sábado, 4 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17105: Agenda cultural (544): Apresentação do livro "O General Ramalho Eanes e a História Recente de Portugal", II Volume, da autoria de M. Vieira Pinto, dia 9 de Março de 2017, pelas 15 horas, na Messe Militar do Porto, sita na Praça da Batalha



O nosso camarada Manuel Barão da Cunha, Coronel de Cav Ref, que foi CMDT da CCAV 704 / BCAV 705, Guiné, 1964/66, dá-nos notícia da apresentação de mais um livro, integrada no 17.º Ciclo de Tertúlias Fim do Império, a levar a efeito na próxima quinta-feira, dia 9 de Março de 2017, na Messe Militar do Porto.

17.º CICLO DE TERTÚLIAS, PORTO

164.ª TERTÚLIA

Apresentação do 26.º livro da coleção Fim do Império, "O General Ramalho Eanes e a História Recente de Portugal", II Volume, da autoria de M. Vieira Pinto (lançado em 2017.01.25, no Museu dos Combatentes), com Autor, a levar a efeito no próximo dia 9 de Março de 2017, pelas 15 horas, na Messe Militar do Porto.

«Ramalho Eanes, que estava em serviço em Angola, não participou no movimento do dia 25, mas sendo imediatamente chamado a Lisboa, foi, usando o seu prestígio e autoridade pessoais, um agente fundamental da evolução para a nova constitucionalização de Portugal, impedindo o triunfo dos extremismos e apoiando a entrega do poder ao eleitorado. Pondo de lado pequenos incidentes, pelo prestígio militar, e sabedoria ganha no conhecimento vivido da maior parte do findo império, foi conduzido pelas Forças Armadas aos mais altos postos, destacando-se, nesse processo complexo, ter sido eleito, por maioria esmagadora, Presidente da República, em 1976, por isso Comandante Supremo das Forças Armadas, mais a Chefia do Estado-Maior das Forças Armadas, e Presidente do Conselho da Revolução.» 

(Excerto do testemunho de Adriano Moreira)

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Sobre o autor:

Manuel Paulo Lalande Vieira Pinto é licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa. 
Foi quadro, administrador e consultor de diversas empresas privadas, públicas, e de serviços públicos. 

Presidiu aos Conselhos Directivos do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e do Gabinete Português de Estudos Humanísticos. 

Desempenhou, como catedrático convidado, funções docentes no ensino superior particular, de que foi fundador com várias personalidades. 

É autor de algumas obras de natureza técnica, didáctica, histórica e biográfica, entre elas, "Adriano – Vida e obra de um grande português" (2010, DG Edições), tendo também participado no 6.º livro da colecção «Fim do Império», Memórias do Oriente, de Dias Antunes.

(Com a devida vénia a Âncora Editora)
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17089: Agenda cultural (543): Sessão de lançamento do livro de fotografia do nosso camarada Jorge Ferreira sobre Buruntuma, Gabu, 1961/63... Apresentação a cargo de Luís Graça, editor do nosso blogue.... Concerto de Korá com mestre Braima Galissá, nosso grã-tabanqueiro... Local e data: Galeria-Livraria Verney, Centro Histórico de Oeiras, sábado, dia 4 de março, às 15h00... Estamos todos convidados!

Guiné 61/74 - P17104: (Ex)citações (323): Buruntuma, que foi grande na guerra e na paz... Uma pequena homenagem aos bravos que souberam fazer a guerra e a paz, do Jorge Ferreira (1961) ao José Valente (1974)


Guiné- Bissau > Região de Gabu > Maio de 2016 > Piche, entre Gabu (a 30 km a oeste) e Buruntuma (a 37 km, a nordeste, na fronteira com a Guiné-Conacri. Canquelifá, mais a norte, fica a 30 km.

 [Vd. poste de 31 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16151: Revisitando o "chão fula", e ligando o passado com o futuro (Patrício Ribeiro, Impar Lda) - Parte II: Piche]

Foto: © Patrício Ribeiro (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné-Bissau > Região de Gabu > Buruntuma > Dezembro de 2015 > Tabanca e rua principal

Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Buruntuma > É uma das mais bonitas e originais capelas que temos visto nas nossas fotos da Guiné... Deve ter tido várias mãos, ao longo do tempo... Um delas, de arquiteto, mestre de obras e decorador, terá sido a de José Mota Tavares, nosso camarada, antigo alferes capelão miliciano, da CCS/BCAÇ 1856 (Nova Lamego, 1965/67) que nos mandou, recentemente, fotos da "sua" capela (*)...

Foto: © Mota Tavares (2016). Todos os direitos reservados.


Guiné > Região de Gabu > Buruntuma > Memorial da CART 1742, "arquitectado" por João Fernando Lemos dos Santos > "Que os vivos mereçam os nossos mortos"

[Vd. poste de 28 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14198: Em busca de... (253): João Fernando Lemos dos Santos, ex-Soldado Condutor Auto da CART 1742 (Abel Santos)]

Foto: © Abel Santos (2015). Todos os direitos reservados.


1. Temos 75 referências no nosso blogue sobre Buruntuma... As mais recentes são relativas ao livro de Jorge Ferreira, nosso grã-tabanqueiro, e o prmeiro dos oficiais portugueses  a comandar o destacamento de Buruntuma (sendo a sua área de açãpo o triângulo Buruntuma- Bajocunda- Piche): esteve com 45 homens, metade metropolitanos e metade guineenses (a quem já tinha dado instrução em Bolama), entre novembro de 1961 e outubro de 1962...  Era uma força mista, de "infantes" (3.ª CCAÇ) e de "cavaleiros" da CCAV 252 (1961/63).

De rendição individual, mobilizado para a o TO da Guiné em maio de 1961 (e regressado a casa em junho de 1963), o Jorge Ferreira pertencia à 3.ª CCAÇ, sediada em Nova Lamego. Entre o início e o fim da guerra, muitas coisas aconteceram nesta povoação de fronteira, de importância estratégica para a defesa do leste e em especial, da região do Gabu...

No seu tempo, e tal como hoje, Buruntuma  era uma povoação construída junto à fronteira, ao longo de uma rua, por onde passava a "pomposamente" chamada estrada internacional que ligava Bissau à recém independente república da Guiné-Conacri... O nosso camarada António Martins de Matos, ex-ten pilav (BA 12,  Bissalanca, 1972/74) diz que demorava 1h30 a chegar lá, de DO 27, e 25 minutos de Fiat G-91..., no limite do raio de ação da aeronave (que era subsónica)...

Buruntuma, em mandinga, quer dizer, "algum dia serás grande"... Como muitos topónimos do leste da Guiné, é de origem mandinga (caso de Bambadinca, "a cova do lagarto")... Pertenceu ao império  (ou reino do Gabu) (1537-1867), que por sua vez resultou da desagregação do grande Império do Mali (séc.  XIII-XVI)... Em 1867, a "batalha de Cansalá" ditou o fim do reinado mandinga e a ascensão política dos fulas. Fulas e mandingas  coexistem hoje, pacificamente, no Gabu... O mesmo não aconteceu durante  a guerra colonial (ou do ultramar, ou de libertação, conforme as designações de uns e outros).

Evocamos, a talhe de foice, e a título meramente ilustrativo, alguns episódios, contados por camaradas que por lá andaram em diferentes épocas... Na esteira de Jorge Ferreira, podemos dizer que Buruntuma foi grande, na guerra e na paz...  Esta pequena antologia é também uma homenagem a todos aqueles que souberam fazer a guerra e a paz (******).


Manuel Luís Lomba > Não fui feliz em Buruntuma

Salvé, camaradas de Buruntuma!

Seguramente que sou um dos vossos mais velhos: CCav 703, 1965-66.

Não me exponho a grandes contradições ao dizer-vos que essa capelinha de Buruntuma remonta ao meu tempo: resultara da reconversão de um armazém de mancarra e complementada por um nicho votado à Senhora de Fátima, implantado no sítio da "torre" artística, que lhe é posterior. 

A sua concepção e execução pertencem ao furriel Manuel Francisco Moniz de Simas, um açoriano que combinava perfeitamente a sua alma de artista com a de guerreiro, que fará carreira nos Estados Unidos como escultor de ossos de baleia e a fechará como professor do Secundário em Ponta Delgada. Foi inaugurada pelo nosso capelão, tenente António Lavajo Simões, ora residente no Seminário de Vila Viçosa.

Na parte mais alta da tabanca mandinga deixamos (em abril de 1966) um parque de "roncos", à sombra e em redor de um grande poilão, com vedação feita com as leivas dos barris de vinho, inscrições apropriadas num pedregulho. Jamais me esquecerei de um rondo de arromba - a festa das "mulheres paridas"...

A ideia e a sua exploração partiu deste comentador e velho camarada, comandante da milícia e responsável pela "Apsico" local; a obra foi também mérito do Simas..

Ah, não fui feliz em Buruntuma. (**)


Domingos Gonçalves > Buruntuma, o meu batismo de fogo

26 de junho de 1966... Ao entardecer rebentou uma armadilha colocada pelas nossas tropas perto da fronteira.

Um alferes da guarnição local com o respectivo grupo de combate, reforçado por alguns dos soldados do meu grupo, comandados por mim, foi verificar as causas da explosão. Junto do local das armadilhas, que não sei se era em território português, ou da Guiné-Conacry, encontravam-se duas vacas quase mortas. Com alguns tiros de G3, acabou-se-lhes com a vida.

Imediatamente, do outro lado da fronteira, bastantes armas pesadas começaram a disparar sobre Buruntuma, enquanto que, as armas ligeiras, alvejavam o terreno fronteiriço onde nos encontrávamos.

Cautelosamente conseguimos retirar do local, mais para o interior, sem, contudo, conseguir entrar no nosso aquartelamento que, durante cerca de uma hora, ficou sob o fogo cerrado das armas do inimigo.

Abrigados por um ligeiro declive do terreno, e pela protecção do arvoredo, sentíamos nos ares o silvar das granadas que, às dezenas, choviam sobre Buruntuma.

Aqui e além as explosões provocavam incêndios, principalmente nas casas dos nativos, cujo telhado era feito de capim. Quase em simultâneo as armas de Buruntuma também abriram fogo. As bazookas e o canhão sem recuo vomitavam granadas ininterruptamente. Os morteiros cuspiam, para o outro lado da fronteira, os seus tenebrosos projécteis. Através das seteiras dos abrigos as metralhadoras consumiam centenas de munições. As armas ligeiras, os canos já aquecidos, disparavam, um pouco ao acaso, contra um inimigo que não tinham capacidade de atingir. De um e outro lado era ensurdecedor o ruído da fuzilaria e o detonar das granadas.

Anoiteceu. De ambos os lados começou a abrandar a intensidade do combate. Lentamente, o silêncio foi caindo sobre a povoação martirizada. Era o fim de uma pequena batalha. Cautelosamente, os soldados que estávamos fora do aquartelamento, longe da protecção dos abrigos subterrâneos, fomo-nos aproximando do arame farpado e entrámos no quartel.

Dirigi-me ao posto de socorros. Lá dentro, aguardando tratamento, já havia muitos feridos. Outros, brancos e negros, foram depois chegando. O médico, que na vida civil era cirurgião, trabalhava afanosamente, ajudado pelos enfermeiros, extraindo estilhaços, colocando ligaduras, injectando soro... Só muito tarde deu por findo o seu trabalho.

Contabilizados os prejuízos verificou-se que havia três mortos entre a população e bastantes feridos tanto entre os soldados como entre os civis. Para além disso o nosso sistema de transmissões estava inutilizado, as instalações danificadas e alguns indígenas tinham perdido as suas casas.

Trabalhava em Buruntuma um agente da PIDE que, através do sistema de transmissões particular, de que dispunha, alertou Bissau para o sucedido e pediu que fossem evacuados para o Hospital Militar os feridos mais graves. Eram já altas horas da noite quando nós, os oficiais, nos fomos deitar.

No abrigo onde dormíamos comentavam-se os acontecimentos com alguma insensibilidade. Já deitado, o capitão murmurava:

- Os filhos da puta não nos deixam em paz...

A guerra para ele era algo a que já estava habituado e pouco o impressionava. Quando em conversa se referia a acções de combate transmitia até a ideia de gostar das sensações da guerra. Eu sentia-me de certo modo aterrorizado com a baptismo de fogo que, sem o desejar fui obrigado a receber.

Foi um baptismo sério e prolongado... E cheio de calor!... (***)


Mota Tavares > Buruntuma, o silêncio de Deus...

Li, com muito entusiasmo o relato da vossa visita ao Gabu [, poste por AO - antigo alferes capelão], no meu tempo Nova Lamego. Aí passei quase dois anos. Todas as terras de que vocês falam, me foram familiares e de que tenho muitas fotografias e diapositivos. Estive [lá] em 1965-67.

Tenho imensas histórias de Piche, Canquelifá (uma operação e duas vezes debaixo de fogo), Fá (emboscada e… aventura!), Bajocunda, Copá, Madina do Boé (8 ou 10 vezes debaixo de fogo, três mortos, duas fugas durante a missa para o abrigo…), Buruntuma onde construí uma linda capela – fui o arquitecto, o engenheiro, o pintor, o mestre de obras com o apoio do capitão de que ainda hoje sou amigo. 

[Foi] inaugurada pelo brigadeiro Reimão Nogueira e [nela foi] baptizado um furriel de Lisboa. Chegou-me há tempo uma foto dessa capela 'vandalizada' pelos militares que lá estiveram depois – transformaram-na em escola!…

Bafatá, Bula, Bissau… as escoltas, 12 vezes debaixo de fogo, 27 operações com muitas histórias que dariam um enorme texto! Mas, por hoje, fico por aqui e ao vosso dispor. (*)


António Martins Matos > Buruntuma, cu de Judas...

Buruntuma era mesmo no cu de judas.

Tinha igualmente aquele estigma, (semelhante a Guidage e Pirada) demasiado próximo da fronteira com o país vizinho, podia ser utilizada como tiro ao alvo do PAIGC sem que pudéssemos ripostar, já que o Spínola não autorizava missões da FAP no estrangeiro.

Os aviadores aterravam na direcção da fronteira e descolavam na direcção oposta (qualquer que fosse o vento ou as condições meteorológicas).

Andei várias vezes por ali à procura de MiGs imaginários, nunca os vi!!!

Um dia deixaram-nos ir partir umas bilhas lá para Koundara, quando aterrámos em Bissau já estávamos a dever combustível ao G-91. (**)


C. Martins > Buruntuma, turismo em tempo de guerra...

Contava-se entre os artilheiros que o alferes miliciano,  comandante do Pel Art  de Buruntuma, em 73, resolveu um dia ir de Buruntuma até Nova Lamego em bicicleta, vestido à civil e munido de máquina fotográfica... Ia  parando pelo caminho e fartou-se de fazer fotos de pássaros, passarinhos e até passarões.

Quis regressar da mesma forma, mas o comandante do sector obrigou-o a ir numa coluna... Resultado: a coluna sofreu uma emboscada, ele levou um tiro num pé e estragou a máquina fotográfica...

Não sei se foi verdade, mas que se contava, contava. (**)


 Luís Borrega > Buruntuma e o carisma de Spínola

Caro António Matos: Quando foste a Buruntuma bombardear Kuundara (?), não seria Kandica?.. O gen Spínola estava lá em Buruntuma. A CCav 2747 tinha tido um valente ataque IN na noite de 25/11/71. Dia 27, Spínola vai de DO a Buruntuma. Manda formar a guarnição, a milícia e a população.. Nesse momento chegam seis Fiats G-91, rasam Buruntuma e Kandica, ali as antiaéreas começaram a disparar mas calaram-se logo. A seguir ouviram-se enormes rebentamentos em Sofá, a base do PAIGC. Nova passagem e largaram o resto das bombas e retiraram-se para Bissau.

Spínola mostrou o seu carisma de chefe. Falou às populações locais:

-Viram o que aconteceu? Agora vão dizer aos do lado de lá, que se tornam a fazer outro ataque com morteiros, mando o dobro dos aviões e o dobro das bombas!

Com esta atitude moralizou extraordinariamente os militares da CCav 2747 e milícias. (**)


José Manuel Matos Dinis > Buruntuma, as famosas 13 horas debaixo de fogo

É verdade,  o sentimento de Spínola em relação àquela fronteira. Não sei desde quando, mas o general teria mandado informar que, se Buruntuma fosse atacada, as NT ripostariam sobre Kandika. Em 27 de fevereiro de 1970, após um ataque àquele aquartelamento em 24  (é o que consta da História da Unidade, embora me pareça que decorreu mais tempo), que provocou 28 mortos civis, depois de vários transportes de material (obuses, canhões e morteiros, bem como munições, guarnições, e outra tropa de segurança), as NT retaliaram durante cerca de duas horas. O IN respondeu durante 13 horas.

As famosas 13 horas de Buruntuma. As NT sofreram 1 morto e 5 feridos.

Da mesma história da unidade consta que o IN sofreu 8 mortos militares, incluindo o tenente comandante, e o chefe da alfândega [do outro lado da fronteira].

Foi a primeira acção em que participou a minha companhia, através do 1º.pelotão e do Fur mil Azevedo, de armas pesadas. (**)


Luís Guerreiro > Buruntuma: Pel Caç Nat 65, e o 1º cabo Ismael que chegou a levar para o mato o cano do morteiro 60 cheio de vinho

Tem sido com interesse que tenho seguido as crónicas do José Manuel Dinis da CCaç 2679, pois os nossos caminhos cruzaram-se em Piche, Buruntuma e Bajocunda, onde menciona diversas vezes o Pel Caç Nat  65.

Na sua chegada na coluna de Nova Lamego para Piche, e que teve como escolta o Pel. Fox e o Pel Caç Nat 65, onde menciona que era comandado por um cromático alferes que deambulava de pistola à cinta, empunhando uma moca com um lenço amarelo, esclareço que o dito alferes se chamava Monteiro, e esse era o seu equipamento preferido mesmo em patrulhamentos.

Estivemos implicados no ataque de 27 de fevereiro de 1970 à base de Kandica, retaliando o ataque a Buruntuma, onde o Pel Caç Nat 65 permaneceu cerca de um mês, antes de ser transferido para Bajocunda.

Também menciona o apontador do morteiro, que chegou a levar [o ando de] este cheio de vinho durante uma saída para o mato, é verdade, chama-se Ismael, era cabo, e um excelente operador do morteiro 60, embora por vezes se encontrasse sob os efeitos do álcool, era bom rapaz e excelente combatente.


Ramón Pérez Cabrera > Buruntuma, cemitério do jovem internacionalista cubano Ramón Maestre Infante

Na 2ª fase da Op Djassi (a primeira tem a ver como os três G - Guidaje, Guileje e Gadamael, maio / junho de 1973, ainda no tempo do Spínola), Ramon Pérez Cabrera [, autor de "La historia cubana en África: 1963-1991: pilares del socialismo en Cuba", edição de 2005], iz que participaram "14 internacionalistas cubanos", um dos quais, um jovem oficial que tinha partido de Cuba por via aérea em 13/12/1973, e que vai encontrar a morte nas imediações de Copá (ou de Canquelifá?), às 8 da manhã do dia 8 (ou 7?) de janeiro de 1974, surpreendido por tropas portuguesas. 

O seu corpo terá sido "levado para Buruntuma", mutilado e exumado, diz Ramón Pérez Cabrera. Tratar-se-ia, quanto a nós, da mesma emboscada em que terá sido apanhado vivo, o cabo-verdiano Jaime Mota, 1940-1974, alegadamente executado depois

Ramón Maestre Infante terá sido o último dos 9 internacionalistas cubanos a morrer na "guerra de liberación" da Guiné-Bissau. Enfim, mais um caso para alimentar a nossa série Controvérsias, e que o nosso Jorge Araújo vai, por certo, querer explorar, ele que agora tem em mãos o "dossiê médicos cubanos". (****)


Luís Graça > Buruntuma: a chantagem do terror com o comandante Bobo Keita no pós 25 de abril

O Bobo Keita, antiga glória do futebol guineense, tinha feito parte da delegação do PAIGC, na 1.ª ronda de negociações de paz, em Argel... Depois de Argel, regressou à Frente Leste. E deve-lhe ter subido à cabeça a mania do protagonismo...

Aqui, no leste, foi claramente 'mais papista que o Papa', passando a perna à direção política do PAIGC. Foi ele quem teve a iniciativa de:

(i) colocar barragens para controlos dos nossos veículos militares, nas estradas do leste;

(ii) forçar a desocupação do quartel de Buruntuma;

...para além de (iii) ter resolvido, através do terror (3 fuzilamentos e diversas prisões), um conflito em Paunca com milícias (ou não seriam antes os militares da CCAÇ 11?)...

Ele próprio reconheceu, antes de morrer, na altura em que foi entrevistado para o seu livro de memórias, que a chantagem feita aos tugas de Buruntuma era mero bluff, que não era sua intenção atacar nenhum quartel...

A verdade é que este homem podia ter originado uma tragédia de consequências imprevisíveis e incalculáveis... A sua atitude de fanfarrão obrigou à intervenção pessoal do Fabião e do Juvêncio Gomes (delegado do PAIGC em Bissau) (*ª)


José Valente > Buruntuma: Guerra e paz

Há vários meses que estava em Buruntuma, como furriel do 28.º Pel Art quando no dia 5 de julho de 1974 fui obrigado a retirar para Ponte Caium. Tive que voltar a Buruntuma para inativar as munições de artilharia que tínhamos sido obrigados a abandonar. A tensão era tal que a todo o momento temíamos o pior. Felizmente tudo correu bem.

Mas o mais caricato da história da guerra é que passados alguns dias me sentei em Bafatá a uma mesa de café, a beber cerveja, com o comandante 'Nai', do comando leste do PAIGC, a quem e a seu pedido ofereci o livro "Portugal e o Futuro",  de António Spínola, e em troca recebi, tirado da própria lapela do uniforme, um pin original do PAIGC. Alguns dias antes éramos inimigos,  agora trocávamos presentes. Coisas de uma guerra que nunca compreendi nem quero compreender. (**)

Jose Valente
Furriel Mil 28.º PelArt


Luís Graça > Buruntuma > A primeira guarnição do leste a ser desocupada pelas NT, em 5/7/1974

Buruntuma foi a primeira guarnição da zona leste a ser desocupada pelas NT e ocupada de imediato pelo PAIGC, por uma força comandada pelo Bobo Keita, em 5 de julho de 1974. Camajabá e Canquelifá foram desocupadas a seguir, a 6 e a 7 de julho, respetivamente.

As restantes guarnições do leste só foram desativadas em agosto e setembro, respeitando os planos de retração do nosso dispositivo militar (aprovado pela 3.ª Rep/QG/CCFAG) (...)

Os factos acima relatados pelo Bobo Keita são confirmados pelo relatório da 2.ª rep. O ultimatum de Bobo Keita às NT em Buruntuma é vista uma clara violação ao acordo de cavalheiros estabelecido pelas NT e o PAIGC no que respeito à retirada, planeada, ordenada e concertada (a nível local), dos nossos aquartelamentos e destacamentos. 

Alega-se que Bobo Keita estaria "mal esclarecido" sobre esse acordo e os seus trâmites. Por outro lado, as instalações das NT eram particularmente apetecidas pelos combatentes do PAIGC, na zona leste, mais árida, com menos vegetação do que no sul, e em plena época das chuvas. No relatório da 2.ª Rep, diz-se explicitamente que o comportamento indisciplinado dos homens de Bobo Keita se devia também, em parte, ao facto de serem "periquitos", de serem novos na região e na guerrilha, viverem em condições precárias e estar-se na época das chuvas. (*****)

sexta-feira, 3 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17103: Lembrete (21): É já manhã, sábado, dia 4, às 15h00, na Galeria-Livraria Municipal Verney, Oeiras, a sessão de lançamento do livro do nosso camarada Jorge Ferreira, sobre Buruntuma, Gabu, da época de 1961/63... Apresentação do nosso editor Luís Graça. Concerto de Korá com o nosso grã-tabanqueiro, o mestre Braima Galissá... Contamos com todos os que puderem aparecer!


Guiné > Região de Gabu > 3ª CCAÇ (Nova Lamego, 1961/63) > Buruntuma > c. 1961/62  > Uma das tarefas do alf mil Jorge Ferreira foi a colocação de marcos... na fronteira com a República da Guiné... (pág. 22).


Guiné > Região de Gabu > 3ª CCAÇ (Nova Lamego, 1961/63) > Buruntuma > c. 1961/62  > Bajuda fula (p. 53)... O Jorge Ferreira também fez o "retrato" de quase toda a gente, dos "djubis" aos Homens Grandes, das belíssimas bajudas ao régulo de Canquelifá, que morava em Buruntuma, dos militares metropolitanos aos guineenses...  O seu livro de fotografia é uma homenagem às gentes do Gabu, e em especial ao povo de Buruntuma, lá no "cu de judas", junto à fronteira com a Guiné-Conacri... É um documento, hoje, de inegável interesse documental e até etnográfico (, nomeadamente a parte relativa ao "mosaico humano")...

Fotos: © Jorge Ferreira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís & Camaradas da Guiné] (Reprodução com a devida autorização do autor...)


1. O Jorge [da Silva] Ferreira passou a integrar a nossa Tabanca Grande, em 19/9/2016, com o nº  728 (*)- Tem um blogue de fotografia,  que merece ser divulgado e conhecido. A sua paixão pela fotografia remonta à sua juventude, como ele nos conta. 

E acaba de publicar um belíssimo livro de fotografia com o sugestivo título: "Buruntuma: algum um dia serás grande... Guiné, Gabu; 1961/63"... (**)


[Foto à esquerda: Ação de nomadização... O Jorge Ferreira, de calções e de pistola metralhadora FBP... Alf Mil, de rendição individual, pertenceu à  da 3.ª CCAÇ... Depois de 5 meses em Nova Lamego, foi destacado para  Buruntuma, em outubro de 1961, de 20 soldados metropolitanos (pertencentes à CCAV 252) e 20 guinenses, da 3ª CCAÇ: foi o primeiro oficial português a comandar uma guarnição miçitar naquele ponto sensível do território; Buruntuma na altura teria um milhar de habitantes; ficou lá 11 meses, tempo que lhe permitiu construir o primeiro aquartelamento, fazer ações de nomadização e dar apoio psicossocial à população: terminou a sua comissão de serviço, no TO da Guiné, em junho de 1963;  recorde-se que a 3.ª CCAÇ estava sediada em Nova Lamego, tendo mais tarde dado origem à CCAÇ 5, "Gatos Pretos", sediada em Canjadude]


2. Npágina de fotografia do Jorge Ferreira pode ler-se:

(...) "Não sou um fotógrafo profissional nem mesmo um amador. Sou apenas um 'caçador de imagens' que desde muito jovem se sentiu atraído pela fotografia, passando a fazer parte do meu quotidiano. Quando comecei a viajar pela Europa, à boleia, ainda aluno do secundário, estava-se em 1953, levava na mochila uma Voigtlander Vitessa e com ela captei inúmeras imagens dos países ocidentais e de alguns do leste europeu. Em ambas as regiões ainda eram visíveis sinais expressivos da destruição causada pela II Guerra Mundial. (...)

Em 1961, concluído o 3.º ano da licenciatura em Ciências Políticas e Sociais [pelo ISCUP, na Junqueira] fui chamado a cumprir o serviço militar e mobilizado para a ex-Guiné Portuguesa, actual Guiné Bissau, onde os Ventos da História resultantes das conclusões da Conferência de Bandung (Indonésia) / 1955 se tinham começado a fazer sentir através do apoio internacional aos Movimentos Independentistas.

A minha experiência de comando de um pelotão integrando militares portugueses e nativos, em igual número, foi extremamente enriquecedora e, embora em clima de guerra, moldou-me fortemente o carácter e levou-me a acreditar que a multirracialidade é um dos pilares em que deve assentar a sã e pacífica convivência entre os diferentes povos e raças da Humanidade.

Durante os 25 meses em que permaneci neste pedaço de solo africano foi minha companheira inseparável, nos bons e maus momentos, uma câmara Konika S que me permitiu captar a diversidade étnica e religiosa do 'chão' que corresponde à actual Guiné Bissau, verdadeiro “mosaico humano polícromo”, e o convívio harmonioso de brancos e negros ainda que em cenário de conflito armado." (...)

Finda a Comissão, regressei a Portugal. Entretanto conclui os 2 anos que faltavam para obter a minha licenciatura, abracei a carreira profissional na Área das TI [, Tecnologias de Informação,] concretamente como Técnico e posteriormente como Gestor de Sistemas de Informação, e constituí Família,  tornando-me exclusivamente Repórter fotográfico da Vida familiar, registando os seus momentos mais marcantes, férias, nascimento do filho e dos netos, convívio com os Amigos e viagens por Portugal e pelo Mundo. Só muito recentemente, com a perda inesperada da minha mulher e companheira inseparável ao longo de 40 anos [, Gabriela,] voltei à Fotografia como hobi. (...)

Jorge Ferreira


Lisboa > Festival Todos - Caminhada de Culturas > 11 de Setembro de 2011 > Arquivo Municipal de Lisboa  > Núcleo Fotográfico > Exposição Todos > A Alice Carneiro com o nosso amigo Braima Galissá, natural do Gabu, o grande tocador de kora da Guiné-Bissau... Fomos encontrá-lo, nesta exposição, a tocar kora... Divinalmente, como só ele sabe fazer... Falou-nos da sua banda, "Bela Nafa", , e da sua colaboração também com a banda do Kimi Djabaté...  Demos-lhe em abraço em nome de toda a Tabanca Grande, e em especial dos seus amigos João Graça e Mário Beja Santos... 

Amanhã vamo-nos reencontrar, os três, na Galeria-livraria Verney...

Foto e legenda: © Luís Graça / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2011). Todos os direitos reservados.


3. O Jorge Ferreira fez questão de convidar o nosso editor, Luís Graça, para apresentação do livro, que tem o apoio expresso do nosso blogue. A sessão é amanhã às 15h00 na Galeria-Livraria Municipal Verney, em Oeiras. (**)

A expensas do autor do livro, o  mestre Braima Galissá, nascido em 1964 no Gabu (e a viver e trabalhar em Portugal como músico e pedagogo, desde 1998), irá dar um toque de magia a esta sessão, oferecendo-nos um concerto de Korá... (Entrou para a nossa Tabanca Grande, formalmente, este ano, em 11 de janeiro; tem o nº 732).

Mais uma razão, adicional,  para os camaradas da Grande Lisboa (e não apenas os da Linha) comparecerem! (***)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 19 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16502: Tabanca Grande (495): Jorge Ferreira, ex-alf mil, 3ª CCAÇ (Bolama, Nova Lamego e Buruntuma, 1961/63), nosso grã-tabanqueiro nº 728...

(**) 27 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17089: Agenda cultural (543): Sessão de lançamento do livro de fotografia do nosso camarada Jorge Ferreira sobre Buruntuma, Gabu, 1961/63... Apresentação a cargo de Luís Graça, editor do nosso blogue.... Concerto de Korá com mestre Braima Galissá, nosso grã-tabanqueiro... Local e data: Galeria-Livraria Verney, Centro Histórico de Oeiras, sábado, dia 4 de março, às 15h00... Estamos todos convidados!

Guiné 61/74 - P17102: Convívios (781): Encontro do 50.º aniversário do regresso da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): Caldas da Rainha, 29 de abril de 2017. Prazo de inscrição: 13 de abril (Maria Helena Carvalho, filha do Pereira do Enxalé)


Crachá da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) 

Encontro Anual

CCAÇ 1439, Pel Caç Nat 52 e 54, e Pel Mort 81

Caldas da Rainha > 29 de Abril de 2017

Vamos celebrar os “50 anos “ da vossa chegada a Portugal. Haverá o almoço/convívio a que já nos habituámos e não só, passo a explicar: tenho para me ajudar a organizar esta festa de “manga de ronco”, um grande amigo a quem carinhosamente chamo meu “ajudante de campo", o vosso bem conhecido João Crisóstomo que, apesar de residir nos Estados Unidos, de uma forma muito própria, muito me tem ajudado.(*)

Este ano há missa no antigo RI 5, hoje Escola de Sargentos do Exército (ESE), que será concelebrada pelo senhor padre Victor Melícias e pelo senhor capelão da ESE, padre Luís Moronço, às 12 horas,

Os carros podem entrar na referida unidade e ficarem aí estacionados, para tal é necessária a vossa colaboração; tenho que entregar ao sr. major a lista com o nome das pessoas que nesse dia venham a conduzir as viaturas. Peço-vos que não se esqueçam deste pormenor quando responderem aos convites, caso contrário poderão ter que estacionar "fora de portas”.

Seguiremos para o restaurante “A Lareira “, situado no Alto do Nobre,  na estrada antiga que vai das Caldas da Rainha para a Foz do Arelho.

Nem pensem duas vezes, para as Caldas da Rainha, marchar… marchar.

Agradeço a confirmação com o número certo de adultos e crianças até ao dia 13 de Abril.


Um abraço dos amigos
Helena Carvalho  + João Crisóstomo

O meu endereço postal é;
Maria Helena Carvalho (**)
Av. 1.º de Maio, 8-5.º Esq
2500-081 Caldas da Rainha
Telem: 917 434 442
Telef: 262 842 990

Mail: m.helenapereiracarvalho@gmil.com
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 28 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17092: Convívios (780): Encontro do 50º aniversário do regresso da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) : Caldas da Rainha, 29 de abril de 2017... Missa de ação de graças, concelebrada pelo padre Vitor Melícias e pelo capelão da Escola de Sargentos do Exército (ESE)

(**) Vd. poste de 6 de abril de  2010 > Guiné 63/74 - P6116: O Nosso Livro de Visitas (85): Maria Helena Carvalho, filha do Pereira do Enxalé, localidade onde nasceu há 60 anos, hoje residente nas Caldas da Rainha (Luís Graça)

(...) Amadeu Abrantes Pereira, natural de Seia, era um conhecido comerciante, o Pereira do Enxalé. Era dono de uma importante destilaria de aguardente de cana, bem como de outras instalações e casas, que ainda hoje estão de pé. A família era muito estimada pela população local.

A Maria Helena nasceu no Enxalé em 1950, se não erro. Saiu cedo de lá, creio que com sete ou oito anos, por volta de 1958, para ir estudar em Bissau e depois na Metrópole. Mas regressava nas férias grandes. As suas memórias de infância (e os seus amigos de infância) estão indelevelmente ligados a esse tempo e a esse lugar.

Os pais acabaram por sair do Enxalé, fixando-se em Bissau, em 1962. Já havia nuvens negras que prenunciavam a chegada da borrasca da guerra. A matéria-prima (a cana de açúcar) que abastecia a destilaria começou a escassear. Os caminhos tornavam-se perigosos. O PAIGC fazia o seu trabalho de sapa. Entretanto, a mãe morreu e a Maria Helena ficou definitivamente entregue aos cuidados dos padrinhos, das Caldas da Rainha. (...)

Guiné 61/74 - P17101: Os nossos seres, saberes e lazeres (201): Central London, em viagem low-cost (3) (Mário Beja Santos)

Highgate Cemetery


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 19 de Outubro de 2016:

Queridos amigos,
Não tenho qualquer rebuço a sugerir a quem visitar Londres uma visita ao Imperial War Museum, uma casa de património fantástico sobre as duas guerras mundiais e onde é possível ser confrontado com a insânia de ditaduras e guerras, a exposição que ali estava patente sobre o Holocausto é um soco no estômago.
Como o programa turístico era assumidamente low-cost procurava-se o muito bom e o mais barato possível, nisso Londres é pródiga: permite entrar em lojas de antiguidades, passear em estações ferroviárias impressionantes, deambular por circuitos imperiais que fazem recordar a Inglaterra rainha dos mares. E era sonho do turista ir a Highgate, conversar com Marx que previu muito mas não podia prever tudo, nem a sociedade de consumo nem o digital, mas só por má fé é que se pretende iludir como ele foi determinante na ideologia contemporânea.

Um abraço do
Mário


Central London, em viagem low-cost (3)

Beja Santos

O segundo dia de turismo libertário em Londres começa num local de culto: o Imperial War Museum, é a segunda vez que o visito, a primeira era quase uma visita de trabalho, precisava de elementos para o meu livro “Mulher Grande”, um importante historiador português, já condenado pela leucemia, vinha aqui visitar este glorioso museu na companhia de celebridades da historiografia britânica. Quando por aqui andei, nessa altura, comovi-me com cartas, as derradeiras cartas, que muitos militares endereçavam às suas famílias, a seguir iriam tombar nos campos de batalha. A entrada é impressionante, olhamos instantaneamente para os céus, estão aqui os aviões da batalha de Inglaterra, com destaque para o Spitfire e o Hurricane, mas podemos ver as entranhas de uma V2, aterrorizou Londres em 1944, atingia quarteirões inteiros, o visitante tem à sua disposição filmes impressionantes.



Há muito para ver: o acervo sobre a I Guerra Mundial é inumerável, seguem-se exposições sobre a família em tempo de guerra, o período da ascensão das ditaduras e da II Guerra Mundial, uma extensa secção sobre segredos de guerra e paz e segurança entre 1945 e 2014, há um andar com cinemateca e filmes de guerra e o último andar reservado ao público é um documentário avassalador sobre o Holocausto. À cautela, e para não me empanturrar até ao ponto de ficar com dores de cabeça com tanta informação, assento arraiais na I Guerra Mundial. E aí tive motivos para larga meditação.


Estive muito tempo especado diante desta foto. Na minha guerra tive que atravessar passadeiras como esta. A escassos quilómetros de Missirá havia a ponte de Sansão, constantemente se impunha renovar os cibes e as pranchas para permitir a circulação dos unimogs. A época das chuvas tornava a circulação num calvário, muita prudência para lá, muita para cá, logo a seguir uma imensíssima reta que devia ser picada a pente fino. Olho para estes homens e regresso umas décadas atrás ao meu modo de vida, eles cercados por uma natureza desoladora, a vida nas trincheiras exigia limpeza a toda a volta, a angústia em que vivíamos, pelo contrário, era dulcificada pelo coberto florestal, sempre frondoso e assustador, em qualquer ponto lá ao fundo podia sair fogo. E olho para esta fotografia e fica-me o absurdo universal de todas as guerras, na retina e para lá dela.


A acreditar na legenda, esta águia nazi veio da chancelaria do Reich, como é que ficou de pé naquele vendaval de fogo que tudo reduziu a torresmos, é uma perfeita incógnita. Olhou-me quase insultuosamente, impávida a arrogante, o turista disse para consigo: não perdes pela demora, minha cabra, vou mostrar-te como eras, as patifarias que faziam à tua sombra.


À saída do museu, impunha-se esticar as pernas, respirar uma atmosfera sem belicismos. É nisto que o turista dá de frente com uma atração turística que já faz parte do centro de Londres, o London Eye, ao que consta veio para aqui provisoriamente, um pouco à semelhança da Torre Eiffel, está ratificada pela vontade popular. Para ser sincero, captou-se a imagem pelo contraste entre a luz e a sombra e a alvura das nuvens que imprime uma serenidade sem rival à imagem.


Karl Marx está sepultado em Highgate, Highgate Cemetery, está ele, está o pintor Patrick Caulfield, o lendário pianista Shura Cherkassky, George Eliot, o historiador Eric Hobbsaw, Alan Sillitoe, um senhor que escreveu um romance que muito influenciou o turista na sua adolescência: “Sábado à noite, domingo de manhã”. E muitíssima mais gente. Muitos visitantes, jardins bem tratados, a vedeta é mesmo Marx. Este monumento não é o primeiro, este é o mais recente, marxistas e marxistas-leninistas de todo o mundo aqui vieram venerar uma das figuras ideologicamente mais influentes dos séculos XIX e XX.



Aqui está o primitivo túmulo de Marx, ao que parece ele aqui teria o eterno descanso na companhia da mulher e da neta, se o turista não está em erro. É um tanto paradoxal este túmulo assim mutilado, não se sabe se é obra do destino se decorre do excesso de visitas e da trasladação. O túmulo azul é de Patrick Caulfield, um artista pop de que o turista tanto gosta, é possível ver alguns dos seus quadros no Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian.

E pronto, a visita está feita, confirma-se que os cemitérios britânicos são, de um modo geral, locais de grande recolhimento, podemos dar passeios aprazíveis, aqui meditar e serenar o ânimo.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17072: Os nossos seres, saberes e lazeres (200): Central London, em viagem low-cost (2) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 2 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17100: Tabanca Grande (429): Francisco Feijão, ex-alf mil, PA - Polícia Aérea, BA 12, Bissalanca, 1973/74... Novo grã-tabanqueiro n.º 737




Francisco Oliveira Feijão, ontem e hoje

Fotos: © Francisco Feijão (2017). Todos os direitos reservados


1. Mensagem do nosso novo grã-tabanqueiro Francisco Oliveira Feijão, ex-alf mil, Polícia Aérea, BA 12, Bissalancqa, 1972/74 (*)

Data: 1 de março de 2017, 21h47

Olá,  Luís,

Infelizmente só agora te posso responder.(*)

Envio-te em anexos as únicas fotos possíveis. Todas as minhas recordações da Guiné se perderam, numa das muitas mudanças que fiz, trabalhando por esse mundo fora. Espero no entanto participar com muitas das minhas recordações que, essas, sim, não estão perdidas.

Fico muito contente por ter encontrado o Eduardo [Jorge Ferreira, ex-aldf mil, PA, BA 12, Bissalanca]. Pena foi que só agora passado tantos anos.

Um grande abraço
Francisco Feijão


2. Comentário do Edurado Jorge Ferreira, dando as boas vindas ao Francisco Feijão que passa a ser o novo membro da Tabanca Grande, com o nº 737:

(...) Boa noite aos dois - meu grande amigo Luís e meu antigo camarada e Comandante de Companhia (a 1ª) da PA da BA 12, Feijão de Oliveira.

Realmente, é bem verdade o que se afirma no blogue: "O mundo é pequeno e a ... nossa tabanca é grande"! Longe estava eu de dar de caras com o Feijão e ele aparece-me no meu mail,  graças ao Luís Graça.

Já desesperava de "encontrar" mais camaradas da BA12 do meu tempo pois, além de alguns especialistas (que também vou encontrando no respetivo blogue)  só tenho mantido contacto (muito pouco, infelizmente) com o [Miguel] Pessoa, o Martins de Matos e a Giselda, frequentadores assíduos da Tabanca Grande e das suas atividades. Mas pilotos, eles, e a Giselda, enfermeira paraquedista, muito pouco tempo lhes sobrava para conviver com os camaradas de outras especialidades.

Agora com o Feijão o caso é bem diferente,  pois partilhávamos os mesmos espaços e as mesmas preocupações no dia a dia, quase posso afirmar, na hora a hora. Nós, os 9 alferes milicianos da Esquadra de Defesa Terrestre da Base éramos bem unidos,  pese embora o facto de irmos em rendição individual (assim como todos os soldados, sargentos e demais oficiais) e termos frequentado incorporações diferentes. E daí regressarmos em datas diferentes sem contactos uns dos outros e por isso com muito poucas probabilidades de organizar encontros anuais como os camaradas dos outros ramos. (...) (*)

3. Comentário do nosso editor:

Camarada Feijão, como já tive ocasião de o dizer publicamente, todos os camaradas de todos ramos e e de todas as especialidades das nossas Forças Armadas são bem vindos ao nosso blogue... e todos temos o "dever de memória"", o sentido de poder cobrir, com a partilha das nossas memórias, o período da guerra na Guiné entre 1961 e 1974...

A  FAP está bem representada na nossa Tabanca Grande, com vários "pesos pesados"... mas já sobre a Polícia Aérea  sabemos pouco, faltam-nos histórias, fotos, recordações... Mesmo sobre a BA 12, em Bissalanca, o seu dia a dia, não temos publicada grande coisa, à parte as histórias dos nossos queridos "pilav" e especialistas... que de resto têm um blogue próprio.

Vais, por certo, esclarecer qual era a missão e qual foi a história da Esquadra de Defesa Terrestre da Base, sobre a qual não sabemos nada, pelo menos a malta do Exército,

Um camarada como tu, que comandou uma companhia, a 1ª, da Polícia Aérea, em 1972/74, tem que ser recebido com honras de fanfarra!... E,  para mais sendo camarada de um camaradão como o Eduardo Jorge Ferreira..., o único PA que até  agora tínhamos na Tabanca Grande, se a memória não me atraiçoa.

Pois bem, Francisco, estás apresentado, tens um lugar à sombra no nosso poilão mágico, que protege e inspira a Tabanca Grande, e esse lugar, por ordem cronológica, é o nº 737 (***). Senta-te, arregaça as mangas, vê o teu nome inscrito na lista alfabética de  A a Z, na coluna do lado esquerdo, e sempre que te apetecer aparece para comentar os nossos postes e publicar os teus próprios textos (que terás de mandar sempre através dos emails dos nossos editores).

As nossas regras editoriais constam aqu, no nosso Livro de Estilo (poste P8588).

Também estamos no Facebook> Tabanca Grande Luís Graça
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Notas do editor:

(*) Vd poste de 22 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17071: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (107): O reencontro, através do nosso blogue, de dois camaradas da Polícia Aérea, BA 12, Bissalanca, 1972/74: os ex-alf mil Francisco Feijão de Oliveira, nosso próximo grã-tabanqueiro, e o nosso grã-tabanqueiro Eduardo Jorge Ferreira

(**) Vd. poste de 31 de agosto de 2011 >  Guiné 63/74 - P8714: Tabanca Grande (300): Apresenta-se o Eduardo Jorge Ferreira, lourinhanense, ex-Alf Mil da Polícia Aérea (BA12, 1973/74)

(...) Estive [, na Guiné, em Bissalanca,] na BA12 de 20 de Janeiro de 1973 (, triste data, a do assassínio de Amilcar Cabral. ) a 02 de Setembro de 1974, colocado na EDT (Esquadra de Defesa Terrestre) como Alferes miliciano da Polícia Aérea, onde era conhecido por Ferreira.

Quero aqui enviar um abraço especial ao (então Tenente PilAv) Pessoa, um dos primeiros senão o primeiro piloto a ser atingido por um míssil Strela e que felizmente conseguiu ejectar-se e ser resgatado pelos paraquedistas. Constato com satisfação que está de boa saúde e tem responsabilidades no blogue e fiquei agora a saber também que casou com a Enf Pára-quedista Giselda a quem saúdo igualmente. (...)

Depois de vir da Guiné e como era voluntário na Força Aérea por 6 anos,  passei pela Comissão de Extinção da Pide/DGS (Gabinete de Imprensa) e pelo Estado Maior General das Forças Armadas (1ª Divisão) donde passei à disponibilidade em Junho de 1977.

Entretanto tirei o curso de Instrutores de Educação Física e mais tarde a licenciatura em Administração Escolar, realizando o percurso normal de professor até uma determinada altura a que se seguiram 15 anos de ligação à gestão escolar, dos quais 12 como presidente. Voltei a ser unicamente professor nestes últimos 9 anos lectivos acabando a minha carreira profissional em Abril último.(...) 

Guiné 61/74 - P17099: Efemérides (247): Poema de Maria Amado dedicado a seu pai João Amado, Soldado Auxiliar de Cozinheiro da CCAÇ 3489/BCAÇ 3872), morto em combate faz hoje 45 anos (Maria Amado / Juvenal Amado)

 
 João Amado
Soldado Auxiliar de Cozinheiro, CCAÇ 3489/BCAÇ 3872
Morto em combate em 02 de Março de 1972 (*)


De Maria Amado
Para seu pai João Amado

Tenho tanta coisa para te dizer, 
tenho todas as coisas para te dizer. 
Tenho tanta coisa para te perguntar, 
tenho todas as coisas para te perguntar 

Sabes, sem ti, custa tanto, 
tudo custa mais sem ti. 

Custa acordar de manhã com a dor do vazio, 
custa olhar para a mesa sem pão, 
custa vestir a mesma roupa fria e rota, 
custa carregar o saco da escola,
fazer o caminho sozinha, entre os sorrisos dos outros 
que abafavam a minha tristeza, 
custa olhar para o recreio e vaguear a mente 
mil perguntas que me deixam invisível sem ti. 

Todos os dias da minha vida foram uma luta, 
cresci sem o teu sorriso e o teu carinho, 
esses não eram os únicos ausentes, 
nem carinhos, nem estrutura, nem referências, 
só houve dor e desconforto. 

Não houve sorrisos, 

O tempo passa e não passa nem atenua a tua ausência, 
a ausência de tudo em ti. 
Nunca houve um dia sem luta nem luto. 
Hoje fazes-me tanta falta. 
Hoje, ontem e amanhã, vão ser sempre dias e noites sem ti. 

Neste mundo sem cor, só tu me poderias dar paz. 
Tenho tanta coisa para te dizer, 
que as palavras não cabem nos sentimentos... 

Tenho tanta coisa para te perguntar.... 


Nota do editor:

Trabalho enviado pelo nosso camarada Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CCS/BCAÇ 3872 (**)
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Notas do editor

(*) Vd. poste de  27 de julho de 2010 > Guiné 63/74 – P6798: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é grande (24): Fátima Amado, filha do nosso camarada João Amado, encontra no nosso Blogue notícias sobre a morte de seu pai (Juvenal Amado / Carlos Vinhal)

(...) Caro Senhor,
As minhas mãos tremem à medida que avanço na leitura do seu relato, procuro há décadas alguém que me conte uma história de embalar, digo de embalar porque o meu coração não sossega.

O meu nome é Fátima Amado, filha de João Amado, o soldado que morreu...

Tenho por fim um relato desse dia malfadado que me roubou o meu querido pai, esse menino soldado... e embora não seja esta uma estória de embalar, 38 anos depois responde a algumas perguntas... morreu rápido, tão rápido como viveu, e eu hei-de honrá-lo e amá-lo para além do infinito.

Se alguém conheçeu o meu pai e por delicadeza queira partilhar comigo algum relato, deixo aqui o meu contacto de e-mail, mailro:fatima-amado@hotmail.com, fico-vos eternamente grata.

Fátima Amado (...)

Guiné 61/74 - P17098: Blogoterapia (285): Quando o sol escurece (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto)



1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 25 de Fevereiro de 2017:


Quando o sol escurece

O tempo passa depressa, e o que ontem era lindo hoje pode não ser…

A vida, por vezes, leva-nos para sítios onde nunca imaginamos que tal pudesse acontecer, mas acontece. Não raramente torna-se necessário fazer mudanças radicais no nosso comportamento para procurar um novo equilíbrio. Para tal, é preciso: primeiro, arrumar bem o passado e não lamentar nada do que fez.

Aquilo que poderia ter feito e não fez esqueça!
Procure para companhia alguém com pensamento positivo, tente não se deixar subjugar por vícios, pois, não raramente, são a causa maior de uma derrota que tantas vezes sem eles seria possível evitar ou minimizar.
Procure escutar pessoas que sabem daquilo que falam.
Evite pessoas que sabem tudo… e quando algo corre mal a culpa é sempre dos outros.
Escolha coisas que o ajudem, e essas por estranho que pareça, muitas vezes podem ser encontradas nas grandes dificuldades porque passou.
Se as ultrapassou também as que possa estar a viver agora podem ser ultrapassadas… não se dê nunca por vencido.
Lembre-se que depois de cair no fundo de um poço não se pode descer mais… mas voltar ao cimo pode ser possível!
Se assim não fizer, fica preso a um tempo, que no seu tempo, jamais voltará.

António Eduardo Ferreira
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16796: Blogoterapia (284): De Lisboa a Gaia para levar um abraço ao Zé Ferreira da Silva, autor das "Memórias Boas da Minha Guerra" (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto, CCS/BCAÇ 3772, Galomaro, 1971/74)

Guiné 61/74 - P17097: Brunhoso há 50 anos (12): As casas e as gentes (Francisco Baptista, ex-Alf Mil da CCAÇ 2616 e CART 2732)

Rua de Brunhoso


1. Em mensagem do dia 28 de Fevereiro de 2017, o nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), enviou-nos mais um texto sobre Brunhoso, desta vez falando sobre as casas e as gentes.


Brunhoso há 50 anos

12 - As casas e as gentes

Em Brunhoso há ruas inteiras onde não vive ninguém, nem passa vivalma. Nas Fontainhas a maior parte das casas de todas as ruas estão vazias, sem vida, fechadas e somente guardam recordações de gente que partiu há décadas para fugir a uma vida de muito trabalho, sacrifícios e privações.
Nas outras zonas da aldeia, sobretudo as menos centrais, o panorama é idêntico, vêem-se casas simples e pequenas que nos primeiros anos da diáspora para terras de França, os chefes de família, quando o dinheiro lhes começou a sobrar para esses “excessos”, procuraram melhorar em comprimento ou altura para dar mais conforto às suas famílias numerosas. Depressa se deram conta de que essas soluções em espaço e conforto não eram o que procuravam.
Com o tempo e mais poder económico, passaram a construir ou comprar casas maiores na aldeia e também, por vezes, por influência dos filhos já mais crescidos, na vila ou nas grandes cidades. Dispersas pelo casario, igualmente desabitadas, ou com um ou dois habitantes nostálgicos ou resistentes ao vendaval dos tempos que tem dispersado as gentes para muitos destinos, vêem-se as casas dos lavradores “remediados”. No geral reconhecem-se por terem, no primeiro andar da frontaria, duas janelas e ao centro uma porta com sacada. Tal como a “casa grande” da D. Adelaide, que já retratei nestas crónicas, são casas construídas na mesma época, com um estilo mais moderno, embora mais modestas e menos espaçosas.

 Casa de lavrador remediado

Ainda existem algumas casas em ruínas, ao estilo antigo, com escaleiras (escadas em Trás-Os-Montes, tal como na Galiza) exteriores, de pedra, com varandas de madeira. Nas décadas de sessenta e setenta, quando todos abandonavam a aldeia à procura de melhores condições de vida, os lavradores fizeram um derradeiro esforço, que as condições sempre débeis duma agricultura de subsistência em decadência acelerada pela saída dos seus melhores trabalhadores, lhes permitiram, para garantirem aos filhos alguma instrução e a possibilidade de procurarem também fora da aldeia alguma hipótese de futuro. Foram enviados para seminários, onde o ensino era muito mais barato mas sendo os padres demasiado exigentes e os seminários claustrofóbicos, a maior parte deles pouco se demoravam por lá. Foram depois mandados para colégios o que obrigou os pais a um esforço financeiro acrescido.


Casas antigas com escaleiras e varanda

Os lavradores, para aguentar esse esforço pouco habitual no passado, venderam terras por bom preço aos emigrantes, desejosos por adquirir esses bens, quando já tinham amealhado muito dinheiro. Um mau investimento de que se irão dar conta brevemente, quando descobrem que o seu trabalho duro e mal pago era afinal a mais valia dessas terras e sem a força do seu trabalho não tinham rentabilidade. Tiveram porém um prazer enorme em serem proprietários de hortas, olivais e grandes terras de cultivo que tinham trabalhado tantos anos para outros e que passavam a ser deles e nessa transmissão de bens eles sentiram-se renascer e crescer em poder e auto-estima.

Hoje, mesmo que muitas dessas terras estejam incultas, como a maioria das da aldeia, são propriedades deles, a terra passou a estar mais dividida e quem viveu e cresceu no meio dela tem sempre a esperança que nalgum futuro dos seus descendentes ela volte a tornar-se produtiva e útil.

Os baldões da vida e da fortuna pelos caminhos do Mundo levaram-os a uma análise e compreensão dialéctica das relações económicas e sociais muito diferentes da que tinham quando estavam limitados ao pequeno mundo onde nasceram e foram criados, sem horizontes ou aspirações para além de um trabalho duro para garantir a sobrevivência. Passaram a ser proprietários de boas casas e de terras, deixaram de ser humildes e passaram a exigir a quota de dignidade a que todos os homens têm direito. Por sua vez os velhos lavradores, os que duramente trabalhavam as terras muitas vezes também pagando jeiras a trabalhadores sem terras, morrem após esse derradeiro esforço de garantir algum futuro aos filhos, depois de verem que a terra já não lho podia garantir. A morte deles antecede o abandono progressivo dos campos e a morte anunciada há décadas dessa agricultura tão antiga que com poucas variantes reproduzia a agricultura das antigas civilizações do Mediterrâneo, do tempo de Jesus Cristo, dos romanos, dos gregos, dos antigos egípcios e outros. Amaram essas hortas, esses campos de trigo e centeio, os olivais, os sobreirais, os lameiros e regadas (campos de pasto) com o mesmo amor com que amaram as suas mulheres, os filhos, os netos, os pais e os avós, porque eles, como Xamãs da terra-mãe, estiveram sempre ligados aos seus mistérios, à sua renovação, ao milagre das colheitas do trigo, do centeio, do azeite, do vinho, das batatas e do linho.

Havia uma relação profunda entre o respirar da Terra ao ritmo das estações do ano e a vida destes homens dificilmente traduzível em palavras, porque a Terra não se exprime por palavras e os lavradores sempre na sua companhia habituaram-se a ser parcos no seu uso. A relação primordial do homem, aquela que mais o humaniza é essa relação que estabelece com a natureza e com os seus elementos. Com a morte deles e com o fim dessa agricultura milenar, perderam-se milhares e milhares de páginas, nunca escritas, de sabedoria, sobre essa comunhão tão estreita entre os homens e a natureza. Isto poderia levar-nos a fazer considerações sobre a agricultura moderna, mecanizada, intensiva, híbrida, de laboratório, industrializada. Para não alongar demasiado esta crónica deixo isso à reflexão de cada um.

A casa grande que se retrata, reproduz uma casa de lavrador rico construída na primeira metade do século XIX. Desse século havia outras casas grandes, talvez cinco, propriedades dos lavradores ricos, que tinham anexas ou próximas as lojas do gado, os palheiros, as curraladas e por vezes as casas dos criados, quando não dormiam na loja dos animais. Essas casas grandes, de paredes de xisto cobertas com cal, com mais de um metro de largura, foram construídas num estilo incaracterístico, somente com a preocupação de serem espaçosas e sólidas. Duas dessas casas recordo-me que foram transformadas e em parte modernizadas para um estilo mais actual.


Casa de lavrador rico

Curralada de lavrador rico, de 1817

Outras duas foram demolidas por compradores que construíram casas novas nesse espaço. Quem as construiu e quem primeiro as habitou, é hoje uma incógnita pois a história não escrita da terra, aquela que se transmite pelo falar das gentes de geração em geração, diz-nos que todas as famílias de grandes proprietários de terras que dominaram a aldeia a maioria dos anos do século vinte eram originárias doutras povoações mais ou menos distantes.

 Casa antiga

Quando eu era criança ainda, conheci a família dos Pereiras, dois irmãos e uma irmã, mais velhos do que os meus pais, que não deixaram herdeiros, de quem se dizia que eram os descendentes da família mais rica de Brunhoso. Ao tempo eram lavradores modestos, muito discretos, educados e duma delicadeza extrema no trato com toda a gente. Dos antepassados deles se dizia que com uma lapada (o mesmo que pedrada) de um homem, se percorria toda a área agrícola da freguesia sempre a atingir uma propriedade deles.

Terá havido um padre Coelho, homem muito rico, dono da "Casa das Feiticeiras" que pelo seu estilo senhorial penso que terá sido construída pelos Távoras, e que a família dele terá adquirido quando essa família poderosa caiu em desgraça. Com a morte do padre nos finais do século XIX sem deixar herdeiros, os seus bens terão sido adquiridos (ou herdados?) pela família Neves Ferreira, originária da aldeia de Castelo Branco.

Fala-se também da família Brás, outros grandes proprietários, com raízes antigas na aldeia, que terão vendido à família Felgueiras e a outras famílias, sendo o mais conhecido, por ser o mais recente ainda com algum poder económico, que terá já morrido nas primeiras décadas do século vinte, o João Brás, que acabou por vender a quase totalidade dos bens que restavam da família. As causas que provocavam a ruína dessas família ricas, que levou a que tivessem que vender todos os bens a famílias provenientes doutras freguesias do concelho terão sido as seguintes: má administração, jogo, dificuldade em escoar os produtos agrícolas, envelhecimento ou indolência das novas gerações habituadas a viver sem trabalho e sacrifícios. A administração dessas casas agrícolas sabe-se que nem sempre era exemplar: no geral esses lavradores ricos não exerciam outra actividade agrícola a não ser supervisionar o trabalho dos outros, serviço de que por vezes encarregavam feitores. Os filhos e os outros descendentes também raramente sujavam as mãos no trabalho da terra. Tinham que sustentar os filhos e a restante família que no geral nada produzia, tinham que pagar e alimentar criados e criadas e ainda pagar a muitos trabalhadores que contratavam para as colheitas e outros serviços.

 Rua de Brunhoso

O escoamento dos produtos agrícolas nalguns anos era difícil e pouco rentável. O jogo de cartas a dinheiro, antes de Salazar tomar o poder era uma autentica praga disseminada entre os povos do interior, que destruía casas e fortunas. Salazar com leis drásticas e uma fiscalização muito rigorosa acabou com esse vício. O ditador, que sempre teve como um objectivo nacional que o país fosse auto-suficiente em produtos agrícolas através da criação dos Grémios e das Federações Agrícolas garantiu também o escoamento da maior parte dos produtos agrícolas com algum lucro, com bastante nalguns anos, para os lavradores.

O trabalho na lavoura a baixo custo, garantiu-o pela ausência de sindicatos, salário mínimo e segurança social. Aproveitou para tal o vazio laboral que tinha herdado da Monarquia e da Primeira República, reforçado com alguma vigilância discreta sobre possíveis tentativas de alteração da ordem vigente. Os grandes lavradores e até os médios conseguiram ter mais rentabilidade e estabilidade económica durante o Estado Novo enquanto os trabalhadores sem terra nada beneficiaram com essa política.

Francisco
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16948: Brunhoso há 50 anos (11): Crasto, Fraga do Poio e Rio Sabor (Francisco Baptista, ex-Alf Mil da CCAÇ 2616 e CART 2732)