1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Dezembro de 2022:
Queridos amigos,
Dando continuidade à recensão desta obra onde se procura passar em revista as atividades da FAP na guerra da Guiné, dá-se a palavra aos autores para fazerem uma apreciação dos condicionalismos em termos de abastecimento e recursos, uma constante que jogou a desfavor das operações aéreas, ao longo dos anos da guerra. Passa-se igualmente em revista a natureza do armamento bélico, o tipo de armas de destruição usadas pela FAP, a necessidade de desenrascar peças, canibalizando aviões avariados. Estamos já no início da guerra, vamos seguidamente apreciar a evolução dos primeiros anos, pautados, primeiro, pelas dificuldades sentidas em captar a natureza da estratégia da luta armada, a sua escolha de pontos de apoio em locais do Sul, do Leste e da região do Morés; a resposta de fixação de destacamentos para apoio das populações e a imprescindível utilização da FAP não só em missões de soberania, de acompanhamento das atividades operacionais e de transporte de feridos, tanto militares como civis.
Um abraço do
Mário
O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (8)
Mário Beja Santos
Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Depois de sumariar o prefácio, entrámos no primeiro capítulo intitulado “O Vento da Mudança”, verificaram-se as alterações operadas no início da era de descolonização e as consequências que vieram a ter na colónia da Guiné. Seguiram-se outros capítulos, fez-se a contextualização sobre a ascensão dos movimentos de libertação e estamos nesta altura já a falar sobre a implantação da FAP na Guiné num contexto de Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné, 1961, prepara-se Bissalanca para as operações de combate mediante de um programa de construção para reabilitar e ampliar a pista do aeródromo, também com a construção de hangares e outras instalações para manutenção e suporte. Verificou-se que um dos problemas mais prementes que se punha à FAP eram as peças, que demoravam muito a chegar e levantavam seríssimos problemas de manutenção. A situação prolongou-se pelos anos seguintes, num relatório de 1961 escrevia-se que a frota DO-27 estava quase totalmente aterrada e só 3 dos 19 helicópteros Alouette-III estavam em perfeitas condições para o combate. Os sucessivos pedidos para estabelecer instalações de manutenção na Guiné não foram atendidos, o que forçava a FAP a canibalizar alguns aviões para obter peças. Estes problemas de manutenção afetaram também as aeronaves que serviam a Guiné: por exemplo, 1 em cada 5 voos dos transportes DC-6 da FAP sofria de falhas de motor enquanto voava de Portugal para África.
O abastecimento de munições também se revelou muito difícil, para o general Diogo Neto revelou-se um dos maiores problemas: “Utilizámos sempre o que estava disponível, o que nem sempre foi o mais adequado. O arsenal nunca esteve satisfatoriamente abastecido, o que obrigava a restrições mensais no consumo”. Dada a intensidade da guerra na Guiné, esta situação só poderia deteriorar-se. No auge da guerra, a FAP consumia mais munições na Guiné do que em Angola e Moçambique juntas. Para mitigar a carência, recorria-se ao fabrico português, incluindo metralhadoras recuperadas de aviões desmantelados.
As bombas de gravidade usadas na Guiné eram de 500 libras, havia bombas comuns de 50 kg e bombas de fragmentação de 20 libras, 15 kg e 200 kg. Usaram-se igualmente foguetes de fragmentação e a munição usada com menos frequência eram foguetes de alta velocidade de 5 polegadas lançados do Neptune e os foguetes de 68 mm disparados pelos T-6 em algumas missões. A partir de 1964, a FAP também empregaria armas incendiárias na Guiné.
Oficialmente, o napalm e o fósforo branco deveriam ser usados “apenas contra alvos militares bem referenciados e em áreas de difícil penetração”. A despeito da crítica internacional contra o uso do napalm e armas semelhantes, as autoridades portuguesas continuaram o seu uso durante a guerra.
Qualquer arsenal aéreo, por mais bem abastecido que esteja, será irrelevante desde que não disponha de pessoal treinado para o empregar. A FAP na Guiné avaliou sempre as suas tripulações em escassez crónica. O ex-Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, General Lemos Ferreira, observou a disparidade de haver 40 mil homens a combater em meios terrestres contra 60 ou 70 pilotos. Durante os primeiros anos da FAP na Guiné o número nunca ultrapassou os 30, número por demais insuficiente para operar com as aeronaves disponíveis. O número de pilotos aumentaria no final de 1964 e teve o seu ponto mais alto em setembro de 1963, seja como for era um número insuficiente. Em resultado da permanente falta de tripulações, os pilotos voaram um número extraordinariamente elevado de horas e em diferentes aeronaves.
No início da década de 1970, o tempo médio de voo acumulado para cada um dos pilotos é de 2731 horas, número excessivamente elevado. 2 anos de comissão era já um período de exaustão, atendendo às condições de vida, ao clima e à natureza da luta. Não se encontravam voluntários para mais 2 anos. Em 1967, o Ministro da Defesa Nacional visitou a Guiné, e pôde constatar uma série de fatores que impactavam negativamente o moral das forças portuguesas, o clima era considerado devastador. Houve mesmo um diplomata norte-americano que visitou a Guiné e que observou durante os 5 dias de estadia que era mais quente do que ele tinha experimentado na selva amazónica. Até os assessores cubanos do PAIGC se queixavam do calor e das durezas do clima. Mesmo na pacífica Bolama passavam-se tarde opressivas, esperava-se impacientemente pelas ventoinhas do teto para estar no refeitório.
A despeito deste quadro de constrangimentos, pode observar-se que a FAP na Guiné pôde a seu modo constituir-se um modelo de organização. Essa organização e a doutrina que lhe estava subjacente, pessoal e aeronaves, iriam ser postos à prova na escalada da guerra.
Estamos agora em novo capítulo, entrou-se na guerra, contrariando todas as previsões que apostavam em ataques fronteiriços, a primeira flagelação do PAIGC foi em Tite, a 25 kms em linha reta de Bissau, nessa mesma data militantes do PAIGC emboscaram forças portuguesas na região de Fulacunda, a 25 kms a leste de Tite. Entrava-se num quadro estratégico que fora esboçado em agosto de 1961, a passagem para a insurreição armada, envolvendo formas possíveis de sabotagem, flagelações e outras formas de intimidação das forças portuguesas. No segundo semestre de 1962, o PAIGC lançara uma campanha de ataques de pequena escala, cortando comunicações, desarticulando as vias comerciais, lançando em pânico as populações, isto na região sul. Em dezembro de 1962, o PAIGC anunciou publicamente “o uso de todos os meios necessários na luta pela autodeterminação e pela independência”. Nesse mesmo mês, as informações policiais colheram provas de que elementos armados do PAIGC estavam reunidos em Koundara, na fronteira da Guiné-Conacri, serão porventura estes os efetivos que atacaram Tite. Por este tempo já se tinha reforçado consideravelmente o efetivo militar no território, em termos terrestres. O contingente, em 1958, era de cerca de 900 militares do Exército, operando a partir de Bissau e Bolama, estes efeitos aumentaram em 1959. No final de 1962, o efetivo rondava os 5 mil homens distribuídos por 10 pontos em todo o território.
Neste contexto de início de guerra, os aviadores e pessoal de apoio cumpriram uma variedade de requisitos operacionais. Com efeito, as missões pré-guerra do ZACVG incluíam formação, obtenções de informações, faziam voos de soberania, sobretudo nas áreas menos acessíveis pelos meios terrestres. As aeronaves de transporte e outras revelaram-se da maior importância quando o Exército procurou estabelecer-se no interior. Mas os seus ativos eram criticamente escassos.
Todos os três teatros viram aumentar o uso de napalm, apesar do consumo ter sido mais intenso na Guiné do que em Angola ou Moçambique (Coleção Jochen Raffelberg)
(continua)
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Notas do editor
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Último poste da série de 16 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23885: Notas de leitura (1532): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte VIII: O Prémio Governador da Guiné para o sold Baldé