sábado, 27 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15802: Inquérito 'on line' (35): Lista de problemas no CTIG em setembro de 1963, segundo o Com-Chefe Louro de Sousa...Camarada, vota nos que concordares (Resposta múltipla)


Guiné > Região do Oio > CART 527 (1963/65) > Olossato > Julho de 1963 > Fardas novas, capacete de aço, os graduados equipados com a pistola metralhadora FBP: em primeiro plano,  asecção do António Medina (e ele, na ponta, do lado direito). Nota do AM: "Vasculhando os meus arquivos encontrei a foto que faço juntar, que diz respeito à mata em Olossato. Eramos todos maçaricos na altura, com a farda ainda nova. Quem tirou a foto não me lembro."... Está bastante estragada, do lado esquerdo, pelo que teve de ser recortada e editada... (LG).

Foto (e legenda): © António Medina (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Camaradas e amigos/as:

Há um artigo do José Matos (historiador, membro da nossa Tabanca Grande, filho de um camarada nosso já falecido), sobre o início da guerra na Guiné, que não devem perder: cliquem aqui.

Em setembro de 1963, o Com-chefe Louro de Sousa fez uma exposição ao poder (político e militar) em Lisboa... Apontou uma série de problemas que na já altura se punham, dificultando a nossa resposta (militar e política) à "guerra subversiva"...

Estes pontos são um pretexto para o inquérito de opinião desta semana... Temos ideia que os problemas de 1963, com que se defrontava Louro de Sousa (1963/64), não eram muitos diferentes dos problemas dos anos seguintes, com Schulz (1964/1968), Spínola (1968/73) e Bettencourt Rodrigues (1973/74)... 

Vejam o questionário, podem dar mais do que uma resposta: No blogue, "on line", no canto superior esquerdo... Até sexta-feira, dia 4 de março, às 17h36.

Abraço dos editores

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2. "LISTA DE PROBLEMAS NO CTIG,  LOGO EM 1963 (LOURO DE SOUSA)... VOTA NOS QUE CONCORDARES" [Resposta múltipla]

Resultados preliminares (n=23)

1. Deficiente instrução das tropas e quadros  > 18 
(78%)

6. Instalações inadequadas  > 16 
(69%)

7. Cansaço das NT, sempre ansiosas por acabar a comissão e voltar para a metrópole  >16 (69%)

2. Deficiente equipamento das unidades no terreno > 15 
(65%)

4. Abastecimento (material, munições, víveres e água)  > 
(39%)

3. Falta de pessoal / insuficiência de efetivos  > 
(28%)

5. Falta de enquadramento / aproveitamento militar dos guineenses  > 
(21%)

8. Outros problemas não referidos acima (pelo Com-chefe Louro de Sousa) > 
(17%)

Votos apurados: 23 

Data e hora em que o fecha o inquérito:  4 de março de 2016, 17h36

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P15801: Agenda cultural (466): Integrada no 15.º Ciclo das Tertúlias Fim do Império, dia 2 de Março de 2016, pelas 15 horas, apresentação dos livros "Mousse de Manga", da autoria de Helena Pinto de Magalhães e "Moçangola", da autoria do Coronel Castro Figueiredo, no Palácio da Independência, em Lisboa (Manuel Barão da Cunha)

 

Em mensagem do dia 26 de Fevereiro de 2016, o nosso camarada Manuel Barão da Cunha, Coronel de Cav Ref, que foi CMDT da CCAV 704 / BCAV 705, Guiné, 1964/66, deu-nos conta da apresentação de mais dois livros da colecção Fim do Império, a levar a efeito no próximo dia 2 de Março no Palácio da Independência, em Lisboa.



15.º CICLO DE TERTÚLIAS FIM DO IMPÉRIO 
LISBOA
PALÁCIO DA INDEPENDÊNCIA
02 DE MARÇO DE 2016

Apresentação de livros da coleção Fim do Império ainda não apresentados em Lisboa, nomeadamente:

10.º, Mousse de Manga, da autoria de Helena Pinto de Magalhães 

e 

11.º, Moçangola, da autoria do Coronel Castro de Figueiredo.
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15767: Agenda cultural (465): Encarceramento colonial no século 20: uma abordagem comparativa no 80º aniversário do campo do Tarrafal (Cabo Verde) | Conferência Internacional, Museu do Aljube, Lisboa, 21-22-23 Julho 2016: chamada de comunicações até 28/2/2016

Guiné 63/74 - P15800: Parabéns a você (1041): Luís R. Moreira, ex-Alf Mil Sapador do BART 2917 e BENG 447 (Guiné, 1970/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 26 de Fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15797: Parabéns a você (1039): João Carlos Silva, 1.º Cabo Especialista MMA da Força Aérea Portuguesa (1979/82)

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15799: Notas de leitura (811): “Amílcar Cabral, Um outro olhar”, por Daniel dos Santos, Chiado Editora, 2014 (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Abril de 2015:

Queridos amigos,
A incursão biográfica de Daniel dos Santos tem alguns pontos altos: na senda da pesquisa de Julião Soares Sousa, desmonta algum do fabulário, do intencionalmente mal contado e confronta a história de um PAIGC que é mais recente do que o imaginário propôs; dá-nos uma apreciação da identidade cabo-verdiana e disseca a animosidade estrutural entre guineenses e cabo-verdianos, fá-lo com coragem e com argumentos em cima da mesa.
O que há de manifestamente incongruente foi esta atitude de pensamento de que era possível separar o processo político em Amílcar Cabral da sua obra, o PAIGC e a luta da libertação que culminou na independência, ponto de arranque no processo de descolonização.

Um abraço do
Mário


Uma nova investigação sobre Amílcar Cabral (3)

Beja Santos

“Amílcar Cabral, Um outro olhar”, por Daniel dos Santos, Chiado Editora, 2014, é um livro declaradamente controverso. O autor é um professor universitário cabo-verdiano e questiona os fundamentos da civilização e da cultura da sua terra de um modo que se entende claramente que demarca esse resultado civilizacional e cultural do que se passou na Guiné, uma colónia que só efetivamente o foi depois da Conferência de Berlim, uma campanha de ocupação com resultados precários, com inúmeras rebeliões e com as etnias guineenses de pé atrás com o cabo-verdiano, o agente do colonizador, tratando-os por vezes brutalmente. Uma investigação com uma estrutura discutível, como se pudesse haver uma cronologia indivisa entre Cabral e o PAIGC, daí a quantidade de remissões, o andar para a frente e saltar factos. Daniel dos Santos não morre de amores pelo PAIGC, dirá abertamente que em 5 de Julho de 1975, quando Cabo Verde ascendeu à independência “o despotismo português viu-se substituído por um outro, suportado pelos filhos da terra. Cabo Verde de hoje nada tem a ver com o sonhado por Amílcar Cabral, que, por ser um político idealista e normativista, lhe desenhou um modelo de vida e de sociedade que chocava manifestamente com o pluralismo cultural dos ilhéus”.

Líder revolucionário que atingiu o auge da popularidade na cena internacional no início na década de 1970, Cabral enquanto dirigente supremo da guerrilha vai encontrar pela frente, a partir de 1968, um sério contendor: António de Spínola. Este traz uma fórmula desenvolvimentista, “por uma Guiné melhor”, bem-disposto a um esforço sobre-humano para conquistar populações, irá desenvolver ações psicológicas como os Congressos do Povo, obterá financiamentos para construir escolas, hospitais, aeródromos, pontes, mesquitas, entre outras infraestruturas sociais e culturais. Isto sem descurar a atividade militar, privilegiando grandes operações ofensivas com as tropas especiais. Spínola tenta aliciar unidades do PAIGC propondo-lhes a sua integração nas Forças Armadas guineenses. Tudo acabará dramaticamente. A Operação Mar Verde, destinada a invadir Conacri com o objetivo de eliminar Sékou Touré, decapitar a cúpula do PAIGC e libertar os prisioneiros de guerra portugueses só atingiu o último objetivo mas foi um dos mais sérios revezes para a diplomacia portuguesa.

Cabral reagiu à altura do dinamismo de Spínola. Moralizado pelas conquistas políticas, militares e diplomáticas, tece um plano político de grande envergadura para isolar Portugal – a realização de eleições gerais para a constituição da Assembleia Nacional Popular. Explorou os resultados, mesmo sabendo que o ato eleitoral correspondia a uma parte minguada da população guineense, obteve mais apoio internacional, antes de ser assassinado gizou um plano para o texto constitucional bem como os termos da declaração da independência.

Depois o autor detalha as operações militares do PAIGC em 1973 e os seus resultados, que foram suficientemente marcantes para que Spínola decidisse pôr termo à sua comissão. Agora o autor leva-nos atrás, vai analisar a grande utopia de Cabral, a unidade Guiné-Cabo Verde. É verdade que é uma história comum, durante séculos a Guiné esteve na dependência de Cabo Verde, mas sempre resistindo e não escondendo a sua hostilidade ao branco e ao mestiço oriundo das ilhas. E recorda que no massacre de Bolor, ocorrido em 1879, muitas das vítimas foram cabo-verdianos, foi um desastre que acabou por se saldar na criação da província da Guiné. Daniel dos Santos arrola os elementos fundamentais da presença dos cabo-verdianos na Guiné, lembra-nos que alguns dos donos mais ilustres foram André Álvares de Almada e Honório Pereira Barreto que nasceu na Guiné mas sempre se considerou cabo-verdiano. Pois bem, a controversa unidade urdida por Cabral tinha sérios opositores dos dois lados, mesmo depois da independência nunca foi posta em prática a não ser em domínios pontuais e morreu completamente com o golpe de Nino de 14 de Novembro de 1980. Daniel dos Santos também faz o historial do contencioso entre guineenses e cabo-verdianos e conta-nos o que aconteceu em Dakar e em Conacri no início dos anos 1960, quando surgiram os movimentos independentistas, em Novembro de 1964, quando o MLG entrou no ocaso, muitos dos seus dirigentes e militantes filiaram-se no PAIGC. E o autor observa ainda: “A criação do PAIGC ocorreu no momento em que achavam ainda por cicatrizar as feridas entre guineenses e cabo-verdianos, abertas pela intervenção dos últimos, ao lado dos portugueses, nas chamadas guerras de pacificação. Quando Amílcar Cabral lançou o PAIGC, estavam, certamente, na mente da elite guineense, em particular, e na das massas, em geral, muitas recordações e episódios de ferozes combates que opuseram os indígenas aos cabo-verdianos. O sentimento anticabo-verdiano. Nem as ideias de Amílcar Cabral serviram para o disfarçar. Ninguém o podia negar. A hegemonia cabo-verdiana na Guiné tinha estorvado qualquer projeto unitário entre os dois países. A maioria cabo-verdiana do PAIGC constituía uma maioria sociológica, muito embora, em termos numéricos, fosse uma minoria. A suposição de domínio manifestava-se, ora porque detinha, no contexto social em que se achava integrada, a titularidade do poder, ora porque monopolizava a própria vida do partido".

E o autor recorda que o setor intelectual do PAIGC era maioritariamente de origem cabo-verdiana. Muito mais tarde, quando o assassinato de Cabral era já uma reminiscência, muitos dirigentes tiveram a coragem de admitir que havia desconfianças mútuas. Afinal a ideia da unidade Guiné e Cabo Verde foi o grande trunfo da organização e o verme que no longo prazo levou à rutura os guerrilheiros vitoriosos.
Daniel dos Santos, em capítulo autónomo, traça as grandes linhas da diplomacia do PAIGC e as razões do seu sucesso.

E assim chegamos ao epílogo em que o autor recapitula a complexidade do pensamento de Cabral, a sua evolução e o resultado trágico do seu legado: “A sua herança política foi destruída e delapidada, não pelos seus inimigos mas pelos seus próprios companheiros e camaradas de luta sobre cujos ombros recaíram as responsabilidades de a conservar ad eternum”.

O dado mais extraordinário desta narrativa biográfica, vale a pena insistir, é de que o autor ensaiou demarcar o homem e a obra e não fez outra coisa ao longo de mais de 500 páginas em as misturar. Porque a verdade tinha que vir ao de cima, como o azeite: aquela guerrilha foi urdida por um pensador de génio, um homem que perseguiu vários ideais mas que, em 1960 mudou a sua história para a confundir com a história do PAIGC. E conseguiu-o.
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15779: Notas de leitura (810): “Amílcar Cabral, Um outro olhar”, por Daniel dos Santos, Chiado Editora, 2014 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15798: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - V Parte: IV - Cepa do Zé de Varche

Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], o nosso querido camarada Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67, e cofundador e "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô.

Esta edição é uma segunda versão, reformulada, aumentada e melhorada, do livro "Putos, gandulos e guerra" (edição de autor, Estoril, Cascaiis, 2000). A sua pré-publicação, no nosso blogue, em formato digital, está devidamente autorizada pelo autor.

Texto e fotos: © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados.


Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > IV Cepa do Zé de Varche  (pp. 22-24)

por Mário Vicente [, foto atual à esquerda]

– Desgraçado! Se a burra não conhecesse já o caminho para o monte do Barrocal, não sei onde iria parar! – comentava meu avô quando seu sogro saía da taberna de seu vizinho Joaquim dos Vinagres.

Eis pois o princípio da cepa!

–  Não tens vergonha nenhuma, desgraçado! De noite andas nos copos, de dia juntas esta gandulagem toda aqui que ninguém sossega. – vociferava Cambraia para seu irmão Saragoça, enquanto ia aparando o cabelo a algum cliente.

A casa da ti Mariviana tornara-se centro de encontro  dos gandulos. Saragoça era o sapateiro da aldeia, não remendão, pois tinha arte e saber no ofício, embora uma paralisia infantil lhe tivesse alterado um pouco a vida. Dedicado à música, com um ouvido extraordinário, foi pena não ter sido mais aproveitado. Muito torto e vaidoso, nunca quis usar bengala. Metendo a mão no bolso das calças, para firmar a perna coxa, lá seguia na sua passada dengosa. Mais tarde arranjou uma bengala a Carina, e parece ter equilibrado um pouco o andar apenas, porque o resto continuava tudo na mesma situação.

Saragoça era membro efectivo da Confraria "Cepa do Zé de Varche", vinda do Barrocal, à qual Calças de Palanco se orgulhava de também pertencer embora não fosse membro activo. Conhecidos­, membros honorários seriam: Joaquim José, tio de Calças de Palanco com Chostra e Laroso seus primos, respectivamente.

Vila Fernando, no concelho de Elvas.
Adapt de Wikipedia (com a devida vénia)
Chostra, artista nato, com umas mãos maravilhosas para trabalhar a madeira, deixa obras de arte extraordinárias que podem ser apreciadas no Museu na aldeia da Planície.
Os baixos-relevos do aqueduto da Amoreira, a cabeça de cavalo e o retrato de seu pai, bem como o brasão da Escola Prática de Cavalaria em Santarém, são uma pequena amostra da sensibilidade do artista. Joaquim José é o bibelô das mulheres, boémio, bonitão deixa rasto em Vendas Novas, Évora, Santarém e Leiria. No café Flâmula, sentados no banco de madeira, António, grande caçador, para os íntimos de alcunha "o Chefe," companheiro e camarada de serviço militar e de farras do cabo de Artilharia Joaquim José, passa para Calças de Palanco o relatório completo das aventuras de seu tio que passou por Cabo Verde e Açores entre 1942 e 1947 na Segunda Guerra Mundial.

A vida era deles e, por isso, o que é que nós temos a ver com ela? Gozaram-na e viveram-na à sua maneira e como lhes soube melhor! A Confraria continuará pois, dada a qualidade da cepa, sempre haverá boas varas para enxertia.

Falemos um pouco mais de Saragoça. Aventureiro, me­droso por natureza, correu os matos da Colónia aos ombros de seu irmão ManeI do Barrocal, também membro activo da Cepa, cujas aventuras dariam um belo e saboroso romance, pois pertenceu ao primeiro Corpo de Paraquedistas Português, com curso tirado em Espanha, com o Cartuchana, para honra não só deles, mas também desta pequenina aldeia da Planície, que não tem sido muito pródiga para com os seus filhos, cujo bom nome têm espalhado pelo mundo português.

É uma polémica que um dia estalará mas, por agora, viola no saco.

Falemos então do Manuel do Barrocal, prisioneiro no Estado da Índia onde, estimado por todos, ia cagar ao lado indiano atravessando o arame farpado. Não havia proble­mas pois "Cristã" podia passar. Na Colonial andou por seca e meca, indo parar aos comandos em Mueda, Moçambique, onde também conheceu o Suíças mas, agora, segundo parece, já sem tomates. Também tinha das boas,  o primo Manel!... Noite de Natal, a igreja apinhada até à porta, como era costume após a Missa do Galo, seria a cerimónia de beijar o menino. Com tanta gente, quando é que o pessoal cá de trás chegaria lá à frente? O primo ManeI ajoelha e arranca pela coxia da igreja que se encontrava cheia. O pessoal muito amigo de inventar situa­ções, entrou na jogada e imediatamente, começou o sussurrar de orelha em orelha:
–  É uma promessa! É uma promessa!... Coitadinho sofreu tanto, prisioneiro e sempre na guerra! – sussurravam de ouvido em ouvido as velhotas.

Ao chegar próximo do Altar, olhou para trás, e piscou o olho com malandrice à matula. Respeitosamente beijou o Menino e solenemente voltou, sendo o primeiro a sair da Igreja. Era assim, sem prejudicar ninguém, que punha a gandulagem partindo o coco a rir.

Voltemos então ao Saragoça, não vá pensar que não se narram as suas gloriosas aventuras. Já um pouco fartos dos problemas dele, lembraram-se que poderia recuperar em Moçambique, em casa de sua irmã mais velha. Assim o mestre sapateiro se vê de malas aviadas rumo a Nacala.

Na passagem por Lisboa, para embarcar, tem uma óptima oportunidade para conhecer a capital e dar umas voltas. Nada menos nada mais que o amigo Torreca, agora cabo marinheiro. Para ser simpático com seu amigo Saragoça, mestre Chico monta este na sua Lambreta e vá de passear por Lisboa com Pitorrela também já na Marinha, que tinha chegado para a despedida de Saragoça, comentaram e falaram de aventuras na aldeia da Planície. Abraça­ram-se os três num grande e saudoso acto de despedida e Saragoça subiu as escadas, só olhando para trás quando entrou no portaló. Então a sua boca deu um grande sorriso e gritou:
–  Adeus e até qualquer dia!

Os dois marujos, em terra, tiraram os bonés e com eles acenaram desejando boa viagem ao seu amigo sapateiro, tocador de concertina.

Segundo ele próprio contou, a sua ida para Moçambique, foi pior a emenda que o soneto. Chegou a sair de casa e viver com uma negra, vendendo o acordeão que lhe tinham comprado. Estava-se a ver, foi recambiado.

Ao chegar à sua aldeia, aos gandulos informou ter deixa­do em Moçambique mais de duzentos filhos, pois tinha sido mais prolífero que o próprio Gungunhana com catorze mulheres.

Tinha outras e outra vida teria, se o milagre que lhe este­ve destinado por Deus Nosso Senhor se tivesse consumado.

Já dormindo, certa noite ouviu um barulho, acordou es­tremunhado e que viu ele? Subindo pelas grades da cama um gaiatinho nu, apenas com uma fralda, tal e qual o Menino Jesus do Presépio. Ficou atónito e sem saber o que dizer. O gaiato começou a falar com ele e lhe comunicou: ser de facto o Deus Menino e que estava ali para o pôr bom da perna. Coisa simples teria de fazer: confessar-se e comungar na Missa do Galo. Não poderia era dar conhecimento a ninguém do que estava a acontecer. Tudo certinho! 

No dia seguinte toda a gandulagem ficou a saber da promessa do Menino Jesus. Da confissão com a conversa esqueceu-se. Quanto à comunhão na missa do Galo, um equívo­co complicou as coisas. Quando se encaminhava para a igreja Paroquial, enganou-se na rua e em vez de ir para a esquerda, seguiu em frente entrando na Capelinha da Sociedade. Já tarde e com uns bons copos, febras, cacholeiras e chouriços grelhados à mistura, se lembrou de que o acto milagroso se daria apenas na igreja Paroquial, pelo que ainda hoje, coitado, continua com a paralisia por milagrar.

Quer queiram quer não o mestre Chico ficará na histó­ria da sua aldeia. Homem de todas as idades. Gerações de putos e gandulos passaram pela oficina deste mestre sapateiro. Até gentes de terras para os lados do Norte o consideravam como amigo. É e será sempre, apesar de todos os seus disparates, uma figura típica desta Vila Fernando, linda aldeia da Planície.
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Nota do editor:

Último poste da série > 4 de fevereiro de 2016 >Guiné 63/74 - P15705: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2ª versão, 2010, 99 pp.) - IV Parte: III - Metamorfose 1 (pp. 20-21)

Guiné 63/74 - P15797: Parabéns a você (1040): João Carlos Silva, 1.º Cabo Especialista MMA da Força Aérea Portuguesa (1979/82)

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Nota do editor

Último poste da série de 25 de Fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15793: Parabéns a você (1038): Gumerzindo da Silva, ex-Soldado Condutor Auto da CART 3331 (Guiné, 1970/72)

Guiné 63/74 - P15796: O Início da guerra na Guiné (1961-1964 ) (José Matos, historiador) > II (e última) Parte

 1. Segunda e última parte do artigo do José Matos

[ Foto à direita: 
o nosso grã-tabanqueiro José [Augusto] Matos;
formado em astronomia em 2006 na Inglaterra ( University of Central Lancashire, Preston, UK ); 
é especialista em aviação e exploração espacial desde 1992;
filho de um antigo combatente, nosso camarada da Guiné, já falecido; 
é nvestigador independente em história militar ]



 2. O Início da guerra na Guiné (1961-1964 ) (José Matos, historiador) > II (e última) Parte

Revista Militar, nº 2553,novembro de 22015, pp. 937-950.


Por José Matos

(Continuação)


O relatório Deslandes

Um mês depois do relatório do Comadante-Chefe, chega à Guiné o Secretário-Geral da Defesa Nacional, o General Venâncio Deslandes, para analisar a situação militar no terreno produzindo depois um relatório para o ministro da tutela.

Augusto Venâncio Deslandes
(1909-1985), gen pilav, FAP
 Foto: cortesia de
Geneall
Este relatório é importante para percebermos qual era a situação militar, em meados de 1963. Na avaliação que faz, este oficial dá como grave a situação na província em que “cerca de uma quinta parte do território se mantem sublevada, com as populações na sua quase totalidade deslocadas (quase todo o Sector Sul e a área dos majaques a norte do rio Cacheu)” e alerta para a possibilidade de um ataque sobre Bissau que seria “fácil de executar, com todos os reflexos políticos que acarretaria”.

Deslandes identifica claramente a zona sul do território como a mais problemática e considera que a resolução da sublevação nessa zona é determinante na evolução futura do conflito (38). O general português propõe várias medidas de acção entre as quais a fusão do aparelho militar com o aparelho político-administrativo, que funcionavam de forma separada. Esta medida viria a ser a implementada no ano seguinte, com a nomeação de Arnaldo Schulz para o cargo de Governador e Comandante-Chefe das Forças Armadas na Guiné.

No entanto, a sugestão de Deslandes visava sobretudo resolver a incompatibilidade que já existia entre as chefias política e militar do território, protagonizadas por Vasco Rodrigues e Louro de Sousa, que não se entendiam na coordenação dos meios de defesa militares e civis (39).  Esta falta de coordenação impedia obviamente uma acção concertada dos diversos meios de defesa contra a guerrilha.

Deslandes defende também a existência de forças de intervenção com um grande grau de prontidão e de mobilidade táctica,  capazes de serem empenhadas rapidamente em qualquer ponto do território. Para isso, considera imprescindível a aquisição de helicópteros, fundamentais na luta anti-guerrilha. Por essa altura, a Força Aérea ainda não tinha helicópteros na Guiné, tendo recebido os primeiros três helicópteros Alouette II, em Setembro desse ano (40). No entanto, eram aparelhos muito limitados sendo usados unicamente em missões de observação, ligação e evacuação de feridos.





Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 726 (Out 64 / Jul 66) > O pessoal em operações militares: na foto, acima, transporte às costas de um ferido, evacuado para o HM 241, em Bissau, por um helicóptero Alouette II (versão anterior do Alouette III, que nos era mais familiar, sobretudo para aqueles que chegaram à Guiné a partir de 1968).

Foto: © Alberto Pires (Teco) / Jorge Félix (2009). Todos os direitos reservados.

Juntamente com o relatório principal há também um relatório do Tenente-Coronel Augusto Brito e Melo que descreve a situação no terreno e identifica os principais problemas que as forças portuguesas enfrentam na Guiné. Este oficial considera que a situação, em termos gerais, não é alarmante, mas que apresenta uma certa gravidade no sul da colónia, podendo vir agravar-se se não fossem tomadas rapidamente medidas de contenção da guerrilha.

Em tom optimista, Brito e Melo refere “que a resolução do problema da Guiné está perfeitamente dentro das nossas possibilidades, não exigindo meios exorbitantes, e pode conseguir-se dentro de um prazo relativamente curto” (41). No mesmo tom, considera ainda que “a eliminação do terrorismo na Guiné teria largas repercussões no país, levantando o moral da população e, em especial das Forças Armadas”, ao mesmo tempo que desencorajaria outros movimentos nacionalistas de passarem à luta armada nas restantes colónias, estando provavelmente a pensar em Moçambique, onde a guerra ainda não tinha começado (42).

Este militar confirma também no seu relatório a situação de conflito entre as chefias política e militar da colónia, referindo claramente que as autoridades administrativas, de uma forma geral, não cooperavam com as autoridades militares (43).


A exposição no Conselho Superior Militar
Fernando Louro de Sousa,
cmdt do RI 13
(1962/53).
Foto: cortesia
do sítio do Exército.pt



No início de Setembro, Louro de Sousa vai a Lisboa fazer uma exposição da situação na colónia ao Conselho Superior Militar (CSM) (44). Na exposição que faz àquele órgão, Louro de Sousa confirma, mais uma vez, que é no sul do território que se vive a situação mais crítica, com as forças portuguesas a controlarem apenas os aquartelamentos onde estão instaladas.

Outra zona que também merece a preocupação de Louro de Sousa é o Oio, no norte do território, onde a guerrilha tinha tentando aliciar a população, sem sucesso, sendo aí necessário neutralizar o inimigo para não se cair na situação do sector sul. O chefe militar da Guiné reconhece que a acção subversiva da guerrilha é intensa com vista ao “controle de todas as populações fora das áreas restritas de ocupação militar” e que se enraizava cada vez mais no sul da província, sendo que, aí, a expectativa era apenas que o problema não se agravasse ainda mais (45).

Na opinião deste militar, o problema já vinha do passado, pois “deveria ter-se conseguido neutralizar a subversão antes dela ter surgido à luz do dia”. No fundo, as estruturas políticas e militares instaladas no terreno tinham falhado na conquista das populações. Louro de Sousa identifica claramente a falha ao referir o seguinte:

“Para isso, deveria ter-se concentrado o esforço da nossa defesa na acção psicológica e na acção social num trabalho de conquista de populações, para lhes ganhar a sua confiança. Seria obrigação de todos “prevenir para evitar” e agora encontramo-nos numa situação de mandar tropa e mais tropa para reprimir o talvez…irreprimível” (46).

Da mesma forma, enumera também uma série de problemas que dificultavam o esforço de contra-subversão, nomeadamente:

(i) a deficiente instrução das tropas e quadros;

(ii) o deficiente equipamento das unidades no terreno;

(iii) as faltas de pessoal e insuficiência de efectivos;

(iv) os problemas nos abastecimentos das unidades em material, munições, víveres e água;

(v) a falta de enquadramento e aproveitamento dos nativos em operações de segurança;

(vi) a falta de instalações adequadas para a instalação das forças terrestres;

(vii)  e o cansaço no seio da tropa no fim da comissão, que estava sempre ansiosa por acabar a comissão e voltar para a metrópole (47).

 Louro de Sousa reconhecia também que nem sempre as relações com o Governo local corriam bem e que havia falta de coordenação entre os meios de defesa civis e militares. O avanço permanente da guerrilha levava Louro de Sousa a admitir não saber quando seria possível normalizar a situação, pois a subversão estava longe de ser dominada e as forças militares, além de serem insuficientes, não estavam preparadas para uma luta eficaz contra a guerrilha (48).


O desagrado do Governo

Como é óbvio, esta exposição do Comandante-Chefe não agradou aos membros do Governo presentes na reunião. O Subsecretário de Estado da Administração Ultramarina, Silva Cunha, relata, mais tarde, nas suas memórias, que Louro de Sousa começou a sua intervenção por dizer que não sabia o que estava a fazer na Guiné e foi depois desfiando uma série de queixas “contra o clima, a deficiência de instalações, a não preparação das tropas, a falta de meios e a combatividade do inimigo”, o que levou o ministro da Defesa a chamar-lhe à atenção quanto à sua missão na Guiné e à obrigação que tinha de defender “as populações, garantido a integridade do território, combatendo o inimigo com energia e fé”.

Silva Cunha saiu da reunião convencido que Louro de Sousa seria substituído a curto prazo no comando militar da Guiné, o que na verdade só aconteceu em 1964 (49). No entanto, o próprio Silva Cunha reconhece que a situação militar na Guiné, em finais de 1963, era difícil para as tropas portuguesas, que se mantinham numa posição defensiva dentro dos quartéis, não havendo forças de intervenção que pudessem reagir às ofensivas do PAIGC (50). 

No mesmo sentido vai a opinião de Hélio Felgas [, foto à direita], que serviu na Guiné nessa altura, ao referir que “ao findar o ano o PAIGC actuava com um certo à-vontade em grande parte do sul da Província, considerando mesmo algumas regiões como estando já libertadas (uma delas era a ilha do Como)” (51). Felgas salienta ainda o forte apoio logístico que o PAIGC recebia a partir da Guiné-Conakry, quer por terra quer por ar. “A presença de helicópteros inimigos foi confirmada numerosas vezes. E a Conakry chegavam navios comunistas que transportavam armas e munições destinadas ao PAIGC” (52). Ambas as apreciações são um sinal claro de que a situação na Guiné era preocupante, em finais de 1963.

Na penúltima directiva operacional que emite, em finais de 1963, o próprio Louro de Sousa reconhece, mais uma vez, as dificuldades já expostas em Lisboa ao CSM [Conselho Superior Militar] e admite de novo que a guerrilha do PAIGC dominava o sector sul da Guiné, à excepção das áreas restritas de ocupação militar, ou seja, os quartéis das forças portuguesas.

De igual modo, reconhece que, com a excepção das tropas especiais, o moral das forças portuguesas é baixo e que existe um fraco espírito ofensivo aliado a uma deficiente instrução, que provoca o uso de tácticas inadequadas e atitudes estáticas perante o inimigo. Louro de Sousa refere ainda que uma boa parte dos órgãos de Comando não fazem um planeamento cuidado das operações e não lhes dão a devida continuidade lógica (53).

Análise final

Em conclusão, podemos ver pelo quadro 1 que o contingente militar estacionado na Guiné não parou de aumentar nos anos iniciais da guerra. Se analisarmos a evolução das forças portuguesas constatamos que, no início de 1961, o número de militares presentes na Guiné rondava os 1.200 homens, enquanto na passagem para 1963 este número ascendia já a 5.650 militares, ou seja, um aumento de mais de 400 por cento dos efectivos nesse teatro de operações. Porém, o número não parou de subir, tendo atingido, em Março de 1964, os 12.066 militares (54).






Todavia, apesar deste aumento substancial do número de tropas, a Guiné continuava longe de estar pacificada e as substituições de Vasco Rodrigues e de Louro de Sousa eram assim, neste contexto, inevitáveis. Louro de Sousa ainda tentou mostrar alguma iniciativa militar lançando, em Janeiro de 1964, a maior operação jamais levada a cabo na Guiné – a Operação Tridente, no arquipélago do Como. Porém, o seu destino já estava traçado pelo poder político em Lisboa. Em Maio de 1964, era substituído por Arnaldo Schulz, que passaria a exercer as funções de Governador e de Comandante-Chefe, concentrando em si a acção política e militar, como já tinha acontecido no tempo de Peixoto Correia (55).



O autor agradece ao Arquivo da Defesa Nacional (ADN) o apoio dado a esta investigação.


 * Investigador independente em história militar,  tem feito investigação sobre as operações da Força Aérea na Guerra Colonial, principalmente na Guiné. É colaborador da revista Mais Alto da Força Aérea Portuguesa e tem publicado também o seu trabalho em revistas europeias, em França, Inglaterra e Itália.

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Notas do autor:


(38)  Relatório da visita à Guiné, Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Lisboa, 27 de Maio de 1963, ADN/F2/92/306/4.


(39) Cunha, Silva, O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril, Atlântida Editora, Coimbra, 1977, pp.108-111.


(40)  Exposição feita pelo Comandante-Chefe das Forças Armadas na Guiné no CSM, 4 Setembro 1963, ADN/F2/92/306/4.


(41) Relatório da visita à Guiné, Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Lisboa, 27 de Maio de 1963, ADN/FG/SGDN Cx. 6862.5

(42) Ibidem.

(43) Ibidem.

(44)  Exposição feita pelo Comandante-Chefe das Forças Armadas na Guiné no CSM, 4 Setembro 1963, ADN/F2/92/306/4.


(45) Ibidem.


(46) Ibidem.


(47) Ibidem.


(48) Ibidem.


(49) Cunha, op. cit., pp. 112-113.


(50) Cunha, op. cit., p. 111.


(51) Felgas, op. cit., p. 78.


(52) Felgas, op. cit., p. 79.


(53) Directiva n.º 7 do COMCHEFE Guiné, Bissau, 14 de Dezembro de 1963, ADN F2/58/319/1.


(54) Exposição da Situação Operacional na Província da Guiné (JAN 61/MAR 64), feita ao Curso de Altos Comandos, no IAEM, em 2 de Maio de 1964, Esquema nº. 13, ADN/F2/92/307/7.


(55) Verbete para o Gabinete do Ministro da Defesa Nacional com Portaria da Presidência do Conselho, 13 de Maio de 1964, F2/93/311/1.

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Nota do editor_


Vd.poste anterior:

25 de fevereito de 2016 > Guiné 63/74 - P15795: O Início da guerra na Guiné (1961-1964 ) (José Matos, historiador) > Parte I


quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15795: O Início da guerra na Guiné (1961-1964 ) (José Matos, historiador) > Parte I

[ Foto à esquerda: o nosso grã-tabanqueiro José [Augusto] Matos (*), formado em astronomia em 2006 na Inglaterra ( University of Central Lancashire, Preston, UK ), é especialista em aviação e exploração espacial desde 1992, e faz parte da Fisua - Associação de Física da Universidade de Aveiro; é nvestigador independente em história militar ]


1. Mensagem, de 16 do corrente, do Zé Matos:

Olá, Luís

Já está on-line o meu último artigo na RM [Revista Militar, nº 2566, novembro de 2015,] sobre o começo da guerra na Guiné. Podes divulgar no blogue... Ab. Zé.


2. O Início da guerra na Guiné (1961-1964 > Parte I (Corte do autor e da Revista Militar)

Revista Militar, nº 2566, novembro de 2015

por José Matos

Introdução


A fase pré-insurreccional da guerra na Guiné começou em finais dos anos de 1950, com vários movimentos nacionalistas a contestar o poder colonial português e a disputar entre si o apoio dos países vizinhos na luta contra os portugueses. Seria, no entanto, o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) a destacar-se na luta de guerrilha assumindo-se como o principal movimento nacionalista na Guiné. Preconizando inicialmente uma solução pacífica para o problema colonial, o PAIGC acabaria por passar à luta armada, protagonizando o início oficial da guerra com um ataque ao aquartelamento português de Tite, em Janeiro de 1963. A partir desse momento, a sua acção foi crescendo na Guiné, obrigando as tropas portuguesas a um grande esforço de contra-subversão e a um aumento substancial dos efectivos, embora fossem incapazes de controlar a guerrilha.

Os movimentos nacionalistas na Guiné Portuguesa começaram a ganhar visibilidade em finais dos anos de 1950, em sintonia com as primeiras independências africanas, que mudaram radicalmente o panorama político nos territórios africanos sob domínio europeu.

No que diz respeito à colónia portuguesa, a independência mais marcante foi a da Guiné-Conakry, a 2 de Outubro de 1958, que levou os nacionalistas guineenses a acreditar numa mudança política em toda a região, no sentido da descolonização (1). Pouco tempo depois da independência da chamada Guiné Francesa, o Governo de Salazar envia à Guiné o General Beleza Ferraz, Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), para avaliar a ameaça das ideologias nacionalistas e o dispositivo militar na colónia.

Por essa altura, Portugal tinha na Guiné uma guarnição com cerca de 900 militares, de recrutamento local, embora enquadrada por oficiais de origem europeia, distribuídos por dois quartéis: um em Bissau e outro em Bolama, antiga capital da Guiné, no litoral sul do território. Na análise que faz do dispositivo militar, Beleza Ferraz, prevê que a parte mais interior da Guiné também venha a ter cobertura militar com novas unidades localizadas em Farim e Nova Lamego (2).

Este chefe militar refere ainda que a Guiné dispõe de uma rede de vinte e nove pistas de aviação, mas só a de Bissau é asfaltada, sendo as restantes, de um modo em geral, limitadas apenas à operação de aviões ligeiros, com excepção de Bafatá, que tem possibilidades de ser utilizada, na época seca, por aviões até ao tipo dos DC-3 Dakota. Apesar das pistas, a Força Aérea não tinha ainda meios permanentes na Guiné.

Beleza Ferraz conclui o seu relatório antevendo já uma luta do tipo subversiva “fomentada e agitada por agentes e sabotadores que tanto podem ser da República da Guiné como do nosso próprio território e, neste último caso, preparados e explorados pelos primeiros” (3). Para fazer face a esta situação, o chefe militar português considera como medidas mais importantes o recrutamento de naturais para as fileiras portuguesas que sejam leais às autoridades locais, além da implementação de um serviço de informações adequado que trabalhe não somente para o Governo da colónia, como também para o Comando Militar, além de uma série de outras medidas de carácter militar de reforço do dispositivo existente (4).

Em finais de 1958, a Guiné é também visitada pelo Subsecretário do Estado do Exército, o Tenente-Coronel Costa Gomes, que efectua duas visitas à pequena colónia portuguesa: a primeira, em Dezembro de 1958, e a segunda, em Agosto de 1959. Esta última acontece no âmbito de um périplo que Costa Gomes faz por algumas colónias portuguesas, passando também pela Guiné.

Convém também referir que esta segunda visita de Costa Gomes acontece pouco tempo depois da greve e da revolta dos marinheiros indígenas do cais de Pigiguiti, em Bissau, que foi reprimida de forma violenta pela polícia portuguesa. Este incidente acontece no dia 3 de Agosto de 1959, quando um grupo de grevistas indígenas, no porto de Bissau, entra em confronto com a Polícia de Segurança Pública (PSP), que abre fogo contra os manifestantes (5). O incidente é analisado por Costa Gomes que considera que os grevistas tinham alguma razão no desencadeamento dos protestos e que “o agravamento do incidente deu-se devido à falta de preparação dos agentes da PSP que, impotentes para actuar de outra forma, fizeram uso das armas de fogo” (6). [Vd. também o testemunho presencial do nosso camarada Mário Dias, publicado em 2006]

 Além desta questão, que vai ter um importante efeito mobilizador nos nacionalistas guineenses, Costa Gomes analisa também a evolução da situação interna da Guiné e considera que existe o perigo de subversão de uma parte da população, e que a infiltração de ideias nacionalistas vindas de territórios vizinhos se vai fazendo de forma progressiva. Para enfrentar esta situação, o governante português sugere uma série de medidas de carácter militar e administrativo de forma a limitar a acção dos factores de subversão. De salientar que nas medidas de carácter administrativo podemos detectar já o desenho de um plano de acção psicossocial, que passava pela melhoria dos serviços de saúde, pela educação das populações indígenas através da acção das missões religiosas, pela fiscalização das grandes empresas comerciais no respeitante ao tratamento e pagamento dos empregados indígenas e ainda pela auscultação das populações, a fim de se saber as suas aspirações e problemas (7).

O dispositivo militar na colónia é também analisado por Costa Gomes e percebe-se que é praticamente o mesmo do ano anterior, continuando o interior do território sem qualquer cobertura militar (8).

Só em finais de 1959 é que começam a chegar os primeiros reforços à Guiné. Desta forma, as duas companhias de caçadores que estavam naquele território são reforçadas por uma companhia de caçadores (CCaç) de origem europeia, mobilizada pelo Batalhão de Caçadores 5 (BCaç 5) (9).  Por decisão do Comando Militar da Guiné, dois pelotões de atiradores desta companhia de reforço são destacados para Farim e Bedanda, enquanto um pelotão da 1.ª CCaç sedeada em Bissau é destacado para Nova Lamego. Os destacamentos duram dois meses, embora, em despacho de 27 de Janeiro de 1960, Costa Gomes estipule que a CCaç europeia não deva destacar mais do que um pelotão de atiradores para o interior da Guiné (10).

Por esta altura, o movimento nacionalista mais activo no incitamento das populações nativas à revolta é o Partido Africano da Independência (PAI), dirigido por Amílcar Cabral, que defende a independência da Guiné e das ilhas de Cabo Verde. Este movimento tinha sido criado, em 1956, por alguns guineenses e cabo-verdianos, como Amílcar Cabral, que defendiam a conquista imediata da independência nacional na Guiné e Cabo Verde (11).

 Os acontecimentos de Pigiguiti levam o PAI a adoptar uma nova orientação. O partido torna-se mais activo na contestação ao poder colonial português, começa a preparar-se para a luta armada e decide transferir parte da direcção para o exterior (12). Desta forma, Amílcar Cabral muda-se para Conakry, em Maio de 1960, onde procura apoios junto das embaixadas estrangeiras e tenta formar jovens quadros para a luta pela independência (13).

A partir de Julho de 1960, o partido de Cabral começa a difundir panfletos de carácter político em várias regiões da Guiné convidando os guineenses a aderir ao partido e à luta “pela liquidação imediata da dominação colonial portuguesa na Guiné e em Cabo Verde” (14). Embora esteja radicado em Conakry, Cabral consegue montar, juntamente com os dirigentes que permanecem em Bissau, uma rede de células clandestinas em vários pontos da Guiné de forma a incrementar as actividades do partido. Além das cidades, o PAI actua também nas zonas rurais (15).

Em Outubro desse ano, o partido de Cabral faz publicar uma carta aberta dirigida ao Governo português, propondo-lhe uma solução pacífica para o problema colonial da Guiné e Cabo Verde e, em Dezembro, envia o seu primeiro memorando à ONU (16).  No entanto, perante as recusas óbvias de Salazar, Amílcar Cabral percebe rapidamente que a única forma de derrubar o poder colonial português seria com o recurso à luta armada.


Os ataques no norte da Guiné


Apesar da actividade do PAI, é o Movimento de Libertação da Guiné (MLG), com sede no Senegal, que desencadeia, em Julho de 1961, as primeiras acções de sabotagem na Guiné. Estas acções acontecem na noite de 17 para 18 de Julho, quando um pequeno grupo de elementos do MLG corta a linha telefónica entre S. Domingos e a tabanca de Beguingue, e tenta, ainda, incendiar a ponte de Campada, no norte da Guiné.

Três noites depois, um grupo, desta vez mais numeroso, ataca “o aquartelamento de S. Domingos fazendo uso de terçados, armas de caça, espingardas e garrafas de gasolina”. No dia 25, outro grupo armado provoca danos materiais na estância turística da praia de Ponta Varela e ainda em Susana, “fazendo depredações e pilhando a maioria dos edifícios públicos, inclusive um posto sanitário” (17).

Estas acções fazem com que muitos europeus espalhados pelo interior do território fujam em direcção a Bissau (18). Estes primeiros ataques levam o Governo em Bissau a destacar efectivos militares para as zonas atingidas, o que parece ter dissuadido novos ataques por parte do MLG (19). Na altura, o Governador era o Comandante Augusto Peixoto Correia que, por ordem de Lisboa, passa também a acumular as funções de Comandante-Chefe, que até então eram exercidas por um oficial do Exército (20).

Além da resposta militar a nível local, o Governo português decide também enviar para a Guiné um destacamento de caças F-86F Sabre, sedeados em Monte Real. Os primeiros caças chegam à Guiné, a 15 de Agosto de 1961, e ficam estacionados na base de Bissalanca. Os primeiros aviões voam na Guiné, a 19 de Agosto, e fazem vários voos durante esse mês (21). Os pilotos de F-86 fazem destacamentos de três meses na Guiné, sendo substituídos no final desse tempo. Além dos F-86, chegam também à Guiné aviões de ataque ligeiro T-6 Texan.

O despertar da guerrilha

Em Agosto de 1961, o PAI, liderado por Amílcar Cabral, decide passar da luta política à acção directa (luta armada), em solidariedade com os movimentos de guerrilha que tinham começado a combater em Angola (22) No ano seguinte, o partido muda a sua designação para PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) (23).

Porém, em Março de 1962, o partido de Cabral sofre um rude golpe, quando em Bissau são detidos vários líderes do PAIGC, que dirigiam o bureau político clandestino na capital guineense, entre os quais Rafael Barbosa, presidente do partido. É também apreendida propaganda e documentação variada, nomeadamente documentos com o planeamento de acções em pontos-chave de Bissau, além de uma lista com os nomes dos responsáveis e militantes do PAIGC na capital. De acordo com Luís Cabral, são presos mais de mil militantes e simpatizantes do partido, ficando o PAIGC praticamente desmantelado em Bissau (24). As autoridades portuguesas conseguem também desmantelar outras redes do partido por toda a Guiné, conseguindo apurar que os “agitadores e propagandistas” já tinham efectuado um trabalho aprofundado nas populações nativas (25).

A 3 de Agosto de 1962, François Mendy (que tinha criado o MLG) funda,  em Dacar, um novo movimento de luta armada: a Frente da Luta pela Independência da Guiné (FLING). Este movimento englobava grande parte dos guineenses radicados no Senegal, resultando da fusão de vários movimentos nacionalistas radicados naquele país. O PAIGC é convidado para fazer parte do novo movimento, porém, recusa o convite.

Enquanto a FLING actua no norte da Guiné, usando o Senegal como base de retaguarda, o partido de Cabral concentra a sua acção no sul da província levando a cabo uma grande campanha de propaganda com o intuito de aliciar as populações do sul da Guiné. Na segunda metade desse ano, segundo as forças portuguesas, o PAIGC dá início às suas primeiras acções violentas, tendo como alvo as autoridades tradicionais e agentes da ordem.

Por essa altura, os dirigentes do partido têm já armamento ligeiro ao seu dispor proveniente de Marrocos, embora o façam entrar de forma clandestina na Guiné-Conakry, com receio das autoridades guineanas, que não fornecem qualquer ajuda a este nível. Este processo clandestino acaba na prisão de vários dirigentes do PAIGC, apanhados com uma carga ilegal de armas no porto de Conakry. A situação só é resolvida depois de um encontro entre Amílcar Cabral e Sékou Touré, em que este último autoriza finalmente o fornecimento de armamento ao PAIGC. A partir daí, o partido de Cabral passa a receber armas directamente dos arsenais da própria Guiné-Conakry (26).

Paralelamente, o PAIGC continua com a formação dos quadros políticos e militares no estrangeiro, nomeadamente, na China, na Checoslováquia, no Gana, em Marrocos, no Mali e na Guiné-Conakry. Neste último país estava, desde Maio, um grupo de instrutores argelinos, do Front de Libération Nationale.

Entretanto, em finais de 1962, Peixoto Correia é exonerado do cargo de Governador da Guiné e, por consequência, de Comandante-Chefe, dado que exercia em acumulação as duas funções. Para o Governo da Guiné é então nomeado Vasco Rodrigues, um oficial da Marinha, que alimentava a expectativa de também vir a ser nomeado Comandante-Chefe, o que nunca viria a acontecer. Na verdade, para as funções de Comandante-Chefe, o Governo de Salazar escolhe o Coronel Fernando Louro de Sousa, que, no entanto, só chegaria a Bissau em Março de 1963, três meses depois de a guerra ter começado.


O começo da guerra


A 23 de Janeiro de 1963, o PAIGC dá início à guerra na Guiné, com o ataque ao aquartelamento de Tite, muito perto de Bissau. Este ataque é protagonizado por quinze a vinte elementos do PAIGC que atacam o quartel de madrugada, provocando um morto e dois feridos entre as tropas portuguesas. Os guerrilheiros mantêm o quartel sob fogo intenso durante meia hora e, na escaramuça, sofrem três mortos (27).

O ataque, no entanto, assinala simbolicamente o início da guerra na Guiné, embora a actividade subversiva do PAIGC fosse já anterior a esta data. Nessa mesma noite, as forças portuguesas sofrem uma emboscada na região de Fulacunda (área de Buba) perdendo dois soldados (28). Quatro dias depois, um novo ataque da guerrilha na mesma região provoca mais dois mortos e quatro feridos nas tropas portuguesas (29).

Ainda no mês de Janeiro, as forças portuguesas registaram as primeiras emboscadas na região de Bedanda, no sul da Guiné, e as acções da guerrilha continuam nos meses seguintes aumentando de intensidade (30). Em Março, o PAIGC consegue capturar, no porto de Cafine, dois barcos comerciais, o “Mirandela” e o “Arouca”, que viriam a ser utilizados no transporte de pessoal e materiais provenientes da República da Guiné (31).  Enquanto o PAIGC ataca no sul da província, o MLG ataca a norte, efectuando várias acções contra povoações e emboscadas a viaturas militares (32).




Figura 1 – Mapa da Guiné com as principais linhas de infiltração da guerrilha, em 1961/63



Nessa altura, as forças portuguesas já estavam distribuídas por dez pontos do território e o Exército tinha na Guiné quase 5.000 homens (33). Além das forças terrestres, o comando militar em Bissau contava também com o apoio de meios aéreos estacionados no aeródromo de Bissalanca (AB2). A Força Aérea tinha na Guiné pouco mais de 350 efectivos e dispunha de sete caças F-86F Sabre, oito aviões de ataque ligeiro T-6 Texan, além de quatro aviões ligeiros de transporte (34).

Quanto à Marinha, tinha pouco mais de 300 militares e dispunha do contratorpedeiro “Vouga”, duas lanchas de desembarque pequenas e três lanchas de fiscalização da classe Bellatrix (35).

Em resumo, as forças portuguesas totalizavam 5.650 homens. Ao longo de 1963, este efectivo vai aumentar de forma considerável, como se verá mais à frente.

A chegada de Louro de Sousa


Como já foi dito, Louro de Sousa só chega à Guiné a 20 de Março de 1963, estando já no Governo da província Vasco Rodrigues, que lhe revela o seu ressentimento por não ser ele o Comadante-Chefe (36).

A 1 de Abril, Louro de Sousa envia o seu primeiro relatório de comando ao ministro da Defesa. No relatório, Louro de Sousa assinala a existência de actividades de guerrilha em praticamente todo o território com excepção da zona de Bissau. No norte, como já foi dito, as acções são desencadeadas por elementos do MLG, a partir da região de Casamansa, no Senegal, onde se refugiam depois dos ataques. Quanto ao PAIGC actua principalmente no sul da província com grande liberdade de acção perturbando significativamente a actividade económica naquela região. Dos dois grupos, o PAIGC é o que se encontra melhor armado e melhor preparado recebendo apoio logístico da República da Guiné e apoio material dos países do leste europeu.

Na opinião do militar português, “o PAIGC é, dos movimentos de libertação, o que representa perigo maior para a estabilidade da situação política da província”  (37). O relatório refere ainda que já se encontram na Guiné, dezasseis companhias de caçadores ou unidades equivalentes (cerca de 6.000 homens) e propõe uma remodelação no dispositivo em função da evolução da situação e um reforço dos meios com o envio para a Guiné de mais onze companhias de caçadores, um pelotão de morteiros, um destacamento de manutenção de material e dois pelotões de reconhecimento com viaturas Fox.

Louro de Sousa assinala ainda uma série de problemas relacionados com o material e com a gestão das tropas, que deviam ser resolvidos rapidamente para aumentar a capacidade operacional das forças terrestres. Este relatório de Louro de Sousa é o primeiro sinal de alerta quanto à gravidade da situação na Guiné.

 (Continua)

[Fixação de texto e links: LG]
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O autor agradece ao Arquivo da Defesa Nacional (ADN) o apoio dado a esta investigação.

* Investigador independente em história militar tem feito investigação sobre as operações da Força Aérea na Guerra Colonial, principalmente na Guiné. É colaborador da revista Mais Alto da Força Aérea Portuguesa e tem publicado também o seu trabalho em revistas europeias, em França, Inglaterra e Itália.

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Notas do autor:

(1) Cabral, Luís, Crónica da Libertação, Edições “O Jornal”, 1.ª edição, Lisboa, 1984, p. 60.

(2) Memorando sobre a Defesa da Guiné, Presidência do Conselho, Secretariado-Geral da Defesa Nacional, 24 de Outubro de 1958, ADN/F2/92/309/13.

(3) Ibidem.

(4) Ibidem.

(5) Relatório do Comando Militar da Guiné, Assunto: Greve dos marinheiros indígenas no cais de Pigiguiti. Bissau, 4 de Agosto de 1959, ADN/F2/92/306/1.

(6) Missão do Ministério do Exército às Províncias de Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e Angola, Julho/Agosto de 1959, ADN/F1/50/235/8.

(7) Ibidem.

(8) Ibidem.

(9) Informação nº 73/60 do Secretariado Geral da Defesa Nacional, Assunto: Localização de Unidades Militares no Interior da Guiné, Lisboa, 8 de Fevereiro de 1960, ADN/F2/92/306/1.

(10) Ibidem.

(11) Ignátiev, Oleg, Amílcar Cabral, Edições Progresso, Moscovo, 1984, p. 97.

(12) Silva, António Duarte E., A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa, Edições Afrontamento, Lisboa, 1997, p. 37.

(13) Cabral, op. cit., pp. 90-94.

(14) Felgas, Hélio, Guerra na Guiné, Serviço de Publicações do Estado-Maior do Exército, SPEME, Lisboa, 1967, p.50.

(15) Pereira, Aristides, O meu testemunho – uma luta, um partido, dois países, Editorial Notícias, Lisboa, 2003, pp. 142-143.

(16) Ordem de Batalha 1 – Serviço de Informação Militar/CTIG. Efemérides da Subversão na Guiné – 2ª Rep/QG/CTIG – Bissau, 31 de Outubro de 1967, ADN/FG/SGDN Cx. 4445.8.

(17) Ibidem.

(18) Lobato, António, Liberdade ou Evasão – o mais longo cativeiro da guerra, Editora Erasmos, 2ª edição, Amadora, 1995, p. 18.

(19) Felgas, op. cit., p. 61.

(20) Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Carta de Comando para o Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Lisboa, 23 de Maio de 1961, ADN/F2/93/311/1.

(21) Correia, José Manuel, Atlas – nome de código, os F-86F Sabre na Guiné, revista Mais Alto nº 357, Set/Out 2005, pp. 30-35.

(22) Pereira, op. cit., p. 146.

(23) Pereira, op. cit., p. 367.

(24) Cabral, op. cit., p. 123.

(25) Ordem de Batalha 1 – Serviço de Informação Militar/CTIG. Efemérides da Subversão na Guiné – 2ª Rep/QG/CTIG – Bissau, 31 de Outubro de 1967, ADN/FG/SGDN Cx. 4445.8.

(26) Cabral, op. cit., pp. 132-143.

(27) Telegrama do Governador da Guiné para o Ministério do Ultramar, Bissau, 23 de Janeiro de 1963, ADN F2/102/324/4.

(28) Comunicado do Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Serviço de Informação Pública das Forças Armadas, Lisboa, 24 de Janeiro de 1964, ADN F2/102/324/4.

(29) Telegrama do Governador da Guiné para o Ministério do Ultramar, Bissau, 27 de Janeiro de 1963, ADN F2/102/324/4.

(30) Felgas, op. cit., pp. 66-68.

(31) Felgas op. cit., p. 68.

(32) Felgas op. cit., pp. 61-64.

(33) Exposição da Situação Operacional na Província da Guiné (JAN 61/MAR 64), feita ao Curso de Altos Comandos, no IAEM, em 2 de Maio de 1964, Esquema n.º 13, ADN/F2/92/307/7.

(34) Ibidem, Esquema n.º 9.

(35) Ibidem, Esquema n.º 8.

(36) Exposição feita pelo Comandante-Chefe das Forças Armadas na Guiné no CSM, 4 Setembro 1963. p. 25, ADN/F2/92/306/4.

(37) Relatório do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Bissau, 1 de Abril de 1963, ADN/F2/103/328/1.

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Nota do editor:

(*) Vd. poste de >7 de setembro de 2015 >  Guiné 63/74 - P15080: Tabanca Grande (472): José Matos, investigador independente em história militar, filho do nosso falecido camarada José Matos, fur mil da CCAV 677 (Fulacunda, São João e TIte, 1964/66)... Novo grã-tabanqueiro nº 701

Guiné 63/74 - P15794: Inquérito 'on line' (34): Sim, "também já passei por uma ou mais situações de doença grave", dizem 47% de um total de 88 respondentes

1. INQUÉRITO DE OPINIÃO: 

"TAMBÉM JÁ PASSEI POR UMA OU MAIS SITUAÇÕES DE DOENÇA GRAVE"



1. Sim, já passei por uma > 20 
(22,7%)

2. Sim, já passei por duas > 14 
(15,9%)

3. Sim, já passei por três ou mais > 
(8,0%)

4. Não, felizmente ainda não passei por nenhuma > 45 
(51,1%)

5. Não sei / não me lembro > 2
 (2,3%)

Votos apurados >  88
(100,0%)
Sondagem fechada 24/2/2016, 9h02

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Nota do editor:

Último poste da série > 21 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15773: Inquérito 'on line' (34): Sim, "também já passei por uma ou mais situações de doença grave", dizem 48% dos 50 respondentes, até à data. Prazo de resposta: 4ª feira,dia 24, 9h00

Guiné 63/74 - P15793: Parabéns a você (1039): Gumerzindo da Silva, ex-Soldado Condutor Auto da CART 3331 (Guiné, 1970/72)

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Nota do editor

Último poste da série de 24 de Fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15787: Parabéns a você (1037): António Cunha, ex-1.º Cabo da CCAÇ 763 (Lassas) (Guiné, 1965/66) e Manuel Henrique Q. Pinh0, ex-Marinheiro Radiotelegrafista das LDMs 301 e 107 (Guiné, 1971/73)

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15792: O meu coma: o corredor da morte (Mário Gaspar) - II (e última) Parte

1. Segunda e última parte do texto do Mário Gaspar sobre a sua experiência de internamento hospitalar  em março de 2002, quando foi operado ao coração... Tem hoje 4 bypasses. Esteve em coma, estve mais para lá do que para cá, É um herói, um duplo sobrevivente do "corredor da morte", na Guiné e na UTIC, no Hopsital de Santa Maria (*)

[Foto à esquerda: Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68; lapidor de diamantes, reformado; cofundador e antigo dirigente da APOIAR - Associação de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas do Stress de Guerra]


(Continuação)

Guerra. Descia e montava minas que rebentavam e matavam. Guerra. As cores de todo o ambiente, eram carregadas, visíveis, sendo de destacar, o verde e o vermelho. Parece que o verde de floresta e o vermelho de san­gue.

Fomos então à propriedade do “senhor x”. Tinha vários chapéus-de-sol espalhados pela relva bem verde. O senhor estava sentado numa cadeira de praia, junto a uma piscina. Falei com ele mas tive que me lançar para a relva. Tinha bastantes dificuldades em me mexer. Ele parecia ser boa pessoa, queria­ ajudar-me. Não sabia quem era, alguém importante. Tinha muitos empregados. Era um espaço luxuoso. Um paraíso.

Perto dele, um outro indivíduo. Emigrante, percebi e de visita à terra, mas mais pobre. Vivia também com algum desafogo. Pronto também para ajudar. Não entendia que tipo de apoios, nem tão pouco quem apoiava e quem era apoiado. Eu não estava bem. Tinha de me lançar para a relva. Até que veio um outro indivíduo, percebi ser muito pobre, que só queria que ajudassem uma mulher. Foi encaminhado.

Saí dali e voei até Vila Franca de Xira. Depois Alhandra e passei pela passagem de nível desta estação. Um pouco à frente está Campo Grande, e logo à curva a Praia de Santa Maria de Sintra (a praia não existe, mas existe a Freguesia de Santa Maria de Sintra que foi onde nasci). Vem Sintra. Toda a viagem foi voando como se fosse um anjo. Vejo o meu pai revoltado dizer:
– Eles não deviam mandar o meu filho para a guerra. Ainda, por cima mataram­‑no. Está escrito na caderneta militar:
– “Morto a 12 de Outubro de 1967” e também: – “Baixa de Serviço: por Falecimento”. Eles não podem matar o meu filho. – Continuava ele, enquanto chorava.

Vi a minha mãe a olhar­‑me. Chorava.

A sala onde me encontro é grande, e localiza­‑se na entrada de neu­rologia, no Hospital de Santa Maria, aliás local onde nunca estive. Tem muitas camas. No fundo, ao meio, está uma porta estreita. Para lá chegar é necessário subir uns degraus. Entrada de um corredor diferente, o “corredor da morte”?

Eu estou em pé à espera da minha vez. Alguém com um aspecto sinistro se põe à minha frente. A sala possui muitas camas com doentes. Dou um empurrão a um tipo por entender que ele não deve ultrapassar­‑me. Sou tratado à sua frente, e para além de me lavarem colocam­‑me uma matéria florescente no nariz, lábios e orelhas, que em contacto com a pele me dá uma outra força anímica. Fico numa cama limpa.

Depois vou para Entre Campos, dando uma volta por Alhandra, Vila Franca de Xira, Praia de Santa Maria de Sintra. Sempre a voar. Fiquei preso no elevador, no cruzamento da Avenida da República com a Avenida das Forças Armadas, com bastantes dificuldades em me mexer. Pedi a um indivíduo se me ajudava, ou a carregar no botão para o piso que eu queria, ou que me emprestasse o telemóvel dele para falar com a minha família. Nem resposta me deu. Olhou­‑me, com o cigarro entre os dedos.

Não consegui sair dali. Após verem­‑me levam-me para umas barra­cas (correspondentes às Barracas dos Tiros da Feira Popular – do lado da Avenida da República e do Teatro Vasco Santana).  Quem aparece, é o tal rapaz, um bom técnico de computador, fazendo peças de cerâmica e bolos. Coloca­‑me a tal matéria florescente no nariz, lábios e orelhas, que em contacto com a pele dá­‑me uma outra força, faz­‑me ter vida. Viver. Mas estou preso. Estou amarrado. Estou morto. Vejo mais uma vez a Sede da APOIAR na Avenida de Roma, 135 3.º, em corte, vista por cima.

Surge um médico preto a afirmar que afinal em relação à minha doença, a fibrose pulmonar (ao pó de diamante) e ao stress pós­‑traumático de guerra, estava pior, pelo que pensei em falar com o rapaz, o tal rapaz que faz bolos e peças de cerâmica. Poderia ajudar nalguma coisa. O meu pai gritava:
– Mataram o meu filho, quero o meu filho.

Volto à Guiné, e movimento­‑me pelo ar rapidamente, com a G3 em punho, matando mais guerrilheiros. O verde. Bem vermelho.  Depois vejo uma corneta. São os Correios localizados na Rua de São José, em Lisboa. Já havia lá trabalhado, ao serviço da DIALAP – Sociedade Portuguesa de Lapidação de Diamantes. Sou acompanhado também aí:
– Eu preciso de acompanhamento!

O porteiro que me dava a chave para eu trabalhar já lá não estava. Ali existia uma equipa grande e discutiam inclusive os vencimentos, considerando ganharem pouco. O psiquiatra preto que é guineense mandou vir a mulher da Guiné, e também a filha. No primeiro dia zangaram­‑se.  Pensava: – Como me podem ajudar, se eles não se entendem.

Ficou então estabelecido que a Rede Nacional de Apoio, esta apro­vada por Decreto Lei na Assembleia da República, por unanimidade, era eu Presidente da APOIAR. A Rede Nacional de Apoio funcionaria com 9 Psiquiatras de Angola, 9 da Guiné e 9 de Moçambique.

Volto novamente a Entre Campos, e ao entrar no prédio de gaveto da Avenida das Forças Armadas com a Avenida da República, vejo a Antonieta, Josefina, e outras personalidades históricas. Os rostos estão furados. As carnes carcomidas. Estão mortas.

Andavam a fazer publicidade a produtos alimentares num grande hipermercado. O local é o mesmo das barracas dos tiros:
– Ó freguês, vai um tirinho?

Nos locais onde sou acompanhado, principalmente pelo rapaz que uti­liza tal matéria florescente no nariz, lábios e orelhas. Aquela matéria aliviava as dores. Começam por me colocar mais pedaços, era matéria maleável e incandescente. Parece que andam a controlar a utilização daquela matéria que devia ter um valor incalculável. Fico mais aliviado das dores.

Fumo um cigarro, que apago logo, sendo visitado por um indivíduo que vem controlar aquele produto milagroso. Nada me diz. O rapaz, a partir de um determinado dia, começa a empurrar todo aquele produto para cima de mim. Com o fim de me comprometer? Ele continua a desconfiar. Fico com medo e grito:
– Ó da casa!

Alguém me tira daquela prisão que me atormenta e me corrói.  Faço outra visita ao “senhor x” que está debaixo do chapéu-de-sol. Num voo chego junto dele. Saboreia uma bebida. Falo­‑lhe. Não sei bem de quê, depois de eu próprio me lançar sobre a relva. Doía­‑me a barriga.

Vejo­‑me de repente perante o emigrante, tirando um cigarro do bolso, metendo­‑o de seguida na boca. Enchi o ambiente de fumo, até que chegam os meus irmãos José e o Ramiro. Via o meu pai, que chorava, enquanto a minha mãe me mirava com um olhar melancólico. À minha frente, está o meu filho, o Carlos, tem dois ou três anos. Vejo também o meu filho Alexandre, mas este com 27 anos.

Estou deitado na cama. Alguém se aproxima de mim. Quase cara na cara. Muito bonita a senhora. Afasta­‑se. Afasta­‑se. Afasta­‑se. Até desapa­recer por completo. A grande velocidade, velocidade da luz passa o Herman José, que para de seguida.
– Ando a pensar em clonar o Michael Jackson.
–  Muitos? Eu estou contra! – Respondo.

Herman José passa novamente a grande velocidade, dizendo estar tudo controlado, principalmente junto da fronteira. Mas o Michael Jackson não pode ser. Não é branco. Não é preto. Enfermeiros e Médicos olharam­‑me como se me acusassem. Será da utilização daquele produto que faz milagres?

Saí dali e fui a Vila Franca de Xira, depois até Alhandra, passando pela passagem de nível da estação, um pouco à frente está o Campo Grande, e logo à curva a Praia de Santa Maria de Sintra. Tudo em voo rasante. Vem Sintra. Passa o Herman.
– Há que clonar!

O meu pai reclama. A minha mãe olha­‑me com amor. O rapaz diz que me vai ajudar, porque entende de computadores, e vai juntar a História da minha Companhia, com uns bonecos parecidos com aqueles que a minha neta Raquel faz, e provar que eu estou vivo. Surgem uns indivíduos todos iguais. Carecas. Aquela careca típica, com cabeças parecendo cubos. Eram muitos, e militares. Clonagens?
Outros clonados, mais outros. O Herman passa a uma velocidade do Speed Gonzalez.

Não podem clonar o Michael Jackson. Somos brancos ou somos pretos. Vila Franca de Xira, Alhandra, Campo Grande, Praia de Santa Maria de Sintra. Voo fantástico.

Vejo algo como o paraíso encerrado em vidro. Entrei. Os soldados carecas de cabeça cúbica. Era tropa de elite e conheciam­‑me.

Ao fundo da sala uma porta estranha. Pequena. Quando chega a minha vez, e depois de uns indivíduos me analisarem, eu, que era dos primeiros, entro naquela porta carregada de uma luz bonita que não encandeava nem feria a vista. Uma luz mais pura e forte bate­‑me na vista. Atravessei um túnel, antes um corredor. Não estava a sonhar e vi um cenário que nunca imaginava existir: uma floresta multicolor; arco­‑íris; jardins que percorriam todo o espaço; plantas exóticas; relva e musgo; florestas; flores de uma beleza nunca vista; um rio de água límpida; cascatas; mares calmos bem azuis; um mar de areia cor de ouro.

Beleza celestial. Era um paraíso. Um paraíso difícil de identificar. Entro num corredor. Pode­‑se dizer ser um corredor de luz. Possui uma luz muito bela. Incandescente. Uma luz que para além de iluminar, corrompe o espírito e a alma.

Que beleza! Mundo que só poderia ser feito por um Deus maior, um ser superior. Num ápice afasto­‑me daquele mundo maior e regresso.  Estou livre. Vivo em liberdade. Afinal estou na enfermaria da UTIC, no Piso 6. Apalpo­‑me… Estou numa cama, do Hospital de Santa Maria. Um penso tapando o peito. As pernas estão igualmente ligadas.

Venho a saber mais tarde que é 27 de Março, e que fui operado ao coração (cardiopatia isquémica – quatro bypass), ficando em coma de seguida. Só me recordo de fazer o cateterismo. Estou repleto de tubos. Tenho hematomas nas costas da mão direita e a esquerda está cheia de tubos, devido ao soro.

Não votei. O acto eleitoral tinha sido a 17 de Março. Vou todos os dias ao Piso 8 fazer o penso. Todos me falam quando se cruzam comigo. Não os conheço. Um dia peço para visitar a sala onde estive em coma. O médico que diariamente me faz o penso é sósia daquele militar de cabeça cúbica.

Um dia ao transportarem­‑me na cadeira de rodas para fazer o penso no piso 8 colocaram­‑me o Processo Clínico nas mãos. Tentei ler para veri­ficar se estava lá algo sobre o tal produto, ou algo que me incriminasse. Não tinha óculos e fiquei sem saber aquilo que me intrigava: Tudo aquilo por que passara teria alguma verdade?

Pensava que tinha andado a tomar droga. Se não me prenderam é por­que não cometi qualquer crime. Vim a saber terem avisado a minha família que eu não escapava porque estava muito mal. Ia morrer.
Meu filho mais velho, o Carlos Pedro,  contou­‑me que no dia 19 de Março, dia do pai havia­‑me dito ao ouvido, quando eu estava todo entu­bado:
– Pai, o pai é forte e é capaz… É um combatente!

Acordei deste coma induzido, o meu filho Carlos Pedro perguntou:
– Pretende saber de algo para si importante, passado nestes dias? – Respondi com a pergunta:
– Quem ganhou as eleições, e pela vez não votei, e o Benfica tem algumas possibilidades de ser campeão?

Respondeu que tinha sido o PSD e coligado com o CDS-PP e que o Benfica ainda tinha hipóteses.
Tentei dizer, primeiro ao meu amigo Diogo, aquele mundo por onde viajara:
– Esquece!

Outros responderam do mesmo modo. Estou confuso, os Médicos falam em 10 dias, e para mim existe o espaço entre o 12 e o 27 de Março de 2002. Quanto aos Correios, existem na Rua de São José, tendo verificado há pouco, descendo do Marquês Pombal. Estão localizados do lado esquerdo. Curiosamente nunca lá passara. E os mortos vivos, figuras históricas?

O último nº da revista APOIAR,
96, nov/dez 2015, disponível aqui
em formato pdf
Não vi a minha neta neste período, mas ela que fez 3 anitos a 28 de Março, curiosamente disse a
primeira vez que me viu:
– É o avô. Tem dói­‑dói no coração por causa da porcaria do tabaco.

Dias depois da baixa o meu filho Alexandre foi comigo ver o filme de Pedro Almodôvar, “Fala com ela”. Foi ele que escolheu o filme.

O “senhor x”, o “rapaz, o mágico dos computadores”, o meu “voo sobre as terras”, a “raiva do meu pai”, a “acalmia da minha mãe”, “minha neta”, a “matéria florescente”, o “tipo que não ajuda quando fico preso no elevador”, “a razão dos médicos pretos”, a “clonagem”, o “regresso do meu filho mais velho à infância”, a “aproximação de uma figura feminina bonita”, “os vivos mortos”, “os três locais de tratamento”, a visão do “Paraíso”, o “corredor da morte”, e o “regresso à vida”.

Principalmente o regresso à guerra, são questões que necessitam de explicação. A verdade é que estive no “lado de lá”, à entrada do famoso túnel, o tal “corredor da morte”, ou “corredor da luz”.

Ou terei entrado mesmo no “corredor da morte”? A verdade é que depois saí daquele paraíso, para a vida … Voltei à guerra, que me corrompeu as entranhas, no “corredor da morte” e estive novamente no “corredor da morte”.

Recordei, com uma certa ansiedade, os anos passados. Logo na primeira oportunidade – com a mente vazia – escrevi este episódio.

Estivera reunido no dia 11 de Março reunido com o Major Mário Tomé, representando o Bloco de Esquerda. Pedira-lhe um copo de água.

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Nota do editor: