1. Mensagem, de 16 do corrente, do Zé Matos:
Olá, Luís
Já está on-line o meu último artigo na RM [Revista Militar, nº 2566, novembro de 2015,] sobre o começo da guerra na Guiné. Podes divulgar no blogue... Ab. Zé.
2. O Início da guerra na Guiné (1961-1964 > Parte I (Corte do autor e da Revista Militar)
Revista Militar, nº 2566, novembro de 2015
por José Matos
Introdução
A fase pré-insurreccional da guerra na Guiné começou em finais dos anos de 1950, com vários movimentos nacionalistas a contestar o poder colonial português e a disputar entre si o apoio dos países vizinhos na luta contra os portugueses. Seria, no entanto, o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) a destacar-se na luta de guerrilha assumindo-se como o principal movimento nacionalista na Guiné. Preconizando inicialmente uma solução pacífica para o problema colonial, o PAIGC acabaria por passar à luta armada, protagonizando o início oficial da guerra com um ataque ao aquartelamento português de Tite, em Janeiro de 1963. A partir desse momento, a sua acção foi crescendo na Guiné, obrigando as tropas portuguesas a um grande esforço de contra-subversão e a um aumento substancial dos efectivos, embora fossem incapazes de controlar a guerrilha.
Os movimentos nacionalistas na Guiné Portuguesa começaram a ganhar visibilidade em finais dos anos de 1950, em sintonia com as primeiras independências africanas, que mudaram radicalmente o panorama político nos territórios africanos sob domínio europeu.
No que diz respeito à colónia portuguesa, a independência mais marcante foi a da Guiné-Conakry, a 2 de Outubro de 1958, que levou os nacionalistas guineenses a acreditar numa mudança política em toda a região, no sentido da descolonização (1). Pouco tempo depois da independência da chamada Guiné Francesa, o Governo de Salazar envia à Guiné o General Beleza Ferraz, Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), para avaliar a ameaça das ideologias nacionalistas e o dispositivo militar na colónia.
Por essa altura, Portugal tinha na Guiné uma guarnição com cerca de 900 militares, de recrutamento local, embora enquadrada por oficiais de origem europeia, distribuídos por dois quartéis: um em Bissau e outro em Bolama, antiga capital da Guiné, no litoral sul do território. Na análise que faz do dispositivo militar, Beleza Ferraz, prevê que a parte mais interior da Guiné também venha a ter cobertura militar com novas unidades localizadas em Farim e Nova Lamego (2).
Este chefe militar refere ainda que a Guiné dispõe de uma rede de vinte e nove pistas de aviação, mas só a de Bissau é asfaltada, sendo as restantes, de um modo em geral, limitadas apenas à operação de aviões ligeiros, com excepção de Bafatá, que tem possibilidades de ser utilizada, na época seca, por aviões até ao tipo dos DC-3 Dakota. Apesar das pistas, a Força Aérea não tinha ainda meios permanentes na Guiné.
Beleza Ferraz conclui o seu relatório antevendo já uma luta do tipo subversiva “fomentada e agitada por agentes e sabotadores que tanto podem ser da República da Guiné como do nosso próprio território e, neste último caso, preparados e explorados pelos primeiros” (3). Para fazer face a esta situação, o chefe militar português considera como medidas mais importantes o recrutamento de naturais para as fileiras portuguesas que sejam leais às autoridades locais, além da implementação de um serviço de informações adequado que trabalhe não somente para o Governo da colónia, como também para o Comando Militar, além de uma série de outras medidas de carácter militar de reforço do dispositivo existente (4).
Em finais de 1958, a Guiné é também visitada pelo Subsecretário do Estado do Exército, o Tenente-Coronel Costa Gomes, que efectua duas visitas à pequena colónia portuguesa: a primeira, em Dezembro de 1958, e a segunda, em Agosto de 1959. Esta última acontece no âmbito de um périplo que Costa Gomes faz por algumas colónias portuguesas, passando também pela Guiné.
Convém também referir que esta segunda visita de Costa Gomes acontece pouco tempo depois da greve e da revolta dos marinheiros indígenas do cais de Pigiguiti, em Bissau, que foi reprimida de forma violenta pela polícia portuguesa. Este incidente acontece no dia 3 de Agosto de 1959, quando um grupo de grevistas indígenas, no porto de Bissau, entra em confronto com a Polícia de Segurança Pública (PSP), que abre fogo contra os manifestantes (5). O incidente é analisado por Costa Gomes que considera que os grevistas tinham alguma razão no desencadeamento dos protestos e que “o agravamento do incidente deu-se devido à falta de preparação dos agentes da PSP que, impotentes para actuar de outra forma, fizeram uso das armas de fogo” (6). [Vd. também o testemunho presencial do nosso camarada Mário Dias, publicado em 2006]
Além desta questão, que vai ter um importante efeito mobilizador nos nacionalistas guineenses, Costa Gomes analisa também a evolução da situação interna da Guiné e considera que existe o perigo de subversão de uma parte da população, e que a infiltração de ideias nacionalistas vindas de territórios vizinhos se vai fazendo de forma progressiva. Para enfrentar esta situação, o governante português sugere uma série de medidas de carácter militar e administrativo de forma a limitar a acção dos factores de subversão. De salientar que nas medidas de carácter administrativo podemos detectar já o desenho de um plano de acção psicossocial, que passava pela melhoria dos serviços de saúde, pela educação das populações indígenas através da acção das missões religiosas, pela fiscalização das grandes empresas comerciais no respeitante ao tratamento e pagamento dos empregados indígenas e ainda pela auscultação das populações, a fim de se saber as suas aspirações e problemas (7).
O dispositivo militar na colónia é também analisado por Costa Gomes e percebe-se que é praticamente o mesmo do ano anterior, continuando o interior do território sem qualquer cobertura militar (8).
Só em finais de 1959 é que começam a chegar os primeiros reforços à Guiné. Desta forma, as duas companhias de caçadores que estavam naquele território são reforçadas por uma companhia de caçadores (CCaç) de origem europeia, mobilizada pelo Batalhão de Caçadores 5 (BCaç 5) (9). Por decisão do Comando Militar da Guiné, dois pelotões de atiradores desta companhia de reforço são destacados para Farim e Bedanda, enquanto um pelotão da 1.ª CCaç sedeada em Bissau é destacado para Nova Lamego. Os destacamentos duram dois meses, embora, em despacho de 27 de Janeiro de 1960, Costa Gomes estipule que a CCaç europeia não deva destacar mais do que um pelotão de atiradores para o interior da Guiné (10).
Por esta altura, o movimento nacionalista mais activo no incitamento das populações nativas à revolta é o Partido Africano da Independência (PAI), dirigido por Amílcar Cabral, que defende a independência da Guiné e das ilhas de Cabo Verde. Este movimento tinha sido criado, em 1956, por alguns guineenses e cabo-verdianos, como Amílcar Cabral, que defendiam a conquista imediata da independência nacional na Guiné e Cabo Verde (11).
Os acontecimentos de Pigiguiti levam o PAI a adoptar uma nova orientação. O partido torna-se mais activo na contestação ao poder colonial português, começa a preparar-se para a luta armada e decide transferir parte da direcção para o exterior (12). Desta forma, Amílcar Cabral muda-se para Conakry, em Maio de 1960, onde procura apoios junto das embaixadas estrangeiras e tenta formar jovens quadros para a luta pela independência (13).
A partir de Julho de 1960, o partido de Cabral começa a difundir panfletos de carácter político em várias regiões da Guiné convidando os guineenses a aderir ao partido e à luta “pela liquidação imediata da dominação colonial portuguesa na Guiné e em Cabo Verde” (14). Embora esteja radicado em Conakry, Cabral consegue montar, juntamente com os dirigentes que permanecem em Bissau, uma rede de células clandestinas em vários pontos da Guiné de forma a incrementar as actividades do partido. Além das cidades, o PAI actua também nas zonas rurais (15).
Em Outubro desse ano, o partido de Cabral faz publicar uma carta aberta dirigida ao Governo português, propondo-lhe uma solução pacífica para o problema colonial da Guiné e Cabo Verde e, em Dezembro, envia o seu primeiro memorando à ONU (16). No entanto, perante as recusas óbvias de Salazar, Amílcar Cabral percebe rapidamente que a única forma de derrubar o poder colonial português seria com o recurso à luta armada.
Os ataques no norte da Guiné
Apesar da actividade do PAI, é o Movimento de Libertação da Guiné (MLG), com sede no Senegal, que desencadeia, em Julho de 1961, as primeiras acções de sabotagem na Guiné. Estas acções acontecem na noite de 17 para 18 de Julho, quando um pequeno grupo de elementos do MLG corta a linha telefónica entre S. Domingos e a tabanca de Beguingue, e tenta, ainda, incendiar a ponte de Campada, no norte da Guiné.
Três noites depois, um grupo, desta vez mais numeroso, ataca “o aquartelamento de S. Domingos fazendo uso de terçados, armas de caça, espingardas e garrafas de gasolina”. No dia 25, outro grupo armado provoca danos materiais na estância turística da praia de Ponta Varela e ainda em Susana, “fazendo depredações e pilhando a maioria dos edifícios públicos, inclusive um posto sanitário” (17).
Estas acções fazem com que muitos europeus espalhados pelo interior do território fujam em direcção a Bissau (18). Estes primeiros ataques levam o Governo em Bissau a destacar efectivos militares para as zonas atingidas, o que parece ter dissuadido novos ataques por parte do MLG (19). Na altura, o Governador era o Comandante Augusto Peixoto Correia que, por ordem de Lisboa, passa também a acumular as funções de Comandante-Chefe, que até então eram exercidas por um oficial do Exército (20).
Além da resposta militar a nível local, o Governo português decide também enviar para a Guiné um destacamento de caças F-86F Sabre, sedeados em Monte Real. Os primeiros caças chegam à Guiné, a 15 de Agosto de 1961, e ficam estacionados na base de Bissalanca. Os primeiros aviões voam na Guiné, a 19 de Agosto, e fazem vários voos durante esse mês (21). Os pilotos de F-86 fazem destacamentos de três meses na Guiné, sendo substituídos no final desse tempo. Além dos F-86, chegam também à Guiné aviões de ataque ligeiro T-6 Texan.
O despertar da guerrilha
Em Agosto de 1961, o PAI, liderado por Amílcar Cabral, decide passar da luta política à acção directa (luta armada), em solidariedade com os movimentos de guerrilha que tinham começado a combater em Angola (22) No ano seguinte, o partido muda a sua designação para PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) (23).
Porém, em Março de 1962, o partido de Cabral sofre um rude golpe, quando em Bissau são detidos vários líderes do PAIGC, que dirigiam o bureau político clandestino na capital guineense, entre os quais Rafael Barbosa, presidente do partido. É também apreendida propaganda e documentação variada, nomeadamente documentos com o planeamento de acções em pontos-chave de Bissau, além de uma lista com os nomes dos responsáveis e militantes do PAIGC na capital. De acordo com Luís Cabral, são presos mais de mil militantes e simpatizantes do partido, ficando o PAIGC praticamente desmantelado em Bissau (24). As autoridades portuguesas conseguem também desmantelar outras redes do partido por toda a Guiné, conseguindo apurar que os “agitadores e propagandistas” já tinham efectuado um trabalho aprofundado nas populações nativas (25).
A 3 de Agosto de 1962, François Mendy (que tinha criado o MLG) funda, em Dacar, um novo movimento de luta armada: a Frente da Luta pela Independência da Guiné (FLING). Este movimento englobava grande parte dos guineenses radicados no Senegal, resultando da fusão de vários movimentos nacionalistas radicados naquele país. O PAIGC é convidado para fazer parte do novo movimento, porém, recusa o convite.
Enquanto a FLING actua no norte da Guiné, usando o Senegal como base de retaguarda, o partido de Cabral concentra a sua acção no sul da província levando a cabo uma grande campanha de propaganda com o intuito de aliciar as populações do sul da Guiné. Na segunda metade desse ano, segundo as forças portuguesas, o PAIGC dá início às suas primeiras acções violentas, tendo como alvo as autoridades tradicionais e agentes da ordem.
Por essa altura, os dirigentes do partido têm já armamento ligeiro ao seu dispor proveniente de Marrocos, embora o façam entrar de forma clandestina na Guiné-Conakry, com receio das autoridades guineanas, que não fornecem qualquer ajuda a este nível. Este processo clandestino acaba na prisão de vários dirigentes do PAIGC, apanhados com uma carga ilegal de armas no porto de Conakry. A situação só é resolvida depois de um encontro entre Amílcar Cabral e Sékou Touré, em que este último autoriza finalmente o fornecimento de armamento ao PAIGC. A partir daí, o partido de Cabral passa a receber armas directamente dos arsenais da própria Guiné-Conakry (26).
Paralelamente, o PAIGC continua com a formação dos quadros políticos e militares no estrangeiro, nomeadamente, na China, na Checoslováquia, no Gana, em Marrocos, no Mali e na Guiné-Conakry. Neste último país estava, desde Maio, um grupo de instrutores argelinos, do Front de Libération Nationale.
Entretanto, em finais de 1962, Peixoto Correia é exonerado do cargo de Governador da Guiné e, por consequência, de Comandante-Chefe, dado que exercia em acumulação as duas funções. Para o Governo da Guiné é então nomeado Vasco Rodrigues, um oficial da Marinha, que alimentava a expectativa de também vir a ser nomeado Comandante-Chefe, o que nunca viria a acontecer. Na verdade, para as funções de Comandante-Chefe, o Governo de Salazar escolhe o Coronel Fernando Louro de Sousa, que, no entanto, só chegaria a Bissau em Março de 1963, três meses depois de a guerra ter começado.
O começo da guerra
A 23 de Janeiro de 1963, o PAIGC dá início à guerra na Guiné, com o ataque ao aquartelamento de Tite, muito perto de Bissau. Este ataque é protagonizado por quinze a vinte elementos do PAIGC que atacam o quartel de madrugada, provocando um morto e dois feridos entre as tropas portuguesas. Os guerrilheiros mantêm o quartel sob fogo intenso durante meia hora e, na escaramuça, sofrem três mortos (27).
O ataque, no entanto, assinala simbolicamente o início da guerra na Guiné, embora a actividade subversiva do PAIGC fosse já anterior a esta data. Nessa mesma noite, as forças portuguesas sofrem uma emboscada na região de Fulacunda (área de Buba) perdendo dois soldados (28). Quatro dias depois, um novo ataque da guerrilha na mesma região provoca mais dois mortos e quatro feridos nas tropas portuguesas (29).
Ainda no mês de Janeiro, as forças portuguesas registaram as primeiras emboscadas na região de Bedanda, no sul da Guiné, e as acções da guerrilha continuam nos meses seguintes aumentando de intensidade (30). Em Março, o PAIGC consegue capturar, no porto de Cafine, dois barcos comerciais, o “Mirandela” e o “Arouca”, que viriam a ser utilizados no transporte de pessoal e materiais provenientes da República da Guiné (31). Enquanto o PAIGC ataca no sul da província, o MLG ataca a norte, efectuando várias acções contra povoações e emboscadas a viaturas militares (32).
Figura 1 – Mapa da Guiné com as principais linhas de infiltração da guerrilha, em 1961/63
Nessa altura, as forças portuguesas já estavam distribuídas por dez pontos do território e o Exército tinha na Guiné quase 5.000 homens (33). Além das forças terrestres, o comando militar em Bissau contava também com o apoio de meios aéreos estacionados no aeródromo de Bissalanca (AB2). A Força Aérea tinha na Guiné pouco mais de 350 efectivos e dispunha de sete caças F-86F Sabre, oito aviões de ataque ligeiro T-6 Texan, além de quatro aviões ligeiros de transporte (34).
Quanto à Marinha, tinha pouco mais de 300 militares e dispunha do contratorpedeiro “Vouga”, duas lanchas de desembarque pequenas e três lanchas de fiscalização da classe Bellatrix (35).
Em resumo, as forças portuguesas totalizavam 5.650 homens. Ao longo de 1963, este efectivo vai aumentar de forma considerável, como se verá mais à frente.
A chegada de Louro de Sousa
Como já foi dito, Louro de Sousa só chega à Guiné a 20 de Março de 1963, estando já no Governo da província Vasco Rodrigues, que lhe revela o seu ressentimento por não ser ele o Comadante-Chefe (36).
A 1 de Abril, Louro de Sousa envia o seu primeiro relatório de comando ao ministro da Defesa. No relatório, Louro de Sousa assinala a existência de actividades de guerrilha em praticamente todo o território com excepção da zona de Bissau. No norte, como já foi dito, as acções são desencadeadas por elementos do MLG, a partir da região de Casamansa, no Senegal, onde se refugiam depois dos ataques. Quanto ao PAIGC actua principalmente no sul da província com grande liberdade de acção perturbando significativamente a actividade económica naquela região. Dos dois grupos, o PAIGC é o que se encontra melhor armado e melhor preparado recebendo apoio logístico da República da Guiné e apoio material dos países do leste europeu.
Na opinião do militar português, “o PAIGC é, dos movimentos de libertação, o que representa perigo maior para a estabilidade da situação política da província” (37). O relatório refere ainda que já se encontram na Guiné, dezasseis companhias de caçadores ou unidades equivalentes (cerca de 6.000 homens) e propõe uma remodelação no dispositivo em função da evolução da situação e um reforço dos meios com o envio para a Guiné de mais onze companhias de caçadores, um pelotão de morteiros, um destacamento de manutenção de material e dois pelotões de reconhecimento com viaturas Fox.
Louro de Sousa assinala ainda uma série de problemas relacionados com o material e com a gestão das tropas, que deviam ser resolvidos rapidamente para aumentar a capacidade operacional das forças terrestres. Este relatório de Louro de Sousa é o primeiro sinal de alerta quanto à gravidade da situação na Guiné.
(Continua)
[Fixação de texto e links: LG]
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O autor agradece ao Arquivo da Defesa Nacional (ADN) o apoio dado a esta investigação.
* Investigador independente em história militar tem feito investigação sobre as operações da Força Aérea na Guerra Colonial, principalmente na Guiné. É colaborador da revista Mais Alto da Força Aérea Portuguesa e tem publicado também o seu trabalho em revistas europeias, em França, Inglaterra e Itália.
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Notas do autor:
(1) Cabral, Luís, Crónica da Libertação, Edições “O Jornal”, 1.ª edição, Lisboa, 1984, p. 60.
(2) Memorando sobre a Defesa da Guiné, Presidência do Conselho, Secretariado-Geral da Defesa Nacional, 24 de Outubro de 1958, ADN/F2/92/309/13.
(3) Ibidem.
(4) Ibidem.
(5) Relatório do Comando Militar da Guiné, Assunto: Greve dos marinheiros indígenas no cais de Pigiguiti. Bissau, 4 de Agosto de 1959, ADN/F2/92/306/1.
(6) Missão do Ministério do Exército às Províncias de Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e Angola, Julho/Agosto de 1959, ADN/F1/50/235/8.
(7) Ibidem.
(8) Ibidem.
(9) Informação nº 73/60 do Secretariado Geral da Defesa Nacional, Assunto: Localização de Unidades Militares no Interior da Guiné, Lisboa, 8 de Fevereiro de 1960, ADN/F2/92/306/1.
(10) Ibidem.
(11) Ignátiev, Oleg, Amílcar Cabral, Edições Progresso, Moscovo, 1984, p. 97.
(12) Silva, António Duarte E., A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa, Edições Afrontamento, Lisboa, 1997, p. 37.
(13) Cabral, op. cit., pp. 90-94.
(14) Felgas, Hélio, Guerra na Guiné, Serviço de Publicações do Estado-Maior do Exército, SPEME, Lisboa, 1967, p.50.
(15) Pereira, Aristides, O meu testemunho – uma luta, um partido, dois países, Editorial Notícias, Lisboa, 2003, pp. 142-143.
(16) Ordem de Batalha 1 – Serviço de Informação Militar/CTIG. Efemérides da Subversão na Guiné – 2ª Rep/QG/CTIG – Bissau, 31 de Outubro de 1967, ADN/FG/SGDN Cx. 4445.8.
(17) Ibidem.
(18) Lobato, António, Liberdade ou Evasão – o mais longo cativeiro da guerra, Editora Erasmos, 2ª edição, Amadora, 1995, p. 18.
(19) Felgas, op. cit., p. 61.
(20) Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Carta de Comando para o Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Lisboa, 23 de Maio de 1961, ADN/F2/93/311/1.
(21) Correia, José Manuel, Atlas – nome de código, os F-86F Sabre na Guiné, revista Mais Alto nº 357, Set/Out 2005, pp. 30-35.
(22) Pereira, op. cit., p. 146.
(23) Pereira, op. cit., p. 367.
(24) Cabral, op. cit., p. 123.
(25) Ordem de Batalha 1 – Serviço de Informação Militar/CTIG. Efemérides da Subversão na Guiné – 2ª Rep/QG/CTIG – Bissau, 31 de Outubro de 1967, ADN/FG/SGDN Cx. 4445.8.
(26) Cabral, op. cit., pp. 132-143.
(27) Telegrama do Governador da Guiné para o Ministério do Ultramar, Bissau, 23 de Janeiro de 1963, ADN F2/102/324/4.
(28) Comunicado do Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Serviço de Informação Pública das Forças Armadas, Lisboa, 24 de Janeiro de 1964, ADN F2/102/324/4.
(29) Telegrama do Governador da Guiné para o Ministério do Ultramar, Bissau, 27 de Janeiro de 1963, ADN F2/102/324/4.
(30) Felgas, op. cit., pp. 66-68.
(31) Felgas op. cit., p. 68.
(32) Felgas op. cit., pp. 61-64.
(33) Exposição da Situação Operacional na Província da Guiné (JAN 61/MAR 64), feita ao Curso de Altos Comandos, no IAEM, em 2 de Maio de 1964, Esquema n.º 13, ADN/F2/92/307/7.
(34) Ibidem, Esquema n.º 9.
(35) Ibidem, Esquema n.º 8.
(36) Exposição feita pelo Comandante-Chefe das Forças Armadas na Guiné no CSM, 4 Setembro 1963. p. 25, ADN/F2/92/306/4.
(37) Relatório do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Bissau, 1 de Abril de 1963, ADN/F2/103/328/1.
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Nota do editor:
(*) Vd. poste de >7 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15080: Tabanca Grande (472): José Matos, investigador independente em história militar, filho do nosso falecido camarada José Matos, fur mil da CCAV 677 (Fulacunda, São João e TIte, 1964/66)... Novo grã-tabanqueiro nº 701
Os movimentos nacionalistas na Guiné Portuguesa começaram a ganhar visibilidade em finais dos anos de 1950, em sintonia com as primeiras independências africanas, que mudaram radicalmente o panorama político nos territórios africanos sob domínio europeu.
No que diz respeito à colónia portuguesa, a independência mais marcante foi a da Guiné-Conakry, a 2 de Outubro de 1958, que levou os nacionalistas guineenses a acreditar numa mudança política em toda a região, no sentido da descolonização (1). Pouco tempo depois da independência da chamada Guiné Francesa, o Governo de Salazar envia à Guiné o General Beleza Ferraz, Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), para avaliar a ameaça das ideologias nacionalistas e o dispositivo militar na colónia.
Por essa altura, Portugal tinha na Guiné uma guarnição com cerca de 900 militares, de recrutamento local, embora enquadrada por oficiais de origem europeia, distribuídos por dois quartéis: um em Bissau e outro em Bolama, antiga capital da Guiné, no litoral sul do território. Na análise que faz do dispositivo militar, Beleza Ferraz, prevê que a parte mais interior da Guiné também venha a ter cobertura militar com novas unidades localizadas em Farim e Nova Lamego (2).
Este chefe militar refere ainda que a Guiné dispõe de uma rede de vinte e nove pistas de aviação, mas só a de Bissau é asfaltada, sendo as restantes, de um modo em geral, limitadas apenas à operação de aviões ligeiros, com excepção de Bafatá, que tem possibilidades de ser utilizada, na época seca, por aviões até ao tipo dos DC-3 Dakota. Apesar das pistas, a Força Aérea não tinha ainda meios permanentes na Guiné.
Beleza Ferraz conclui o seu relatório antevendo já uma luta do tipo subversiva “fomentada e agitada por agentes e sabotadores que tanto podem ser da República da Guiné como do nosso próprio território e, neste último caso, preparados e explorados pelos primeiros” (3). Para fazer face a esta situação, o chefe militar português considera como medidas mais importantes o recrutamento de naturais para as fileiras portuguesas que sejam leais às autoridades locais, além da implementação de um serviço de informações adequado que trabalhe não somente para o Governo da colónia, como também para o Comando Militar, além de uma série de outras medidas de carácter militar de reforço do dispositivo existente (4).
Em finais de 1958, a Guiné é também visitada pelo Subsecretário do Estado do Exército, o Tenente-Coronel Costa Gomes, que efectua duas visitas à pequena colónia portuguesa: a primeira, em Dezembro de 1958, e a segunda, em Agosto de 1959. Esta última acontece no âmbito de um périplo que Costa Gomes faz por algumas colónias portuguesas, passando também pela Guiné.
Convém também referir que esta segunda visita de Costa Gomes acontece pouco tempo depois da greve e da revolta dos marinheiros indígenas do cais de Pigiguiti, em Bissau, que foi reprimida de forma violenta pela polícia portuguesa. Este incidente acontece no dia 3 de Agosto de 1959, quando um grupo de grevistas indígenas, no porto de Bissau, entra em confronto com a Polícia de Segurança Pública (PSP), que abre fogo contra os manifestantes (5). O incidente é analisado por Costa Gomes que considera que os grevistas tinham alguma razão no desencadeamento dos protestos e que “o agravamento do incidente deu-se devido à falta de preparação dos agentes da PSP que, impotentes para actuar de outra forma, fizeram uso das armas de fogo” (6). [Vd. também o testemunho presencial do nosso camarada Mário Dias, publicado em 2006]
Além desta questão, que vai ter um importante efeito mobilizador nos nacionalistas guineenses, Costa Gomes analisa também a evolução da situação interna da Guiné e considera que existe o perigo de subversão de uma parte da população, e que a infiltração de ideias nacionalistas vindas de territórios vizinhos se vai fazendo de forma progressiva. Para enfrentar esta situação, o governante português sugere uma série de medidas de carácter militar e administrativo de forma a limitar a acção dos factores de subversão. De salientar que nas medidas de carácter administrativo podemos detectar já o desenho de um plano de acção psicossocial, que passava pela melhoria dos serviços de saúde, pela educação das populações indígenas através da acção das missões religiosas, pela fiscalização das grandes empresas comerciais no respeitante ao tratamento e pagamento dos empregados indígenas e ainda pela auscultação das populações, a fim de se saber as suas aspirações e problemas (7).
O dispositivo militar na colónia é também analisado por Costa Gomes e percebe-se que é praticamente o mesmo do ano anterior, continuando o interior do território sem qualquer cobertura militar (8).
Só em finais de 1959 é que começam a chegar os primeiros reforços à Guiné. Desta forma, as duas companhias de caçadores que estavam naquele território são reforçadas por uma companhia de caçadores (CCaç) de origem europeia, mobilizada pelo Batalhão de Caçadores 5 (BCaç 5) (9). Por decisão do Comando Militar da Guiné, dois pelotões de atiradores desta companhia de reforço são destacados para Farim e Bedanda, enquanto um pelotão da 1.ª CCaç sedeada em Bissau é destacado para Nova Lamego. Os destacamentos duram dois meses, embora, em despacho de 27 de Janeiro de 1960, Costa Gomes estipule que a CCaç europeia não deva destacar mais do que um pelotão de atiradores para o interior da Guiné (10).
Por esta altura, o movimento nacionalista mais activo no incitamento das populações nativas à revolta é o Partido Africano da Independência (PAI), dirigido por Amílcar Cabral, que defende a independência da Guiné e das ilhas de Cabo Verde. Este movimento tinha sido criado, em 1956, por alguns guineenses e cabo-verdianos, como Amílcar Cabral, que defendiam a conquista imediata da independência nacional na Guiné e Cabo Verde (11).
Os acontecimentos de Pigiguiti levam o PAI a adoptar uma nova orientação. O partido torna-se mais activo na contestação ao poder colonial português, começa a preparar-se para a luta armada e decide transferir parte da direcção para o exterior (12). Desta forma, Amílcar Cabral muda-se para Conakry, em Maio de 1960, onde procura apoios junto das embaixadas estrangeiras e tenta formar jovens quadros para a luta pela independência (13).
A partir de Julho de 1960, o partido de Cabral começa a difundir panfletos de carácter político em várias regiões da Guiné convidando os guineenses a aderir ao partido e à luta “pela liquidação imediata da dominação colonial portuguesa na Guiné e em Cabo Verde” (14). Embora esteja radicado em Conakry, Cabral consegue montar, juntamente com os dirigentes que permanecem em Bissau, uma rede de células clandestinas em vários pontos da Guiné de forma a incrementar as actividades do partido. Além das cidades, o PAI actua também nas zonas rurais (15).
Em Outubro desse ano, o partido de Cabral faz publicar uma carta aberta dirigida ao Governo português, propondo-lhe uma solução pacífica para o problema colonial da Guiné e Cabo Verde e, em Dezembro, envia o seu primeiro memorando à ONU (16). No entanto, perante as recusas óbvias de Salazar, Amílcar Cabral percebe rapidamente que a única forma de derrubar o poder colonial português seria com o recurso à luta armada.
Os ataques no norte da Guiné
Apesar da actividade do PAI, é o Movimento de Libertação da Guiné (MLG), com sede no Senegal, que desencadeia, em Julho de 1961, as primeiras acções de sabotagem na Guiné. Estas acções acontecem na noite de 17 para 18 de Julho, quando um pequeno grupo de elementos do MLG corta a linha telefónica entre S. Domingos e a tabanca de Beguingue, e tenta, ainda, incendiar a ponte de Campada, no norte da Guiné.
Três noites depois, um grupo, desta vez mais numeroso, ataca “o aquartelamento de S. Domingos fazendo uso de terçados, armas de caça, espingardas e garrafas de gasolina”. No dia 25, outro grupo armado provoca danos materiais na estância turística da praia de Ponta Varela e ainda em Susana, “fazendo depredações e pilhando a maioria dos edifícios públicos, inclusive um posto sanitário” (17).
Estas acções fazem com que muitos europeus espalhados pelo interior do território fujam em direcção a Bissau (18). Estes primeiros ataques levam o Governo em Bissau a destacar efectivos militares para as zonas atingidas, o que parece ter dissuadido novos ataques por parte do MLG (19). Na altura, o Governador era o Comandante Augusto Peixoto Correia que, por ordem de Lisboa, passa também a acumular as funções de Comandante-Chefe, que até então eram exercidas por um oficial do Exército (20).
Além da resposta militar a nível local, o Governo português decide também enviar para a Guiné um destacamento de caças F-86F Sabre, sedeados em Monte Real. Os primeiros caças chegam à Guiné, a 15 de Agosto de 1961, e ficam estacionados na base de Bissalanca. Os primeiros aviões voam na Guiné, a 19 de Agosto, e fazem vários voos durante esse mês (21). Os pilotos de F-86 fazem destacamentos de três meses na Guiné, sendo substituídos no final desse tempo. Além dos F-86, chegam também à Guiné aviões de ataque ligeiro T-6 Texan.
O despertar da guerrilha
Em Agosto de 1961, o PAI, liderado por Amílcar Cabral, decide passar da luta política à acção directa (luta armada), em solidariedade com os movimentos de guerrilha que tinham começado a combater em Angola (22) No ano seguinte, o partido muda a sua designação para PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) (23).
Porém, em Março de 1962, o partido de Cabral sofre um rude golpe, quando em Bissau são detidos vários líderes do PAIGC, que dirigiam o bureau político clandestino na capital guineense, entre os quais Rafael Barbosa, presidente do partido. É também apreendida propaganda e documentação variada, nomeadamente documentos com o planeamento de acções em pontos-chave de Bissau, além de uma lista com os nomes dos responsáveis e militantes do PAIGC na capital. De acordo com Luís Cabral, são presos mais de mil militantes e simpatizantes do partido, ficando o PAIGC praticamente desmantelado em Bissau (24). As autoridades portuguesas conseguem também desmantelar outras redes do partido por toda a Guiné, conseguindo apurar que os “agitadores e propagandistas” já tinham efectuado um trabalho aprofundado nas populações nativas (25).
A 3 de Agosto de 1962, François Mendy (que tinha criado o MLG) funda, em Dacar, um novo movimento de luta armada: a Frente da Luta pela Independência da Guiné (FLING). Este movimento englobava grande parte dos guineenses radicados no Senegal, resultando da fusão de vários movimentos nacionalistas radicados naquele país. O PAIGC é convidado para fazer parte do novo movimento, porém, recusa o convite.
Enquanto a FLING actua no norte da Guiné, usando o Senegal como base de retaguarda, o partido de Cabral concentra a sua acção no sul da província levando a cabo uma grande campanha de propaganda com o intuito de aliciar as populações do sul da Guiné. Na segunda metade desse ano, segundo as forças portuguesas, o PAIGC dá início às suas primeiras acções violentas, tendo como alvo as autoridades tradicionais e agentes da ordem.
Por essa altura, os dirigentes do partido têm já armamento ligeiro ao seu dispor proveniente de Marrocos, embora o façam entrar de forma clandestina na Guiné-Conakry, com receio das autoridades guineanas, que não fornecem qualquer ajuda a este nível. Este processo clandestino acaba na prisão de vários dirigentes do PAIGC, apanhados com uma carga ilegal de armas no porto de Conakry. A situação só é resolvida depois de um encontro entre Amílcar Cabral e Sékou Touré, em que este último autoriza finalmente o fornecimento de armamento ao PAIGC. A partir daí, o partido de Cabral passa a receber armas directamente dos arsenais da própria Guiné-Conakry (26).
Paralelamente, o PAIGC continua com a formação dos quadros políticos e militares no estrangeiro, nomeadamente, na China, na Checoslováquia, no Gana, em Marrocos, no Mali e na Guiné-Conakry. Neste último país estava, desde Maio, um grupo de instrutores argelinos, do Front de Libération Nationale.
Entretanto, em finais de 1962, Peixoto Correia é exonerado do cargo de Governador da Guiné e, por consequência, de Comandante-Chefe, dado que exercia em acumulação as duas funções. Para o Governo da Guiné é então nomeado Vasco Rodrigues, um oficial da Marinha, que alimentava a expectativa de também vir a ser nomeado Comandante-Chefe, o que nunca viria a acontecer. Na verdade, para as funções de Comandante-Chefe, o Governo de Salazar escolhe o Coronel Fernando Louro de Sousa, que, no entanto, só chegaria a Bissau em Março de 1963, três meses depois de a guerra ter começado.
O começo da guerra
A 23 de Janeiro de 1963, o PAIGC dá início à guerra na Guiné, com o ataque ao aquartelamento de Tite, muito perto de Bissau. Este ataque é protagonizado por quinze a vinte elementos do PAIGC que atacam o quartel de madrugada, provocando um morto e dois feridos entre as tropas portuguesas. Os guerrilheiros mantêm o quartel sob fogo intenso durante meia hora e, na escaramuça, sofrem três mortos (27).
O ataque, no entanto, assinala simbolicamente o início da guerra na Guiné, embora a actividade subversiva do PAIGC fosse já anterior a esta data. Nessa mesma noite, as forças portuguesas sofrem uma emboscada na região de Fulacunda (área de Buba) perdendo dois soldados (28). Quatro dias depois, um novo ataque da guerrilha na mesma região provoca mais dois mortos e quatro feridos nas tropas portuguesas (29).
Ainda no mês de Janeiro, as forças portuguesas registaram as primeiras emboscadas na região de Bedanda, no sul da Guiné, e as acções da guerrilha continuam nos meses seguintes aumentando de intensidade (30). Em Março, o PAIGC consegue capturar, no porto de Cafine, dois barcos comerciais, o “Mirandela” e o “Arouca”, que viriam a ser utilizados no transporte de pessoal e materiais provenientes da República da Guiné (31). Enquanto o PAIGC ataca no sul da província, o MLG ataca a norte, efectuando várias acções contra povoações e emboscadas a viaturas militares (32).
Figura 1 – Mapa da Guiné com as principais linhas de infiltração da guerrilha, em 1961/63
Nessa altura, as forças portuguesas já estavam distribuídas por dez pontos do território e o Exército tinha na Guiné quase 5.000 homens (33). Além das forças terrestres, o comando militar em Bissau contava também com o apoio de meios aéreos estacionados no aeródromo de Bissalanca (AB2). A Força Aérea tinha na Guiné pouco mais de 350 efectivos e dispunha de sete caças F-86F Sabre, oito aviões de ataque ligeiro T-6 Texan, além de quatro aviões ligeiros de transporte (34).
Quanto à Marinha, tinha pouco mais de 300 militares e dispunha do contratorpedeiro “Vouga”, duas lanchas de desembarque pequenas e três lanchas de fiscalização da classe Bellatrix (35).
Em resumo, as forças portuguesas totalizavam 5.650 homens. Ao longo de 1963, este efectivo vai aumentar de forma considerável, como se verá mais à frente.
A chegada de Louro de Sousa
Como já foi dito, Louro de Sousa só chega à Guiné a 20 de Março de 1963, estando já no Governo da província Vasco Rodrigues, que lhe revela o seu ressentimento por não ser ele o Comadante-Chefe (36).
A 1 de Abril, Louro de Sousa envia o seu primeiro relatório de comando ao ministro da Defesa. No relatório, Louro de Sousa assinala a existência de actividades de guerrilha em praticamente todo o território com excepção da zona de Bissau. No norte, como já foi dito, as acções são desencadeadas por elementos do MLG, a partir da região de Casamansa, no Senegal, onde se refugiam depois dos ataques. Quanto ao PAIGC actua principalmente no sul da província com grande liberdade de acção perturbando significativamente a actividade económica naquela região. Dos dois grupos, o PAIGC é o que se encontra melhor armado e melhor preparado recebendo apoio logístico da República da Guiné e apoio material dos países do leste europeu.
Na opinião do militar português, “o PAIGC é, dos movimentos de libertação, o que representa perigo maior para a estabilidade da situação política da província” (37). O relatório refere ainda que já se encontram na Guiné, dezasseis companhias de caçadores ou unidades equivalentes (cerca de 6.000 homens) e propõe uma remodelação no dispositivo em função da evolução da situação e um reforço dos meios com o envio para a Guiné de mais onze companhias de caçadores, um pelotão de morteiros, um destacamento de manutenção de material e dois pelotões de reconhecimento com viaturas Fox.
Louro de Sousa assinala ainda uma série de problemas relacionados com o material e com a gestão das tropas, que deviam ser resolvidos rapidamente para aumentar a capacidade operacional das forças terrestres. Este relatório de Louro de Sousa é o primeiro sinal de alerta quanto à gravidade da situação na Guiné.
(Continua)
[Fixação de texto e links: LG]
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O autor agradece ao Arquivo da Defesa Nacional (ADN) o apoio dado a esta investigação.
* Investigador independente em história militar tem feito investigação sobre as operações da Força Aérea na Guerra Colonial, principalmente na Guiné. É colaborador da revista Mais Alto da Força Aérea Portuguesa e tem publicado também o seu trabalho em revistas europeias, em França, Inglaterra e Itália.
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Notas do autor:
(1) Cabral, Luís, Crónica da Libertação, Edições “O Jornal”, 1.ª edição, Lisboa, 1984, p. 60.
(2) Memorando sobre a Defesa da Guiné, Presidência do Conselho, Secretariado-Geral da Defesa Nacional, 24 de Outubro de 1958, ADN/F2/92/309/13.
(3) Ibidem.
(4) Ibidem.
(5) Relatório do Comando Militar da Guiné, Assunto: Greve dos marinheiros indígenas no cais de Pigiguiti. Bissau, 4 de Agosto de 1959, ADN/F2/92/306/1.
(6) Missão do Ministério do Exército às Províncias de Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e Angola, Julho/Agosto de 1959, ADN/F1/50/235/8.
(7) Ibidem.
(8) Ibidem.
(9) Informação nº 73/60 do Secretariado Geral da Defesa Nacional, Assunto: Localização de Unidades Militares no Interior da Guiné, Lisboa, 8 de Fevereiro de 1960, ADN/F2/92/306/1.
(10) Ibidem.
(11) Ignátiev, Oleg, Amílcar Cabral, Edições Progresso, Moscovo, 1984, p. 97.
(12) Silva, António Duarte E., A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa, Edições Afrontamento, Lisboa, 1997, p. 37.
(13) Cabral, op. cit., pp. 90-94.
(14) Felgas, Hélio, Guerra na Guiné, Serviço de Publicações do Estado-Maior do Exército, SPEME, Lisboa, 1967, p.50.
(15) Pereira, Aristides, O meu testemunho – uma luta, um partido, dois países, Editorial Notícias, Lisboa, 2003, pp. 142-143.
(16) Ordem de Batalha 1 – Serviço de Informação Militar/CTIG. Efemérides da Subversão na Guiné – 2ª Rep/QG/CTIG – Bissau, 31 de Outubro de 1967, ADN/FG/SGDN Cx. 4445.8.
(17) Ibidem.
(18) Lobato, António, Liberdade ou Evasão – o mais longo cativeiro da guerra, Editora Erasmos, 2ª edição, Amadora, 1995, p. 18.
(19) Felgas, op. cit., p. 61.
(20) Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Carta de Comando para o Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Lisboa, 23 de Maio de 1961, ADN/F2/93/311/1.
(21) Correia, José Manuel, Atlas – nome de código, os F-86F Sabre na Guiné, revista Mais Alto nº 357, Set/Out 2005, pp. 30-35.
(22) Pereira, op. cit., p. 146.
(23) Pereira, op. cit., p. 367.
(24) Cabral, op. cit., p. 123.
(25) Ordem de Batalha 1 – Serviço de Informação Militar/CTIG. Efemérides da Subversão na Guiné – 2ª Rep/QG/CTIG – Bissau, 31 de Outubro de 1967, ADN/FG/SGDN Cx. 4445.8.
(26) Cabral, op. cit., pp. 132-143.
(27) Telegrama do Governador da Guiné para o Ministério do Ultramar, Bissau, 23 de Janeiro de 1963, ADN F2/102/324/4.
(28) Comunicado do Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Serviço de Informação Pública das Forças Armadas, Lisboa, 24 de Janeiro de 1964, ADN F2/102/324/4.
(29) Telegrama do Governador da Guiné para o Ministério do Ultramar, Bissau, 27 de Janeiro de 1963, ADN F2/102/324/4.
(30) Felgas, op. cit., pp. 66-68.
(31) Felgas op. cit., p. 68.
(32) Felgas op. cit., pp. 61-64.
(33) Exposição da Situação Operacional na Província da Guiné (JAN 61/MAR 64), feita ao Curso de Altos Comandos, no IAEM, em 2 de Maio de 1964, Esquema n.º 13, ADN/F2/92/307/7.
(34) Ibidem, Esquema n.º 9.
(35) Ibidem, Esquema n.º 8.
(36) Exposição feita pelo Comandante-Chefe das Forças Armadas na Guiné no CSM, 4 Setembro 1963. p. 25, ADN/F2/92/306/4.
(37) Relatório do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Bissau, 1 de Abril de 1963, ADN/F2/103/328/1.
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Nota do editor:
(*) Vd. poste de >7 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15080: Tabanca Grande (472): José Matos, investigador independente em história militar, filho do nosso falecido camarada José Matos, fur mil da CCAV 677 (Fulacunda, São João e TIte, 1964/66)... Novo grã-tabanqueiro nº 701
5 comentários:
Sugestão de leitura adicional;
2 DE JUNHO DE 2009
Guiné 63/74 - P4452: Controvérsias (19): O 'massacre do Pidjiguiti', em 3 de Agosto de 1959: o testemunho de Mário Dias
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2009/06/guine-6374-p4452-controversias-15-o.html
O massacre do Pidjiguiti é um dos mitos fundadores do PAIGC. Aliás, para os seus ideólogos, marca o início da luta de libertação nacional.
O depoimento do Mário Dias é uma peça importante para se fazer a história recente da Guiné-Bissau: reivindicações laborais dos marinheiros do serviço da cabotagem das casas comerciais de Bissau (e, em particular, da Casa Gouveia, ligada ao grupo CUF - Companhia União Fabril) estiveram na origem de graves tumultos que foram prontamente reprimidos pelas autoridades portuguesas (leia-se: uma PSP, amedrontada, mam preparada, mal equipada, segundo o relatório do ten cor Costa Gomes, citado pelo José Matos).
Trata-se de um depoimento que terá que ser tido em conta pelos nossos historiadores (tanto de um lado como do outro). E sobretudo por nós, portugueses e guineenses, que temos direito à verdade. Eu, pessoalmente, só conhecia (e mal), até 2006, a versão do PAIGC (e de Luís Cabral), que fala em massacre, em 50 mortos e mais de um centena de feridos.
O nosso camarada Mário Dias foi testemunha (privilegia) dos acontecimentos, tal como Luís Cabral... Recorde-se que ele foi testemunha desses acontecimentos (trágicos) na qualidade, algo insólita, de soldado recruta, cuja companhia, acabada de chegar de Bissalanca e a caminho do quartel em Santa Luzia, foi chamada à pressa para ajudar a repôr a ordem pública...
Como eu escrevi, em comentário a este poste, "essa circunstância" do M´
ario Dias como militar valoriza muito a sua versão (presencial) do que ocorreu naquele dia e que, à distância de mais de meio século, não podemos deixar de condenar e lamentar, como um dos episódios que ensombraram a presença portuguesa naquelas paragens... A mim, pessoalmente, como português, é um episódio da nossa história em África que me envergonha... Tal como me envergonham, enquanto homem e amigo da Guiné, os fuzilamentos do pós-independência, efectuados pelo PAIGC em nome do "povo" e da "justiça revolucionária"...
O depoimento do Mário Dias já tinha sido publicado, três anos antes, na I Série do nosso Blogue, em 15 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXXV: Pidjiguiti, 3 de Agosto de 1959: eu estive lá (Mário Dias).
José Matos: Obrigado pelo teu artigo... E já agora dá-nos umas "dicas" sobre o Arquivo da Defesa Nacional (ADN): onde fica, maior ou facilidade de acesso aos documentos, credenciais, horários, etc.
Vai ser aqui no luisgraca que a verdadeira história da Guerra do Ultramar e a verdadeira guerra da Libertação,visto do outro lado vai ser esmiuçada, graças ao Luís Graça.
Vejam o que José Matos foi encontrar, e eu estou já careca de insinuar aqui, o que motivou Amílcar deixar a política e se armar de metralhadora e foi para o mato quando nem o ANC de Mandela o fez.
Eis a prova que só pegou em kalashs e canhões sem olhar à côr de quem vinha lá, para imitar com atrazo de 5 meses a UPA, em Angola, para não perder a vez.
"Em Agosto de 1961, o PAI, liderado por Amílcar Cabral, decide passar da luta política à acção directa (luta armada), em solidariedade «solidariedade, uma porra, digo eu» com os movimentos de guerrilha que tinham começado a combater em Angola (22) No ano seguinte, o partido muda a sua designação para PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) (23).
Como vêem, caros amigos, Amílcar em Agosto resolveu olhar o comportamento daquele sanguinário racista e tribalista Holden Roberto (15 de Março) e aí viu, aquilo que afirmo convictamente, de onde vinha o perigo para a futura independência das Colónias, e a sobrevivência dele próprio como africano, com todos os direitos.
O perigo para os caboverdeanos não era o colon, não, aliás ele subrepticiamente repetia, não lutava contra os portugueses (povo)
E vejam que só nessa data é que assume envolver Caboverde com a Guiné na sua sigla, isto eu ainda não tinha relacionado, pensei que já vinha há mais anos atraz, a ideia da UNIDADE:na sigla.
Era difícil compreender, mesmo para os caboverdeanos em geral, ver Amílcar Cabral pegar em armas daquela maneira.
Não foi o «massacre» dos estivadores do pidgiquiti (1959)que levou o PAI a pegar em armas em 1963.
Mas claro que de todos os males para aqueles países, o mal seria maior, se não têm sido os partidos de Amilcar, de Agostinho Neto e de Machel a sair por cima, quando nós desistimos.
Aí sim é que foi a verdadeira luta, que parece que continua sempre latente.
Cumprimentos
Boa sorte no relato dos factos relacionados com a Guerra da Guiné.
Li por alto. Irei agora fazê-lo depois de ter lido outro texto que tem 17/18 comentários. O seu (s) escrito (s) podem ter muitos e, se isso acontecer, terá ocasião de ver como a diversidade de pensamento é salutar. Assim espero.
Ob e Ab, T.
Olá Luís
Cá fica o link com a informação do ADN
http://www.portugal.gov.pt/pt/ministerios/mdn/quero-saber-mais/quero-aprender/arquivo-da-defesa-nacional/acesso-e-leitura.aspx
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