Jorge Picado
Cap Mil
CCAÇ 2589 e CART 2732,
Guiné,
1970/72)
1. Recebemos do nosso camarada Jorge Picado uma mensagem, no dia 10 de Julho, onde ele relata como foi parar a Mansabá, onde teve a elevadíssima honra (digo eu) de comandar a CART 2732. Por pouco tempo, para sua sorte, dirá o Jorge.
Caro Luís
Envio um pequeno trecho que acabei por fazer a que junto algumas fotos de Mansabá, mas se não for considerado de valor para editar não o publiquem.
Acedendo ao pedido do amigo Carlos Vinhal vou fazer-lhe a vontade de explicar como me transformaram em Capitão da sua CART 2732, que nunca foi minha, uma vez que lá estive de passagem apenas durante 52 dias (cheguei a 6 de Março de 1971 e abalei a 29 de Abril).
Um abraço
Jorge Picado
2. Cumprindo ordens superiores, vou legendar as fotos que o meu Cap Jorge Picado enviou.
Foto 2 > Porque será que nesta foto não consigo identificar ninguém? Será das fardas ou dos barretes? Por isso o espumante nunca chegava ao Bar de Sargentos! (CV
Foto 3 > Mansabá, 13 de Abril de 1971 > Nesta foto estão, da esquerda para a direita: A Professora Primária de Mansabá, a Esposa do Chefe de Posto, o Chefe de Posto, o senhor José Leal e o Cap Mil Jorge Picado
Foto 4 > Mansabá, 13 de Abril > O pai babado segura a filhota, que foi batizada neste mesmo dia, ajudado pelo Cap Picado e sob o olhar atento do Alf Mil Casal
Foto 5 > A mesma festa vista de outro ângulo, onde me reconheço à civil, seguido do Alf Mil Bento, Alf Mil Med Rolando, Fur Mil Enf Marques e Alf Mil Op Esp Rodrigues. Ao fundo a, mesa de honra que se vê empormenor nas fotos 3 e 4.
Foto 6 > Aqui reconheço, de pé, da esquerda para a direita, o primeiro é o Alf Mil Bento (CMDT do meu Pelotão), o quarto é o Alf Mil Médico Dr. Rolando, seguido do Cap Mil Picado e os dois últimos, são respectivamente, o 1.º Sarg Santos, hoje Ten Cor na Reforma e o 1.º Sarg Rita também já na situação de Reforma. Sentados. Destacado, o 1.º Cabo João Carlos (impedido da Messe de Oficiais), depois em baixo o Alf Mil Casal, a seguir desconheço quem é, depois um dos miúdos que ajudavam nas duas Messes (onde comiam e estudavam) e finalmente o Alf Mil Op Esp, Rodrigues.
Fotos: © de Jorge Picado (2008). Direitos Reservados
Legendas de Carlos Vinhal
Foto 7 > Mansabá, Outubro de 1971 > Já agora, se me permites caro Jorge, aqui fica uma foto da festa do 1.º aniversário da pequenita do senhor José Leal, onde aparece a mãe, que se bem me lembro se chamaria D.Olinda. Espero que tanto ela como o marido ainda gozem de boa saúde. Bem merecem pelos prazeres de mesa que nos proporcionaram.
Foto: © de Carlos Vinhal (2008). Direitos Reservados
3. Como cheguei a Comandante da CART 2732
Por Jorge Picado
Sendo um individualista naquela guerra, uma vez terminada a Comissão do BCAÇ 2885 e, por conseguinte ter deixado o comando da CCAÇ 2589, esta sim a minha CCAÇ (ainda que tivesse ficado com a dúvida se os seus nativos me adoptaram ou não) em que permaneci durante 356 dias (24FEV70-15FEV71), apresentei-me no QG em Bissau com uma virtual corda ao pescoço a aguardar o enforcamento.
Ingénuo como sempre, sem conhecimentos pessoais naqueles corredores, quer do QG do CTIG quer do COMCHEFE, mas também sempre avesso a situações de favor (leia-se cunhas), nem o facto de ter encontrado no Clube de Oficiais um Major do EM mais velho, mas que reconheci por ter feito os estudos secundários no velho Liceu José Estêvão de Aveiro e creio que natural de Albergaria-a-Velha, colocado não sei em qual das Repartições desse QG, nem a ele resolvi recorrer para qualquer arranjinho na minha colocação. Aguardava serenamente que se apiedassem de mim por já ter experimentado um ano de mato e me concedessem o resto da comissão como férias em Bissau.
Mas durante esse período acabei por perder a ingenuidade e expurgar-me das razões éticas ou moralistas sobre as ditas situações de favor. Não tinha aprendido nada com a mobilização de 2 camaradas (do CPC e do ISA) que foram colocados em Bissau, que sempre me deixaram na dúvida, mas com o que ocorreu a seguir, aprendi.
Não tenho qualquer pejo de fazer estas afirmações, porque era o que sentia. O destino obrigou-me a vaguear por aquelas paragens contra a minha vontade. Obrigou-me a desempenhar papéis para os quais nunca senti o mínimo de preparação e muito menos vocação.
Apenas para que possam avaliar estas minhas confidencias acrescento esta nota muito particular. O meu saudoso sogro gastou dois anos a tentar fazer de mim caçador (arte lúdica de que ele tanto gostava, fornecendo-me todo o material em troca apenas da minha companhia nessas andanças) e teve de desistir antes de há terceira aselhice ficar com a filha viúva, mas que ironia, o Governo de então fez-me não só caçador, mas mais… comandante duma Companhia de Caçadores! E esta, hem? Como diria o falecido e conhecido Fernando Peça.
Quem tem amigos assim, não precisa de inimigos
Mas voltemos a Bissau.
Fiquei aboletado, não sei se era este o termo usado, num quarto (daqueles destinados aos oficiais em trânsito, como aliás tinha acontecido quando da minha chegada ao TO) das instalações do Clube de Oficiais.
Nesse mesmo quarto onde pernoitava, por infelicidade… ou talvez não, instalou-se igualmente pouco tempo depois o Capitão X (não me fica bem mencionar o seu nome, ainda que seja daqueles que até hoje nunca esqueci), do Quadro Permanente e Comandante da CART 2732. Como já éramos conhecidos em virtude da actividade do meu período anterior (fundamentalmente desde Novembro de 1970 com a protecção das colunas para Mansabá), naturalmente se estabeleceu o diálogo entre ambos.
Tinha vindo, não para tratar de assuntos da sua unidade, mas para consultas ao HM 241, no intuito, como honestamente me confessou, de tratar da sua saúde.
Assim, pela sua conversa e pelos cantos do Clube lá fui sabendo que havia vagas e até mesmo fora da capital mas num lugar calmo, como naquela época era o CAOP 1 em Teixeira Pinto onde faltava pelo menos 1 Capitão, admitindo eu não ser descabido mais uma vez sonhar com a fuga aos lugares de sofrimento. E o meu camarada de quarto ia-me animando.
Depois de regressarmos das nossas tarefas diárias matutinas, ele da sua deslocação ao Hospital Militar e eu da minha visita ao QG para receber novas sobre o futuro ou acompanhando o Alferes que me tinha substituído na Comissão Liquidatária (CL) da CCAÇ para o ajudar sempre que preciso (a esta distância ainda me causa uma certa indignação a forma como o Exército tratava os individualistas como eu.
Deixei de pertencer à CCAÇ no cruzamento da estrada Mansoa-Nhacra para o Cumuré, onde todo o BCAÇ se instalou até ao embarque, enquanto eu fui directamente para o QG, mas a responsabilidade até ao encerramento da CL continuava a ser minha, como já em Mansabá acabei por constatar!!! Foi outra guerra que tive de travar quase até ao fim da Comissão), era habitual encontrarmo-nos no quarto para uma banhoca antes do almoço e invariavelmente questionava-me:
- Então já tem colocação?
- Não. - Ia sendo a minha resposta.
- E o seu caso? - Indagava eu.
- Vai correndo bem…
A certa altura anunciou-me que para já… seria uma licença para tratamento… não regressando por enquanto ao seu posto…
Enfim, os dias iam correndo, mas como atrás referi esta minha Companhia tinha-me finalmente aberto os olhos, à cautela, e depois de saber quem comandava o CAOP 1 e que se encontrava de férias na Metrópole, abordei o assunto num telefonema para casa. Havia uma possibilidade, desde que um certo intermediário quisesse, de obter aquele lugar em Teixeira Pinto e dessa vez deitei fora todos os escrúpulos do recurso às cunhas.
Afinal não passava dum mero miliciano e sem vocação para tais artes militares e o exemplo do meu camarada de caserna liquidou a minha moralidade.
O Cap Domingos fica a conhecer o seu subtituto
O pior foi no dia 5 de Março, uma má sexta-feira, quando no QG me informaram que tinha sido colocado no DA, além do QO, indo em diligência para a CART 2732 substituir, durante o seu impedimento o respectivo Comandante.
Iam-me caindo os ditos cujos aos pés ao receber logo a respectiva Ordem de Marcha que me meteram nas mãos, para que não houvesse dúvidas.
E eu, que naquela altura já tinha recebido um feed back positivo de que a lança tinha sido metida e a resposta era favorável a uma ida para o CAOP 1, como depois se confirmou. Nem calculam o que mentalmente lhe chamei...
Ao chegar ao quarto e perante a cena do costume, quase sem o encarar só lhe respondi:
- Fui colocado na CART 2732. Sigo amanhã para Mansoa.
Fez-se silêncio. Nem sequer um pedido de desculpa ouvi. Saiu imediatamente como um foguete.
Desapareceu, nunca mais o vi, porque nessa noite não foi dormir ao quarto...
E assim fui comandar durante uns dias a CART do Carlos Vinhal.
Junto algumas fotos dessa estadia, para publicarem se assim entenderem, mas peço ao Carlos que identifique os intervenientes já que, como ele sabe só reconheço poucos.
Um abraço
Jorge Picado
4. Comentário de CV
Caro Jorge, como sabes há quem tenha amores comuns, o que é um aborrecimento e o que leva à competição feroz e, de onde sai sempre alguém magoado.
No nosso caso, temos um inimigo comum de estimação.
Estou a exagerar, porque o Cap Domingos não era inimigo de ninguém, apenas procurava o seu bem estar, não se importando se, por sua causa, alguém ficava mal na fotografia.
Na verdade porque haveria ele, Oficial do Quadro Permanente, de chatear-se muito, se havia por aí, em algures, um Miliciano para o substituir?
Ele de mim exigia pouco.
Gerência dos Bares (Oficiais, Sargentos e Praças) que eu, por não ter outra solução, delegava nos respectivos impedidos; colaborar no expediente normal da Secretaria; colaboração na actualização, de tempos a tempos, do Plano de Defesa de Mansabá, não fosse o Gen Spínola aparecer por lá e exigi-lo; servir de Sargento Escrivão para todos os Alferes que por lá andavam (CART, Pel Caç Nat 57, Trms, etc) e que tinham a seu cargo um sem fim de Autos de tudo e mais alguma coisa; manter em ordem as minas e armadilhas nos carreiros que eles queriam armadilhados (croquis actualizados); acompanhar os Furriéis Sapadores do Batalhão de Mansoa (BCAÇ 2885) no armadilhamento e posteriores vistorias dos pontões da estrada Mansabá/K3, que eram mais que muitos e, como é lógico ir para o mato com o meu Pelotão. Por vezes ainda tinha de ir como guia com os outros Pelotões da CART, quando estes iam passar perto das zonas por mim armadilhadas.
Quando Sua Senhoria se cruzava comigo, exigia que lhe entregasse imediatamente os mapas com os Balancetes dos Bares com as vendas das bebidas, tabacos e outras porcarias. Eu respondia-lhe que ainda não tinha tido tempo de fazer o que ele queria, porque, quando vinha do mato, tinha direito a descansar como os meus camaradas. Ele invariavelmente me ameaçava com uma porrada.
Se aquela alminha não se finjisse de doente e não fosse evacuado para o HM Principal, teria certamente na minha Caderneta Militar não um Louvor, como tenho, mas um castigo qualquer.
Para meu descanso, o Cap Domingos foi evacuado definitivamente para o HMP (Lisboa) em Agosto de 1971.
Não seria honesto se não reconhecesse que após a era Domingos, a vida me foi mais facilitada em termos de saída para o mato, mas nunca de todo abandonei a actividade operacional.
OBS: - Título e subtítulos da responsabilidade do editor
________________
Nota de CV:
Vd. Último poste da série de 31 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2906: Estórias de Jorge Picado (3): Cutia, II Parte (Jorge Picado)
Foto 4 > Mansabá, 13 de Abril > O pai babado segura a filhota, que foi batizada neste mesmo dia, ajudado pelo Cap Picado e sob o olhar atento do Alf Mil Casal
Foto 5 > A mesma festa vista de outro ângulo, onde me reconheço à civil, seguido do Alf Mil Bento, Alf Mil Med Rolando, Fur Mil Enf Marques e Alf Mil Op Esp Rodrigues. Ao fundo a, mesa de honra que se vê empormenor nas fotos 3 e 4.
Foto 6 > Aqui reconheço, de pé, da esquerda para a direita, o primeiro é o Alf Mil Bento (CMDT do meu Pelotão), o quarto é o Alf Mil Médico Dr. Rolando, seguido do Cap Mil Picado e os dois últimos, são respectivamente, o 1.º Sarg Santos, hoje Ten Cor na Reforma e o 1.º Sarg Rita também já na situação de Reforma. Sentados. Destacado, o 1.º Cabo João Carlos (impedido da Messe de Oficiais), depois em baixo o Alf Mil Casal, a seguir desconheço quem é, depois um dos miúdos que ajudavam nas duas Messes (onde comiam e estudavam) e finalmente o Alf Mil Op Esp, Rodrigues.
Fotos: © de Jorge Picado (2008). Direitos Reservados
Legendas de Carlos Vinhal
Foto 7 > Mansabá, Outubro de 1971 > Já agora, se me permites caro Jorge, aqui fica uma foto da festa do 1.º aniversário da pequenita do senhor José Leal, onde aparece a mãe, que se bem me lembro se chamaria D.Olinda. Espero que tanto ela como o marido ainda gozem de boa saúde. Bem merecem pelos prazeres de mesa que nos proporcionaram.
Foto: © de Carlos Vinhal (2008). Direitos Reservados
3. Como cheguei a Comandante da CART 2732
Por Jorge Picado
Sendo um individualista naquela guerra, uma vez terminada a Comissão do BCAÇ 2885 e, por conseguinte ter deixado o comando da CCAÇ 2589, esta sim a minha CCAÇ (ainda que tivesse ficado com a dúvida se os seus nativos me adoptaram ou não) em que permaneci durante 356 dias (24FEV70-15FEV71), apresentei-me no QG em Bissau com uma virtual corda ao pescoço a aguardar o enforcamento.
Ingénuo como sempre, sem conhecimentos pessoais naqueles corredores, quer do QG do CTIG quer do COMCHEFE, mas também sempre avesso a situações de favor (leia-se cunhas), nem o facto de ter encontrado no Clube de Oficiais um Major do EM mais velho, mas que reconheci por ter feito os estudos secundários no velho Liceu José Estêvão de Aveiro e creio que natural de Albergaria-a-Velha, colocado não sei em qual das Repartições desse QG, nem a ele resolvi recorrer para qualquer arranjinho na minha colocação. Aguardava serenamente que se apiedassem de mim por já ter experimentado um ano de mato e me concedessem o resto da comissão como férias em Bissau.
Mas durante esse período acabei por perder a ingenuidade e expurgar-me das razões éticas ou moralistas sobre as ditas situações de favor. Não tinha aprendido nada com a mobilização de 2 camaradas (do CPC e do ISA) que foram colocados em Bissau, que sempre me deixaram na dúvida, mas com o que ocorreu a seguir, aprendi.
Não tenho qualquer pejo de fazer estas afirmações, porque era o que sentia. O destino obrigou-me a vaguear por aquelas paragens contra a minha vontade. Obrigou-me a desempenhar papéis para os quais nunca senti o mínimo de preparação e muito menos vocação.
Apenas para que possam avaliar estas minhas confidencias acrescento esta nota muito particular. O meu saudoso sogro gastou dois anos a tentar fazer de mim caçador (arte lúdica de que ele tanto gostava, fornecendo-me todo o material em troca apenas da minha companhia nessas andanças) e teve de desistir antes de há terceira aselhice ficar com a filha viúva, mas que ironia, o Governo de então fez-me não só caçador, mas mais… comandante duma Companhia de Caçadores! E esta, hem? Como diria o falecido e conhecido Fernando Peça.
Quem tem amigos assim, não precisa de inimigos
Mas voltemos a Bissau.
Fiquei aboletado, não sei se era este o termo usado, num quarto (daqueles destinados aos oficiais em trânsito, como aliás tinha acontecido quando da minha chegada ao TO) das instalações do Clube de Oficiais.
Nesse mesmo quarto onde pernoitava, por infelicidade… ou talvez não, instalou-se igualmente pouco tempo depois o Capitão X (não me fica bem mencionar o seu nome, ainda que seja daqueles que até hoje nunca esqueci), do Quadro Permanente e Comandante da CART 2732. Como já éramos conhecidos em virtude da actividade do meu período anterior (fundamentalmente desde Novembro de 1970 com a protecção das colunas para Mansabá), naturalmente se estabeleceu o diálogo entre ambos.
Tinha vindo, não para tratar de assuntos da sua unidade, mas para consultas ao HM 241, no intuito, como honestamente me confessou, de tratar da sua saúde.
Assim, pela sua conversa e pelos cantos do Clube lá fui sabendo que havia vagas e até mesmo fora da capital mas num lugar calmo, como naquela época era o CAOP 1 em Teixeira Pinto onde faltava pelo menos 1 Capitão, admitindo eu não ser descabido mais uma vez sonhar com a fuga aos lugares de sofrimento. E o meu camarada de quarto ia-me animando.
Depois de regressarmos das nossas tarefas diárias matutinas, ele da sua deslocação ao Hospital Militar e eu da minha visita ao QG para receber novas sobre o futuro ou acompanhando o Alferes que me tinha substituído na Comissão Liquidatária (CL) da CCAÇ para o ajudar sempre que preciso (a esta distância ainda me causa uma certa indignação a forma como o Exército tratava os individualistas como eu.
Deixei de pertencer à CCAÇ no cruzamento da estrada Mansoa-Nhacra para o Cumuré, onde todo o BCAÇ se instalou até ao embarque, enquanto eu fui directamente para o QG, mas a responsabilidade até ao encerramento da CL continuava a ser minha, como já em Mansabá acabei por constatar!!! Foi outra guerra que tive de travar quase até ao fim da Comissão), era habitual encontrarmo-nos no quarto para uma banhoca antes do almoço e invariavelmente questionava-me:
- Então já tem colocação?
- Não. - Ia sendo a minha resposta.
- E o seu caso? - Indagava eu.
- Vai correndo bem…
A certa altura anunciou-me que para já… seria uma licença para tratamento… não regressando por enquanto ao seu posto…
Enfim, os dias iam correndo, mas como atrás referi esta minha Companhia tinha-me finalmente aberto os olhos, à cautela, e depois de saber quem comandava o CAOP 1 e que se encontrava de férias na Metrópole, abordei o assunto num telefonema para casa. Havia uma possibilidade, desde que um certo intermediário quisesse, de obter aquele lugar em Teixeira Pinto e dessa vez deitei fora todos os escrúpulos do recurso às cunhas.
Afinal não passava dum mero miliciano e sem vocação para tais artes militares e o exemplo do meu camarada de caserna liquidou a minha moralidade.
O Cap Domingos fica a conhecer o seu subtituto
O pior foi no dia 5 de Março, uma má sexta-feira, quando no QG me informaram que tinha sido colocado no DA, além do QO, indo em diligência para a CART 2732 substituir, durante o seu impedimento o respectivo Comandante.
Iam-me caindo os ditos cujos aos pés ao receber logo a respectiva Ordem de Marcha que me meteram nas mãos, para que não houvesse dúvidas.
E eu, que naquela altura já tinha recebido um feed back positivo de que a lança tinha sido metida e a resposta era favorável a uma ida para o CAOP 1, como depois se confirmou. Nem calculam o que mentalmente lhe chamei...
Ao chegar ao quarto e perante a cena do costume, quase sem o encarar só lhe respondi:
- Fui colocado na CART 2732. Sigo amanhã para Mansoa.
Fez-se silêncio. Nem sequer um pedido de desculpa ouvi. Saiu imediatamente como um foguete.
Desapareceu, nunca mais o vi, porque nessa noite não foi dormir ao quarto...
E assim fui comandar durante uns dias a CART do Carlos Vinhal.
Junto algumas fotos dessa estadia, para publicarem se assim entenderem, mas peço ao Carlos que identifique os intervenientes já que, como ele sabe só reconheço poucos.
Um abraço
Jorge Picado
4. Comentário de CV
Caro Jorge, como sabes há quem tenha amores comuns, o que é um aborrecimento e o que leva à competição feroz e, de onde sai sempre alguém magoado.
No nosso caso, temos um inimigo comum de estimação.
Estou a exagerar, porque o Cap Domingos não era inimigo de ninguém, apenas procurava o seu bem estar, não se importando se, por sua causa, alguém ficava mal na fotografia.
Na verdade porque haveria ele, Oficial do Quadro Permanente, de chatear-se muito, se havia por aí, em algures, um Miliciano para o substituir?
Ele de mim exigia pouco.
Gerência dos Bares (Oficiais, Sargentos e Praças) que eu, por não ter outra solução, delegava nos respectivos impedidos; colaborar no expediente normal da Secretaria; colaboração na actualização, de tempos a tempos, do Plano de Defesa de Mansabá, não fosse o Gen Spínola aparecer por lá e exigi-lo; servir de Sargento Escrivão para todos os Alferes que por lá andavam (CART, Pel Caç Nat 57, Trms, etc) e que tinham a seu cargo um sem fim de Autos de tudo e mais alguma coisa; manter em ordem as minas e armadilhas nos carreiros que eles queriam armadilhados (croquis actualizados); acompanhar os Furriéis Sapadores do Batalhão de Mansoa (BCAÇ 2885) no armadilhamento e posteriores vistorias dos pontões da estrada Mansabá/K3, que eram mais que muitos e, como é lógico ir para o mato com o meu Pelotão. Por vezes ainda tinha de ir como guia com os outros Pelotões da CART, quando estes iam passar perto das zonas por mim armadilhadas.
Quando Sua Senhoria se cruzava comigo, exigia que lhe entregasse imediatamente os mapas com os Balancetes dos Bares com as vendas das bebidas, tabacos e outras porcarias. Eu respondia-lhe que ainda não tinha tido tempo de fazer o que ele queria, porque, quando vinha do mato, tinha direito a descansar como os meus camaradas. Ele invariavelmente me ameaçava com uma porrada.
Se aquela alminha não se finjisse de doente e não fosse evacuado para o HM Principal, teria certamente na minha Caderneta Militar não um Louvor, como tenho, mas um castigo qualquer.
Para meu descanso, o Cap Domingos foi evacuado definitivamente para o HMP (Lisboa) em Agosto de 1971.
Não seria honesto se não reconhecesse que após a era Domingos, a vida me foi mais facilitada em termos de saída para o mato, mas nunca de todo abandonei a actividade operacional.
OBS: - Título e subtítulos da responsabilidade do editor
________________
Nota de CV:
Vd. Último poste da série de 31 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2906: Estórias de Jorge Picado (3): Cutia, II Parte (Jorge Picado)