
CCAV 2483 / BCAV 2867 - CAVALEIROS DE NOVA SINTRA
GUINÉ, 1969/70
VIVÊNCIAS EM NOVA SINTRA
POR ANÍBAL JOSÉ DA SILVA
47 - DESPEDIDA DO QUARTEL DE BRÁ
Todo o Batalhão aprumado e engraxado apresentou-se, sem armas, ao General Spínola.
Depois do discurso de despedida proferido pelo General, seguiu-se a leitura dos louvores
para as Companhias. Das quatro, a CCS e três operacionais, só a minha a CCAV 2483, os
gloriosos "CAVALEIROS DE NOVA SINTRA", não recebeu qualquer louvor. Mais uma
grande desilusão. Se fomos para Nova Sintra porque éramos a Companhia mais bem
preparada para lá permanecer os primeiros seis meses, mas acabamos por ficar vinte, com o
pior aquartelamento em termos de instalações e o mais doloroso, tivemos cinco mortos em
combate e as outras nenhum, salvo a CCS que teve um por acidente com arma de fogo dentro
do quartel. Não é de esquecer que o nosso capitão foi gravemente ferido. Sei a razão,
naquele momento o nosso Comandante de Companhia era um alferes e o de todas as outras
eram capitães do quadro permanente. Quero com isto dizer, que os louvores não se
destinavam às companhias, pois estas extinguiam-se à chegada a Estremoz, mas sim aos
capitães do quadro que tinham carreiras militares a seguir. Para além duma grande injustiça,
foi também uma humilhação, desta maldita guerra.

Ensaio para desfile despedida
Cervajaria Pelicano
Alocução General Spínola
Marginal estrada para Stª Luzia
Catedral de Bissau
48 - O REGRESSO
Embarcamos no navio Úige no dia 22 de Dezembro de 1970. O pessoal estava e continuou
eufórico até à chegada a Lisboa. A noite de Natal foi passda a bordo. Para além do jantar
habitual, à meia noite foi servida uma ceia, com tudo o que comporta uma ceia daquela
noite. Bacalhau com batatas e legumes, bolo rei, rabanadas e outras goluseimas, sem
esquecer o tinto e o branco, e o espumante. No dia de Natal o barco foi autorizado pelas
autoridades marítimas espanholas a aproximar-se do porto de Las Palmas, sendo visível a
marginal, as palmeiras e o movimento automóvel. Chegamos a Lisboa no inicio da noite do
dia 28, mas dado que não podiamos atracar, o barco ficou ancorado ao largo. De certeza que
ninguém dormiu. Rádios, gravadores e cantoria fizeram-se ouvir toda a noite. De manhã
cedo do dia 29, o barco atracou ao cais e começou o desembarque. As malas e os sacos
estavam pesados por causa das compras, o que o tornou mais lento. No cais o pessoal
desenfreado ía à procura dos seus familiares. Com facilidade encontrei os meus pais e irmã.
É o momento em que não de pode controlar as lágrimas. Seguiu-se o agrupar das tropas para
o desfile perante as autoridades militares.
As camionetas da Setubalense esperavam por nós e entrado o último militar iniciou-se a
viagem para Estremoz. No quartel, ordeiramente fizemos a entrega do fardamento e
efetuadas as demais formalidades finalmente pudemos vestir a roupa civil. Seguiram-se as
despedidas sempre emocionadas, com a promessa de encontros futuros, que felizmente
acontecem todos os anos. Oa cafés encheram-se para o último copo. Num deles o meu
amigo Jardim quis conhecer o meu pai e eu sabia porquê. Tentou convencê-lo a deixar-me ir
com ele para Angola, a sua terra natal. Dizia que a avó queria que ele fosse gerir umas
fazendas ou roças e pretendia levar-me para o ajudar. Ainda em Nova Sintra ao luar
africano, por diversas vezes ensaboou-me a cabeça, procurando convencer-me. Não fui por
razões familiares e porque tinha assegurado o regresso ao meu emprego. Grande amigo o
Jardim. Por quatro vezes veio ao nosso convívio annual e na primeira emocionei-me com
uma lágrima ao canto do olho.

O Úige afastando-se do cais
O cais
A terra à vista são as Canárias
Paz e sossego depois de 22 meses de muita inquietação
O alferes Martinho a mandar acelerar
Continência perante as autoridades
(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 3 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26878: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (14): Tite, Quarto dos Furriéis e Últimos dias em Bissau