segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15779: Notas de leitura (810): “Amílcar Cabral, Um outro olhar”, por Daniel dos Santos, Chiado Editora, 2014 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Abril de 2015:

Queridos amigos,
É inegável que Daniel dos Santos se esforçou por nos apresentar uma narrativa biográfica alternativa às dos historiadores guineenses. Sem desmerecer da sua coragem a desmontar os aspetos mitológicos do PAIGC, a sua investigação tem à partida uma declaração de que o cabo-verdiano não é confundível com o guineense. E vezes sem conta irá pôr o acento tónico na unidade Guiné-Cabo Verde que foi a chave para o êxito do PAIGC e do seu descalabro. O autor diz-se guiado pela única preocupação de descrever Cabral como um homem e acabou por atolar o homem na sua obra, com poucos benefícios para ambos. Seja como for, é trabalho de investigação que não se pode descurar.

Um abraço do
Mário


Uma nova investigação sobre Amílcar Cabral (2)

Beja Santos

“Amílcar Cabral, Um outro olhar“, por Daniel dos Santos, Chiado Editora, 2014, é uma obra que tem que ser levada a sério pelo esforço de investigação, pela procura de uma análise original, por ensaiar uma resposta cabo-verdiana às investigações já feitas por historiadores guineenses.

Daniel dos Santos, não terá sido por acaso, inicia o seu trabalho questionando a índole do povoamento, da civilização peculiar que ali se estabeleceu, com a sua cultura euroafricana, uma colonização que depois transferiu as suas gentes em missões civilizadoras e coloniais na Senegâmbia, em Angola e S. Tomé. Retrata a formação de Cabral em Cabo Verde e define-o como um produto do seu tempo, alguém que aspirava vir a ser engenheiro e poeta. Um Cabral que se torna contestatário em Lisboa, aqui chega exatamente no tempo em que o colonialismo é posto em questão, esse Cabral torna-se um profissional de competências reconhecidas, trabalha na Guiné, depois em Lisboa, a seguir em Angola e novamente em Lisboa, e daqui parte, no final da década de 1950, para um exílio feito à opção de combater o colonialismo. O autor dá-nos o ambiente em que Cabral mergulha nesses anos 1950, na Guiné e em Angola, identifica os movimentos, dá como comprovado que a greve e a tragédia do Pidjiquiti nada teve a ver com o PAIGC, só muito remotamente com o Movimento de Libertação da Guiné.

Enquanto o historiador Julião Soares Sousa se preocupou no seu incontornável trabalho “Amílcar Cabral, Vida e morte de um revolucionário” em procurar interpretar os fenómenos federativos africanos, em voga, na segunda metade da década de 1950, e a que Cabral não foi alheio, Daniel dos Santos disserta sobre o movimento anticolonial e como o contexto internacional exigiu que cada um dos países em luta pela sua libertação dispusesse de um partido. O autor dá também como comprovado que até 1959 não há nem PAI nem uma organização definida, nem estratégia para a conquista do poder, a partir de Conacri as mensagens dirigidas ao governo de Salazar falam em negociações, liberdades, constituição de partidos, sindicatos, etc. Goradas as negociações, o aparelho partidário ganha caracterização e a fórmula da unidade Guiné-Cabo Verde surge exclusivamente da cabeça de Cabral, reconhecendo que precisa de quadros qualificados e que não os tem nos grupos guineenses.

No nosso ponto de vista, Daniel dos Santos comete um erro crasso quando procura dissociar Cabral da história do PAIGC, quando comprovadamente o líder revolucionário em nenhuma circunstância pode ser apartado da sua obra. Já está Cabral assassinado, já o autor questionou a quem interessava a morte do fundador do PAIGC, e tendo sido dadas respostas já formuladas por toda a gente (a saber: “Os dados da investigação permitem concluir, à cautela, que a causa próxima da morte de Amílcar Cabral terá sido o ambiente político que o rodeava, em resultado do dissídio entre guineenses e cabo-verdianos, conjugado com certeza com outros fatores, em particular a ação de Sékou Touré, da PIDE e de António Spínola. Cumpre dizer que tanto as autoridades coloniais como Sékou Touré investiram politicamente na divisão entre guineenses e cabo-verdianos. Tanto podia ser mandado eliminar pelo general Spínola como por Sékou Touré, pela PIDE ou pelos seus próprios camaradas de partido”, e mais adiante refere uma profecia de Amílcar Cabral: “Se um dia eu for assassinado, sê-lo-ei, provavelmente, por um homem do meu povo, do partido e, talvez mesmo, da primeira hora”) e Daniel Santos lança-se na história do PAI até ao PAIGC. Escalpeliza todas as contradições sobre a mitologia de um partido nascido em 1956 do qual não há um documento escrito. O PAIGC tinha que procurar uma data remota para a sua existência já que o MLG datava de 1958, o MLGC de 1959, a UPICV de 1954/1955, e a UDC de 1958. Mesmo na reunião de Setembro de 1959, a que Cabral assistiu, em Bissau, há fortes contradições dos participantes. Julião Soares Sousa também hesita perante certas faltas de provas e opiniões hesitantes dos possíveis participantes da reunião. Para o autor o PAIGC evoluiu de um partido tendencialmente democrático para um partido totalitário em que o seu secretário-geral era a cabeça, a coluna vertebral, o sopro anímico, os braços da execução. Cabral é a estratégia do PAIGC, é ele quem lança a guerrilha de modo a surpreender o Estado-Maior português, e conseguiu: “(…) Desencadeámos a luta armada no centro, no sul e no norte (…) Optámos por uma estratégia a que poderíamos chamar centrífuga: a partir do centro para a periferia. E esse facto provocou uma grande surpresa aos portugueses, que tinha concentrado as suas tropas na fronteira da Guiné e do Senegal”.

Temos depois a caracterização do PAIGC: partido de massas, totalitário, de inspiração animista, guiava-se organicamente pelo centralismo democrático, pela direção coletiva, as suas estruturas repousavam em células, em milícias populares; a filiação ao PAIGC estava estritamente regulamentada: militantes e aderentes. Para Cabral os militantes eram os melhores filhos da nossa terra. E tendo radicalmente separado o homem político da sua construção, Daniel dos Santos diz-nos inesperadamente que Cabral era o corpo e alma do partido, e cita abundantemente Cabral, do género: “Não há nenhum ato, de qualquer dirigente deste Partido, relativo à sua vida, às suas ações, às suas conveniências, que não pode passar pela direção superior do Partido. Só assim é que podemos controlar os camaradas para sabermos o que é que os camaradas estão de facto a fazer”. Do princípio ao fim, Cabral giza uma democracia revolucionária, o partido único onde cabem só os melhores, em que os militantes só se podem casar com autorização do partido. O autor explica o que aconteceu no Congresso de Cassacá, daqui saíram diretivas sobre a orgânica militar e a fiscalização do político sobre o militar. Os quatro anos do governo de Arnaldo Schulz foram marcados exclusivamente pela temática militar, Schulz tinha inicialmente confiado numa vitória, cedo se apercebeu que o inimigo estava moralizado, gradualmente melhor equipado e possuía a iniciativa, a tal ponto que em Março de 1968 o aeroporto de Bissalanca foi atacado. Mas com António de Spínola, Cabral e o PAIGC vão conhecer um embate maior: a guerra psicológica a par de uma mentalidade ofensiva que se julgava perdida por parte dos portugueses.

(Continua)

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Não gosto de vir da Feira da Ladra de mãos vazias. A sorte favorece os audazes que vasculham pacientemente os caixotes de brochuras, panfletos e publicações que parecem condenadas ao esquecimento. Desta feita, na brochura da Unibanco intitulada Roteiro de uma viagem pelo mundo, de 2008, encontrei a propósito dos Bijagós esta portentosa fotografia. Nem era preciso dizer que se tratava de gente dos Bijagós, são bem visíveis dois dançarinos que levam as suas máscaras a imitar cabeças de vaca, o que aqui resplandece é o festival de cor, é um mundo de gente nova, pacífica, e nós imaginamos que eles confiam que têm um mundo melhor à sua espera.
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Nota do editor

Poste anterior de 19 de Fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15766: Notas de leitura (809): “Amílcar Cabral, Um outro olhar”, por Daniel dos Santos, Chiado Editora, 2014 (1) (Mário Beja Santos)

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