CAPÍTULO IV > ANO DE 1974 (pp. 420 e ss.)
GeneralidadesO ano de 1974 marca o fim da luta armada na Guiné, em virtude de terem ocorrido em Lisboa importantes transformações políticas, cuja evolução posterior alterou decisivamente o quadro de relações entre a Metrópole e as suas Províncias Ultramarinas.
Os factos políticos e militares caracterizadores dessa evolução, quer em Lisboa quer na Guiné, foram os seguintes, por ordem cronológica:
(i) 25 de Abril, em Lisboa, deposição do Governo, levada a efeito por um auto-intitulado
Movimento das Forças Armadas (MFA) que congregou a grande parte dos oficiais, sargentos e praças da. Armada, Exército e Força Aérea, a que aderiu, posteriormente, a maioria da população portuguesa;
(ii) na mesma data foi
deposto o general Bethencourt Rodrigues das funções de Governador e Comandante-Chefe da Guiné e substituído, nas funções de Comandante-Chefe, pelo oficial mais antigo presente no teatro de operações; foi também nomeado um oficial do Exército para as funções de Encarregado do Governo, a título transitório;
(iii) 8 de Maio, na Guiné, o te
nente-coronel Carlos Soares Fabião tomou posse das funções de Encarregado do Governo;
(iv) 15 de Maio, no Leste da Guiné, iniciaram-se
os contactos, no terreno, entre os comandantes das nossas forças e os comandantes das forças do PAIGC, que actuavam na zona, casos de Sare Bacar (15 de Maio), Ufara (25 de Maio) e Pirada (29 e 31 de Maio).
(v) posteriormente, estes contactos generalizaram-se por todo o dispositivo, particularmente
após 17 de Maio, data do encontro, em Dacar (Senegal), entre o Secretário-Geral do PAIGC e o novo Ministro dos
Negócios Estrangeiros português;
(vi) 16 de Maio, em Lisboa, tomada de posse do I Governo Provisório português;
(vii) 17 de Maio, em Dacar (Senegal), início dos contactos do novo governo português com o PAIGC, continuados posteriormente em Londres (25 a 31 de Maio) e Argel (13 de Junho);
(viii) 25 de Maio, o ten cor Carlos Fabião, graduado em brigadeiro, assume as funções de Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, mantendo-se no novo posto enquanto durarem as referidas funções;
(ix) 3 de Junho, nas povoações de Canjadude e Sinchã Maunde Bucó, na zona leste, tem lugar a última acção directa de fogo entre as forças beligerantes, tendo as forças do PAIGC atacado os aquartelamentos das nossas tropas sediados nas citadas povoações;
(x) Primeiros dias de Junho, em Bissau, é nomeado Juvêncio Gomes, do PAIGC, como representante permanente junto do governo da Província;
(xi) 4 de Junho, início da retracção do dispositivo das nossas forças no terreno, com o abandono da guarnição de Jemberém, no Sul; respectiva guarnição recolheu a Cacine, a título excepcional;
(xii) A retracção do dispositivo das NT continuou, cerca de um mês mais tarde, incidindo sobre as unidades mais afastadas do Sector Leste - Buruntuma e Canquelifá em 5 de Julho, Camajabá e Ponte do Rio Caium em 8 de Julho;
(xiii) 15 de Julho, início da desmobilização e passagem à disponibilidade das unidades africanas e milícias das nossas tropas;
(xiv) A acção foi continuada a partir de 10 de Agosto, devido a alteração das condições criadas para a execução da citada desmobilização;
(xv) No final de Agosto, tinha passado à disponibilidade a totalidade dos combatentes do recrutamento
da província;
(xvi) 15 a 18 de Julho, encontro do Comandante-Chefe com dirigentes do PAIGC, no Cantanhez, visando a coordenação das acções de descolonização;
(xvii) 26 de Julho, publicação em Lisboa da Lei n." 7/74, que reconhece o direito da Guiné-Bissau à independência;
(xviii) 29 de Julho, novo encontro do Comandante-Chefe com dirigentes do PAIGC em Cacine, tendo sido acordadas as datas para a evacuação dos aquartelamentos das NT, assim como as garantias de circulação e segurança de forças militares isoladas, do PAIGC e das nossas tropas;
(xix) 26 de Agosto, em Argel, assinatura do acordo entre o Governo Português e o PAIGC para a independência da Guiné-Bissau, tendo-se assentado nos seguintes pontos essenciais:
- independência em 10 de Setembro de 1974;
- retirada das Forças Armadas Portuguesas até 31 de Outubro;
- cessar fogo "de jure" desde a mesma data;
(xx) De 4 a 9 de Setembro, chegada a Bissau de vários membros do Governo e responsáveis do PAIGC.
(xxi) No dia 9, chegou também o primeiro contingente militar do novo Estado.
(xxii) 10 de Setembro, em Lisboa, cerimónia formal de reconhecimento da independência da Guiné-Bissau por Portugal.
(xxiii) Na mesma data, em Bissau, iniciava-se a transferência dos principais serviços públicos para a responsabilidade da administração do novo Estado;
(xxiv) 15 de Outubro, retirada dos últimos contingentes das forças militares portuguesas estacionadas em Bissau.
(xv) No total, regressaram a Lisboa cerca de 23.800 combatentes do efectivo metropolitano.
Em resumo: no ano em apreço, podem considerar-se três períodos distintos, condicionados ou influenciados por importantes factos envolventes que lhes deram particular relevo.
- Do início do ano até ao dia 25 de Abril
Período ascensional do PAIGC que passou a atacar duramente algumas posições fixas das nossas tropas no terreno e a condicionar as movimentações das forças terrestres, marítimas e aéreas. Esta fase vem no
seguimento dos êxitos conseguidos no ano anterior, quando as forças do PAIGC, entretanto dotadas com o míssil terra-ar "Strela", passaram a condicionar as movimentações dos nossos meios aéreos e, por efeito disso, o comando das operações, as operações e a logística.
A posição ocupada pelas Nossas Tropas em Copá, no Leste, foi evacuada neste período (Vd. Operação "Alto Turbante", 11/ l2Fev74 - Actividade Operacional deste Capítulo=..
- De 25 de Abril a 29 de Julho
Os acontecimentos políticos ocorridos no 25 de Abril em Lisboa e no período subsequente, não garantiam explicitamente o propósito da concessão de independência à Guiné, objectivo do PAIGC.
Por isso, o período em apreço constituiu um tempo propício ao desenvolvimento das formas de pressão militar e política necessária para a obtenção do referido objectivo, por parte do PAIGC.
A forma de pressão militar traduziu-se em ataques fortíssimos às nossas tropas, nas regiões em que a situação lhe era claramente favorável.
O aquartelamento das Nt em Jemberém foi duramente atacado e bombardeado durante o mês de Maio. As instalações ficaram de tal modo danificadas que tiveram de ser desocupadas e os seus efectivos recolhidos, antes mesmo de se ter iniciado a retracção geral do dispositivo das nossas tropas, que teve início cerca de um mês depois.
Neste período foram ainda importantes a publicação da Lei n." 7/74 (reconhecimento do direito à Independência da Guiné Bissau), de 26 de Julho, em Lisboa e o acordo de Cacine em 29 de Julho.
- De 30 de Julho a 15 de Outubro
Garantida a independência pela Lei n.º 7/74, o período foi caracterizado por ausência significativa de pressão política ou militar, destacando-se no entanto, as seguintes acções mais relevantes:
- desmobilização das forças de recrutamento local, que lutaram a nosso lado contra o PAIGC, razão pela qual o seu desarmamento e desmobilização constituíram período crítico na fase final da nossa permanência na Guiné;
- a retirada das nossas forças do teatro de guerra, sua concentração em Bissau e transporte das últimas unidades para Lisboa, em 15 de Outubro;
Neste período, o potencial relativo de combate das nossas forças relativamente às do PAIGC era-nos desfavorável, pelo que se tornou necessário gerir o evoluir da situação com o maior tacto político e militar, garantindo sempre o máximo possível de segurança para as nossas tropas.
(Continua)
Fonte: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro III (1.ª edição, Lisboa, 2015), pp. 420/423-