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domingo, 17 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27127: Felizmente ainda há verão em 2025 (18): Libanesas de olhos verdes, nunca tínhamos visto... (Valdemar Queiroz, 1945-2025)

 


Pormenor de "A rapariga com brinco de pérola" (c. 1665)... Uma das obras-primas da pintura de todos os tempos, da autoria do pintor neerlandês Johannes Vermeer (1632-1675).  Óleo sobre tela (44,5 cm x 39 cm). Localização atual: Galeria Mauritshuis, Haia. Imagem do domínio público. Cortesia de Wikipedia

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)



Valdemar Queiroz (Afife, Viana do Castelo, 1945 - Agualva, Sintra, 2025).

ex-fur mil at art, CART 2479 /CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)


1. Morreu em 3 de março de 2025, sem ter completado os 80 anos (nascera em 30 de março de 1945, minhoto de Afife). Um grande perda para todos nós, da família aos camaradas da Guiné. Era uma das figuras mais querida da Tabanca Grande. 

Cinco meses de saudade!... Como ele gostaria de estar aqui hoje, mesmo dando-se mal com a canícula do verão, por causa da sua DOPC de "estimação"... De vez em quando lá ia de charola para o Hospital Amadora-Sintra... Sempre "preso à "bomba", "agarrado ao blogue", sorrindo com meia-cara à doença,  ao infortúnio, à solidão, e desejando "saúde da boa" a amigos e inimigos (se é que os tinha!)...

Cinco meses de saudade, Valdemar!... Deixaste de aparecer,   ainda estamos todos tristes e inconsoláveis... Estás perto e longe, felizmente não fostes parar ``a "vala comum do esquecimento"... A gente não se esquece de ti. E tu também prometeste não te esqueceres de nós.  Mas sem ti, o nosso blogue já não é a mesma coisa. Nem o blogue nem a Rua de Colaride... 

Olha, fui repescar textos teus, comentários que só tu sabias fazer e que nos encantavam  pela espontaneidade, autenticidade, verve, humor desconcertante  e alegria de viver que transmitias como ninguém. 

Grande "lacrau", vê se gostas de te rever nestes teus (re)escritos, a que eu dei a forma de prosa poética... Mostra lá ao São Pedro, que até nem é mau rapaz, coitado, mesmo velhote, lá vai cumprindo os pesados deveres do seu ofício, o do porteiro do céu... (É um dos nossos três santos populares, mas não tem a mesma afeição que a gente dedica ao Santo António e ao Sáo João...)

Podes dizer-lhe que cá na Terra da Alegria estamos todos zangados  com ele por te ter acolhido tão cedo no Olimpo dos deuses e dos guerreiros!... P*rra, porque é que não fomos todos juntos, à molhada, como no tempo em que nos mandaram para a Guiné... nos T/T Niassa, Uíge, Ana Mafalda ?!... Valdemar, podias ter esperado pela gente que ainda cá anda, gemendo e chorando... Na Terra da Alegria, mas que está cada vez mais feia...  

Até sempre, camarada ! Reza por nós à tua maneira...  (LG)


Da rua de Colaride via-se o mundo

por Luís Graça


Uma rua, a rua de Colaride, Agualva-Cacém,
que se tornou famosa,
há uns tempos atrás:
estava no mapa e na blogosfera,
por nela viver (mesmo só podendo assomar à janela...)
um antigo combatente da guerra da Guiné, 
um "lacrau", o Valdemar Queiroz...

Vivia sozinho em casa,
era portador de um doença crónica incapacitante
(o raio de uma DPOC - Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica),
mas não perdia o gosto de viver e conviver,
e muito menos deixava de cultivar o bom humor de caserna...
Que o crioulo, esse, falava com a empregada
que lá ia a casa fazer a cachupa, a bianda,
e em dias de festa o chabéu de frango...
"Bioxene ? Não, camarada, estou proibido dos médicos.
Agora só água da bolanha!"...

Da sua janela via o mundo... da sua rua.
Era um dos mais antigos moradores da rua Colaride,
que estava então mais bonita do que em 1972/73,
quando um andar do Jota Pimenta
custava 200 contos
(c. 56 mil / 49 mil euros, a preços de hoje...).

Quando o Valdemar Queiroz se casou
e se mudou para Agualva-Cacém, há 50 anos,
a Rua Colaride não era tão bonita
e sobretudo era muito menos "colarida"...
Agora floriam nespereiras e jacarandás nos canteiros.

No país não havia mais do 28 mil estrangeiros
com estatuto legal de residentes...
Há dois anos já eram  mais de 750 mil,
segundo o SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras)
que entretanto foi extinto,
mas continuou a haver estrangeiros e fronteiras.

Na Rua de Colaride, havia mais gente oriunda de outras terras,
Cabo Verde, Guiné, Angola, por exemplo,
três antigas colónias portuguesas,
que se haviam tornado independentes em 1974 e 1975...
Muitos vizinhos já teriam a nacionalidade portuguesa,
outros bem a queriam ter,
para não terem um dia destes a desagradável surpresa
de virem a ser corridos da rua de Colaride...
Que era maneirinha, pacata, multicolarida...

As fotos que o Valdemar ia tirando à varanda,
com um telemóvel fatela,
não nos diziam tudo, mas diziam algumas coisas,
dele, dos vizinhos, dos fregueses, dos transeuntes...
Bem, não se via o mundo todo,
via-se só uma nesga, o que era melhor que nada.

E sobretudo deram origem a umas tantas blogarias.
O Valdemar gostava de blogar,
dizia ele que até fazia bem à saúde,
que até se esquecia que estava agarrado à "bomba".

Às vezes, demasiadas vezes, lá sobrevinha uma crise.
Lá vinha o tinonim
e lá ia ele de charola para o hospital
"Parece que me safei desta, camaradas!"

Da última vez, no dia 1, há 2 dias,
escereveu, no blogue, a partir do telemóvel fatela:
"Caro amigo Vinhal... 
Eu estou de cama
sem poder deslocar-me em casa 
por estar ligado a uma máscara de oxigénio.
É uma merda estar nestas condições da doença, 
e magro, como um cão, só pele e osso.
Neste mês vou ao hospital, consegui !!!, com os bombeiros,
para ser visto o pacemaker.
Obrigado pelo teu cuidado, ´
abraço e saúde da boa. 
Valdemar Queiroz".

Morreu o Valdemar, 
o último tuga da rua de Colaride.
"Desta vez não me safei, camaradas,
mas já tinha pedido ao meu filho, que está na Holanda,
para vos avisar, quando a pilha falhasse.
Não se esqueçam de mim,
eu não vos esquecerei".

Minhoto de nascimento, 
alfacinha por criação, 
avô de netos holandeses, aliás, neerlandeses...
Uma história de grande humanidade, 
um exemplo (tocante) para todos nós,
antigos combatentes, 
que somos representantes de uma "espécie" 
em vias de extinção...

Luís Graça

3 de março de 2025,22:00


  Libanesas de olhos verdes, nunca tínhamos visto

por Valdemar Queiroz (1945-2025)


Que pena tenho eu de não estar em Nova Lamego,
em 1972/74,para ver as libanesas,
porque em 1969/70
tinhamos que ir a Bafatá ver os seus olhos verdes.

Ó Marcelino Martins, tens toda a razão
e eu, em 1969/70, também não me lembro 
de estabelecimentos de libaneses, no Gabu.

Havia a casa do sr. Caeiro.
Vendia tudo, p
omada prós calos,
ventoinhas, frigoríficos a petróleo,
e até material militar (facas de mato) 
pra algum 'piriquito' despassarado.

Também havia, no Gabu, outro português,
que fazia uns frangos de churrasco, de caír pró lado.
Era na saída, para Bafatá e lembro-me 
que o empregado, um africano, tinha hora de saída.
E o patrão dizia:
“Vocês é que são os culpados, 
destes gajos terem horário de saída”…
O que nós fomos 'arranjar'!

Mas, José Marcelino Martins,
 nunca vi nenhuma libanesa em Nova Lamego
e eu não era cego.
Lembro-me da filha do Sr. Caeiro, 
aparecia poucas vezes,
era de cair pró lado, boa como o milho,
rapariga prós vinte e poucos anos, 
sempre à espera dum capitão.

Mas, para ver as libanesas, de olhos verdes, raparigas bonitas,
 tinhamos que ir a Bafatá.
Quem me dera, estar em Bafatá naquele tempo,
tinha vinte e poucos anos.

(...) Não me lembro das libanesas em Nova Lamego. 
Lembro-me do tal fim de ano (69/70) no cineclube, 
mas não me lembro das libanesas, 
também não me lembro de quantas garrafas de 'bioxene' 
foram deitadas a baixo, se calhar foi por isso.

A filha do sr. Caeiro, de que me recordo, 
era uma bem jeitosa que andava sempre 'doente' 
atrás do, julgo, tenente médico, 
mas ela queria era um capitão, 
a outra, a “rebenta-minas”, 
era gordinha mas fazia torcer o pescoço à rapaziada.

Mas das libanesas de Nova Lamego não me lembro 
e naquela altura tinha boa memória.

(...) Quanto eu gostava de saber o que é o belo, 
agora que em toda a zona da Agualva/Mercês 
há um florescer de plumas, milhares de plumas
é uma beleza de ver
(ou são ó as 'Meninas de Avignon', do Picasso,
ou 'As meninas' ,de Botticelli, que são uma beleza de ver?)

E por que razão as raparigas/mulheres libanesas 
de Nova Lamego ou Bafatá, não seriam uma beleza de ver? 
Que mal estaria a rapazida a fazer, 
 se só apreciassem os olhos verdes das libanesas? 
Cometiam um grave sacrilégio de apreciar a sua beleza,
 ou, querendo lá saber disso,
teriam que apreciar o saber do passar a ferro, 
o mudar a água às azeitonas, 
o fazer uma sopa de beldroegas e esperar?

Acho que não, 
a rapaziada gostava de ver raparigas bonitas, 
libanesas, fulas, mandingas 
e até as filhas dos da metrópole que eram mais finas. 
Não havia nenhum mal nisso, era absolutamente normal.

Quem em 1969/70, na Guiné, 
não gostava de ver uma mulher de olhos verdes, 
sem estar a pensar nas mulheres 
de olhos castanhos, azuis ou pretos 
para fazer comparações...
e também pensar que todas as mulheres têm olhos bonitos,
que elas haveriam de ser um dia as nossas companheiras
 e as mães dos nossos filhos?

Pois é, caro Luís, naquele tempo, há 45 anos, sem querer, 
já nós apreciávamos a 'Mulher com brinco de pérola', de Vermeer , 
sem com isso desgostar da 'Mulher de Afife com arrecadas', 
da 'Mulher com o joelho à mostra na Pastelaria Suíça', 
ou 'A Vera de biquini amarelo na Caparica'.

Pois é, caro Luís, isto do belo dá pano para mangas 
e é só escolher, 
pra nós as libanesas chegavam: 
libanesas de olhos verdes, nunca tinhamos visto.

(Condensação de vários comentários do VQ, 
publicados no blogue | Revisão / fixação de texto: LG)

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Nota do editor LG_:

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