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sexta-feira, 7 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24457: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXI: Na ocupação da península de Gampará, com a farda do PAIGC, a G3 e um maço de cigarros "Português Suave"... (pp. 207-211)


Guiné > Brá >  c. 1965/66 > Mulheres a trabalho na bolanha. (Foto do álbum de Virgínio Briote, 2005) (Foto reproduzida na pág. 208, do livro do Amadu Dajló)


Guiné > Brá > c. 1973 > Batalhão de Comando dos da Guiné > Tenente graduado 'cmd' Zacarias Saiegh, à direita do Major 'cmd' Raul Folques Foto reproduzida na pág. 210, do livro)



Capa do livro do Amadu Bailo Djaló,
"Guineense, Comando, Português: I Volume:
Comandos Africanos, 1964 - 1974",
Lisboa, Associação de Comandos,
2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.



O autor, em Bafatá, sua terra natal,
por volta de meados de 1966.
(Foto reproduzida no livro, na pág. 149)


Síntese das partes anteriores:

(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné Conacri, começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii) depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido, por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757;

(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló (Cacine, Catió, 1929 - Tite, 1971)

(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;

(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual ele participaçou, com toda 1ª CCmds, sob o comando do cap graduado comando João Bacar Jaló (pp. 168-183);

(xi) a narrativa é retomada depois do regresso de Conacri, por pouco tempo, a Fá Mandinga, em dezembro de 1970; a companhia é destacada para Cacine [3 pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, entre dez 1970 e jan 1971]; Amadu Djaló estava de licença de casamento (15 dias), para logo a seguir ser ferido em Jababá Biafada, sector de Tite, em fevereiro de 1971;

(xii) supersticioso, ouve a "profecia" de um velho adivinho que tem "um recado de Deus (...) para dar ao capitão João Bacar Jaló"; este sonha com a sua própria morte, que vai ocorrer no sector de Tite, perto da tabanca de Jufá, em 16 de abril de 1971 (versão contada ao autor pelo soldado 'comando' Abdulai Djaló Cula, texto em itálico no livro, pp.192-195) ,

(xiii) é entretanto transferido para a 2ª CCmds Africanos, agora em formação; 1ª fase de instrução, em Fá Mandinga , sector L1, de 24 de abril a fins de julho de 1971.

(xiv) o final da instrução realizou.se no subsector do Xitole, regulado do Corunal, cim uma incursão ao mítico Galo Corubal.

(xv) com a 2ª CCmds, comandada por Zacarias Saiegh, participa, em outubro e novembro de 1971, participa em duas acções, uma na zona de Bissum Naga e outra na área de Farim;

(xvi) em novembro de 1971, participa na ocupação da península de Gampará (Op  Satélite Dourado, de 11 a 15, e Pérola Amarela, de 24 a 28).


1. Continuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digital, do seu livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).

O nosso  camarada e amigo Virgínio Briote, o editor literário ou "copydesk" desta obra,  facultou-nos uma cópia digital. O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem cerca de nove dezenas de referências no nosso blogue.


Guiné > Região de Quínara > Carta de Fulacunda (1955) (Escala: 1/50 mil) : Posição relativa de Gampará, rios Geba e Corubal, tabancas de Braia e Cubajal, bem como Uaná Porto.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano:

Parte XXXI:  Na ocupação da península de Gampará, com a farda do PAIGC, a G3 e um maço de cigarros "Portuguès Suave"... 
(pp. 207-211)

Na segunda quinzena de novembro[1] fomos para Quinara, na altura em que estava a decorrer a ocupação da península de Gampará. Armados com o nosso material, G-3 e respectivos equipamentos e fardados com roupa idêntica à do PAIGC, tomámos um barco em Bissau e navegámos na direcção de Quinara. 

Quando chegámos a um local adequado, o barco encostou à margem e começámos a desembarcar, amarrados aos ramos das árvores. Depois de reagrupados começámos a progressão rumo ao objectivo.

O sol estava a pôr-se e passámos a noite ali perto. De manhã, logo que o dia começou a clarear, retomámos a progressão até atingirmos uma bolanha, onde vimos mulheres[2] a fazerem as últimas colheitas.

Dirigimo-nos a elas, que ficaram muito surpreendidas com a nossa chegada. Dissemos-lhes que éramos do PAIGC e que tínhamos recebido G-3, para confundir os tugas. E que nos estávamos a deslocar para as proximidades de Tite, para atacarmos o aquartelamento nessa noite ou na próxima. Pareceu-me que ficaram convencidas, não sei se todas, e por volta das 16h00 despedimo-nos delas.

Quando estávamos a abandonar o local recebemos uma mensagem para arranjarmos um local para pernoitarmos, mas numa zona onde pudéssemos ser retirados por helicópteros.

Escolhemos uma grande bolanha de lavra de arroz onde os helis podiam aterrar à vontade. Nessa madrugada adormeci por uns momentos e estava a sonhar que um avião, um Dakota, cheio de passageiros, se estava a dirigir na nossa direcção, a baixar, a baixar, até que acabou por cair com um grande estrondo. Gritei bem alto e acordei sobressaltado, com os companheiros a perguntarem o que estava a acontecer.

De manhã voltámos a encontrar as mulheres, que ficaram surpreendidas quando nos viram. Uma começou a falar muito à vontade connosco e, a certa altura perguntou-nos:

– Vocês não disseram ontem que iam atacar Tite?

O tenente Saiegh respondeu que tínhamos recebido ordem para esperarmos aqui nesta zona, que os aviões nos vinham buscar.

A mulher perguntou se os aviões podiam aterrar neste local. Que sim, que podiam, respondeu. No meio desta conversa, ouvimos o ruído de uma avioneta que pediu a nossa localização.

Localizados facilmente, pouco tempo depois chegaram os helis que pousaram na bolanha e não demorou muito estávamos todos no ar. Entregaram-nos novas cartas topográficas, a missão tinha sido alterada.

Fomos largados junto a uma tabanca, na roda do rio Geba. Andámos um pouco, cortámos à direita e entrámos num carreiro com muitas marcas de pegadas. Ia direito a Cubajal. No trajecto encontrámos um velhote que nos disse que ia para a tabanca, onde tínhamos acabado de ser largados, e que vinha de Cubajal.

Perguntámos-lhe se nos podia acompanhar. Respondeu que tinha medo de estar na tabanca, que um avião andava lá em cima desde manhã. Saiegh garantiu-lhe que não ia acontecer nada e ele foi connosco. Enquanto caminhávamos ia conversando com o velhote e a certa altura disse que era o chefe da tabanca de Cubajara, informação que transmiti ao Saiegh.

Quando chegámos reunimos a população da tabanca. Era muita gente. Dissemos-lhes que éramos do PAIGC, que já tínhamos G-3 para confundirmos os tugas. E que tínhamos a informação que Gampará tinha sido ocupada pela tropa. Responderam que sim, que tinha sido ocupada. Estava ali o chefe da tabanca de Gampará que se levantou para se apresentar.

Continuámos a reunião dizendo-lhes que tínhamos vindo com uma missão, falar sobre mantimentos.

 Vocês sabem perfeitamente que nada nos falta na República da Guiné-Conakry. Mas não podíamos trazer connosco tudo o que precisávamos, por isso, têm que ter paciência, tem que nos reabastecer durante o cumprimento da nossa missão.

Foi assim que nos dirigimos à população da tabanca de Cubajal.

Foram rápidos a responder. Que podíamos contar com eles, que tinham arroz em quantidade suficiente para sustentar todos os combatentes pela Liberdade da Pátria que passassem em Cubajal.

O tenente Saiegh voltou a tomar a palavra para dizer que brevemente o quartel de Gampará iria cair nas nossas mãos, do PAICG, claro. Quando acabou de falar começaram a ouvir-se palmas e de um momento para o outro toda a gente aplaudia. Foi uma salva de palmas da população para o comandante da 1ª companhia de Comandos. O almoço ficou pronto e convidaram-nos a comer à vontade.

Perguntei a um rapaz que estava próximo se todos os chefes das famílias estavam ali connosco. Não, havia, ali em frente, uma família, respondeu-me.

Peguei na minha arma, chamei um soldado para me acompanhar e fui ao encontro de um homem que estava a comer com os filhos ao lado. Depois dos cumprimentos e do convite para almoçarmos com eles, perguntou-me de onde tínhamos vindo.

– De Conakry  respondi.

– De Conakry, com G-3?

   É por isso mesmo – comecei a responder    que estamos a convocar reuniões para toda a população saber que nós também temos G-3 para confundir os tugas.

Ele levantou-se e disse aos filhos para continuarem a comer.

 
– Também podes continuar a comer à vontade    disse eu. 

Que não estava bem, via-se na cara e na expressão,  que estava desconfiado.

Eu estava a fumar um cigarro, um Português Suave, e ele pediu-me um. Meti-lhe um cigarro na boca para o acender mas ele disse que primeiro gostava de lavar a boca. Pegou no cigarro, virou-o até à marca e depois meteu-o na boca, abanando a cabeça. Peguei-lhe num braço, levei-o até ao local da reunião, mandei-o sentar-se ao pé de mim e disse-lhe que não fizesse qualquer sinal às outras pessoas da tabanca.

Um dizia que desde o começo da guerra nunca a tropa lá tinha posto os pés, que tinha havido um ataque da aviação que tinha causado apenas um ferido ligeiro. Outro dizia que Cubajal era um local sagrado. Estava toda a gente a falar quando vimos uma avioneta aproximar-se. Quando estava quase em cima de nós, com todos a olhar para o ar, alguns disseram que era melhor afastarmo-nos e escondermo-nos.

Então dissemos quem éramos. Que os aviões não lhes iam fazer mal. Uma pessoa perguntou se aquele, o Saiegh, que estava ali com um aparelho estava a falar com o avião.

   Está – respondeu alguém. – Nós somos dos Comandos da Guiné, que alguns de vocês chamam criminosos. Estivemos convosco de manhã até agora, não matámos nem batemos em ninguém. Se formos atacados respondemos, isso é verdade. Quando há guerra é assim e tem que ser encarada com seriedade, não é brincadeira.

Toda a gente da tabanca estava surpreendida, menos um, o que eu tinha ido buscar. Ele sabia perfeitamente que não éramos do PAIGC.
Não falou nem uma vez, manteve-se sempre calado. Quando uma pessoa se levantou para falar, reparei que o homem fixava o olhar no orador, como se quisesse fazer um sinal, mas eu também nunca tirei os olhos dele. O erro do Português Suave não me saía da cabeça.



Português Suave" é uma marca de cigarros portuguesa, produzida e comercializada pela Tabaqueira a partir de 1929,, tendo passado a pertencente ao grupo Philip Morris International, desde 1997.  A imagem que se reproduz deve ser de 1975 ou data posterior, quando a Tabaqueria era E.P. (Cortesia da página, de Iana Peiu (Paris) >  "Peiuana", 23 de dezembro de 2013)

A reunião terminou com a avioneta em cima de nós. Foi-nos dada ordem de abandonarmos o local e levar connosco os chefes das tabancas de Cubajal e Gampará para a tabanca de Braia, que ficava junto ao rio, a cerca de uma hora de marcha. Ficámos com eles em nosso poder até de manhã. Depois demos a cada um cerca de 50 folhas de tabaco e um quilo de noz de cola e mandámo-los embora, de regresso a Cubajal.

Cerca de uma hora mais tarde recebemos ordem para nos dirigirmos para o porto de Uanazinho. Uma marcha de um dia inteiro, sem nada para comer. Tínhamos começado a andar às 08h00 da manhã e chegámos por volta das 18h30. Depois de ter comunicado a nossa chegada, o tenente Saiegh recebeu ordem para seguirmos para Gampará.

Dormimos um pouco, iniciámos a caminhada às 06h00 até que, por volta das 10h00, encontrámos uma tabanca com muitas cabras amarradas. Saiegh deu instruções para reunir a população da tabanca e para um grupo ficar de vigilância. Deu também ordem para se matarem três cabras, para as assarmos, porque já não víamos comida há muitas horas.

Na caminhada de regresso vimos manchas de sangue no caminho. Era sangue de páras que por ali tinham passado, viemos a saber depois. Nessa mesma operação tinham acabado de passar por ali, mesmo antes de nós. Já traziam um ferido e um deles pisou uma mina, que atingiu mais dois companheiros. (**)

Em Gampará soube que em vez de três tinham sido mortas quatro cabras, embora só nos tivessem apresentado três. A outra, pelo que vim a saber, era para levarem para Bissau. Mandei chamar o soldado e dei-lhe ordem para me trazer a cabra. Nem disse uma palavra, foi buscá-la e trouxe-a inteira.

Perguntei aos soldados o que é que pretendiam que se fizesse à cabra. Cozinhá-la, responderam. Que um tinha arroz e outro óleo de palma, acrescentou outro.

Dirigi-me em seguida para o aquartelamento e fui procurar o Saiegh para saber o que íamos fazer a seguir. Regressar a casa, missão terminada. Amanhã vem um barco que nos vai levar de regresso.

Avisei os meus soldados e aproveitei para lhes dizer que podemos roubar para matar a fome, não para levar para casa. Roubar e levar para casa é um crime e um mau vício.

Antes de embarcarmos, chegou um heli com o General Spínola. À frente da nossa companhia e da dos páras fez um pequeno discurso.
_____________

Notas do autor e/ou editor literário:

[1] Nota do editor: as CCmds participaram nas operações da instalação do COP7 na península de Gampará, designadamente a “Satélite Dourado”, entre 11/15Nov71, e a “Pérola Amarela”, entre 24 e 28 Novembro 1971. 

A criação do Comando Operacional nº 7, em 24/11/1971, tinha como finalidade concretização a execução de um reordenamento da população de Ganjauará / península de Gampará, e limitar a atividade IN na região de Quínara. (Nota do editor LG)

[2] Biafadas.

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Subtítulo / Negritos: LG]
____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 19 de junho de 2023 > Guiné 61/74 - P24414: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano; Parte XXX: A guerra pela população (pp. 204-206)

(**) O Amadu Djaló não terá feito confusão com outra data ?

Vd. poste de 21 de fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1540: Os pára-quedistas também choram: Operação Pato Azul ou a tragédia de Gampará, em 4 de Março de 1972 (Victor Tavares, CCP 121)

(...) Desta tragédia para a família pára-quedista, que jamais esquecerá este dia , resultaram:

(i) seis mortes, Alf Mil Paraquedista Abreu, Furriel Pára-quedista Cardiga Pinto, PCB/Pára-quedista 47/68 Santos , PCB/Pára-quedista 129/69 Almeida , Sol/Pára-quedista 318/69 Jesus , PCB/Pára-quedista 412/69 Sousa;

(ii) 2 feridos graves e nove com menos gravidade , Furriel Pára-quedista Casalta (Comandante da 1ª secção do 2º Pelotão) , Sol Pára-quedista Inês (evacuado para a metrópole ), Ferreira , Tavares, Ventura, e 1º Cabo Pára-quedista Figueiredo, todos do 2º Pelotão, e o Sold Pára-quedista Salgado - Estilhaço de alcunha - do 1º Pelotão, faltando três por identificar pois, passado todos estes anos, já não me recordo, e ficará para sempre uma saudade enorme D’AQUELES EM QUEM PODER NÃO TEVE A MORTE. (...) 

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23995: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (15): Humilhados e ofendidos... (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista, CCP 121 / BCP 12, 1972/74, natural de Águeda)


Victor Tavares

1. O Victor Tavares, natural de Águeda, conterrâmeo e amigo do nosso Paulo Santiago (outro dos nossos "históricos"),  antigo presidente da junta de freguesia de Recardães, sua terra natal, não foi um "tipo qualquer"... Foi um grande combatente e um dos melhores do melhores: ex-1.º cabo paraquedista, da CCP 121 / BCP 12 (Bissalanca, 1972/74),  Tem cerca de meia centena de referências no nosso blogue. Integra a Tabanca Grande desde 6 de outubro de 2006. É, portanto, um dos nossos "veteranos".

Justifica-se, por muitas razões,  a reprodução deste excerto de um poste já muito antigo (*): o Victor dá-nos aqui o retrato do abandono e da humilhação, a que foram sujeitos, em Cacine, os militares que, sob as ordens do comandante do COP 5, major Coutinho e Lima (1945-2022), abandondaram Guileje, em 22 de Maio de 1973, chegando a Gadamael, também fortemente atacada pelo PAIGC, a seguir a Guileje, e salva pelos pára-quedistas e a Marinha -, refugiando-se depois em Cacine. 

A "batalha dos 3 G" foi há 50 anos  (**)... Ainda há gente que se lembra, e participou nos acontecimentos, em Guidaje, em Guileje, em Gadamael... O Vitor Tavares esteve lá,  em todas... Este texto, que voltamos a reproduzir, é também uma forma de ele "fazer a prova de vida"... Andou há tempos atrapalhado com sérios problemas de saúde... Felizmente, superou-os, está melhor, já voltou ao seu Facebook... 

Um abraço fraterno para ele. LG


Gadamel Porto, o outro inferno a sul

por Victor Tavares



Depois de regressada do inferno de Guidaje (***), a Companhia de Caçadores Paraquedista (CCP) 121 encontrava-se estacionada em Bissalanca [Base Aérea n.º 12], gozando um curto período de descanso, após a desgastante acção que tivera no norte da província.

Daí o Comando Chefe entender que os 4 a 5 dias de descanso concedidos já eram demais e ser necessário o reforço das nossas tropas aquarteladas em Gadamael por se encontrarem em grandes dificuldades. Acaba, por isso, por dar ordens para rumarmos a Gadamael, para onde partimos a 12 de Junho de 1973.

Partindo de Bissau em LDG [Lancha de Desembarque Grande] com destino a Cacine, onde chegámos a meio da tarde deste mesmo dia. Como a lancha que nos transportava, não conseguia atracar ao cais por falta de fundo, fomos fazendo o transbordo por várias vezes em LDM [Lanchas de Desembarque Médias] para aquela localidade.

Foi então, logo na primeira abordagem da lancha, que me apercebi que na mesma estava um indivíduo que pela cara me pareceu familiar. No entanto, como o mesmo se encontrava vestido à civil,  calções, camisa aos quadradinhos toda colorida e sandálias de plástico transparente - pensei ser porventura algum civil que andaria por ali no meio da tropa, o que seria natural e podia eu estar errado.

Depois de toda a tropa estar desembarcada, indicaram-nos o local onde iríamos ficar, num terreno frente ao quartel de Cacine. Instalámo-nos e de seguida fomos dar uma volta pelas redondezas, até que no regresso deparo com a mesma criatura, sentada no cais com ar triste e pensativo, típico da pessoa a quem a vida não corre bem. 

Eu vinha acompanhado do paraquedista Vela, meu conterrâneo – e hoje meu compadre. Perguntei-lhe:

Ouve lá, aquele tipo ali não é nosso conterrâneo?

Responde ele:

− Sei lá, pá, isto é só homens.

 "Gadamael ?!... Vocês vão lá morrer todos!"

Por ali estivemos na conversa mais algum tempo, até que tomei a iniciativa de me dirigir ao fulano uma vez que ele continuava no mesmo sítio. Acercando-me dele, perguntei-lhe:

  
 Diz-me lá, camarada, por acaso tu não és de Águeda ?

Responde-me ele:

 −  Sou.
E pergunta-me de seguida:

 E, você, não é de Recardães?

Digo-lhe que sim, cumprimentamo-nos e vai daí perguntei-lhe o que é que ele estava ali a fazer, porque de militar não tinha nada. Respondeu-me que não sabia o que estava ali a fazer, de uma forma triste e ao mesmo tempo em tom desesperado e desanimado.

Entretanto com o desenrolar da conversa, ele perguntou o que estávamos ali a fazer, eu respondi que na madrugada seguinte íamos para Gadamael Porto... Qual não é o meu espanto quando ele põe as mãos à cabeça, desesperado e desorientado, e me diz:

− Não vão, porque vocês morrem lá todos!

Tentei acalmá-lo, dizendo-lhe para estar descansado que nada de grave ia acontecer, pedi-lhe para me contar o que se passava, vai daí, começa ele a relatar o que tinha passado em Guileje e Gadamael até chegar a Cacine. Na verdade depois de o ouvir, não me restaram dúvidas que ele tinha mais do que sobejas razões para estar no estado psicológico aterrador em que se encontrava .


Os militares portugueses que abandonaram Guileje, 
foram tratados como desertores e traidores à Pátria

Entretanto, informa-me da sua situação militar daquele momento tal como a de outros camaradas que abandonaram Guileje. Neste grupo estava também outro meu conterrâneo, que o primeiro foi chamar, vindo este a confirmar tudo.

O que mais me chocou foi a forma desumana como estes militares foram tratados, depois da sua chegada a Cacine, sendo considerados como desertores e cobardes, quando, em meu entender, se alguém tinha que assumir a responsabilidade dessa situação, seriam os seus superiores e nunca por nunca os soldados.

Estes homens foram humilhados por muitos dos nossos superiores  
 que eram uns grandes heróis de secretária!  , foram proibidos de entrar no aquartelamento, não lhes davam alimentação, o que comiam era nas Tabancas junto com a população. 

As primeiras refeições quentes que já há longos dias não tomavam, foram feitas por estes dois homens juntamente com os paraquedistas, porque o solicitei junto do meu Comandante de Companhia, capitão paraquedista Almeida Martins – hoje tenente general na reserva   ao qual apresentei os dois camaradas do exército que lhe contaram tudo por que passaram.


Os dois desgraçados de Guileje eram meu conterrâneos: 
o Carlos e o Victor Correia

Solicitei ao meu comandante para eles fazerem as refeições junto com o nosso pessoal, prontificando-me eu a pagar as suas diárias, se fosse necessário. Ele autorizou os mesmos a fazerem as refeições connosco enquanto não tivessem a sua situação resolvida e a nossa cozinha que dava apoio ao bigrupo que estava de reserva, ali se mantivesse.

O meu comandante expôs o problema destes homens ao comandante do aquartelamento do exército, solicitando que o mesmo fosse resolvido com o máximo de brevidade uma vez que a situação não era nada dignificante para a instituição militar.

É de salientar que estes dois homens já não escreviam aos seus familiares há mais de um mês, porque não tinham nada com que o fazer. Fui eu que lhes dei aerogramas para o fazerem e os obriguei a escrever, porque o seu moral estava de rastos e a vida daqueles militares já não fazia sentido. Dormiam debaixo dos avançados das Tabancas enrolados em mantas de cor verde, não tendo mais nada para vestir a não ser o camuflado.

Estes meus dois conterrâneos que atrás refiro eram o Carlos (que infelizmente já faleceu, natural do lugar de Perrães, Oliveira do Bairro) e o Victor Correia (de Aguada de Baixo, Águeda, e que hoje sofre imenso de stresse pós-traumático de guerra) (****)

[ Selecção / Revisão e fixação de texto / Substítulos / Parênteses retos / Negritos, para efeitos de edição deste poste: LG]
_____________

Notas dos editores:

(*) Vd. postes de:


(**) Ultimo poste da série > 21 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23903: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (14): "Cobarde num dia, herói no outro" (João Seabra, ex-alf mil, CCav 8350, 1972/74)

(***) Vd. postes de:

25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

(****) Estes camaradas devem ter pertencido à CCAV 8350 (ou a subunidades adidas, os "Piratas de Guileje" foram os últimos a deixar Guileje, por ordem do comandante do COP 5, o então major Coutinho e Lima (*****).  

Recorde-se que, de 18 a 22 de Maio de 1973, o aquartelamento de Guileje foi cercado pelas forças do PAIGC (Op Amílcar Cabral), obrigando as NT a abandoná-lo (juntamente com algumas centenas de civis)

(i) 2 grupos de combate da CCAÇ 4743 (unidade de quadrícula de Gadamael) (incluindo o seu comandante); 

(ii) CCAV 8350 (unidade de quadrícula de Guileje) (incluindo o comandate do COP 5, major Coutinho e Lima);

(iii) Pelotão de Artilharia, comandado pelo Al Mil Pinto dos Santos (já falecido); 

(iv) Pel Cav Reconhecimento Fox (reduzido, havendo apenas duas Fox); e

(v) Pelotão de milícias local...

 A Companhia Independente de Cavalaria 8350/72 foi a unidade de quadrícula de Guileje entre outubro de 1972 e maio de 1973. Viu morrer em combate nove dos seus homens, entre algumas dezenas de feridos. Foi seu Comandante o Cap Mil Abel dos Santos Quelhas Quintas,  também ferido.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23919: Facebook... ando (70): A Op Grande Empresa (reocupação do mítico Cantanhez) foi há 50 anos (Victor Tavares, ex-1º cabo ap MG 42, CCP 121/BCP 12, 1972/74)



Guiné > Região de Tombali > Rio Cumbijã > Proximidades de Caboxanque (?) > Op Grande Empresa (que começou em 11 e 12 de dezembro de 1972) LDM > Imagens do 1º cabo apontador de MG 42, Victor Tavares, CCP 121 / BCP 12, 

Foto (e legenda): © Victor  Tavares (2022).Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Escreveu o Victor Tavares, na sua página do Facebook, em 25 de dezembro de 2022, às 22:48:

Faz hoje 50 anos que a CCP 121 e o BCP 12, estavam envolvidos numa das mais arriscadas e perigosas operações executada nos trez Teatros de Operações em Africa... Operação entregue à responsabilidade do Comandante do BCP 12, Tenente Coronel Paraquedista Araujo e Sá, com dois nomes de código: "Grande Empresa", este dado pelo Comandante-Chefe, e "Tigre Perigoso", pelo BCP 12. Reocupação do Cantanhez, onde participaram outras forças do Exército, da Marinha e da Força Aérea. A mesma teve início a 12 de dezembro de 1972... E no dia de Natal comeu-se a primeira refeição quente. O pão foi substituído por bolachas de água e sal... Outros tempos, outras guerras, que alguns poucos recordam.

2. Comentário do editor LG:

Victor, há natais que nunca mais se esquecem. E menos ainda as guerras por onde andámos.  Em março de 2008 tive ocasião de conhecer o que restava do Cantanhez do teu tempo. Um verdadeiro inferno verde. Deslumbrante mas onde havia marcas de guerra. Tudo nos falavava da guerra que por ali passara, há 40 an0s, mesmo no mais recôndito da floresta onde se escondiam os irãs dos nalus... O silêncio da floresta não conseguia abafar os muitos anos de guerra e as bombas que lá foram largadas, incluindo napalm... A Op Grande Empresa foi um duríssimo golpe para o PAIGC e o orgulho de Amílcar Cabral.  Caía por terra o último dos mitos, o dos dois terços de território libertado... É claro que neste tipo de território, de extensa floresta-galeria, cruzada por míríades de cursos de água, não há áreas controladas nem libertadas... Mas a resposta do PAIGC foi a do costume: fugir para se reagrupar... A resistência das suas tropas foi fraca, não foi capaz sequer de defender a sua população... Mas também é verdade que Spínola estava a gastar os seus últimos cartuchos... E um mês depois Amílcar Cabral seria abatido como um cão pelos seus homens...  

E tudo isto, para quê, Victor? Nada disto valeu a pena, incluindo o sacrifício inútil de milhares de jovens combatentes de ambos os lados, das dezenas de milhares de mulheres, crianças e velhos da população civil, afinal as grandes vítimas do conflito... Nada, de resto, que tirasse o sono ao Amílcar Cabral ou ao Spínola ou ao Marcello Caetano...

Entende isto, Victor, como uma "reflexão de paz natalícia", e que não pretende de modo algum pôr em causa a qualidade excecional da tua subunidade (CCP 121) e da sua unidade (BCP 12) nem muito menos o grande combatente, de corpo inteiro, de grande coragem e estofo moral que tu foste. Aproveito também para fazer a "tua prova de vida"...  Quando publicares coisas do teu facebook que interessem também ao blogue, dá uma apitadela!... Um melhor ano de 2023, para ti e toda a família. Luís.
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segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23733: Louvores e condecorações (13): O Batalhão de Caçadores Paraquedistas (BCP 12), condecorado em 10 de abril de 1968, com a Medalha de Cruz de Guerra de 1.ª classe


BCP 12, composto pelas CCP 121, 122 e 123. Imagem da página do Facebook do nosso camarada Victor Tavares [ex-1º cabo paraquedista, CCP 121/ BCP 12, BA 12,  Bissalanca, 1972/74; tem mais de 45 referências no nosso blogue ]:


Decreto 48328, de 10 de Abril

Corpo emitente: Presidência do Conselho - Secretaria de Estado da Aeronáutica
Fonte: Diário do Governo n.º 86/1968, Série I de 1968-04-10.
Data: 1968-04-10
  
Sumário. Condecora o Batalhão de Caçadores Pára-Quedistas n.º 12 com a Medalha de Cruz de Guerra de 1.ª classe.

Texto do documento > Decreto 48328

O Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º 12, aquartelado na Guiné, apesar da sua recente constituição, rapidamente se impôs como uma unidade de elite, agressiva, corajosa e audaz, com um notável espírito de corpo e apurada técnica na contrassubversão. 

A intensa atividade operacional que vem desenvolvendo é verdadeiramente notável, traduzindo-se em inúmeras operações, desde operações com larga duração, como, por exemplo, a «Operação Marabunta», em que durante cerca de um mês atuou permanentemente fora dos seus aquartelamentos,  e que foi um exemplo de tenacidade, espírito de sacrifício e apurada técnica, até a rápidos golpes de mão, em que com duros contactos infligiu pesadas perdas em material e pessoal ao inimigo, como, por exemplo, na «Operação Trovão», em que capturou cerca de 5 t de material de guerra, e a «Operação Ciclone II», em que aniquilou completamente um bigrupo inimigo, eliminando cerca de 40 dos seus elementos e aprisionando os restantes 19, todos armados.

Recentemente o Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º 12 atuou com brilhantes resultados em zonas onde já há largo tempo não havia acções da nossa parte, tendo-se especialmente distinguido no Cantanhez, no Como e no Quitafine.

A par das suas ações de força de intervenção, tem ainda sabido captar simpatias entre a população civil, exercendo uma notável ação psicológica junto dela, com resultados muito vantajosos para a luta contra a subversão que ali se trava.

Por tudo o que fica exposto, o Batalhão tem-se destacado, através dos seus oficiais, sargentos e praças, que formam um grupo equilibrado e homogéneo, exemplo da tropa de intervenção como uma verdadeira unidade de elite, contribuindo, de maneira decisiva, para a viragem da situação no Sul da província, honrando assim as forças paraquedistas e tendo da sua atuação na província, considerada brilhante e altamente honrosa, resultando prestígio para a Força Aérea e admiração e reconhecimento das outras forças armadas, pelo que merece ser apontado como exemplo.

Usando da faculdade conferida pelo n.º 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo o seguinte:

Artigo único. 

É condecorado o Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º 12 com a Medalha de Cruz de Guerra de 1.ª classe, por satisfazer às condições referidas no artigo 13.º do Decreto 35667, de 28 de Maio de 1946.

Publique-se e cumpra-se como nele se contém. 

Paços do Governo da República, 10 de Abril de 1968. - AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ - António de Oliveira Salazar - Manuel Gomes de Araújo - Joaquim Moreira da Silva Cunha - Fernando Alberto de Oliveira.

Para ser publicado no Boletim Oficial da Guiné. - J. da Silva Cunha.

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Nota do editor:

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19026: In Memoriam (322): Manuel Maria Veira Carneiro (27 jan 1952 - 11 set 2018), natural do Marco de Canaveses, ex-sold paraquedista, CCP 121 /BCP 12 (Bissalanca, 1972/74)... Nosso grã-tabanqueiro, a título póstumo, nº 777.


Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Festa de Nossa Senhora do Socorro >  27 de julho de 2008 >    Manuel Carneiro, membro da Tabanca de Candoz e,  agora, a título póstumo, da Tabanca Grande, com o nº 777.





Tancos > Regimento de Caçadores Paraquedistas > BCP 12 > CCP 121 > 1971 > O Manuel Carneiro é o terceiro a contar da esquerda para a direita. Nascido em 1952, ainda não tinha 20 anos nesta data... Foto do Para Dias  Dias (o quarto), com a devida vénia).  [Edição e legendagem: Bogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Soube, através da Alice Carneiro, que morreu no passado dia 11 o nosso camarada Manuel Maria Vieira Carneiro, que pertencia à Tabanca de Candoz... Fiquei triste. Falei com ele uma meia dúzia de vezes,  se tanto. E tem duas ou três referências no nosso blogue (*). Era amigo e camarada do Victor Tavares, de Águeda, nosso grã-tabanqueiro da primeira hora.

O funeral foi a 12 do corrente, às 18h30, na igreja de Nª Senhora do Socorro, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses- Os seus restos mortais repousam agora no cemitério local, a última (e eterna) morada também dos meus sogros, José Carneiro e Maria Ferreira, fundadores da nossa Quinta de Candoz, pais da Alice Carneiro.

À esposa do nosso já saudoso camarada Manuel Carneiro, às suas filhas e aos seus netos, aos seus amigos e aos seus/nossos camaradas da CCP 121 / BCP 12, os editores deste blogue e os demais membros da Tabanca Grande manifestam a sua solidariedade na dor por esta perda precoce, aos 68 anos,  de mais um dos bravos da Guiné.



2. "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande": foi a expressão que  usei quando encontrei e conheci, pela primeira vez,  o Manuel Carneiro, ex-paraquedista da CCP 121/BCP 12, que esteve na Guiné entre 1972 e 1974.

Quem, primeiro, me tinha falado dele  fora o Victor Tavares, à mesa do Restaurante Vidal, em Aguada de Cima, Águeda, em 2 de março de 2007, tendo a nosso lado o Paulo Santiago, os dois membros, da primeira hora, da nossa Tabanca Grande.

Como então tive ocasião de escrever, o Victor Tavares é "um digno representante dessa escola de virtudes humanas e militares que foram (e são) os paraquedistas".

Valoroso elemento da CCP 121 /BCP 12, na Guiné, entre 1972 e 1974, 1º cabo, famoso apomtador da MG42, sofreu nove baixas mortais: seis na Operação Pato Azul (Gampará, Março de 1972) e três na heroica 5ª coluna que, entre 23 e 29 de maio de 1973, rompeu o cerco a Guidaje. Estes episódios já aqui foram evocados pelo Victor, com dramatismo, autenticidade e rigor (*).

À mesa, na conversa que tive com o Victor, ao almoço, à volta de um delicioso leitão,  deu também para perceber que ele é também um grande homem, um grande português e um grande camarada, que foi um notável operacional mas que não se envaidecia pelo seu brilhante currículo como combatente e pelo facto de ainda hoje privar com os seus antigos oficiais, incluindo aquele que foi seu comandante e que atingiu o posto de tenente-general (Manuel Bação da Costa Lemos, hoje na reforma, condecorado com a Medalha de Valor Militar, grau Prata com Palma), posto esse que é dificilmente alcançável entre as tropas paraquedistas...

O Victor, que tem conhecido as agruras da doença, foi e continua a ser muito respeitado pela família paraquedista, camaradas e superiores hierárquicos... Por isso, a  sua presença, na nossa Tabanca Grande, desde longa data,  só nos pode honrar, sobretudo pela sua grande experiência, camaradagem e lealdade. Não sei se ele já foi, entretanto, informado do camarada Manuel Carneiro.

3. Foi também nessa ocasião, em março de 2007, que eu vim a saber que um grande camarada e amigo do Victor era um tal Manuel Carneiro, conterrâneo e vizinho da minha mulher, Maria Alice Ferreira Carneiro, natural de Paredes de Viadores, concelho do Marco de Canaveses… Não têm, porém,  qualquer parentesco, conhecido,  entre si, apesar do apelido Carneiro…

No dia 2 de Setembro de 2007, seis meses depois, acabei por conhecer, em carne e osso, o Manuel Carneiro. Estava eu a acabar as minhas férias de Verão, passando os últimos dias na pacatez e frescura da nossa Quinta de Candoz, com vista para a albufeira da barragem do Carrapatelo… No dia 2 era a festa do São Romão, orago da freguesia, Paredes de Viadores. Por volta das 16h, decidimos ir dar uma volta até ao sítio onde se realizava a festa do São Romão que não se compara, nem de longe nem de perto, com a grande festa anual da freguesia e do concelho, que é a Senhora do Socorro, na última semana do mês de Junho de cada ano…

São Romão resume-se, em boa verdade, a um pequena procissão e pouco mais. Mas nesse dia actuava o Rancho Folclórico da Associação Juvenil de Paredes de Viadores… Assisti à (e filmei a) segunda parte deste simpático e jovem rancho, fundado em 1997. No final, entendi dever dar uma palavrinha reconhecimento e de estímulo ao respectivo director, que eu não sabia quem era…

Levaram-me até ele e, qual não é a minha surpresa, quando, lá chegado, ele dispara, rápido, a seguinte exclamação:
- Mas... é o Dr. Luís Graça!
- Já nos conhecemos de algum lado?
- Do blogue, pois, claro! Do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné! Sou camarada do Victor Tavares, paraquedista da 121…
- Podes então dispensar o doutor!… Dá-me cá um abraço, que os camaradas da Guiné tratam-se todos por tu!

Fiquei então a saber que o Manuel Carneiro, na altura com 55 anos, pai de três filhas, era nosso vizinho, conhecia muito bem a família da minha mulher, os Carneiro de Candoz, que era reformado da CP- Camainhos de Ferro, que residia no Juncal, mesmo junto à estação do Juncal (Linha do Douro, entre Marco de Canaveses e Mosteiró) e que assumira há pouco tempo funções de director do Rancho Folclórico da Associação Juvenil de Paredes de Viadores

A conversa inevitavelmente foi parar ao blogue, à Guiné e aos paraquedistas. O Manuel Carneiro estava amiudadas vezes com o Victor, nos convívios periódicos da Companhia (CCP 121) e do Batalhão (BCP 12), nomeadamente em Tancos.

Prometi-lhe, logo ali,  apadrinhar a sua entrada na nossa Tabanca Grande. Disse-me que ainda não tinha endereço de email mas que ia com frequência visitar o nosso blogue, a partir do computador da filha mais nova.

Prometi-lhe também divulgar o rancho (por quem ele mostrava muito amor e carinho e a que dedicava um boa parte do seu tempo), tanto no nosso blogue como no blogue da Tabanca de Candoz, a Nossa Quinta de Candoz…

Um mês depois, hoje, cumpri uma parte do prometido…Carreguei, no You Toube, o vídeo que tinha gravado na festa de São. Romão  [Vd. A Nossa Quinta de Candoz, poste de 7 de outubro de 2007]... é A voz que, entretanto, se ouve no vídeo é a do Manuel Carneiro a quem eu saudei logo, na altura, como "novo membro da nossa tertúlia".

Na realidade, o Manuel Carneiro nunca chegou a ingressar, formalmente, na nossa Tabanca Grande, por falta de endereço de email e da foto da praxe, do tempo da CCP 121 / BCP 12 e da Guiné (1972/74), mais a história que faz parte da "joia de entrada"...

Infelizmente, esse lapso não foi corrigido "em vida"... Ao longo destes anos, fui vendo.o, mas com irregularidade, "lá na terra", na festa de Nª Sra. do Socorro ou no dia de finados...

Onze anos depois, e a agora que ele "da lei da morte já se libertou", o Manuel Carneiro entra diretamente para a nossa Tabanca Grande. É a nossa pequena homenagem a este homem,  bom e simples, amigo do seu amigo, camarada do seu camarada. (**)

 O Manuel Carneiro, cuja campa irei visitar na  próxima oportunidade,  não ficará, assim, na "vala comum do esquecimento". (***)
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

6 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17939: Manuscrito(s) (Luís Graça) (127): O Dia de Fiéis Defuntos na Tabanca de Candoz: aqui a tradição ainda é o que era..

21 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10702: Tabanca de Candoz: Há a bazuca e a... mazurca; ou aqui não há festa sem música, sem dança no terreiro, sem contradança, valsa, fado, baile mandado..., ou seja, sem as velhas, novas, tunas rurais de Entre Douro e Minho...

(**) Último poste da série de 4 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P18982: In Memoriam (321): Joaquim Carlos Rocha Peixoto (Penafiel, 1949 - Porto, 2018): dois poemas, um de Josema (José Manuel Lopes) e outro, de Luís Graça

(***)  Último poste da série > 2 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18891: Tabanca Grande (466): Manuel Gonçalves, ex-alf mil manutenção, CCS / BCAÇ 3852, Aldeia Formosa, 1971/73; ex-aluno dos Pupilos do Exército, transmontano, vive em Carcavelos, Cascais. Senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 776.

sábado, 11 de junho de 2016

Guiné 63/74 - P16192: Efemérides (230): O 10 de junho de 2016, em Belém: um herói vivo, cor inf cmd Raul Folques e um grupo de grã-tabanqueiros que não costumam faltar a este convívio de antigos combatentes, entre outros, António Fernando Marques, Arménio Estorninho, Carlos Silva, E. Magalhães Ribeiro, Fernando Jesus Sousa, Francisco Silva, João Carlos Silva, Joaquim Nunes Sequeira, José Nascimento, Mário Fitas, Miguel & Giselda Pessoa, e Silvério Lobo


Foto nº 1 > Um herói vivo, o cor inf comando ref Raul Folques, com os seus 76 anos, condecorado em 9/10/2015 com o Grau Oficial, com Palma, da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito.

Recorde-se, de acordo com o respetivo sítio Oficial, na Net,. que a "Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito é a mais importante Ordem Honorífica portuguesa", destinando-se "a galardoar méritos excecionalmente distintos no exercício das funções dos cargos supremos dos órgãos de soberania ou no comando de tropas em campanha. Da mesma forma, premeia feitos excecionais de heroísmo militar ou cívico e atos ou serviços excecionais de abnegação e sacrifício pela Pátria e pela Humanidade."


Foto  nº 2 > Mário Fitas e Raul Folques


Foto nº 3 > Raul Folques com duas crianças a quem o pai fez questão de apresentar e mostrar um "herói vivo", português, de Portugal... Na escola, já não se fala de heróis, muito menos vivos, e muito menos da "guerra do ultramar"... Temos dificuldade em lidar com o nosso passado recente em relação ao qual vai demorando o aparecimento de uma terceira via, mais suave, mais assertiva, mais despojada de emoções, entre  as duas leituras, redutoras e extremadas do "10 de junho", do nosso espectro político-ideológico, a da extrema direita (discreta nas habitualmente presente neste espaço simbólico)  e a da extrema esquerda (completamente ausente)...


Foto nº 4 >  O nosso coeditor e "ranger" Magalhães Ribeiro, membro, este ano, da organização do XXIII Encontro Nacional de Combatentes... Um dos "últimos soldados do império",  que continua a ser um combatente dedicado e generoso.


Foto nº  5 > O Magalhães Ribeiro, de Matosinhos, nunca falta ao 10 de junho em Belém... Não me lembro de nunca o ter visto nos anos anteriores, mesmo sendo eu presença irregular nestes eventos que, confesso, me deprimem, desde sempre: este ano já éramos menos, até por causa da ponte (longa, de 6ª feira a 2ª feira, em Lisboa)... 

Cada vez seremos menos, e daqui a dez anos, vamos todos em cadeira de rodas, os que tiverem o privilégio ou a sorte de lá chegar... Recordo sempre o provérbio popular que diz: "Muita saúde e pouca vida, que Deus não dá tudo"... Não foi Deus que disse que "a sorte protege os audazes". Usemos (,mas não abusemos de) a  sorte...

Entretanto, o mundo  pulou e avançou e já ninguém terá pachorra para ouvir falar da "guerra do ultramar".... Esta é que é a verdade "nua e crua"... Até lá, daqui a 10 anos, compete-nos continuar a viver, a sobreviver e a mostrar, aos mais novos, que fomos uma grande geração... que soube fazer a guerra e a paz!... Fizemos a guerra, os nossos representantes tinham que saber fazer a paz... Não a fizeram, não quiseram ou não a souberam fazer, tivemos nós, afinal,  que saber fazer a guerra e a paz... 

Quem, daqui a 100 anos, nos vai acusar de quem fomos incompetentes nos dois tabuleiros? Camaradas, não nos compete fazer parte do tribunal da história... Fomos nós que a fizemos, a história, não nos compete escrevê-la... Mas não cedamos à chantagem daqueles que nos querem calar, à esquerda, ao centro ou à direita... Acho que é isso que estas fotos querem dizer...


Foto nº 6 > O Núcleo de Sintra da Liga dos Combatentes, representado pelo nosso grã-tabanqueiro (nº 608)  Joaquim Nunes Sequeira... Pela 23ª vez, levando o guião do Núcleo de Sintra. A seu lado, o nosso "gandulo" Mário Fitas.


Foto nº 7 > João Carlos Silva, ex-1º cabo especialista MMA, da FAP (BA 6, Montijo, 1979/82), que nos dá a honra de se sentar à sombra do poilão da nossa Tabanca Grande, desde 22/2/2009.  Aqui com o  guião da AEFA - Associação dos Especialistas da Força Aérea.

Também encontrei o Victor Barata,  fundador, administrador e editor do blogue Especialistas da BA 12, Guiné 1965-74, e nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, mas infelizmente esqueci-me de tirar uma foto com ele (e o irmão)... Transmitiu-me uma ideia que fica aqui registada: as relações entre os especialistas MMA, da BA 12, Bissalanca, com os pilotos, nomeadamente dos Fiat G-91,  eram boas, mas poderiam ter sido excelentes... É uma opinião.  Mas eu poderia dizer o mesmo: a distância (social), no Exército, entre os combatentes e os seus comandantes (nomeadamente a nível de batalhão) era, em  geral, muito grande e talvez perniciosa.

 Os nossos oficiais superiores, nomeadamente no exército, nunca perceberam que essa distância podia comprometer, irremediavelmente, o desempenho operacional. Com a exceção de Spínola, ao nível dos generais, e talvez das tropas especiais (BCP 12, fuzileiros, etc.), ninguém, percebeu ou estava interessado em perceber isso; que um líder é aquele que vai à frente, mostrando o caminho...

Nunca tive um comandante de batalhão que me mostrasse o caminho, e a única vez em que um tenente coronel alinhou ao meu lado, no mato, fui eu, fomos nós, que lhe mostrámos o caminho. Esse oficial superior chamava-se Polidoro Monteiro, mas contavam-se pelos dedos os líderes militares, os grandes comandantes operacionais, como o Raul Folques, o Alpoim Calvão ou o capitão Comando graduado Bacar Jaló ou o ten cor pqdt Araújo e Sá...  Ao nível dos graduados subalternos, milicianos (oficiais e sargentos), a seleção e a formação não terão sido menos desastrosas... Em suma, fomos todos entregues aos bichos... Ou melhor, e para não ser tão radical: às vezes, eu tive a sensação de que estávamos entregues aos bichos...


Foto nº 8 > A banda da GNR - Guarda Nacional Repúblicana, que abrilhantou a cerimónia


Foto nº 9 > Aspeto parcial dos participantes e do Monumento aos Combatentes do Ultramar


Foto nº 10 > O casal mais "strelado" do mundo: o Miguel e a Giselda Pessoa (atrás, de óculos)


Foto nº 11 > Da direita para a esquerda; o Francisco Silva, o "nosso" cirurgião ortopedista, o algravio Arménio Estorninho (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70),  mais outro camarada que veio com ele. e que esteve em Porto Gole com o Jorge Rosales (lamentavelmente, não fixámos o seu nome)


Foto nº 12 > Ao centro o Mário Fitas, nas pontas o José Nascimento (CART 2520) e o Arménio Estorninho (CCAÇ  2381)




Foto  nº 13 > O Silvério Lobo, mais um camarada da sua companhia (de quem também não fixei o nome mas que, segundo o Hèlder Sousa, é o Lino Rei, de Pinhal Novo)


Foto nº 13 > O José do Nascimento e o Arménio Estorninho, dois camaradas  do Barlavento algarvio, mais exatamente de Lagoa, que também é a terra do António Camilo. 


Foto nº 14  > O Fernando de Jesus Sousa,  bedandense,  DFA... > Depois de uma livro aubiográfico vai lançar um de poesia proximamente, lá para novembro,,,


Foto nº 15 > Carlos Silva e António Fernando Marques



Foto nº 16 > Luís Graça e António Fernando Marques, dois velhos camaradas da CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71)


Foto nº 17 > O guião da AVECO - Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste, com sede na Lourinhã


Foto nº 18 > Em primeiro plano, o António Basto, um dos dirigentes da AVECO


Foto nº 19 > Acabadas as "hostilidades", reconfortada a alma, matadas as saudades, é preciso alimentar o corpo: o piquenique da malta da AVECO.

Lisboa, Belém, Forte do Bom Sucesso, Monumento aos Combatentes do Ultramar > XXIII Encontro Nacional de Combatentes >  10 de junho de 2016 > Alguns camaradas com quem falei e a quem fotografei...

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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