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quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25173: Faceboook...ando (50): seleção do álbum fotográfico de Nicolau Esteves, o "brasileiro de Cinfães", ex-1º cabo radiotelegrafista, CCAÇ 797 (Tite, São João e Nhacra, 1965/67) - Parte I

 

Foto nº 1 > Cartão de Boas Festas e Feliz Ano Novo.  Ao canto superior direito o brasão da CCAÇ 797. Na foto, o 1º caboradiotelegrafista Esteves a escrever para a famíçia e amigos. Local: tudo indica que seja Tite (onde a companhia esteve cerca de um ano, até abril de 1966). 


Foto nº 2 >  o 1º cabo radiotelegrafista Esteves lendo, na cama,um livro, cujo título não onseguimos identifiar


Foto nº 3 > O T/T Uíge que transportou o pessoal da CCAÇ 797 em abril de  1965



Foto nº 4 > O  1º cabo radiotelegrafista Esteves no regresso de saída para o mato com "banho de bolanha"... A G3 sem carregador...
 


Foto nº 5 > Na capela do quartel de Tite, sector sul,  Se  (Tite)

 A N. Sra. de Fatima também  nas matas da Guiné. . 


Foto nº 6 > Mais uma foto para a família... em Cinfães, na serra de Montemuro.


Foto nº 7 > Brindando à vida, à camaradagem, à amizade


Foto nº 8 > "A nossa equipa de futebol" (o Esteves  usa o termo "time", à brasileira)


Foto nº 9 > "Beira rio em São João" (já em 1966)... O Esteves será o camarada da  direita. 


Foto nº 10 > Quartel de Tite (c. 1965/66)

Fotos (e legendas): © Nicolau Esteves (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Nicolau Esteves, Susano, São Paulo, Brasil


1. Uma seleção do álbum fotográfico do ex-1º cabo radiotelegrafista Nicolau Esteves. A apresentação é dele, de acordo com a sua página no Facebook. As fotos (menos de 3 dezenas, de qualidade muito desigual, algumas delas riscadas), foram disponibilizadas em 20 de junho de 2016 na sua página do Facebook.  Foram selecionadas e editadas por nós. Os créditos fotográficos continuam a ser, obviamente,  do nosso camarada Esteves.

A sua publicitação nesta série ("Facebook...ando") e no nosso blogue ("Luís Graça & Camaradas da Guiné" ) permite que cheguem a um público mais vasto, e nomeadamente aos antigos combatentes da Guiné (1961/74), incluindo os seus camaradas de armas da CCAÇ 797, que passaram por Tite, São João e Nhacra. Publicaremos proximamente a II (e última) parte.

Na sua maioria as fotos não trazem legendas, e algumas estão em mau estado,  mas no essencial foram tiradas em Tite e em São João. Ficamos a  saber que o Esteves é natural de Cinfâes (portanto, vizinho da Quinta de Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses; a quinta fica em contato visual com Cinfães, com o rio do Douro pelo meio, estando em frente à serra de Montemuro). 

Emigrou para o Brasil, muito provavelmente depois da "peluda". Faz anos  a 27 de janeiro. Casou com a Cilinha Esteves em 7 de setembro de 1973. O casal tem filhos e netos já criados no Brasil. Este "brasileiro de Cinfães" é pois mais um portuguès das sete partidas que foi engrossar a diáspora lusitana. Vê-se, pelo que vai postando, que tem orgulho e saudades da sua/nossa terra.

Fica convidado a integrar, de pleno direito, a nossa Tabanca Grande, juntando-se aos 884 camaradas e amigos da Guiné que já lá estão (entre vivos e mortos). Até ao momento é apenas amigo do Facebook da Tabanca Grande (temos alguns, poucos, amigos comuns).

Temos escassas 15 referências à CCAÇ 797 (Tite, São João e Nhacra, 1965/67). Não há nenhum camarada desta subuniddae reistado formalmente na Tabanca Grande. Em tempos (11 e 13 de dezembro de 2022) fomos contactdos pelo ex-furriel miliciano, da CCAÇ 797, a propósito do malogrado Julio Lemos Martins (que era de Ponte de Lima), desaparecido no rio Louvado. 
 "Sou o nº 8 da foto e fui camarada do Júlio Lemos no infortúnio do rio Louvado. Vivo desde 1976 no Canadá. Eu e o Júlio éramos os responsáveis desse grupo de combate nesse fatídico dia. A partir dai nunca mais vivi"....

Também temos referência ao ex-fur trms, Henrique A. Mendes, através de correspondência com a filha. (Ele seguiu depois a carreira militar.)

Sobre o antigo cap inf Carlos Fabião temos 60 referências. (Fez 3 comissões na Guiné.)


"Fotos do período em que estive em combate na Guiné-Bissau (1965/1967)" 

 (Nicolau Esteves)


(i) "Desembarcou em Bissau em 29/04/1965, tendo viajado no barco Uíge;

(ii) Foi "inicialmente enviado a Tite, passando por São João e finalmente Nhacra";

(iii) Em Tite pertenceu ao BCAÇ 1860 e passou a integrar a Companhia de Caçadores 797 (CCAÇ 797), "Camelos";  o lema era: "O inimigo teme sempre quem não o mostrar temer";

(iv) Exerceu "a função de 1º Cabo Radiotelegrafista do Comando da Companhia, liderada pelo Comandante Carlos Alberto Idães Soares Fabião";
 
(v) Vive em Susano, Estado de São Paulo, Brasil;

(vi) Tem página no Facebook e é amigo do Facebook da Tabanca Grande;

(vii) Há dias comentou,  num um dos nossos postes: "No meu tempo, 65/67, um soldado ganhava 450 escudos, o cabo 900 e eu ganhva maís 300 de prémios de especialidade no caso, 1º cabo radiotelegrafista. Naquele tempo, não tendo onde gastar ainda deu para juntar uns trocados" (Facebook da Tabanca Grande, 13 fev 2024, o1:48)

Em suma, à volta (ou a pretexto) de umas fotos do nossos álbuns, podemos sempre contar mais umas histórias, colmatando lacunas dos registos oficiais ou oficiosos da nossa guerra A CCAÇ 797 teve uma atividade operacional intensa. Sabemos muito pouco das suas histórias, a não a ser o que já se escreveu sobre o desastre no rio Louvado.


Guião da CCAÇ 797 (Cortesia: Coleção Carlos Coutinho, 2009)


2. Ficha de unidade > Companhia de Caçadores n.º 797


Identificação: CCaç 797
Unidade Mob: RI 1 - Amadora
Cmdt: Cap Inf Carlos Alberto Idães Soares Fabião
Divisa: -
Partida: Embarque em 23Abr65; desembarque em 28Abr65 | Regresso: Embarque em 19Jan67

Síntese da Atividade Operacional

Após o desembarque, seguiu imediatamente para Tite, onde substituíu a CCaç 423, em 29Abr65, ficando com a missão de intervenção e reserva do BCaç 599 e depois do BCaç 1860 e guarnecendo com um pelotão o destacamento de Enxudé

Na função de intervenção, tomou parte em diversas operações efectuadas no sector, de que se destacam as acções nas regiões de Gã Saúde e Jufá, em que capturou 2 metralhadoras e 14 espingardas e nas regiões de Bissa0lão, Gampari e Gã Formoso.

Em 20 e 26Abr66, por troca por fracções com a CCav 677, foi colocada em S. João mantendo o pelotão de Enxudé e destacando ainda um pelotão para Jabadá, de 13Mai66 até 30Mai66. 

Em 30Mai66 e 03Jun66, foi rendida pela  CCaç 1566, por fracções, deslocando-se então para Nhacra.

Em 6Jun66, assumiu a responsabilidade do subsector de Nhacra, com destacamentos em Sanfim e João Landim, rendendo a CCav 1484 e ficando integrada no dispositivo e manobra do BCaç 1876, com vista à segurança e protecção das instalações e das populações da área.

Em 16Jan67, foi rendida no subsector de Nhacra pela CCaç 1487, a fim de efectuar o embarque de regresso.

Observações - Tem História da Unidade (Caixa n.º 94 - 2ª Div/4ª Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pág. 339
___________

Nota do editor LG:

Último poste da série > 14 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25070: Facebook...ando (49): O Fernando Moreira (1950-2021), ex-fur mil trms, CCS/BCAÇ 3883 (Piche, 1972/74) terá sido o último militar do exército a falar pela rádio com o ten pilav Castro Gil (1950-1979) antes do abate do seu Fiat G-91 R/4, "5437", por um Strela, em 31/1/1974, sob os céus de Canquelifá

sábado, 10 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25155: O(s) segredo(s) que o Amadu Djaló (Bissau, 1940 - Lisboa, 2015) não quis ou não pôde contar no seu livro (1): A revolta da CCAÇ 21, em 16 de agosto de 1974, em Bambadinca, e as suas exigências "milionárias": 300 contos por cabeça (50 mil euros, a preços de hoje), antes de entregar a arma e passar à "história" (isto é, à "peluda")

Guiné > s/l [Bambadinca?] > s/d [c. 1971/73] > A Força Africana... O major inf Carlos Fabião, na altura (1971/73),  comandante do Comando Geral de Milícias, e o gen António Spínola, passando revista a uma formatura de novos milícias.

In: Afonso, A., e Matos Gomes, C. - Guerra colonial: Angola,  Guiné, Moçambique. Lisboa: Diário de Notícias, s/d. , pp. 332 e 335. Autor da foto: desconhecidos. (Reproduzidas com a devida vénia)

1. Há segredos que não se partilham, por uma razão ou outra. Este, que envolve o Amadu Djaló, pode ter sido por uma de quatro razões (especulativas, acrescente-se): 

(i) o Amadu Djaló não estava lá nesse dia, em Bambadinca  (ele vivia em Bafatá, com as suas duas mulheres e restante família, incluindoa a amada mãe): 

(ii) o Amadu Djaló terá achado indigno o comportamento dos seus camaradas e subordinados, e escamoteou, esqueceu ou  branqueou este episódio, grave, que foi a insubordinação da CCAÇ 21 (no seu todo ou em parte)

(iii) o Amadu Djaló já se desligara, disciplinar e afetivamente, dos seus antigos camaradas e subordinados da CCAÇ 21, que era comandado pelo ten graduado 'cmd' Abdulai Jamanca (a companhia seria dissolvida e extinta dois dias deppois, em 18 de agosto de 1974);

(iv) "last but not the least" (isto é: não menos importante...), a ser verdade que cada militar da CCAÇ  21 só aceitava entregar a arma e passar à disponibilidade por 300 contos "per capita", estávamos perante uma exigência "milionária":  na época,  300 contos (da Guiné, 1 escudo a valer 0,90 de 1 escudo da metrópole) seriam qualquer coisa como cerca de 50 mil euros (a precos  atuais); multiplicando por 150 homens (=1 companhia,  só de guineenes) daria qualquer coisa como 7,5 milhões de euros (que não poderiam caber na mala de nenhum governador-geral, ainda para mais na véspera do reconhecimento do independência e da saída do território por parte de Portrugal; o Amadu Djaló não podia deixar de estar a par destas reivindicações, para mais sendo um alferes graduado da companhia; mas será que ele tinha a noção exata ou aproximada dos valores que estavam em jogo ? 

2. Vamos reconstituir o que se passou nesse "dia de todas as emoções" (como escreveu, no seu diário, o senhor cor cav CEM Henrique Manuel Gonçalves Vaz, 1922-2001).

Repete-se aqui a mensagem do nosso leitor (e camarada) Fernando Gaspar, ex-Fur Mil Mec Arm, CCS/BCAÇ 4518/73 (1973/74):


Data: 11 de Maio de 2012 22:30

Assunto: Bambadinca 1974

Boa noite, Luís

Fui furriel miliciano com a especialidade de mecânico de armamento e fui incorporado no Batalhão [de Caçadores] 4518/73 para a Guiné...  

Após o 25 de abril de 1974, fui destacado para Bambadinca para receber material militar, viaturas, armas, etc.


Em agosto de 1974 (não consigo memorizar o dia), os militares presentes no destacamento de Bambadinca (eu incluído), foram surpreendidos com a presença de dezenas de militares do denominados Comandos Africanos (tropas nossas aliadas).

Todos nós (talvez duas dezenas),  ficámos perplexos... Primeiro pensámos que vinham entregar as armas (o que nos facilitava o regresso a Portugal), mas não!... Fomos encostados à parede e deram um prazo de 48 horas para serem pagos da indemnização a que tinham direito, ou então, seríamos fuzilados... 

Cerca de 40 horas após o sequestro, o brigadeiro Carlos Fabião chegou num helicóptero com duas malas carregadas de dinheiro... Terminou o sequestro!

Se através do teu blogue for possível reencontrar esses camaradas de armas, ficarei muito agradecido.

Até sempre, um abraço | 
Fernando Gaspar


2. Comentário de L.G.:

Na altura manifestámos a nossa gratidão e apreço ao Fernand0 Gaspar pela  coragem de vir, a público, num blogue de antigos combatentes, revelar esse segredo, que possivelmente guardava, enterrado  há muito na sua memória... 

De qualquer modo, o  que ele  contava - ao fim de quase 4 anos todos - e que deve ter isso um pesadelo para ti e para os demais camaradas que foram feitos reféns, já não era segredo para mim... Já aqui transcrevi, ao de leve,  uma conversa que tive, em Monte Real, por ocasião do nosso VII Encontro Nacional, com o último comandante do Pel Caç Nat 52, o alf mil Luís Mourato Oliveira [foto à direita].

Ele também estava em Bambadinca, sentado tranquilamente no bar de oficiais, a beber o seu copo, quando ocorreram os graves incidentes aqui  referidos, sem grandes detalhes..  Foi igualmente sequestrado como o Fernando Gaspar  e mantido como refém até à chegada do brigadeiro Carlos Fabião, que, vindo de Bissau,  resolveu o problema (havia um vazio legal, com a CCAç 21 e a CCAÇ 20, que estaria ainda por resolver,  mais de um ano deppois da sua criação).

Isto ter-se-á passado não com os "Comandos Africanos" (que pertenciam ao Batalhão de Comandos da Guiné, com sede em Brá, Bissau)  mas com o pessoal da CCAÇ 21, que era comandada pelo tenente 'cmd' graduado Abdulai Queta Jamanca, e onde havia antigos militares da formação inicial da CCAÇ 12 do nosso tempo (Contuboel e Bambadinca, 1969/71)...  

Disse-nos o Mourato Oliveira que, depois da negociação com o Carlos Fabião, houve grande ronco...

Semelhantes incidentes (graves) deram-se em Paúnca, pela mesma altura, com a malta da CCAÇ 11 (antiga CART 11), já relatados pelo nosso camarada J. Casimiro Carvalho. (*)

De qualquer modo, esperávamos que tanto o Fernando Gaspar como o Luís Mourato Oliveira nos pudessem, na altura,  fornecer mais pormenores destes tristes acontecimentos que poderiam ter originado um tragédia imensa,  se as ameaças de fuzilamento dos reféns fossem levadas a série pelos militares revoltosos da CCAÇ 21, em caso de falharem as "negociações"!. 

3. O alferes 'cmd' graduado Amadu Bailo Djaló [foto à direita] também pertenceu a essa companhia, que era inteiramente constituída por pessoal do recrutamento local (incluindo os graduados e os especialistas). No entanto, nas suas memórias (Amadu Bailo Djaló - Guineense, comando, português: 1º volume: comandos africanos, 1964-1974. Lisboa: Associação de Comandos, 2010, 299 pp., il), não são narrados, referidos ou sequer evocados os "incidentes" de Bambadinca (vd. pp. 276 e ss.). 

Talvez o nosso camarada Virgínio Briote [foto à esquerda,] que o ajudou a escrever o livro (como "copy desk") e privou muito com ele, nos seus últimos anos de vida, possa ainda esclarecer o que se passou exatamente nesses dia 16 de agosto de 1974 em que a CCAÇ 21 (ou parte do seu pessoal, possivelmente até à revelia do seu comandante, Abdulai Jamanca) tomou como reféns cerca de duas dezenas de militares metropolitanos que ainda restavam em Bambadinca, a aguardar o fim da comissão.

4. Estes factos já eram conhecidos do nosso blogue, ainda antes do final de 2011. Terminamos este poste,  já longo, com um dos  excertos dos registos pessoais, manuscritos, do cor cav CEM, Henrique Manuel Gonçalves Vaz (1922-2001), no ano de 1974, no TO da Guiné (foto a seguir, à direita).

A recolha e a transcrição são  da responsabilidade do seu filho Luís Gonçalves Vaz que estava, nessa época (1973/74), com a sua família, em Bissau (é hoje  professor de matemática e ciências da natureza numa escola da zona de Braga; é membro da nossa Tabanca Grande). 

Recorde-se que a CCAÇ 21, de vida efémera (e que não tem história da unidade) foi dissolvida e extinta dois dias depois, em 18 de agosto de 1974.

(...) 16 de Agosto de 1974

... Este foi um dia tremendo de trabalho e emocionante com as notícias de Bambadinca, em que a Companhia  de Caçadores nº 21 a tomar conta do aquartelamento e a exigirem 300 contos por homem, para entregarem a arma e passarem à disponibilidade!

Foi para lá o Governador Brigadeiro Fabião e ao fim da tarde foi recebida a notícia de que tudo estava resolvido. ..."

Coronel Henrique Gonçalves Vaz (Chefe do Estado-Maior do CTIG) (...)

Este valor (300 contos, 300 mil escudos ultramarinos) era uma exorbitância! Tem de ser confirmado. (Nesta altura, em meados de 1974, já depois do 25 de Abril, um Fiat 127, que era o carro mais vendido em Portugal, custava 95 contos, o litro da gasolina andava nos 7$50, e o salário mínimo nacional acabava de ser fixado em 3300$00 mensais)...

Nunca o pobre do Amadu Djaló ganhou 300 contos  em toda a guerra. Nem sequer um oficial general ganhava isso numa comissão de dois anos!...Pode ter havido um erro de audição e/ou transcrição, se calhar há um zero a mais: vamos ter de pedir ao Luís Gonçalves Vaz que  releia com atenção o "manuscrito" do seu querido pai. 

No nosso tempo, um soldado da CCAÇ 12, do recrutamento local, uma praça de 2ª classe (!) ganhava 600 escudos por mês, mais o "per diem" de 24$50 por ser desarranchado: comia na tabanca e no mato, em operações, não tinha direito a ração de combate (levava um lenço atado com um mão  cheia de arroz cozido) ... Em suma, recebia em média 1300 escudos ("pesos") mensais (em 1969/71).

Os militares da CCAÇ 21 devem ter recebido em 16/8/1974, aliás como o disse o Amadu Djaló (não no livro mas noutra fonte), o dinheiro a que tinham direito até fim do ano de 1974.  O Amadu Djaló foi oficial do Exército Português até essa data. Depois teve que optar por uma das nacionalidados... Recuperaria mais tarde a nacionalidade portuguesa,  mais tarde,; quando vem para Portugal em 1986, juntamente com outros antigos comandos...

Infelizmente estas "pequenas grandes histórias " não vêm nos livros da CECA nem  na historiografia militar oficiosa,  oficial ou académica.   São "anedotas"...
__________



(**) Vd. poste 13 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9190: O último Chefe do Estado-Maior do CTIG, Cor Cav Henrique Gonçalves Vaz (Jan 1973/ Out 74) (Parte II): Agosto de 1974: rebelião da CCAÇ 21 (Bambadinca) e do BCAV 8320/72 (Bula)

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24952: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (23): A narrativa da CECA (Comissão para o Estudo das Campanhas de África) - Parte I



Guiné > CTIG >  Dispositivo das NT referente a 12 de junho de 1974. SITREP cCircunstanciado, nº 22/74, de 14 de junho: Fonte: CECA (230125), pág. 477. As chamadas "áreas libertadas" do PAIGC eram bolas circunscritas às "Áreas de Intervenção do Com-Chefe" (a sombreado), como o Morés, a região do Boé, ou o Cantanhez, a mata do Fiofioli ou  a mata do Choquemone, por exemplo.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023) (ampliar para ver detalhes)


Carlos Fabião, ten-cor graduado em brigadeiro, o último com-chefe da Guiné 
(de 25 de maio  a 15 de outubro de 1974. Fonte: CECA (2015), pág. 439.
 (Foto fornecida à CECA pelo filho, o arqueólogo e 
professor da Universidade de Lisboa, Carlos Fabião.)



1. A "narrativa" da CECA sobre os nossos últmos seis meses no TO da Guiné, de 25 de abril  a 15 de outubro de 1974 (*).


CAPÍTULO IV > ANO DE 1974 (pp. 420 e ss.)

Generalidades

O ano de 1974 marca o fim da luta armada na Guiné, em virtude de terem ocorrido em Lisboa importantes transformações políticas, cuja evolução posterior alterou decisivamente o quadro de relações entre a Metrópole e as suas Províncias Ultramarinas.

Os factos políticos e militares caracterizadores dessa evolução, quer em Lisboa quer na Guiné, foram os seguintes, por ordem cronológica:

(i) 25 de Abril, em Lisboa, deposição do Governo, levada a efeito por um auto-intitulado Movimento das Forças Armadas (MFA) que congregou a grande parte dos oficiais, sargentos e praças da. Armada, Exército e Força Aérea, a que aderiu, posteriormente, a maioria da população portuguesa;

(ii) na mesma data foi deposto o general Bethencourt Rodrigues das funções de Governador e Comandante-Chefe da Guiné e substituído, nas funções de Comandante-Chefe, pelo oficial mais antigo presente no teatro de operações; foi também nomeado um oficial do Exército para as funções de Encarregado do Governo, a título transitório;

(iii) 8 de Maio, na Guiné, o tenente-coronel Carlos Soares Fabião tomou posse das funções de Encarregado do Governo;

(iv) 15 de Maio, no Leste da Guiné, iniciaram-se os contactos, no terreno, entre os comandantes das nossas forças e os comandantes das forças do PAIGC, que actuavam na zona, casos de Sare Bacar (15 de Maio), Ufara (25 de Maio) e Pirada (29 e 31 de Maio).

(v) posteriormente, estes contactos generalizaram-se por todo o dispositivo, particularmente após 17 de Maio, data do encontro, em Dacar (Senegal), entre o Secretário-Geral do PAIGC e o novo Ministro dos
Negócios Estrangeiros português;

(vi) 16 de Maio, em Lisboa, tomada de posse do I Governo Provisório português;

(vii) 17 de Maio, em Dacar (Senegal), início dos contactos do novo governo português com o PAIGC, continuados posteriormente em Londres (25 a 31 de Maio) e Argel (13 de Junho);

(viii) 25 de Maio, o ten cor Carlos Fabião, graduado em brigadeiro, assume as funções de Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, mantendo-se no novo posto enquanto durarem as referidas funções;

(ix) 3 de Junho, nas povoações de Canjadude e Sinchã Maunde Bucó, na zona leste, tem lugar a última acção directa de fogo entre as forças beligerantes, tendo as forças do PAIGC atacado os aquartelamentos das nossas tropas sediados nas citadas povoações;

(x) Primeiros dias de Junho, em Bissau, é nomeado Juvêncio Gomes, do PAIGC, como representante permanente junto do governo da Província;

(xi) 4 de Junho, início da retracção do dispositivo das nossas forças no terreno, com o abandono da guarnição de Jemberém, no Sul;  respectiva guarnição recolheu a Cacine, a título excepcional;

(xii) A retracção do dispositivo das NT  continuou, cerca de um mês mais tarde, incidindo sobre as unidades mais afastadas do Sector Leste - Buruntuma e Canquelifá em 5 de Julho, Camajabá e Ponte do Rio Caium em 8 de Julho;

(xiii) 15 de Julho, início da desmobilização e passagem à disponibilidade das unidades africanas e milícias das nossas tropas;

(xiv) A acção foi continuada a partir de 10 de Agosto, devido a alteração das condições criadas para a execução da citada desmobilização;

(xv) No final de Agosto, tinha passado à disponibilidade a totalidade dos combatentes do recrutamento
da província;

(xvi) 15 a 18 de Julho, encontro do Comandante-Chefe com dirigentes do PAIGC, no Cantanhez, visando a coordenação das acções de descolonização;

(xvii) 26 de Julho, publicação em Lisboa da Lei n." 7/74, que reconhece o direito da Guiné-Bissau à independência;

(xviii) 29 de Julho, novo encontro do Comandante-Chefe com dirigentes do PAIGC em Cacine, tendo sido acordadas as datas para a evacuação dos aquartelamentos das NT, assim como as garantias de circulação e  segurança de forças militares isoladas, do PAIGC e das nossas tropas;

(xix) 26 de Agosto, em Argel, assinatura do acordo entre o Governo Português e o PAIGC para a independência da Guiné-Bissau, tendo-se assentado nos seguintes pontos essenciais:

- independência em 10 de Setembro de 1974;

- retirada das Forças Armadas Portuguesas até 31 de Outubro;

- cessar fogo "de jure" desde a mesma data;

(xx) De 4 a 9 de Setembro, chegada a Bissau de vários membros do Governo e responsáveis do PAIGC.

(xxi) No dia 9, chegou também o primeiro contingente militar do novo Estado.

(xxii) 10 de Setembro, em Lisboa, cerimónia formal de reconhecimento da independência da Guiné-Bissau por Portugal.

(xxiii) Na mesma data, em Bissau, iniciava-se a transferência dos principais serviços públicos para a responsabilidade da administração do novo Estado;

(xxiv) 15 de Outubro, retirada dos últimos contingentes das forças militares portuguesas estacionadas em Bissau.

(xv) No total, regressaram a Lisboa cerca de 23.800 combatentes do efectivo metropolitano.

Em resumo: no ano em apreço, podem considerar-se três períodos distintos, condicionados ou influenciados por importantes factos envolventes que lhes deram particular relevo.

- Do início do ano até ao dia 25 de Abril

Período ascensional do PAIGC que passou a atacar duramente algumas posições fixas das nossas tropas no terreno e a condicionar as movimentações das forças terrestres, marítimas e aéreas. Esta fase vem no
seguimento dos êxitos conseguidos no ano anterior, quando as forças do PAIGC, entretanto dotadas com o míssil terra-ar "Strela", passaram a condicionar as movimentações dos nossos meios aéreos e, por efeito disso, o comando das operações, as operações e a logística.

A posição ocupada pelas Nossas Tropas em Copá, no Leste, foi evacuada neste período (Vd. Operação "Alto Turbante", 11/ l2Fev74 - Actividade Operacional deste Capítulo=..

- De 25 de Abril a 29 de Julho

Os acontecimentos políticos ocorridos no 25 de Abril em Lisboa e no período subsequente, não garantiam explicitamente o propósito da concessão de independência à Guiné, objectivo do PAIGC.

Por isso, o período em apreço constituiu um tempo propício ao desenvolvimento das formas de pressão militar e política necessária para a obtenção do referido objectivo, por parte do PAIGC.

 A forma de pressão militar traduziu-se em ataques fortíssimos às nossas tropas, nas regiões em que a situação lhe era claramente favorável.

O aquartelamento das Nt em Jemberém foi duramente atacado e bombardeado durante o mês de Maio. As instalações ficaram de tal modo danificadas que tiveram de ser desocupadas e os seus efectivos recolhidos, antes mesmo de se ter iniciado a retracção geral do dispositivo das nossas tropas, que teve início cerca de um mês depois.

Neste período foram ainda importantes a publicação da Lei n." 7/74 (reconhecimento do direito à Independência da Guiné Bissau), de 26 de Julho, em Lisboa e o acordo de Cacine em 29 de Julho.

- De 30 de Julho a 15 de Outubro

Garantida a independência pela Lei n.º 7/74, o período foi caracterizado por ausência significativa de pressão política ou militar, destacando-se no entanto, as seguintes acções mais relevantes:

- desmobilização das forças de recrutamento local, que lutaram a nosso lado contra o PAIGC, razão pela qual o seu desarmamento e desmobilização constituíram período crítico na fase final da nossa permanência na Guiné;

- a retirada das nossas forças do teatro de guerra, sua concentração em Bissau e transporte das últimas unidades para Lisboa, em 15 de Outubro;

Neste período, o potencial relativo de combate das nossas forças relativamente às do PAIGC era-nos desfavorável, pelo que se tornou necessário gerir o evoluir da situação com o maior tacto político e militar, garantindo sempre o máximo possível de segurança para as nossas tropas.

(Continua)

Fonte: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro III (1.ª edição, Lisboa, 2015), pp. 420/423-

Ficha técnica:

Elaboraram e redigiram este volume da Resenha:
· Coronel de Cavalaria Henrique António Costa de Sousa
· Coronel de Infantaria Álvaro Bastos Miranda

Coordenou e reviu:
· Major-General Henrique António Nascimento Garcia

Contribuíram com elementos indispensáveis:
· Arquivo Histórico-Militar
· Arquivo do Secretariado-Geral da Defesa Nacional
· Direcção de História e Cultura Militar
· Coronel Tirocinado de Cavalaria Pára-quedista Nuno António Bravo Mira Vaz
· Arquivos pessoais de diversos militares

Trabalhos de computador:
· Ass.Téc. Helena Gulamhussen Vissanji
· Soldado RC Luís Paulo de Jesus Gouveia

Digitalização e tratamento de imagem
· Sargento-Ajudante João Carlos Nunes Cordeiro

Cedência de fotografias:
· Jornal do Exército
·Arquivo Histórico-Militar (Serviço Cartográfico do Exército-Divisão de Fotografia e Cinema)
· Major-General Joaquim dos Reis
· Coronel de Infantaria "Cmd" Manuel Ferreira da Silva
· Professor Doutor Carlos Jorge Gonçalves Soares Fabião
· Dr. Luís Lima Bethencourt Palma
· Sr. Nelson Lopes dos Santos

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24082: Tabanca Grande (544): Mário Arada Pinheiro, cor inf ref, que, além de 2º cmdt do BCAÇ 2930 (Catió, 1971/73), esteve na 2ª Rep, no QG/CCFAG, e foi comandante-geral de milícias, substituindo o major Carlos Fabião... Senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 871.



O nosso novo grã-tabanqueiro, nº 871, cor inf ref Mário Arada Pinheiro (de momento não temos nenhuma foto dele),  foi substituir  o major inf Carlos Fabião  como comandante do Comando Geral de Milícias, aqui na foto,  de autor desconhecido, reproduzida com a devida vénia. In: Afonso, A., e Matos Gomes, C. - Guerra colonial: Angola, Guiné, Moçambique. Lisboa: Diário de Notícias, s/d., pp. 332 e 335.  


1. Mensagem do cor inf ref Mário Arada Pinheiro:


Data - 14/02/2023, 11:43
Assunto - Comissão na Guiné


Vamos lá a ver se chega ao seu destino...

Mário Arada de Almeida Pinheiro, breve cv militar:

(i) nascido em 12/12/1932;

(ii) 1ª, 2ª e 3ª classes feitas na Lourinhã. 4ª em Samora Correia, Benavente;

(iii) exame de admissão ao liceu - Santarém;

(iv) entrei para o Colégio Militar em 1943 onde fiz o curso liceal (nº 164/1943, segundo a
 Revista ZacatraZ nº 196, março de, 2017)

(v) entrei na Academia Militar em 1951, acabando em 1954;

(vi) tirei o tirocínio em Mafra em 1954/55;

(vii) alferes em 3/11/1955, tenente em 1/12/1957, capitão em 1/12/1960 (Mafra, EPI), tenente-coronel 7/9/1976 no Colégio Militar, coronel em 2/11/1980:

(viii) entretanto estive colocado no RI 5 (Caldas da Rainha), tendo passado 6 meses na Escola Prática de Engenharia em Tancos a tirar o curso de Sapadores.

(ix) depois, 4 anos em Leiria (SHAPE, RI 7);

(x) Depois, Colégio Militar, como responsável pela Instrução Militar;

(xi) 1ª comissão no ultramar,  em Moçambique, de 1961/63, tendo sido evacuado por tuberculose pulmonar. 4 meses internado no Hospital Militar de Belém, após o que fiz 3 anos de serviços moderados no Colégio Militar;

(xii) em 1968 embarquei para 2ª comissão , e 2 anos, em Moçambique;

(xiii) regressei em 1970 e estive no Estado Maior General das Forças Armadas;

(xiv) depois, Batalhão de Chaves, após o que fui convidado para Lamego como director das operações especiais, após o que dirigi um curso de formação de sargentos.

(xv) 3ª comissão, na Guiné, de 16/9/71 a 21/9/73, no comando do BCÇ 2930 (Catió, 1971/73),

Inicialmente, estive em Catió, cerca de 1 ano, onde substituí o 2º comandante que tinha sido evacuado com um cancro.

Tínhamos 2 companhias, sendo uma de milícias guineenses, 1 pelotão de artilharia de 10,5 cm, 1 pelotão de canhões sem recuo de 5,7 cm, 1 pelotão de morteiros de 81 mm. Outras Companhias do Batalhão: Cufar, Bedanda, 2 grupos de combate em Cabedu, Cacine, Gadamael e Guileje.

Como era 2º comandante, acumulava com chefe das informações e mensalmente deslocava-me a fazer a inspecção administrativa de todas as companhias do batalhão.

O Comandante de Bedanda, da CCÇ 6,  na altura era o capitão de cavalaria Ayala Botto.

Quando o BCAÇ 2930 regressou a Lisboa, eu só tinha um ano de Guiné pelo que fui transferido para Bissau,  sendo colocado na Repartição de Operações,  do Comando Chefe, na Amura,  cujo chefe era o tenente coronel Firmino Miguel.

Passados cerca de 3 meses, fui convidado e nomeado comandante geral das milícias para substituir o major Carlos Fabião que regressara a Lisboa após 8 anos de Guiné.

Além das milícias, tinha também sob o meu comando as companhias africanas tal como os pelotões de caçadores nativos num total de cerca de 13000 militares.

Ainda estava eu em Catió quando o PAIGC estreou os mísseis antiaéreos Strela (russos), abatendo no corredor de Guilege um Fiat cujo piloto era o tenente Pessoa, que conseguiu ejetar-se, tendo caído em cima de umas árvores no corredor de Guilege. Foi salvo na manhã seguinte por uma equipa, transportada de helicóptero, e protegida por um heli-canhão. O comandante de força era o comando guinéu Marcelino da Mata.

Se me quiserem pôr qualquer questão, apesar da minha cabeça com 90 anos, e desde que me recorde, sempre à vossa disposição.

Um grande abraço do,

Arada Pinheiro

2. Comentário do editor LG:

Mário, magnífico, eureca!... Já cá chegou, depois de algumas tentativas falhadas, por erro no meu endereço.

Vivam esses 90 anos, feitos já no passado dia 12 de dezembro, e essa cabecinha!... Vou apresentá-lo à Tabanca Grande, mesmo não tendo ainda as duas fotos da praxe.. Peça à sua neta para digitalizar uma ou duas fotos do seu álbum, e mandar-mas depois por email: (i) uma mais ou menos atual; (ii) outra do tempo da Guiné ou da até da Escola do Exército / Academia Militar...

Descobri, que no Colégio Militar o meu amigo era o nº 164/1943, segundo a Revista ZacatraZ nº 196, março de, 2017. Mas não há muito mais informação a seu respeito, já que não faz uso das redes sociais,

De qualquer modo, deixe-me dizer aos restantes "amigos e camaradas da Guiné" que se reunem aqui, sob o o poilão da Tabanca Grande, que o Mário é meu conterrâneo, eu pelo menos considero-o como tal: casado com uma senhora lourinhanense, cujo pai ainda conheci, tem casa de verão na Praia da Areia Branca e somos sócios do GAPAB - Grupo dos Amigos da Praia da Areia Branca...(Eu muito mais recentemente, sou "periquitio" em relação ao Mário que é um histórico.)

No verão passado, apresentámo-nos um ao outro e foi então que soube que o Mário tinha  feito uma comissão na Guiné, em 1971/73, como major.  Fiquei encantado com a sua afabilidade, memória, sentido de humor e amor por aquela terra e aquela gente. Confidenciou-me algumas histórias saborosas, do tempo que ainda privou com o seu / nosso (eu sou de 1969/71) comandante-chefe, o gen Spínola. 

Foi na sequência de uma das nossas primeiras conversas, no VIGIA (sede da GABAP),  que o meu amigo  me facultou, a título de empréstimo, um exemplar autografado do livro de memórias do ten gen Aurélio Manuel Trindade, "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", escrito sob o pseudónimo Manuel Andrezo. O teor da dedicatória é o seguinte: "Ao meu amigo Pinheiro com muito respeito e consideração para que se lembre sempre da Guiné, terra que ambos admiramos. 13/12/2020. Aurélio Trindade." 

Recorde-se que foi a partir daqui que tomei a liberdade de fazer e publicar várias "notas de leitura" do livro em questão. E fomos falando, ora no VIGIA ora ao telemíovel. Depois de lido, devolvi-o, naturamente, e disse ao Mário que teria muito gosto em vê-los sentados à sombra do nosso poilão, a si e ao seu amigo Aurélio Trindade.

O Mário aceitou, logo de bm grado, o convite para se juntar à nossa tertúlia, sabendo que ela não tem qualquer agenda política, servindo apenas para os antigos combatentes da Guiné partilharem memórias (e afetos). Temos várias tabancas onde n0s reunimos periodicamente, de norte a sul do país E a mais próxima de si (que vive em Paço de Arcos ) é a Tabanca da Linha, em Algés. Espero quer um dia destes possamos lá aparecer juntos, mau grado as nossas mazelas. Para já, seja bem vindo à Tabanca Grande, a mãe de todas as tabancas. O seu lugar (por ordem cronológica de entrada) é o nº 871,


 3. Ficha de unidade > Batalhão de Caçadores nº 2930
  
Identificação: BCaç 2930
Unidade Mob: BC 10 - Chaves
Cmdt: TCor Inf Castro Ambrósio | TCor Inf Carlos Frederico Lopes da Rocha Peixoto | TCor Inf Ernesto Orlando Vieira Correia 
2º Cmdt: Maj Inf Ernesto Orlando Vieira Correia | Maj Inf Mário Arada de Almeida Pinheiro
OInfOp/ Adj: Maj Inf Duarte Leite Pereira | Maj Inf Mário Arado de Almeida Pinheiro
Cmdt CCS: Cap SGE Manuel Pereira de Carvalho
Divisa: "Sempre Excelentes e Valorosos"
Partida: Embarque em 25Nov70; desembarque em 04Dez70 | Regresso: Embarque em 130ut72

Síntese da Actividade Operacional

Era apenas composto por Comando e CCS, não dispondo de subunidades operacionais orgânicos.

Em 16Dez70, após sobreposição com o BArt 2865, desde 07Dez70, assumiu a responsabilidade do Sector S3, com sede em Catió e abrangendo os subsectores de Bedanda, Catió, Cufar, Guileje, Gadamael e Cacine.

Com as subunidades que lhe foram atribuídas, desenvolveu intensa actividade operacional de patrulhamento, reconhecimentos e de vigilância da fronteira, especialmente na zona do corredor do Guileje, tendo ainda os seus aquartelamentos e aldeamentos sido alvo de frequentes e fortes flagelações,
especialmente quando situados junto da fronteira. 

Além disso, coordenou e impulsionou a execução dos trabalhos de construção dos reordenamentos de
Catió, Cacine e Gadamael, entre outros e os trabalhos da estrada Catió-Cufar.

Dentre o material capturado mais significativo, salienta-se: 4 pistolas-metralhadoras, 4 espingardas, 2 lança-granadas foguete, 87 granadas de espingarda e 68 minas.

Em 21ago72, foi rendido no sector pelo BCaç 4510/72 e recolheu a Bissau, onde se manteve aguardando embarque.

Observações - Tem História da Unidade (Caixa nº 92 - 2º Div/4º Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pág. 150

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Nota do editor:

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23847: Casos: a verdade sobre... (32): o pós-25 de Abril no CTIG, as relações das NT com o PAIGC, a retração do dispositivo militar e a descolonização

Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART/BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Julho de 1974 > Visita de Bunca Dabó e do seu bigrupo, fortemente armado... Ao centro, o nosso amigo e camarada Jorge Pinto, então alf mil, em farda nº 2, desarmado, descontraído, fazendo as "honras da casa". O aquartelamento e a povoação foram ocupados pelo PAIGC apenas em 2 de setembro de 1974. (Natural de Turquel, Alcobaça, o Jorge Pinto é professor do ensino secundário, reformado)

Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné > Região do Oio > Bissorã > CCAÇ 13 (169/74) > Meados / finais de maio de  1974 > Imagens do "glorioso dia do primeiro encontro com as tropas do PAIGC em Bissorã e após 25 de Abril,  creio eu que foi em meados ou finais de maio de 1974" (...). Fotos do álbum do Henrique Cerqueira, que esteve, como fur mil at inf, no TO da Guiné, desde finais de novembro de 1972 até inícios de kulho de 1974, primeiro na 3ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72 e depois na CCAÇ 13.

Fotos ( legenda): © Henrique Cerqueira (2012)  Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné > Região de Gabu < Paunca > CCAÇ 11 (1969/74) > 7 de junho de  1974 >  A paz, depois da guerra, ou guerra & paz, como faces da mesma moeda... >  O fur mil op esp J. Casimiro Carvalho, "herói de Gadamael", no meio dos inimigos de ontem...  Fotos do seu álbum fotográfico, sem legendas... 

Este nosso camarada que vemos aqui a abraçar os inimigos de ontem, foi o mesmo que tinha escrito à mãe,na véspera,  em 6 de junho de 1974,  a seguinte missiva:

 "(...) Ficou, nesse encontro, determinado que amanhã o inimigo vinha a um quartel nosso visitar-nos, conhecer-nos, nós que nos matavámos [uns aos outros] sem nos vermos. Enfim, agora como está previsto, conhecer-nos-emos, se não houver imprevistos, e eu, que tanto os odiei, com o ódio que ganhei com a guerra, devido ao sangue que vi derramar, irei... talvez - quem sabe ? - abraçá-los. Sim, porque eles lutaram para defenderem o que por direito lhes pertencia, um chão deles, bravos soldados como nós." (...).

É o mesmo J. Casimiro Carvalho que na batalha de Gadamael pôs a vida em risco para salvar outros camaradas (e nomeadamente o seu capitão) e que chegou a ser ferido.

Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Xitole >  2.ª CCAÇ/BCAÇ 4616/73 (Xitole, 1974) > Foto do álbum do José Zeferino, ex-alf mil at inf. "Primeiro encontro no Xitole: de costas um comandante do PAIGC – não me lembro do nome – , o nosso médico, Dr. Morgado, eu, o capitão Luís Viegas, o comissário politico Antero Alfama e o 1.º sargento páraquedista Vaz".  O comandante da 2ª CCAÇ / BCAC 416/73 era cap mil inf Luís Fernando de Andrade Viegas (com este mesmo nome, há um membro da Ordem dos Engenheiros da Região Sul, portado ca cédula profissional nº 12.037).

Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Xitole >  2.ª CCAÇ/BCAÇ 4616/73, Xitole, 1974 > s/d    [c. jun/set 1974]>  Chegada ao Xitole de forças do PAIGC, em camiões russos.

Algumas apontamentos do diário de alf mil José Zeferino: 

(i) Xitole, 22 de abril de 1974 - Apresenta-se um guerrilheiro do PAIGC. Má altura, para ele, para desertar das suas fileiras; 

(ii) 25 de abril 1974 - madrugada, cerca das 6 horas: "Zefruíno, alferes Zefruíno"!!!... (...) Era o Jamil, comerciante libanês (...),  que estava a ouvir a BBC em árabe: "Zefruíno, o (...)  Spínola está a fazer uma revolta". (...) Foi assim que tive conhecimento do que se passava em Lisboa. Regressámos de imediato ao quartel. Ficámos na expectativa nos dias seguintes. Patrulhamentos, só o mínimo indispensável, até Endorna. Montagem de segurança nocturna: poucas. Estávamos literalmente presos pela avidez dos comunicados. Acreditámos que o fim da guerra era desejado pelas duas partes. Pelo menos para a população era-o. E muito. (...)

(iii) 15 de maio de 1974 – Violento combate – emboscada. Duas baixas do nosso lado: o alferes Aguiar e o soldado de transmissões Domingos. Cerca de uma dezena de feridos. Sinais de baixas IN;

(iv) 30 de maio de 1974 - São detectadas e levantadas várias minas reforçadas com granadas de RPG;

(vi) 6 de junho de 1974 - Pelas 6 horas, nova rajada. Desta vez de uma sentinela junto ao espaldão do morteiro 81, na zona dos quartos dos oficiais e do abrigo da Breda. Novamente nas valas avistámos, a umas dezenas de metros, uma coluna IN que se aproximava, vinda da tabanca, pela orla da pista de aviação. Sob o nosso fogo fugiram para o mato do outro lado da pista, deixando um deles ferido. Veio a falecer pouco depois na nossa enfermaria. Foi este, realmente, o ultimo acto de guerra na zona e ainda hoje não o entendo totalmente.

(vii) 15 de junho de 1974 - Na picada, para lá da Ponte dos Fulas, suspensa de uma árvore, é encontrada uma carta com um maço de tabaco Nô Pintcha, e um isqueiro. Convidava o capitão a fazer a paz. O que foi feito no mesmo dia, perto do pontão do Jagarajá.

(viii)  de 16 de junho a setembro de 1974 - Começaram então as visitas de comandantes e comissários políticos do PAIGC para combinar a cerimónia da entrega do quartel, com o arriar da nossa bandeira e o hastear da deles. Vinham das matas da margem direita do Corubal – Mina, Fiofioli, etc. (...)

Houve um jogo de futebol entre nós e os guerrilheiros. Gostavam imenso de falar com o nosso pessoal chegando a trocar impressões sobre o material que tínhamos usado na guerra. Creio que numa dessas conversas foi dito que quem preparou a tal emboscada de 15 de maio teria sido castigado. Não aprofundámos a questão (...).

Quase todos os dias apareciam guerrilheiros procurando refeições na nossa cantina geral. A única exigência nossa: tinham que deixar a arma à entrada do quartel, no posto de sentinelaFazendo-se transportar por camionetas civis paravam sempre na casa do Jamil para o cumprimentar. (...) Numa das colunas, e em viatura civil, chegaram também duas prostitutas. Alguns aproveitaram. (...)

O Saltinho já tinha sido entregueBastou um dia para ficarem sem gerador. Os novos ocupantes pedem ajuda ao Xitole para reparar o aparelho. Nesse dia à noite ficámos preocupados por a equipa que foi não ter chegado. Foram encontrados perto de Cambéssé com o Unimog espetado dentro do mato com vários guerrilheiros a tentar repô-lo na picada. O comandante deles, de nome Claude, ficou irritadíssimo quando nos viu. Já estava todo alterado. E foi a única expressão de ódio que registei em todos os contactos com elementos do PAIGC. Mas a nossa equipa foi muito bem tratada por eles.

Entretanto chegam-nos notícias de problemas em Bambadinca: Com as nossas milícias: queriam alimentos e com a CCAÇ 12 que não queria entregar as armas. Depois… o tempo passou-se… lentamente. E entregámos o Xitole  [em ].(...)

 (ix) Bissau, 12 de setembro de 1974 - Embarque no Uíge, para Lisboa. (...)

Foto (elegenda): © José Zeferino (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné > Bissau > Brá > BENG 447 > 14 de outubro de 1974 > O último arriar da bandeira no CTIG, mas já sem a presença de representantes do PAIGC. Foto do álbum  do José Lino [Padrão de] Oliveira [ex-fur mil amanuense, CCS/BCAÇ 4612/74, Mansoa, Cumeré e Brá, 12-7-1974 / 15-10-1974]

Guiné > Bissau > Brá > BENG 447 > Cemitério de viaturas e outros equipamentos militares (GMC, Daimlers,  Panhard, jipes, Obuses 14...) abandonados como sucata, no fim da guerra.

Guiné > Região do Oio > Mansoa > CCS/BCAÇ 4612/74 (12jul74-15/10/74) >  9 de setembro de 1974 > Cerimónia da entrega (simbólica) do território aos novos senhores da Guiné, o PAIGC,  e  da retirada, ordeira, digna e segura, das últimas tropas portuguesas. Mansoa, em pleno coração do território, na região do Oio, serviu perfeitamente para esse duplo propósito... É uma fotos histórica, em que se vê o nosso coeditor, camarada e amigo Eduardo Magalhães Ribeiro, fur mil op esp / ranger, a arriar a bandeira verde-rubra. (O MR é membro da nossa Tabanca Grande, desde 1/11/2005...

Guiné > Bissau > Brá > BENG 447 >  14 de outubro de 1974 > O último arriar da bandeira no CTIG, mas já sem a presença de representantes do PAIGC.  O último ato da soberania portuguesa não foi o arruiar da bandeira, em Mansoa, em 9 de setembro de 1974....O BCAÇ 4612/74 seria colocado depois de 9/9/1974, no BENG 447, em Brá, Bissau... a útima bandeira portuguesa a ser arriada, no CTIG, seria no próprio "dia do embarque", ou seja, mais de um mês depois, em 15/10/1974. Essa honra coube, de novo, ao Eduardo Magalhães Ribeiro, fur mil op esp / ranger, da CCS/BCAÇ 4612/73 (12 de julho de 1974 - 15 de outubro de 1974).

Fotos (e legenda): © José Lino Oliveira (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné >s/l >  s/d > O último Governador Geral e Comandante-Chefe, Carlos Fabião (1974)... Era um dos militares com mais anos de serviço no TO (3 comissões ou mais). Aqui na foto ainda capitão e depois major, comandante do Comando Geral de Milícias (1971/73), ao tempo de Spínola... Foto de autor desconhecido, reproduzida aqui com a devida vénia. In: Afonso, A., e Matos Gomes, C. - Guerra colonial: Angola, Guiné, Moçambique. Lisboa: Diário de Notícias, s/d., pp. 332 e 335. .


Guiné > Bissau > Cais da Marinha > Outubro de 1974 > Quatro Lanchas de Fiscalização Grandes (LFG), uma pequena, e uma LDM na Ponte Cais em Bissau, poucos dias antes da “retirada final” do dia 14 de outubro do mesmo ano. É visível o navio Uíge ao fundo, preparado para transportar os últimos militares portugueses da Guiné. Foto do álbum do ex-Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz.

Segundo o nosso amigo Luís Gonçalves Vaz, membro da nossa Tabanca Grande e filho do Cor Cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (último Chefe do Estado-Maior do CTIG, 1973/74),e basedado no depoimento do Manuel Beleza Frerraz,  "no dia 14 de outubro, decorreu a última cerimónia de 'Arriar da Bandeira Portuguesa', ao qual se seguiu o 'Hastear de Bandeira da República da Guiné-Bissau' (a última bandeira nacional em Bissau só foi retirada 4 ou 5 semanas depois de 14 de outubro de 1974, sem cerimónia oficial),  como tal, nesse mesmo momento, todo o que restava do contingente militar português (à excepção de dois pequenos destacamentos de tropa portuguesa, da Marinha e da Força Aérea, esta na já ex-BA 12,  em Bissalanca, mas ainda com helicópteros AL-III, e o destacamento da Marinha nas suas antigas instalações, para colaborarem na transição e transmissão de técnicas/procedimentos, conhecimentos e experiências de navegação aérea e marítima, com elementos do PAIGC), encontrava-se agora em território estrangeiro.

(...) "A comitiva constituída pelo Governador (brigadeiro Carlos Fabião), o Comandante Militar (brigadeiro Figueiredo), o Chefe do Estado-Maior do CTIG (coronel Henrique Gonçalves Vaz), bem como alguns outros oficiais do Estado-Maior, sargentos e praças, depois de assistirem ao embarque de todos os militares nos navios, que se encontravam ao largo do estuário do Rio Geba, e assegurando-se que tudo tinha corrido sem problemas e de acordo com o previsto nos 'Planos de Retirada', elaborados pelo CTIG / CCFAG que nesta altura se afirmava como o único Comando das Forças Armadas Portuguesas neste TO da Guiné, seguiram directamente para o Aeroporto de Bissalanca, onde mantínhamos ainda um dispositivo de segurança.

(...) "Mal acabou a cerimónia referida anteriormente, e segundo testemunho do ex-marinheiro radiotelegrafista, Manuel Aurélio A. Beleza Ferraz, que se encontrava nesta altura na LFG Lira, todas as guarnições dos nossos navios que se encontravam na zona, estavam por ordens superiores, em posição de combate (para qualquer eventualidade), estando todos os operacionais equipados com coletes salva-vidas, capacetes metálicos e as Bofors (peças de artilharia antiaéreas de 40 mm) sem capa e municiadas, prontas a realizar fogo de protecção à retirada das nossas tropas, que ainda se encontravam em terra. Segundo o ex-marinheiro radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz, os navios que se encontravam a realizar a 'segurança de rectaguarda'  mais próxima às tropas que iriam retirar-se para os navios ao largo no Rio Geba, eram a LFG Órion e a LFG Lira.

(...) "Às 2h30m do dia 14 de outubro de 1974, estes militares serão os últimos a retirar da Guiné. Nesse momento estiveram presentes alguns Comandantes do PAIGC, que quiseram despedir-se dos 'seus antigos inimigos', e assim foi o fim da colonização da Guiné com cerca de 500 anos." (...)

Foto (e legenda): ©  Manuel Beleza Ferraz / Luís Gonçalves Vaz (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. No livro de João Céu e Silva,  "Uma longa viagem com Pulido Valente" (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp.), são atribuídas a Vasco Pulido Valente (VPV)  (1943-2021) as seguintes afirmações, a propósito da descolonização (*):

(...) Quando o Dr. Mário Soares chegou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros , já o coronel Fabião estava aos abraços ao PAIGC e o Otelo aos abraços à FRELIMO. Não havia negociação possível.

Quem fez a descolonização não foi o Dr. Mário Soares, mas o MFA. Ele não queria fazer aquela descolonização, e foi assim porque o Exército português se desfez em quarenta e oito horas em Angola, Moçambique e Guiné. Neste último caso, fomos mesmo ao encontro das tropas inimigas e confraternizámos poucos dias após o 25 de Abril. Como aconteceu no Norte de Moçambique e quase imediatamente me Angola (pp. 282/283).

(…) Lembro-me do abraço de Soares a Samora Machel, horrível! E Como aconteceu ? A comitiva entrou na sala de reuniões, Otelo olhou para o Machel e disse: “Ah grande Machel, deixe-me dar-lhe um abraço”, e Soares, que estava a chefiar a delegação, ficou sem saber o que iria fazer. Depois de Machel ter dado um abraço a Otelo, veio ter com Soares de braços abertos, “Meu caro Mário”, e deu-lhe um abraço. Isto só deveria ter acontecido com Moçambique independente” (p. 191).


2. Pergunta-se, aos camaradas da Tabanca Grande que estavam no TO  da Guiné no 25 de Abril de 1974: tem algum fundamento a declaração de VPV, segundo a qual as NT foram logo, "pouco dias após o 25 de Abril" (...)  "ao encontro das tropas inimigas " (leia-se, do PAIGC) e "confraternizaram" ?

Eu não estava lá, mas pelo que sei, e pelos depoimentos já aqui foram publicados ao longo de 18 anos de existência do blogue,  acho estranho que, ao fim destes anos todos (já lá vão 48, quase meio século!), já ninguém se indigne com estas, senão "bojardas", pelo menos "bocas foleiras", vindas para mais de um homem com formação académica, historiador encartado e, de resto,  um dos "cronistas-mor" do regime democrático,  o qual, todavia,  sempre esteve longe (fisicamemte falando) do teatro de operações da Guiné. 

No citado livro (que é um meritório trabalho do João Céu e Silva, como já aqui foi dito), há outras" leviandades" (não quero chamar-lhe outros nomes) que são ditas sobre a guerra da Guiné (como, por exemplo, sobre o acidente de helicóptero, caído no rio Mansoa, em que morreu o seu amigo, o deputado da Ala Liberal José Pedro Pinto Leite, e mais outros 3 deputados da Assembelia Nacional, além da tripulação, e que VPV atribui à pontaria dos artilheiros do  PAIGC) (**)...Para já não falar da infeliz expressão "capitães milicianos mercenários" (também não provocou, ao que parece, a indignação dos nossos leitores, na ausência de comentários ao poste) (***)...

No essencial, as declarações do VPV parecem-me injustas ou menos felizes, em relação aos "últimos soldados do Império" que arriaram a última bandeira verde-rubra na Guiné... No mínimo, não responderão à verdade dos factos... Em zonas como o Xitole, a guerra prolongou-se até quase a meados de junho e ainda houve mortos de parte a parte... Na generalidade dos casos,  a retração do nosso dispositivo militar (aquartelamentos, destacamentos, etc.)  fez-se com ordem e dignidade, de acordo com um plano de retirada superiormente aprovado... E, depois, se uma jogatana de futebol, entre inimigos de ontem, num processo de negocição de paz, ao fim de onde, doze, treze anos de guerra, é uma prova inequícova de "confraternização", então temos que tratar com pinças as palavras que usamos quando falamos da gestão dos conflitos entre os seres humanos...

Na primeira parte deste poste, selecionámos, ao "vol d'oiseau",  algumas fotos e legendas que fomos publicando, a este respeito, ao longo dos anos... Esperemos que estas possam suscitar mais depoimentos e reflexões sobre o tema, sem que a discussão acabe na "fulanização" e na "caça às  bruxas", na patológica tentação, tão portuguesa (e se calhar universal), de querer arranjar logo "bodes expiatórios" quando as coisas não nos correm com ventos de feição como foi o caso, por exemplo, da descolonização... 

Enfim, façamos votos, neste já final do ano de 2022,  para  que os nossos historiadores (militares ou outros, portugueses ou estrangeiros) possam, com mais investigação,  fazer mais luz, em 2023,  sobre este período e estes factos em que as narrativas ainda estão longe de serem consensuais, devido também ao enviesamento político-ideológico (****). LG
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 3 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23840: Notas de leitura (1527): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte VI: 25 de Abril ? 25 de Novembro ? E descolonização ? Acho que consigo compreender tudo no caso português. Isto parece uma gabarolice, mas não é. A mim, não há nenhum acontecimento que me cause perplexidade" (VPV)

(**) Vd. poste de 18 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23793: Notas de leitura (1518): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte II: A guerra de África não foi nada parecido como o trauma da I Grande Guerra...


(****) Último poste da série > 25 de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23736: Casos: a verdade sobre... (31): Pansau Na Isna, o "herói do Como" (1938 - 1970), entre o mito e a realidade - Parte II: Visto do lado de lá