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sexta-feira, 28 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25694: S(C)em Comentários (41): Contabane, que depois, em 22 de junho de 1968, será praticamente riscada do mapa, acabando por ser evacuada em 1 de julho...


1. Face à pressão IN sobre a região do Forreá, a CCAÇ 2382 (que chegara ao CTIG em 6mai68, e estava a fazar a IAO em Bula), é colocada e
m 7jun68, à pressa,  no Sector S2 (Aldeia Formosa), com dois pelotões em  Contabane.  Veio redner forças da 5ª CCmds.

Em 11jun68,  instala-se o o comando e os outros dois pelotões em Mampatá; no entanto, em 18jun68, a sede da subunidade passou para Contabane, ficando apenas um pelotão destacado em Mampatá.  

Na noite de 22jun68, Contabane sofre um ataque de 3 horas e fica praticamente reduzida cinzas. (Também vi este "filme",  um ano mais tarde, ns zona leste, no subsetor de Mansambo: Candamã, tabanca fula em autodefesa do regulado do Corubal, é atacada durante mais de duas horas até ao amanhecer do 30 de julho de 196; esse brutal ataque, com balas e granadas incendiárias,  em que o PAIGC utilizou dois bigrupos, reforçados, e armamento pesado,  surgiu na sequência do recrudescimento da actividade IN no tradicional triângulo Xime-Bambadinca-Xitole, após a Op Lança Afiada, que decorreu de 8 a 18 de março de 1969; e foi comandado pelo famigerado Mamadu Indjai, um dos futuros conspiradores da ala militarista do PAIGC que irá assassinar o Amílcar Cabral.)

 Em 1jul68, Contabane, no Forreá,  é evacuada, a CCAÇ 2382 volta de novo a instalar-se em Mampatá, agora com dois pelotões destacados em Buba e Patê Embalá.

Este trecho do Carlos Nery (*) , a seguir reproduzido,  refere-se a um patrulhamento na véspera. Contabane era uma bela aldeia fula, bucólica, como Candamã e tantas outras, onde a vida parecia que corria normalmente. O régulo era o Sambel, e a "mulher grande" do régulo, uma grande senhora, a Fatumatá.  

 

Guiné-Bissau > Saltinho > Sinchã Sambel >  2005 > A mulher do régulo local. A que está a ordenhar a vaca é casada com o régulo de Sinchã Sambel,  Suleimane Baldé, antigo milícia, filho do antigo régulo de Contabane, Sambel Baldé.  Depois da evacuação de Contabane, em 1 de julho de 1968, a população dispersou-se por Mampatá e Aldeia Formosa. Mais tarde,foi reunida numa nova tabanca, junto ao Saltinho, Sinchã Sambel, em homenagem ao régulo, que foi sempre leal aos portugueses (era um firme alidado de Spínola).

Foto (e legenda): ©  José Teixeira (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


(...) Contabane, a tabanca fula à nossa guarda, ia ficando para trás.

Acordáramos sentindo o seu frémito de vida. As mulheres no pilão descascando o arroz para as refeições do dia, num ritmo marcado por bater de palmas e cantares, as crianças brincando, a ladainha na escola árabe, as saudações complicadas dos «homens-grandes» que indagavam uns dos outros o bem-estar de todos os familiares e animais domésticos.

Afastávamo-nos pois daquele agregado humano, das mulheres preparando as refeições, tratando dos filhos ou lavando a roupa na fonte, dos homens partindo para o trabalho em lavra próxima ou orando, prostrados no chão, virados para Meca.

Numa larga «pontuada» atravessávamos zonas de capim seco, de denso «mato escuro», enterrávamos as botas de lona nos cursos de água engrossados pelas chuvas que chegavam. Suspendo o movimento da coluna. O pessoal agacha-se no terreno, armas para fora, perscrutando o mato hostil. O calor é pesado. Desarrolham-se cantis, bebem-se curtas goladas. Moscas minúsculas bailam teimosas à nossa volta insistentes nos nossos ouvidos e olhos. O «ladrar» do macaco-cão ouve-se perto. (...) 

2. Este trecho merece ser destacado na série  "S(c)em comentários" (**). (LG)

terça-feira, 25 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25681: 20º aniversário do nosso blogue (16): Alguns dos melhores postes de sempre (XI): na noite de 22 de junho de 1968, há 56 anos, Contabane transformou-se no inferno - Parte I: a versão de Manuel Traquina (ex-fur mil mec auto, CCAÇ 2382, Buba, 1968/70)




Guiné > Região de Tombali > Contabane > CCAÇ 2382 (1968/70) > Malta da CCAÇ 2382 instalada nma monumental bagabaga (candidato ao concurso O Melhor Bagabaga da Guiné...), nas proximidades de Contabane, uma tabanca e destacamento destruídos na sequência do ataque, de três horas, levado a cabo pelo PAIGC em 22 de junho de 1968.

Contabane foi então abandonado pelas NT e pela população. Mais tarde será feito um reordenamento, mesmo frente ao Saltinho. Por lá passou o nosso camarada Paulo Santiago, quando foi comandante Pel Caç Nat 53 (1970/72). A povoação hoje chama-se Sinchã Sambel.

Foto (e legenda): © Manuel Traquina (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar): Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





Guião da CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70), "Por picadas nunca estradas, por estradas nunca picadas"... Um trocadilho bem achado..., ó Zé do Olho Vivo!




1. O Manuel Batista Traquina,
  "ribatejano, escritor e fadista", com vivências ang0lanas, ex-fur mil mec auto, da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70) vive em Abrantes, onde nasceu em 1945.  [foto de 2008 à equerda].   

Podia ter sido apanhado à unha. Ou até ter sido morto. Teve sorte: esteve lá nesse pavoroso ataque a Contabane, em 22 de junho de 1968, e relatou-nos o essencial do que viu e viveu, no seu livro "Os Tempos de Guerra: de Abrantes à Guiné"   (Abrantes, editora Palha de Abrantes, 2009. ISBN 978-972-98796-6-1,228 pp.). A CECA (Comissão para o Estudo das Companhas de África) não faz qualquer referência a este ataque, que reduziu a cinzas Contabane que era até então um importante tampão fula (eixo Contabane - Aldeia Formosa), contra a fúria do PAIGC na região do Forreá.

Beja Santos
e Hermínio Marques

Este episódio de guerra foi recentemente evocado aqui pelo Beja Santos que, no passado dia 17, foi abordado pelo Hermínio Marques, antigo sold cond da CCAÇ 2382, o qual lhe contou como perdeu tod0s os seus haveres há 56 anos, em Contabane.

Ambos estava de passagem pela ilha de Santa Maria. O Hermínio Marques, que vive na América, casado com uma açoriana, reconheceu, no Hotel, o Beja Santos, sendo visita assídua do nosso blogue! (*).


Vamos convidar o Hermínio, que já nos escreveu, a juntar-se a esta tertúlia que é a Tabanca Grande, e onde já cá estão alguns bravos da CCAÇ 2382, a companhia do Zé do Olho Vivo, como o Manuel Traquina, o Carlos Nery, o José Manuel Cancela, o Alberto Ferreira, 
o padeiro, também conhecido por "Geada").



O Ataque a Contabane (**)

por Manuel Traquina

Era o dia 22 de Junho daquele ano de 1968, a Companhia estava na Guiné havia pouco mais de um mês e, ao ser deslocada para a região de Aldeia Formosa, (Quebo) dois pelotões fixaram-se em Mampatá, os restantes bem como o Comando foram deslocados para a aldeia de Contabane. 

Ali parecia respirar-se a paz, a população era numerosa e bastante acolhedora, e como habitual faziam-se alguns patrulhamentos na região, que ficava a poucos quilómetros da fronteira com a Guiné-Conákri.

Naquela aldeia os militares acomodavam-se nas próprias moranças cedidas pelo chefe da Tabanca. À volta da aldeia tinham sido abertos no terreno algumas valas e abrigos, além de duas fiadas de arame farpado. 

Tudo parecia correr dentro da normalidade, naquela tarde eu próprio com mais quatro militares saímos no Unimog a buscar água do poço que se localizava a curta distância.

Porém, já próximo do anoitecer, um dos elementos nativos que connosco efetuavam um patrulhamento, pisou um engenho explosivo, que lhe deixou um pé seriamente afectado. Este foi o primeiro sinal de que toda aquela paz não era real, o grupo recolheu à aldeia/aquartelamento, era a hora de jantar e na improvisada enfermaria o furriel enfermeiro Chambel com grande dificuldade, tentava encontrar uma veia onde pudesse administrar algum soro ao militar milícia, que com um pé decepado tinha perdido muito sangue.

Entretanto o sargento João Boiça, apercebendo-se da situação, corria de uma ponta à outra da aldeia, não parava de alertar todos para que de imediato se deslocassem para os abrigos, talvez ao tomar esta medida tenha evitado algumas mortes.

Tinha anoitecido e, de repente,  algumas explosões deram inicio a um ataque que se ia prolongar por cerca de três horas, as balas incendiarias atravessavam a palha que servia de cobertura à morança onde o ferido começava a receber o soro. Disse ao Chambel e ao Coelho que tínhamos que sair daqui imediatamente com o ferido, porém ele, já mais endurecido pela guerra, reunindo as suas débeis forças arrastou-se até á porta e, no escuro,  sem que nos apercebesse-mos desapareceu rastejando, só na manhã seguinte o voltámos a ver, quando da chegada do helicóptero que o evacuou bem como a outros feridos.

Foram cerca de três horas de bombardeamentos em que a aldeia reduzida a cinzas mais parecia um inferno. Mo final foi uma forte trovoada que, transformou a cinza em lama, onde quase não havia onde nos abrigar. 

Não tenho dúvidas de que nós,  os militares,  que naquela tarde fomos à água, pasámos muito perto do local onde o inimigo preparava o ataque e só não fomos feitos prisioneiros porque o objetivo era o ataque. 

Apesar do grande aparato e grande potencial de fogo, sofremos apenas três feridos,  dois dos quais de maior gravidade. Porém, quase todo o património da companhia ali ficou reduzido a cinza, os rádios, os géneros alimentícios, o equipamento de enfermagem, tudo ali ficou carbonizado, grande parte dos militares ficaram apenas com a roupa que tinham vestida. 

Na manhã seguinte um helicóptero evacuou os feridos, alguns militares apressaram-se a escrever um ou outro aerograma meio queimado e enlameado que foi entregue ao piloto do helicóptero, era a parte psicológica a funcionar, pretendiam partilhar aquele momento de desânimo com alguém do coração.

Contabane foi totalmente evacuada de população e militares, saímos dali moralmente destroçados, alguns apenas de calções, sapatilhas e a sua G3, mas vivos para suportar muitos outros ataques e emboscadas durante os vinte e dois meses que se seguiram. 

Já no termo da comissão viemos encontrar na cidade de Bissau o milícia que, ao pisar a armadilha,  foi amputado de um pé, e que naquela cidade tentava sobrevier como engraxador de sapatos.

Neste agora passado dia 22 de junho de 2008, ao completarem-se quarenta anos sobre este ataque, quero homenagear os dois camaradas mortos,  não neste ataque, mas noutros que se seguiram, furriel Ramiro de Sousa Duarte e o soldado Elidio Fidalgo Rodrigues, pertencentes a esta Companhia.

 Quero também saudar todos os militares da CCAÇ 2382, estou convencido que todos os que viveram este acontecimento o recordam e jamais esquecerão aquelas horas difíceis ali vividas. (***)

Manuel Batista Traquina
Ex-Fur Mil, CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70)


Guiné > Região de Tombali > Carta de Contabane (1959 > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Contabane, a sul de Saltinho e do rio Corubal, a caminho da fronteira... A nordeste, Quirafo, também de trágica memória para as NT (abril de 1972).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)


________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de  22 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25674: (De) Caras (209): Hermínio Marques, ex-Soldado Condutor da CCAÇ 2382: "Vou contar-lhe como perdi as minhas coisas em Contabane" (Mário Beja Santos)



Vd.poste anterior: 4 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25476: 20.º aniversário do nosso blogue (14): Alguns dos melhores postes de sempre (X): O fatídico dia 12 de outubro de 1970: a emboscada de Infandre, Zona Oeste, Setor 04 (Mansoa) (Afonso Sousa, ex-fur mil trms, CART 2412, 1968/70)

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3214: Venturas e Desventuras do Zé do Ollho Vivo (Manuel Traquina) (3): Contabane, 22 e 23JUN68: O Fur Mil Trms Pinho e os seus rádios

Guiné > Região de Tombali > Contabane > CCAÇ 2382 (1968/70) > Uma monumental baga-baga (candidato ao concurso O Melhor Baga-Baga da Guiné...), nas proximidades de Contabane, uma tabanca e destacamento destruídos na sequência do ataque, de três horas, levado a cabo pelo PAIGC em 22 de Junho de 1968. Contabane foi então abandonado pelas NT e pela população. Mais tarde será feito um reordenamento, mesmo frente ao Saltinho. Por lá passou o nosso camarada Paulo Santiago, quando foi comandante Pel Caç Nat 53 (1970/72). A povoação hoje chama-se Sinchã Sambel.

Foto: © Manuel Traquina (2008). Direitos reservados

1. Já aqui publicámos duas ou três histórias do Manuel Traquina, ex-Fur Mil da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70, a última das quais foi o relato do ataque à povoação de Contabane, ocorrido em 22 de Junho de 1968 (*). O nosso camarada está connosco desde o início do ano de 2008, honrando-nos com a sua presença na Tabanca Grande. Sabemos que vive em Abrantes, eastando reformado como técnico do Instituto do Emprego e Formação Profissional. Sabemos ainda que tinha por hábito escrever pequenas histórias no seu tempo de Guiné (onde andou por Buba, Aldeia Formosa, Contabane, entre 1968 e 1970). E que já publicou cinquenta artigos , alguns com fotogografias, na imprensa regional (Jornal de Abrantes) relacionados com as suas memórias de guerra. Ficamos, por fim, felizes por saber que tenciona reunir estas estórias em livro. E mais felizes ainda por ele continuar a mandar-nos material para publicar no blogue...

O Traquina é um excelente contador de estórias/histórias, que merece ter a sua série própria, como o Juvenal Amado, o José Teixeira, o Torcato Mendonça, o Jorge Cabral, o Paulo Santiago, o Beja Santos e tantos outros. A partir de agora as suas estórias não serão mais avulsas. Não consegui falar com ele ao telefone, mas deduzo que ele queira dar seguimento, no blogue, a essas estórias. Começamos a série com esta evocação do ex-Fur Mil Trms Pinho, há tempos falecido. (Esta é a nossa melhor maneira de homenageá-lo e de manifestar a nossa solidariedade à sua família enlutada.) (LG)


2. Histórias de Manuel Traquina (3): O Pinho e os seus rádios
por Manuel Traquina (**)

O Furriel Pinho, da especialidade de transmissões, era o encarregado do equipamento rádio da companhia [, a CCAÇ 2382]. Para seu azar, os aparelhos que lhe foram confiados, bastante usados, já com alguns anos de guerra, normalmente estavam avariados. Por outro lado, ele próprio dizia que não percebia grande coisa daqueles aparelhos, e para quem o conheceu e com ele conviveu naqueles tempos de guerra diga-se que era dado à boa paz. De facto, não tinha nascida para a guerra.

Instalados que estávamos na aldeia de Contabane, ao nosso amigo Pinho não lhe faltavam dores de cabeça com os seus rádios, por isso ele se tinha deslocado ao aquartelamento de Aldeia Formosa, a fim de proceder à reparação de algum material. Porém o comandante daquela unidade, e daquela zona operacional, ameaçava-o constantemente com punições, se não conseguisse que os rádios funcionassem.

Naquela noite, em Aldeia Formosa, ouviu-se um bombardeamento na direcção de Contabane, e foi visível também o clarão do incêndio que destruíu a aldeia. Mais uma vez os rádios de Contabane estavam “mudos”. O comandante chama o Pinho e dá-lhe as seguintes ordens:
- Logo que comece a amanhecer vai pôr pernas a caminho de Contabane, com dois milícias (soldados guineenses) e quero aqueles rádios a funcionar.

Naquela zona, de certo modo perigosa, de madrugada lá partiu ele com aqueles dois guarda-costas. Os cerca de quinze quilómetros que separavam as duas localidades foram percorridos pelo mato, era preciso evitar trilhos concorridos e a própria estrada.

É bom que se diga que o Pinho estava na Guiné havia pouco mais de um mês. Também tinha dúvidas sobre até que ponto poderia depositar confiança naqueles dois acompanhantes. Pelo sim pelo não, optou por pô-los a andar à sua frente e segui-los de arma na mão... Ao narrar esta sua aventura o Pinho costumava dizer:
-Se caísse um coco naquele caminho, acho que me borrava todo.

Mas depois desta grande aventura , na madrugada daquele dia, 23 de Junho de 1968, o Pinho lá chegou a Contabane, são e salvo, e só então compreendeu a mudez daqueles malfadados rádios!... É que eles estavam irremediavelmente perdidos, carbonizados no incêndio provocado pelo ataque do inimigo, que naquela noite destruiu a Aldeia.

Passados que foram já quarenta anos sobre este acontecimento, e porque o falecimento deste meu grande camarada e amigo ocorreu recentemente, vítima de doença incurável, daqui lhe rendo a minha homenagem e envio sentidas condolências a sua esposa e Filho.

Manuel Batista Traquina

PS - Na foto um enorme Baga-Baga, na zona de Contabane, arquitectura da formiga guineense.
_________

Notas de L.G.

(*) Vd. poste de 19 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3141: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (2): O ataque de 22 de Junho de 1968 a Contabane

(...) "Tinha anoitecido e, de repente, algumas explosões deram início a um ataque que se ia prolongar por cerca de três horas, as balas incendiarias atravessavam a palha que servia de cobertura à tabanca onde o ferido começava a receber o soro. Disse ao Chambel e ao Coelho que tínhamos que sair daqui imediatamente com o ferido, porém ele, já mais endurecido pela guerra, reunindo as suas débeis forças, arrastou-se até à porta e, no escuro, sem que nos apercebêssemos desapareceu rastejando. Só na manhã seguinte o voltámos a ver, quando da chegada do helicóptero que o evacuou bem como a outros feridos.

"Foram cerca de três horas de bombardeamentos em que a aldeia ficou reduzida a cinzas, mais parecia um inferno. No final foi uma forte trovoada que transformou a cinza em lama, onde quase não havia onde nos abrigar. Não tenho dúvidas de que nós os militares que naquela tarde fomos à água, passámos muito perto do local onde o inimigo preparava o ataque e só não fomos feitos prisioneiros porque o objectivo era o ataque.

"Apesar do grande aparato e grande potencial de fogo, sofremos apenas três feridos, dois dos quais de maior gravidade. Porém, quase todo o património da companhia ali ficou reduzido a cinza, os rádios, os géneros alimentícios, o equipamento de enfermagem, tudo ali ficou carbonizado. Grande parte dos militares ficaram apenas com a roupa que tinham vestida.

"Na manhã seguinte um helicóptero evacuou os feridos, alguns militares apressaram-se a escrever um ou outro aerograma meio queimado e enlameado que foi entregue ao piloto do helicóptero. Era a parte psicológica a funcionar, pretendiam partilhar aquele momento de desânimo com alguém do coração.

"Contabane foi totalmente evacuada de população e militares, saímos dali moralmente destroçados, alguns apenas de calções, sapatilhas e a sua G3, mas vivos para suportar muitos outros ataques e emboscadas durante os vinte e dois meses que se seguiram. Já no termo da comissão viemos encontrar na cidade de Bissau o milícia que ao pisar a armadilha foi amputado de um pé, e que naquela cidade tentava sobrevier como engraxador de sapatos" (...).


(**) Vd. postes de:

2 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2500: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (1): CCAÇ 2382 - A hora da partida

19 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3141: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (2): O ataque de 22 de Junho de 1968 a Contabane

14 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2944: Convívios (66): Pessoal da CCAÇ 2382, no dia 3 de Maio de 2008 na Vila de Óbidos (Manuel Batista Traquina)

23 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2791: Álbum das Glórias (46): O distintivo da CCAÇ 2382, 1968/70 (Manuel Baptista Traquina).

13 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2533: O cruzeiro das nossas vidas (10): Fui e vim no velho e saudoso Niassa (Manuel Traquina)

2 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2399: Tabanca Grande (47): Manuel Traquina, ex-Fur Mil, CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70)