CART 730 / BART 733
e Grupo de Comandos “Os Fantasmas” e "Os Camaleões",
Bissorã e Brá, 1964/66, membro da Tabanca Grande
desde 3/12/2005
(i) Julgo que vale a pena deixar escrito alguns eventos, durante o período de 6 de Maio a 11 de Junho 1965, alguns deles relacionados com a operação Ciao na mata de Catungo, em [6 e 7 de ] maio de 1965.
Na carreira de tiro dos paraquedistas, alguns dias antes tinha perdido uma aposta com o Morais, pelo que me competia em qualquer altura pagar-lhe um almoço no Grande Hotel.
Como alvo, daquela vez, foram escolhidas 3 garrafas distanciadas umas das outras (também havia quem preferisse latas e até granadas). A aposta consistia em, virados de costas para cada uma delas, e por 3 vezes consecutivas, dar um salto, enfrentá-las e, instintivamente com a G-3 em patilha automática, dar apenas uma rajada de 3 tiros e, por sequência, acertar nas que ainda se encontrassem intactas.
Como não me foi dito que havia saída para o mato nesse dia, resolvi então convidá-lo para ir almoçar uma vez que faltavam poucos dias para ele regressar à Metróple.
Depois do almoço num ambiente calmo e agradável encontravámo-nos a beber whisky, a observar o que nos rodeava e a falar de coisas triviais, quando vimos o yenente Saraiva dirigir-se para nós pelo que pensámos que se ia sentar connosco.
Desde o meu primeiro dia que senti que iria ter boas relações com o ten [mil 'comamdo'] Saraiva [comandante do Gr Cmds "Os Fantasmas"] e assim aconteceu quer em Brá quer nas nossas deambulações por Bissau ou em operações. No mato admirava o seu empenhamento, a sua descontração e o seu à-vontade.
Na carreira de tiro dos paraquedistas, alguns dias antes tinha perdido uma aposta com o Morais, pelo que me competia em qualquer altura pagar-lhe um almoço no Grande Hotel.
Como alvo, daquela vez, foram escolhidas 3 garrafas distanciadas umas das outras (também havia quem preferisse latas e até granadas). A aposta consistia em, virados de costas para cada uma delas, e por 3 vezes consecutivas, dar um salto, enfrentá-las e, instintivamente com a G-3 em patilha automática, dar apenas uma rajada de 3 tiros e, por sequência, acertar nas que ainda se encontrassem intactas.
Como não me foi dito que havia saída para o mato nesse dia, resolvi então convidá-lo para ir almoçar uma vez que faltavam poucos dias para ele regressar à Metróple.
Depois do almoço num ambiente calmo e agradável encontravámo-nos a beber whisky, a observar o que nos rodeava e a falar de coisas triviais, quando vimos o yenente Saraiva dirigir-se para nós pelo que pensámos que se ia sentar connosco.
Desde o meu primeiro dia que senti que iria ter boas relações com o ten [mil 'comamdo'] Saraiva [comandante do Gr Cmds "Os Fantasmas"] e assim aconteceu quer em Brá quer nas nossas deambulações por Bissau ou em operações. No mato admirava o seu empenhamento, a sua descontração e o seu à-vontade.
Afinal tinha acabado de chegar do Gabinete do Governador e Comandante-Chefe, onde tinha ido receber informações sobre uma operação e sabendo por alguém que me encontrava com o Morais no Grande Hotel, foi ter connosco e disse-me para regressar a Brá o mais depressa possível a fim de me equipar para dentro de poucas horas partir para uma operação no Sul da Província, tendo o Morais, que já tinha acabado a comissão de serviço, dito que também ia.
Então, foi-nos comunicado nessa altura que, dado o pouco tempo disponível, nos daria pormenores durante o trajecto. Já em Brá vários camaradas dos outros dois grupos ["Os Camaleões" e "Os Panteras".] , ao saberem que o nosso grupo ía sair, insistiram com o Morais para não ir mas ele foi peremptório e disse:
Progredindo silenciosamente por aqueles trilhos do mato naquela noite, escura como breu, em que à distância de um braço já não se via o camarada da frente, G-3 na mão e dedo no gatilho, 4 carregadores à cintura e nenhuma granada... [E aqui abro um parêntese, para confessar que fiquei com uma certa aversão ao lançamento de granadas, que aliás todos nós as sabemos lançar, alguns porém só em teoria, desde que, durante um tiroteio, numa das operação da CART 730 em que, para não largar a arma, resolvi utilizar só uma mão, pegando assim na granada com a mão esquerda e, sem pensar, uma vez que quer em treinos no CIOE (em Lamego), quer num dos combates já as tinha utilizado, daquela vez não sei o que é que me passou pela cabeça, o certo é que tentei imitar, talvez em desespero, o que via fazer em filmes de guerra, pelo que tentei puxar a argola com os dentes e o resultado foi óbvio, não só não consegui como fiquei com a ponta de um dente partido, tendo depois, como é natural, achado prudente ficar caladinho.]
Continuando a progressão, e com todos os sentidos em alerta para aquela operação que se afigurava espinhosa e, tentando não perder o camarada da frente, dois pensamentos iam-me constantemente martelando a cabeça: "o que é que eu ando para aqui a fazer no meio do mato nesta noite tão escura, sujeito a perder-me, levar com um balázio que me pode deixar incapacitado para toda a vida ou matar-me, quando ainda não há muito tempo me encontrava bem instalado e livre de perigo ?"...
E o outro: "Anda para aqui um gajo a dar o corpo ao manifesto enquanto muita malta nova na Metrópole anda neste momento a divertir-se em bares e em boites, e outros mais expeditos piraram-se do país, quando..."
Já estávamos tão perto do acampamento que, quase de repente, esbarrámos com um sentinela que foi mais lesto a detectar-nos, pelo que começou a fazer fogo, seguindo-se logo fogo cerrado dos seus camaradas.
Reagimos ao fogo até conseguirmos calar as armas do IN tendo depois entrado no acampamento que, segundo as informações que nos tinham sido dadas, era ocupado por cerca de 80 homens comandados por Pansau Na Isna.
Excitados com o êxito do golpe de mão em que não sofremos feridos e em que foram causadas baixas que não foi possível estimar, depois da debandada e a subsquente destruição do acampamento, seguimos carregados com todo o material abandonado pelo IN para junto de um Pelotão que nos aguardava a alguns quilóemtros de distância.
Ao alvorecer foi possível olharmos com mais atenção para esse material, que a seguir descrevo [e que o Amadu Djaló omite no seu relato]:
- Pist met PPSH >3 ;
- Carregadores p/ pist met PPSH > 10;
- Bolsas lona p/ carregadores PPSH > 8;
- Espingarda semiautomática M-52 > 1;
- Esp Mosin-Nagant > 1;
- Pistola CESKA > 2;
- Carregador p/ pist. Ceska > 1;
- Aparelho pontaria p/ Mort. 60 > 1;
- Granada mort. 60 > 4 ;
- Capas lona p/ mort. > 3;
- Mina A/P PMD-7 > 3;
- Granada de mão defensiva DEF F-1 > 7;
- Granada de mão ofensiva RG-4 > 4;
- Cunhetos p/ Gr Mão Of RG-4 > 1;
- Sabre p/esp. Mauser > 1;
- Carr. p/ metr lig RPD > 4;
- Carr. p/ PM 25 > 2;
- Cunhetos metálicos p/mun. > 2;
- Lâminas carregadores p/ esp. Simonov > 23;
- Estojo limpeza p/ esp. Simonov > 1;
- Cartuchos cal. 7,62 > 1.262;
- Cartuchos cal. 7,65 > 39;
- Cartuchos cal. 7,9 > 773;
- Cartucheiras diversas > 13;
- Detonadores pirotécnicos > 27;
- Disparadores p/ minas > 11;
- Disparadores tipo MUV > 10;
- Petardos > 4;
- Cordão neutro > 4 mts.;
- Bornais lona > 15;
- Suspensórios lona > 23;
- Bolsas lona p/ carr. Degtyarev > 3;
- Bolsas lona p/ acessórios > 3;
- Almotolias > 3;
- Capecetes de aço > 1;
- Calças de caqui > 8;
- Camisas de caqui > 7
- Outro material > Vários livros e documentos. Material sanitário diverso: pensos individuais; ligaduras; algodão; comprimidos de sulfamidas; embalagens de penicilina; frascos de Sanergina; pinças; tesouras; tesouras de laquear; seringas; agulhas para injecções e ligaduras elásticas.
Pela razão já anteriormente descrita, foi dito ao Morais e ao Amadú para, a título voluntário, regressarem ao acampamento juntamente com outros que os quisessem acompanhar.
Andávamos descontraídos dentro do acampamento à procura de mais material, tendo por isso subestimado a estratégia do IN, pelo que, passado não muito tempo, fomos todos nós (eramos 10) repentinamente atingidos por aquela bem orientada e por isso maldita granada de LGFog, ao que se seguiram durante algum tempo rajadas de várias armas.
(Em suma: O grupo que devido às circunstâncias foi muito sacrificado, era composto no início por 30 homens. Em 28 de novembro de 1964 uma explosão no regresso de uma operação causou 8 mortos e 2 feridos que foram evacuados para o HMP, em Lisboa. Tendo sido interveniente em mais operações, só no início de fevereiro de 1965 foi recompletado com um furriel (!!!). Em 20 de abril de 1965, na região do Inscassol ficámos 4 feridos com estilhaços de granada.)
Não sei como, mas o certo é que, apesar de feridos em Catungo, ripostámos e aguentámo-nos como pudemos até que com alívio vimos a chegada dos restantes elementos do Grupo que, ouvindo o tiroteio e pensando que estávamos em apuros, foram em nosso socorro e assim afastaram o perigo.
Depois de se certificarem que o IN tinha desaparecido ajudaram-nos a chegar até junto do Pelotão que nos aguardava, onde foram então feitos tratamentos sumários aos feridos, tendo o Grupo regressado a Cacine e daí para Bissau, com excepção de dois que de Cacine foram directamente de heli para o Hospital.
Andávamos descontraídos dentro do acampamento à procura de mais material, tendo por isso subestimado a estratégia do IN, pelo que, passado não muito tempo, fomos todos nós (eramos 10) repentinamente atingidos por aquela bem orientada e por isso maldita granada de LGFog, ao que se seguiram durante algum tempo rajadas de várias armas.
(Em suma: O grupo que devido às circunstâncias foi muito sacrificado, era composto no início por 30 homens. Em 28 de novembro de 1964 uma explosão no regresso de uma operação causou 8 mortos e 2 feridos que foram evacuados para o HMP, em Lisboa. Tendo sido interveniente em mais operações, só no início de fevereiro de 1965 foi recompletado com um furriel (!!!). Em 20 de abril de 1965, na região do Inscassol ficámos 4 feridos com estilhaços de granada.)
Não sei como, mas o certo é que, apesar de feridos em Catungo, ripostámos e aguentámo-nos como pudemos até que com alívio vimos a chegada dos restantes elementos do Grupo que, ouvindo o tiroteio e pensando que estávamos em apuros, foram em nosso socorro e assim afastaram o perigo.
Depois de se certificarem que o IN tinha desaparecido ajudaram-nos a chegar até junto do Pelotão que nos aguardava, onde foram então feitos tratamentos sumários aos feridos, tendo o Grupo regressado a Cacine e daí para Bissau, com excepção de dois que de Cacine foram directamente de heli para o Hospital.
(ii) N[esta ] operação, a 6 de maio, efectuada a um acampamento situado na mata a SW de Catungo (Cacine), em que foi capturado grande quantidade de material de guerra e sanitário, o Grupo (reduzido a 22 homens) teve 10 feridos, entre eles o capitão de artilharia Nuno José Varela Rubim que mais tarde ficou a comandar a Companhia de Comandos.
Em virtude de ter sido ferido com alguma gravidade fui evacuado de heli para o Hospital Militar em Bissau, bem assim como um grande amigo e camarada, o furriel Joaquim Carlos Ferreira Morais, que, infelizmente, faleceu a meu lado e do qual ouvi a última palavra.
Como era amparo de mãe, e não tinha meios financeiros, teve que ser feita uma subscrição a fim de se angariar fundos para que o corpo pudesse regressar a Portugal.
Com a extinção do meu Grupo, que estava reduzido a pouco mais do que meia dúzia de homens, fui integrado num dos dois restantes, "Os Camaleões", os quais também acabaram por desaparecer, tal como o outro, "Os Panteras", devido a muitos dos seus elementos terem terminado a comissão e estarem a aguardar o embarque. Deste modo deixaram de existir os três primeiros Grupos de Comandos formados no 1º Curso e tornou-se necessário criar o 2º. Curso, no qual participei"
(iii) Não consegui resistir à tentação de escrever estas linhas quando vi um Alouette que aparece no blogue (poste P924), pois trouxe-me velhas recordações.
Isto, porque quando fui ferido nas costas em 7 de maio de 1965, em Cacine, durante o trajecto de madrugada para Bissau, e em zonas diferentes, tentaram alvejar o heli por 2 ou 3 vezes, não posso precisar.
Tinham-me injectado morfina e colocado de barriga para baixo numa maca de lona colocada no lado exterior direito do heli. Quando dos primeiros tiros e no meio da minha sonolência pensava: "Oxalá que nenhuma das balas acerte na maca pois fico furado!"... E naquela altura nem me passou pela cabeça que podiam acertar no heli. Mais à frente novos tiros, mesmo pensamento mas já desejoso que o heli chegasse ao Hospital. No lado esquerdo do heli colocaram o corpo do camarada [o fur mil 'comando' Morais] que faleceu a meu lado .
Isto, porque quando fui ferido nas costas em 7 de maio de 1965, em Cacine, durante o trajecto de madrugada para Bissau, e em zonas diferentes, tentaram alvejar o heli por 2 ou 3 vezes, não posso precisar.
Tinham-me injectado morfina e colocado de barriga para baixo numa maca de lona colocada no lado exterior direito do heli. Quando dos primeiros tiros e no meio da minha sonolência pensava: "Oxalá que nenhuma das balas acerte na maca pois fico furado!"... E naquela altura nem me passou pela cabeça que podiam acertar no heli. Mais à frente novos tiros, mesmo pensamento mas já desejoso que o heli chegasse ao Hospital. No lado esquerdo do heli colocaram o corpo do camarada [o fur mil 'comando' Morais] que faleceu a meu lado .
(iv) No Hospital durante uma visita da D. Beatriz Sá Carneiro, ela perguntou-me o que é que eu precisava e lembrei-me então de lhe pedir um Monopólio para a caserna dos nossos praças, tendo ela satisfeito o solicitado.
Por ironia do destino, em 22 do mesmo mês de maio o ten Maurício Saraiva, deslocou-se a Lisboa a fim de no dia 10 de Junho, no Terreiro do Paço, ser promovido a Capitão por distinção e condecorado com a Medalha de Valor Militar com Palma.
No dia em que o ten Saraiva estava a ser agraciado [em Lisboa, no 10 de junho de 1965] fomos para terrenos perto da Base Aérea fazer treinos de saltos de helicópteros e um dos instruendos que ia no meu atrapalhou-se de tal maneira que, ao saltar bateu, com toda a força com a G-3 num dos vidros que o partiu.
Passados vários meses, o alf Rainha para se vingar dos danos infligidos aos seus camaradas do Grupo extinto , ["Os Fantamas" ] foi, estoicamente, com o seu recém-formado grupo "Os Centuriões", no qual tinham sido integrados dois ou três dos feridos da Op Ciao, atacar o mesmo acampamento.
Passados vários meses, o alf Rainha para se vingar dos danos infligidos aos seus camaradas do Grupo extinto , ["Os Fantamas" ] foi, estoicamente, com o seu recém-formado grupo "Os Centuriões", no qual tinham sido integrados dois ou três dos feridos da Op Ciao, atacar o mesmo acampamento.
No jornal "Os Centuriões", oferecido em 21 de agosto de 1965 pela Centuria em Brá
ao Centro de Instrução de Comandos cuja abertura foi dedicada aos velhos "Fantasmas", pode ler-se.
"Nós, os Centuriões, sucessores dos famosos Fantasmas, dedicamos-lhes este terceiro número do jornal como prova de admiração pelos seus feitos e faremos o possível para os igualar e superar se a isso, como diz Camões, 'não nos faltar engenho e arte' (ser comando é uma arte).
"Queremos aqui deixar também a nossa homenagem aos nobres soldados de 'Os Fantasmas«, caídos no campo da luta em defesa do torrão Pátria e garantir aos vivos que faremos todo o possível para vingar as suas mortes" (...) (***)
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 726 (Out 64 / Jul 66) > O pessoal em operações militares: na foto, acima, transporte às costas de um ferido, evacuado para o HM 241, em Bissau, por um helicóptero Alouette II (versão anterior do Alouette III, que nos era mais familiar, sobretudo para aqueles que chegaram à Guiné a partir de 1968). Foto do Alberto Pires, editada pelo Jorge Félix.
Fotos: © Alberto Pires (Teco) / AD - Acção para o Desenvolvimento, Bissau (2007) / Jorge Félix (2009). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
___________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 7 de janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P23958: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XVII: O maluco do Honório nunca mais!... E depois o meu adeus à guerra dos “Fantasmas”, maio de 1965
(**) Vd. postes de:
3 de dezembro de 2005 > Guiné 63/74- P312: Velhos comandos de Brá: Parreira, o últimos dos três mosqueteiros (Virgínio Briote)
30 de junho de 2006 > Guiné 63/74 - P929: Felizmente falharam os tiros no heli (João Parreira)
15 de julho de 2006 > Guiné 63/74 - P961: No dia em que fui ferido pelos homens de Pansau Na Isna (João Parreira, Gr Cmds Fantasmas, Catungo, Maio de 1965)
(***) Último poste da série > 28 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23823: (De) Caras (190): Vitor Amaro dos Santos (Lousã, 1944 - Coimbra, 2014), o primeiro comandante´da CART 2715 / BART 2917 (Xime, 1970 /72): continuamos a honrar a sua memória