, com a devida vénia.
Casamansa, a imagem do atrito
Imagem da ilha de Goreia, junto a Dacar
Imagem de pesca no rio Casamansa

(continua)
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Notas do editor

Vd. post de 7 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26018: Notas de leitura (1733): Regresso a um clássico da historiografia guineense: A questão do Casamansa e a delimitação das fronteiras da Guiné (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 11 de outubro de 2024 > lGuiné 61/74 - P26036: Notas de leitura (1734): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1879 a 1880) (24) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25935: Historiografia da presença portuguesa em África (441): A Guiné Portuguesa em 1878 - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1880 e 1881 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de julho de 2024:

Queridos amigos,
Peço particular atenção à súmula apresentada seguramente pelas autoridades oficiais sobre a Guiné Portuguesa, em 1878, é explícita quanto à exiguidade da presença portuguesa. Entramos agora em novo Boletim Oficial, já existe a província da Guiné.Como se fez referência aquando da leitura do Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde e da Costa da Guiné, um Boletim Official é uma das muitas ferramentas de que se mune o investigador, carece de cruzamentos com outras fontes. No caso vertente, sugiro sem nenhuma hesitação, o levantamento apreciável que Armando Tavares da Silva fez no seu livro monumental "A Presença Portuguesa na Guiné, História política e militar, 1878-1926", Caminhos Romanos, 2016, logo os dois primeiros capítulos, referentes aos estabelecimentos portugueses no Distrito da Guiné em 1878 e à atividade do primeiro governador da Guiné, Agostinho Coelho, entre 1879 e 1881, revelam-se de grande importância.

Um abraço do
Mário


A Guiné Portuguesa em 1878
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1880 e 1881 (1)


Mário Beja Santos

Preparava-me para começar a leitura do Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa quando dei pela existência de uma brochura onde fazia o ponto da situação das colónias portuguesas numa edição em língua francesa, Imprensa Nacional, 1878. É um texto de síntese, mas que permite ao leitor confirmar o que era a exiguidade da presença portuguesa naquela porção da Senegâmbia. Diz o autor que até perto dos finais do século XVI Portugal possuía ainda todo o território que se estendia do Cabo Verde (ponto continental) até à Serra Leoa, numa extensão de costa de 450 milhas. Durante o domínio filipino Portugal perdera todo o território ocupado a norte do Cabo de Sta. Maria e a sul do Cabo Verga. A Guiné Portuguesa compunha-se de três municipalidades: Cacheu, Bissau e Bolama, esta última compreendendo a Ilha das Galinhas. Todo o Distrito da Guiné é muito insalubre, sobretudo de junho a dezembro; as chuvas começas perto do fim de maio e duram até ao fim de setembro. O ardor do sol e a humidade das noites são bastante danosas para a saúde, sobretudo de quem acaba de desembarcar. Uma doença chamada no país por carneirada pode provocar muitas moléstias, os todos os que resistem a estas situações penosas passaram a gozar de uma excelente saúde. A Guiné Portuguesa contém 1386 fogos e 6154 indivíduos, da metrópole há 37 homens e 3 mulheres, provenientes de outras províncias ultramarinas 419 homens e 217 mulheres, mais 56 estrangeiros e 6 estrangeiras. O autor passa em revista as três municipalidades.

Cacheu compões de Casa Forte e compreende a população dos arredores do rio S. Domingos, do presídio de Bolor, Ziguinchor e Farim. Estas feitorias têm cerca de uma milha quadrada de extensão cada uma. A agricultura reduz-se sobretudo à produção de arroz. Cacheu fornece uma espécie de arroz chamado arroz de Gâmbia, que é muito apreciado na Europa e se pode comparar ao arroz da Carolina. Abundam a cera, o marfim, o óleo de palma ou de dendém; há igualmente algodão branco em abundância e incenso. Os portos de Cacheu, de Bolor e Ziguinchor estão bem abrigados.

Bissau compõe-se do Forte de S. José e dos presídios de Fá e de Geba no interior, no território dos Mandigas. A extensão de cada uma destas feitorias é semelhante ou aproximada às feitorias de Cacheu bem como os tipos de produção. O Forte de S. José está praticamente envolvido por seis povoações que são governadas por régulos, dependentes do rei de Intim. O porto de Bissau tem em frente o Ilhéu do Rei ou dos Feiticeiros; à semelhança de Farim e Ziguinchor, são os pontos que alimentam o comércio de Cacheu, Geba fornece a Bissau os principais artigos do seu comércio.

Bolama compreende a Ilha das Galinhas, o arquipélago dos Bijagós, na embocadura do Rio Grande. As produções daqui são geralmente as mesmas que as das outras municipalidades da Guiné. No entanto, Bolama produz mancarra de muito boa qualidade; a pesca é muito produtiva e abundam as tartarugas nas águas destas ilhas. A ilha de Bolama foi cedida a Portugal em 1607 pelo rei de Guinala. O autor depois explica a tentativa de apropriação por parte dos ingleses e verte o texto da sentença do presidente dos Estados Unidos Ulisses Grant, versão inglesa.

O autor informa que o Governador Geral de Cabo Verde visita Bolama em 30 de setembro de 1870 e tomou solenemente posse da ilha em 1 de outubro; Bolama está coberta de plantações, tem excelentes madeiras e o seu clima é bastante salubre, goza de um grande movimento comercial e a fertilidade do seu solo assegura-lhe um futuro de prosperidade. A Ilha das Galinhas, dada por Damião, rei de Canhabaque, ao coronel português Joaquim António de Matos que a ofereceu à coroa de Portugal em 1830; é uma ilha bastante fértil, produz excelentes madeiras, possui água em abundância, pescam-se tartarugas de que se recolhe o âmbar; o seu melhor porto não é acessível a não ser a pequenas embarcações.

É este o essencial do que se dizia da Guiné em 1878, a um ano da sua separação de Cabo Verde, passando de distrito a província.

Concluída a leitura do Boletim Official do Governo de Cabo Verde e da Guiné, incluindo os primeiros meses de 1880, começa-se agora a folhear o Boletim Oficial da Província da Guiné Portuguesa, na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa. Esclarece-se o leitor de que há lacunas, os primeiros números são inexistentes com reduzidos a folhas praticamente elegíveis, entra-se a sério no documento no Boletim N.º 12, com data de 25 de setembro. Há imensas parecenças com as matérias que se encontram no Boletim Oficial de Cabo Verde, informações sobre pessoal que vai em gozo de férias, quais os papéis que devem ser escritos em papel selado, nomeações, transferências, embarcações que vão em socorro de outras, com os respetivos agradecimentos e louvores, arrematações em hasta pública, movimento marítimo, mensagens de gratidão, etc.

No Boletim N.º 13, de 9 de outubro, aparece a constituição de uma comissão permanente de saúde pública, visa-se melhorar as condições de salubridade, “removendo ou modificando as causas mais conhecidas das doenças que se generalizam em épocas determinadas.” É decisão tomada pelo primeiro governador, Agostinho Coelho. Mas o ponto forte deste número do Boletim é dado pelo tratado de paz feito em Buba, em 27 de setembro último, entre Sambel Tombom e Sambá Mané, subchefe dos Fulas-Pretos:
“1.º - Passa a haver paz e concórdia entre os Fulas-Pretos existentes no Forreá e os Fulas-Vermelhos do território de Buba.
2.º - Os Fulas-Vermelhos comprometem-se, para esta paz ser inalterável, a entregar as espingardas e mais armamentos tomados em Sambafim.
3.º - Logo que sejam entregues as armas, os Fulas-Pretos sairão do território de Buba e conservar-se-ão no sítio que neste tratado é convencionado.
4.º - O chefe dos Fulas-Pretos e a sua gente serão passados em embarcações para o território de Bolola, ficando por esta forma proibidos de passarem pelo território de Buba.
5.º - O chefe do Forreá, Sambel Tombom, terá sempre em Buba um filho seu representante da sua autoridade com quem o Governo se entenderá sobre as questões do interior.”


Assina Gabriel Fortes e os dois chefes em litígio, a grande novidade, conforme o leitor pode ver na imagem é o texto do tratado vir em português e na língua árabe.

Estamos agora em 1881, temos o Boletim n.º 2 de 22 de janeiro que faz referência ao estado sanitário de Gorée e dos arredores, dizendo que o estado é bom e que em S. Luiz é excelente, a última morte por febre amarela tinha tido lugar na noite de 25 para 26 de dezembro. Quem assina é o cônsul de Portugal, Jean Guiraud, que também confirma que não se verificou nenhum caso nem na cidade nem no hospital nem nos campos e nem mesmo nos navios de comércio. É uma informação curiosa, como o leitor se recordará está em aberto o contencioso com a França sobre o Casamansa, só ficará resolvido pela Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886. É por isso que a apreciação do cônsul vem assinada pelo chefe de saúde em Bolama, Pereira Leite de Amorim, temos novas informações, paira sempre o espectro do regresso da febre amarela.

Mas este Boletim introduz uma novidade, a administração do concelho de Bolama publica o movimento dos presos, neste caso o referente ao mês de dezembro do ano anterior. Poderá ser ruma mera curiosidade, faz-se referência. Como o leitor poderá ver na imagem, há de tudo: embriaguez, desordens, pancadaria com ferimentos, roubos. A administração do concelho de Bolama irá repetir mensalmente o movimento dos presos.

No Boletim N.º 5, de 26 de fevereiro, a repartição de saúde informa que a Junta de Saúde recebeu tubos de linfa vacínica, e que se procede à sua inoculação todos os domingos, das 7h às 9h. No Boletim N.º 7, de 19 de março, o presídio de Geba imite o relatório referente ao mês de janeiro, nestes termos:
Sossego público – não foi alterado em todo o mês.
Estado sanitário – foi regular. O número de óbitos verificados em todo o presídio foi de quatro, sendo dois maiores de 60 ano e dois menores, um de quatro anos e outro de um, sendo a morte deste último produzida por desastre.
Agricultura – quase nula, limitando-se à cultura da cebola.
Indústria – tecidos de algodão e sabão para consumo do presídio, esteiras e cestos.
Instrução pública – tem funcionado a escola com regularidade, frequentada por 20 alunos.
Estado alimentício – bastante escasso, devido talvez à continuação das guerras.

(continua)


Bolama em 1912
Carta da província da Guiné, 1912
Carta da colónia da Guiné, 1933
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Nota do editor

Último post da série de 10 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25926: Historiografia da presença portuguesa em África (440): em 1934 já se temia e discutia a transferência da capital, de Bolama para Bissau...

quarta-feira, 15 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25528: Historiografia da presença portuguesa em África (423): João Vicente Sant’Ana Barreto, o primeiro historiador da Guiné portuguesa (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Dezembro de 2023:

Queridos amigos,
A narrativa que agora se apresenta corresponde a um período dramático da nossa presença naqueles pontos da costa ocidental africana. O domínio filipino, questão hoje consensual, foi catastrófico para o império ultramarino português e reduziu a presença portuguesa a um enclave, aproximado ao que é hoje a Guiné-Bissau, isto em termos de faixa litoral, a Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886, se bem que nos tenha tirado a região do Casamansa, assegurou uma extensão até ao interior, a França acautelou que não tivéssemos acesso ao Futa-Djalon. Em estado de penúria quando se deu a Restauração, D. João IV pretendeu concentrar em Cacheu a área comercial da região, mais tarde cresce a importância de Bissau, mas sempre na presença de concorrentes que pretendiam erradicar a presença portuguesa. Criam-se companhias majestáticas, de pouca duração. É uma época de implantação de praças e praças-feitorias: Cacheu, Farim e Bissau, só mais tarde teremos acesso controlado no rio Geba e no Rio Grande de Buba.

Um abraço do
Mário



João Vicente Sant’Ana Barreto, o primeiro historiador da Guiné portuguesa (2)

Mário Beja Santos

Data de 1938 a História da Guiné, 1418-1918, com prefácio do Coronel Leite Magalhães, antigo governador da Guiné. Barreto foi médico do quadro e durante 12 anos fez serviço na Guiné, fizeram dele cidadão honorário bolamense. Médico, com interesses na Antropologia e obras publicadas sobre doenças tropicais, como adiante se falará.

Barreto expõe detalhadamente as consequências do domínio filipino, tanto no império ultramarino português em geral como no caso da costa ocidental africana em particular, a nossa presença na Senegâmbia apagou-se, ficámos reduzidos ao enclave que virá a ser conhecido como Pequena Senegâmbia. A concorrência, designadamente de holandeses, franceses e ingleses, de um lado, e da presença dos comerciantes espanhóis, por outro, deixou os interesses portugueses em estado crítico. No relatório que o Governador de Cabo Verde, D. Francisco de Moura, dirige a Filipe III, em 1622, refere não só a desorganização administrativa com a presença de todo e qualquer concorrente, como acentua como o comércio espanhol agravava a situação financeira das Praças. Calculava D. Francisco de Moura que nessa época deveriam sair da costa africana cerca de 3 mil escravos em três ou quatro naus castelhanas que iam anualmente à Guiné sem tocarem em Santiago, importando em perto de 100 mil cruzados os prejuízos da Fazenda Real em direitos sonegados. Estes comerciantes contrabandistas podiam, por isso, pagar pelos escravos um preço superior àquele que os negociantes moradores de Cabo Verde podiam oferecer, daí a pobreza e decadência dos interesses da região.

A fundação da capitania de Cacheu começa em 1630. Segundo a narrativa de André Álvares de Almada, a atual povoação de Cacheu principiou a formar-se por volta de 1588. É neste contexto que Barreto faz o reconhecimento da importância do Tratado Breve dos Rios da Guiné: a descrição dos Jalofos, o desmembramento do império do Grão-Jalofo, a chefia da família Budumel, a importância de Goreia, onde se encontravam instalados os mercadores ingleses e franceses, o papel dos lançados, o reino de Ale, povoado dos Barbacins, com a povoação de Joale, mais a sul o reino de Barçalo, habitado por Barbacins, Jalofos e Mandingas, e depois o reino de Cantor, que é um reino dos Mandingas entre Casamansa e Geba, os Bijagós, Biafadas e Nalus, e a viagem até à Serra Leoa, obra que culmina com um voto: “Permita Deus que em dias de Sua Majestade, El-Rei D. Filipe, vejamos esta terra povoada de cristãos.”

Passamos agora para o capítulo 4.º, o período que sucede à Restauração de 1640. Barreto volta a recordar que os 60 anos da dominação filipina levaram a Holanda e a Inglaterra a apossar-se do Império português do Oriente, de Ormuz a Malaca, deixando-nos apenas alguns pontos de apoio na costa ocidental da Índia. No Atlântico, os holandeses haviam tomado os fortes de Arguim, Goreia, Mina, S. Tomé, Luanda, Congo e alguns pontos do Brasil. O domínio português na Costa da Guiné, que no reinado de S. Sebastião se estendia desde o Cabo Branco até à Costa da Mina, estava reduzido, em 1640, à estreita faixa compreendida entre os rios de Casamansa e Bolola.

A situação comercial e financeira da Guiné, insista-se, era catastrófica, os mercadores castelhanos e estrangeiros tinham criado a indisciplina e a anarquia, recorde-se que o carregamento de escravos se fazia diretamente da Guiné para a América Espanhola. Para remediar o mal e acudir à quebra de rendimentos, procurou-se estabelecer relações entre a Guiné e o Brasil, desviando para Pernambuco os carregamentos que até ali seguiam de preferência para Antilhas.

O capítulo 5.º marca as iniciativas da Restauração. D. João IV mandou construir a fortaleza de Cacheu, encarregando Gonçalo Gamboa Ayala, que teve carta de Capitão-mor em 16 de julho de 1641. Iria começar a relativa autonomia da Guiné com a construção desta fortaleza, onde se vão sucedendo peripécias de toda a ordem, desde sublevações a ataques dos povos vizinhos. Os interesses espanhóis tudo fizeram para que a fortaleza lhes caísse nas mãos, mas a revolta foi sufocada. Criou-se um imposto especial para os navios que negociavam com as Antilhas, e em 1642 foi franqueado o comércio na Guiné aos cabo-verdianos.

Com o intuito de evangelização, saiu de Portugal a missão composta pelos padres Baltasar Barreira, Manuel Fernandes e dois auxiliares; Fernandes faleceu um mês depois e foi substituído em Santiago pelo padre Manuel de Barros. Segundo informa André Álvares de Almada, por volta de 1590 fazia-se em Cacheu cerca de 700 confissões na época da Quaresma. Vê-se perfeitamente que João Barreto leu a Relação anual das coisas que fizeram os padres da Companhia de Jesus, pelo padre Fernão Guerreiro. A propósito das feitorias no rio de Buba, Barreto refere o escrito Descripção da Guiné, por Francisco de Azevedo Coelho, datado de 1669, observando que se trata de uma das descrições mais antigas sobre os estabelecimentos portugueses no continente africano. Este Francisco de Azevedo Coelho é o mesmo Francisco Lemos Coelho de que noutro espaço já se fez referência, foi estudado por Damião Peres, e é sem dúvida alguma uma das figuras de referência da literatura de viagens do século XVII. Em 1676, foi estabelecida a Companhia de Cacheu, possuía um caráter majestático. Por contrato régio, a Companhia obrigava-se a completar as obras da fortaleza de Cacheu, a contrapartida era adquirir o exclusivo da navegação e comércio da Guiné. Barreto fala seguidamente das insubordinações de régulos contra Cacheu, a praça defendeu-se e os régulos acabaram por pedir a paz.

Entretanto, outros portos da colónia, como Bissau, tomaram certo incremento, ao mesmo tempo que as companhias privilegiadas francesas e inglesas ameaçavam invadir a estreita zona que ainda se conservava na posse de Portugal. E o autor faz um breve resumo da evolução da política de França e Inglaterra na África Ocidental. No caso inglês, Isabel I concedeu autorização para explorar a região situada ao sul do rio Nuno até à Serra Leoa, aqui se formou uma feitoria. Jaime I concedeu carta a uma nova sociedade denominada Os Aventureiros de Londres, estabeleceram-se na foz do rio Gâmbia, mas foi empresa de pouca duração. Achando desocupada a região da Gâmbia, os holandeses, que se encontravam na Goreia, fundaram ali as suas feitorias, de onde foram expulsos pelos ingleses em 1661. A circunstância foi aproveitada pela Companhia Francesa que trato de estabelecer várias sucursais ao longo do rio. Depois do Tratado de Utrecht, a Grã-Bretanha consolidou a posse da Serra Leoa. Em 1758, os ingleses expulsaram os franceses dos fortes de S. Luíz e Goreia. Barreto faz também uma relação sobre as colónias francesas e holandesas, bem como as vicissitudes que impenderam sob o Castelo de Arguim, que andou por várias mãos até ficar na posse da França, em 1724.

Aqui se inicia o capítulo 6.º, onde se destaca a capitania de Bissau. Por volta de 1685, o porto de Bissau era um centro comercial de relativa importância, por onde começavam a convergir os produtos agrícolas e escravos do interior das povoações situadas ao longo do rio Geba e ainda algumas das ilhas dos Bijagós. A Companhia do Senegal mandou empregados para Bissau, tal era a importância dos negócios. Na época formou-se a segunda Companhia de Cacheu com o nome de Companhia de Cacheu e Cabo-Verde. No final do século XVII, surge a primeira fortaleza de Bissau.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 8 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25496: Historiografia da presença portuguesa em África (422): João Vicente Sant’Ana Barreto, o primeiro historiador da Guiné portuguesa (1) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25100: Notas de leitura (1660): "Os três rostos da Igreja Católica na Guiné" (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Julho de 2022:

Queridos amigos,
Frei Vicente, missionário franciscano, teve longa permanência na Guiné-Bissau (entre 1975 e 2012), escreveu obra, porventura memorial, no artigo que publicou na revista Itinerarium lança um longo olhar sobre os grandes momentos da missionação. Regista-se hoje o primeiro e mais longo desses períodos, que se estende até 1932, são séculos com diferentes levas de congregações que viveram as maiores atribulações quer com os portugueses quer com a agressividade do meio. Não tinham condições para irem até ao interior e com a crescente islamização da Guiné encontraram uma barreira que lhes parecia intransponível, as portas abertas eram facultadas fundamentalmente juntos das etnias animistas. Veremos como Frei Vicente reconhece que o período posterior à independência foi compensado pela atividade missionária franciscana nos domínios da saúde e educação, distinguiram-se figuras notáveis, como Dom Settimio Ferrazzetta, que num estado de debilidade total, e com o pleno reconhecimento dos credos religiosos mais influentes da Guiné, foi porta-voz do apelo à paz entre os contendores do chamado conflito militar de 1998-1999.

Um abraço do
Mário



Os três rostos da Igreja Católica na Guiné (1)

Mário Beja Santos

Na mesma revista Itinerarium n.º 227, referente ao primeiro semestre de 2022, dos franciscanos missionários, donde, aliás, já fizemos referência ao diário do Padre Macedo que testemunhou os primeiros anos da independência da Guiné-Bissau, vem um artigo assinado por Frei João Dias Vicente intitulado “Os três rostos da Igreja Católica na Guiné”, cujo teor merece ser referenciado por alguns aspetos inovadores da leitura historiográfica que ele faz.

Ele diz que em março de 2021 acabou de redigir algumas recordações avulsas sobre a sua experiência de missionário na Guiné-Bissau (1975-2012), a que deu o título de Guiné-Bissau, a minha segunda pátria. Procura agora neste texto tentar uma descrição das dimensões mais salientes da Igreja Católica neste país africano, desde as origens até aos nossos dias. Não deixa de exaltar o documento de referência obrigatória, a História das Missões Católicas na Guiné, escrito pelo Padre Henrique Pinto Rema, aqui se encontra uma visão global dos factos históricos mais salientes destes últimos cinco séculos.

No percurso histórico da missionação, Frei Vicente encontra três momentos maiores: a partir de 1533, data da criação da Diocese de Cabo Verde, que incluía a terra firme da Guiné, ou os Rios da Guiné, até 1932, data do regresso dos franciscanos à Guiné; o segundo momento ocorreu entre 1932 a 1977, data da criação da Diocese de Bissau e escolha do primeiro bispo; a terceira, de 1977 aos nossos dias.

Estamos, portanto, na primeira fase desse percurso, ocorre relevar a existência de uma desproporção enorme entre o campo da atividade missionária e o número de agentes missionários disponíveis para nela trabalhar. Fala-se concretamente da chamada Senegâmbia que durante os primeiros 200 anos ultrapassava em muito a atual Guiné-Bissau, incluía a Gâmbia, parte do Senegal e estendia-se para sul até à Serra Leoa. Não restam vestígios dos tempos primitivos. Há referências documentais à capelinha da Nossa Senhora da Natividade em Cacheu.

Os sacerdotes do clero secular foram os primeiros a ser enviados para os Rios da Guiné. Havia a visita anual de um sacerdote para administrar os sacramentos aos fiéis – eram os Visitadores. Frei Vicente recorda a especificidade da presença portuguesa em pequenos entrepostos, os missionários, por razões de saúde e segurança, tinham que com eles conviver, o que, regra geral, era fonte da maior animosidade, os missionários não se coibiam de criticar as condições degradantes do tráfico negreiro.

Depois dos Visitadores seguiu-se um período de congregações religiosas serem chamadas para a missionação em toda esta região continental. Primeiro, chegaram os padres carmelitas, seguiram-se os jesuítas, introduziram um estilo de missionação itinerante que os levou de Bissau até à Serra Leoa, dois deles, os Padres Baltazar Barreira e Manuel Álvares, deixaram informações escritas de grande importância. A terceira vaga de congregações foi a dos franciscanos capuchinhos franceses, a Santa Sé tinha decidido também enviar missionários para a costa da Guiné, decisão que trouxe muito mal-estar entre Lisboa e a Curia Romana. A quarta congregação foi a dos franciscanos capuchinhos espanhóis que enviou três levas de missionários, entre 1646 e 1687. A quinta congregação foi a dos franciscanos portugueses da província da Piedade, mantiveram-se na região entre 1657 e 1673, altura em que foram substituídos pelos franciscanos portugueses. A sexta congregação teve por nome franciscanos portugueses da província da Soledade, será a mais duradoura nos Rios da Guiné, por mais de 150 anos.

Um grande e positivo impulso na evangelização foi dado pelo Bispo D. Frei Vitoriano Portuense, na última década do século XVII, fez duas viagens à Guiné. Acontecimento nunca esquecido foi a visita que o Bispo fez ao rei Becampolo Có, em fevereiro de 1696, o rei aceitou ser batizado e mudou o nome para D. Pedro, uma homenagem ao rei D. Pedro II. No virar do século XVIII, os franciscanos da Soledade foram aguentando quanto puderam as suas posições na assistência às principais praças da atual Guiné-Bissau e na assistência possível às populações dos Rios da Guiné até à Serra Leoa. Segue-se um período de decadência das Missões, uma das principais razões para o fenómeno deveu-se essencialmente às ideias filosóficas do iluminismo, do positivismo e do liberalismo.

A Senegâmbia portuguesa estreitava-se. Em 1778, as praças da Guiné sob o domínio português eram: Bissau, Geba, Farim e Ziguinchor. Já deixara de fazer parte deste núcleo da presença portuguesa a Gâmbia e a Serra Leoa.

Em 1802, só havia três frades na Guiné, os últimos frades na Guiné terão resistido provavelmente até 1823, como certifica o Procurador-geral da província da Soledade. Após a extinção das Ordens Religiosas, com o triunfo do liberalismo, foram os sacerdotes do clero secular que, com os bispos de Cabo Verde, aguentaram sozinhos os esforços por manter na Guiné a assistência religiosa possível nas principais praças sob domínio português. Isto para sublinhar que os quase 100 anos que se estendem desde 1834 até 1932 serão um tempo de crescente decadência.

(continua)

Missa na Guiné-Bissau, imagem do Arquivo Missionárias da Consolata, com a devida vénia
Fiéis católicos guineenses estiveram reunidos, de 8 a 9 de novembro corrente, na peregrinação Mariana 2017, na cidade de Cacheu. A peregrinação deste ano decorreu sob o lema “Maria ka bu medi pabia bu otcha graça diante di Deus (Maria não tenhais medo porque encontrastes a Graça do Pai, tradução livre)”
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25088: Notas de leitura (1659): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (8) (Mário Beja Santos)