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sexta-feira, 28 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24512: Notas de leitura (1601): "Palavras e Silêncios – Memórias Femininas da Presença Militar no Ultramar", por Ana Maria Taveira, Maria Armanda Taveira e Maria de Fátima Pina; Âncora Editora, 2020 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Junho de 2021:

Queridos amigos,
O assunto está longe de ser inédito, mas tanto quanto me é dado saber a metodologia é original para abarcar diferentes gerações, posturas que gradualmente se irão demarcando ao longo de sucessivas décadas, este precioso alfobre de mentalidades ajudará seguramente o historiador a olhar de maneira diferente o papel da mulher dos militares que trilharam o Império. São narrativas acaloradas, a organização da obra exemplar, é tónico estimulante para debates e conferências, abre janelas para novos trabalhos, é talvez este o não menos despiciendo préstimo de "Palavras e Silêncios", uma verdadeira surpresa no panorama editorial e acertadamente no programa Fim do Império, a que estão associadas a Câmara Municipal de Oeiras, a Liga dos Combatentes e a Comissão Portuguesa de História Militar.

Um abraço do
Mário


Aquelas mulheres de militares portugueses que percorreram o Império e a História esquece

Mário Beja Santos

A iniciativa tem o seu travo de originalidade: três mulheres decidiram reunir 32 outras de militares portugueses que serviram na Índia, em África, em Macau e Timor, e pedir-lhes testemunhos de vida desses anos. Respeitando a ordem cronológica, vamos ouvi-las desde a Maria de Lourdes, nascida em Bragança em 1924 a Patrícia, nascida em Lourenço Marques em 1975. É um abrangente retábulo de mentalidades, do modo de encarar o seu ligar de mulher, mãe e colaboradora nesta ou naquela parcela do Império, sentir-lhes nostalgia ou melancolia, aprazimento ou mortificação nesta ou naquela experiência, mas o resultado é deveras aliciante, de questionamento obrigatório, com estas memórias femininas não há nenhuma dificuldade em perceber como se praticou uma omissão indesculpável silenciando na historiografia o papel exercido pelas mulheres dos militares, na frente ou na retaguarda. É este o valor documental de "Palavras e Silêncios – Memórias Femininas da Presença Militar no Ultramar", organizado por Ana Maria Taveira, Maria Armanda Taveira e Maria de Fátima Pina, Âncora Editora, 2020.

Mulheres cujos maridos cumpriram cinco comissões, viveram doze anos em África, viveram no Estado da Índia e dali saíram precipitadamente em 18 de dezembro de 1961, mulheres que partiram para a guerra casadas de fresco, viram partir o noivo ainda em tempo de paz que os acompanharam em tempo de guerra, mulheres de oficiais das Armas, mas também de médicos e de engenheiros. Mulheres que nasceram em Goa e que ainda hoje lutam pelos seus direitos de propriedade. Mulheres que dizem abertamente que a sua identidade foi moldada dentro dos princípios da moral cristã e dos valores da ética, transmitidos pelo meio castrense. Mulheres que ensinaram em liceus e escolas, que ajudaram nos hospitais, e mesmo depois da descolonização deram apoio a quem regressou em estado de grande aflição. Mulheres que falam num estado de grande felicidade pela experiência que tiveram ao lado do seu marido. Mulheres que conheceram a permanente itinerância, a fazer e a desfazer malas, a percorrer espaços imensos, a ter que pôr os filhos nos colégios.

E vamos, no afã da leitura, apercebendo-nos de que estas mulheres não só aprenderam línguas ou a bordar ou a cozinhar, foram ampliando o seu modo de olhar as missões dos seus maridos e a própria evolução da guerra, houve aquele moroso processo de perceber e sentir a pouca ligação entre as frentes de combate e a grande indiferença na retaguarda. Em dado momento, neste sortilégio de testemunhos, alguns deles de leitura compulsiva, há que ouvir o que Maria da Graça, nascida em Luanda em 1943, diz quanto à motivação que a levou a escrever sobre a sua vida passada:
“Em primeiro lugar, porque há muita informação sobre o que foram aqueles anos no nosso antigo Ultramar, sobre a guerra, os militares, sobre a descolonização, sobre o que foi feito ou devia ter sido feito, mas tudo numa perspetiva, não só predominantemente masculina, mas também política e documental. Ficou, nalgum esquecimento, o facto de que todos os envolvidos nos processos destes anos tinham famílias, mães, mulheres, filhas que, ou os acompanharam, ou ficaram sozinhas, tendo de gerir todas as situações que lhes surgiram. Em segundo lugar, porque, passados tantos anos, as gerações dos nossos dias têm pouca noção da dor e dos problemas que passaram os que viveram aquela época. Toda essa realidade já está muito distante, faço-o para que não fique no esquecimento. Porque tenho netos adolescentes e outros ainda mais pequenos, para quem, cada vez mais, a nossa História recente será um episódio longínquo, resolvi deixar o meu testemunho. Para que compreendam por que andámos sempre com a casa às costas, porque só acabei o meu curso 20 anos depois de o começar e, acima de tudo, para que fiquem com um olhar mais verdadeiro sobre aquela vida, a minha e a de tantas outras mulheres daquela época”.

Maria Beatriz, nascida em Setúbal em 1945, conta a sua experiência na Guiné entre 1966 e 1968. Casou, e quinze dias depois o marido partia para Farim. Quatro meses depois veio buscá-la. Viveu em Farim e lembra-se do choro das hienas como lembra o fantástico pôr-do-sol. Ouviu um ataque ao K3. O marido recebeu ordem para ir para Barro com a companhia, ela ficou em Farim, só mais tarde foi para Barro, surpreendeu-se que havia muita gente que parecia nunca ter visto uma mulher branca.
“Quando me levantei e cheguei cá fora, estavam muitas mulheres e crianças para me verem, todas me tocavam e riam. Eu levava as unhas pintadas, o que foi motivo de um grande espanto. A tropa construiu uma escola. As paredes eram de uma palha entrelaçada, o teto de zinco e as carteiras foram feitas no quartel. Veio de Bissau um quadro, e o armário da escola era um barril com uma porta, onde se guardavam os livrinhos e as lousas. Eu dava aulas na escola, às meninas, da parte da manhã, de tarde os rapazes tinham aulas dadas por um rapaz guineense, que foi educado numa Missão. Normalmente, as meninas vinham-me buscar à porta do quartel para irmos para a escola. Todas queriam ir de mão dada comigo, pelo que dava um dedo a cada uma, mas empurravam-se e zangavam-se porque eu só tinha dez dedos. Passado um tempo, houve uma operação, e eu fui. Caminhámos 50 quilómetros a pé, 25 para lá, até Canja, e 25 no regresso. Na primeira vez em que saí, quando fomos inspecionar as armadilhas, ainda levei a minha pistola à cintura, para fingir que poderia fazer qualquer coisa. Fomos a Canja, não se encontrou o acampamento inimigo que se estava à espera que existisse. O regresso é que foi uma tragédia, as pernas não queriam andar”.

Não sei se outra mulher de capitão teve experiência idêntica a esta, ela descreve com a maior das naturalidades operações e patrulhamentos, conta a história de um alferes de uma outra companhia que no início da operação disse “se a senhora vai, eu não vou”. A notícia chegou a Bissau e o Quartel-General mandou uma mensagem a perguntar se havia uma senhora branca que ia às operações. Trocaram-se mensagem em tom azedo, Bissau exigia que a senhora branca saísse dali e o capitão de Barro retorquiu: “Bem, então temos um problema. As mulheres dos meus soldados (era uma companhia de caçadores nativos) são senhoras guineenses e estão com os maridos. Se as senhoras não podem estar, o que eu vou fazer com elas?”. A resposta veio seca e terminante: “Não levanta problemas que isso não é nada consigo”.

No entretanto, o quartel foi flagelado e um outro capitão foi render o marido de Maria Beatriz. “Eu estava de camuflado, e o senhor viu-me de costas. Bateu-me no ombro e, quando me virei, ia caindo ao chão. Estava para me dizer: ‘É pá, estás com o cabelo muito grande, corta-o!’”. Depois da Guiné foi a Moçambique, mas não foi a mesma coisa. “A Guiné era como se fosse minha, criei uma forte relação afetiva com a terra e com as pessoas. Tenho muitas saudades do que lá vivi, e tive muita sorte, de ter um marido que apoiava as minhas loucuras”.

Depoimentos sumarentos, documentos de valor irrefragável, conhecíamos bem o papel das enfermeiras-paraquedistas, mas nunca se entrara nos bastidores com esta grande angular cronológica, mesmo sendo justo referir que nos últimos anos têm surgido diferentes trabalhos acerca da mulher de militares nas diferentes parcelas do Império.


Palavras e Silêncios é um trabalho inexcedível, será referência obrigatória, digo-o sem hesitar.
Investigação de Sara Primo Roque, Edições Pasárgada
As Mulheres Portuguesas e a Guerra Colonial, por Margarida Calafate Ribeiro, Edições Afrontamento
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de Julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24501: Notas de leitura (1600): A Guiné pós-colonial e o funcionamento de um Estado “suave”: Um importante artigo de Joshua B. Forrest sobre a Guiné a caminho do multipartidarismo (Mário Beja Santos)

sábado, 19 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18653: Consultório militar do José Martins (37): Monumento aos Combatentes de Vila Chã da Beira

1. Mensagem do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 4 de Maio de 2018:

Boa noite
Foi amor à primeira vista pelo monumento datado de 1965. Foi só reunir os elementos e aqui vai um pequeno texto.
Temos de convidar o camarada a fazer parte do blogue. Há necessidade de novos elementos e novas histórias. Atrás de um, outros virão.

Bom fim de semana.
Zé Martins


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Nota do editor

Último poste da série de 9 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18618: Consultório militar do José Martins (36): Registo Militar de Henrique Pedro Daniel de Duarte Silva Y Aranda

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18317: Bibliografia de uma guerra (86): “Contra o Vento, Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)”, por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2017 (4) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Dezembro de 2017:

Queridos amigos,

Não é de mais insistir, ao findar estas notas de recensão, que se trata de um estudo profundíssimo, rigoroso, porventura o melhor pano de fundo que possuímos na historiografia portuguesa contemporânea sobre a política externa portuguesa no pós-guerra face aos novos ventos da História - o surto independentista que se difundiu nos grandes e pequenos impérios coloniais.

Trata-se de uma organização admirável dos principais factos, respostas, hesitações, manobras de adiamento, quebra de alianças, informações alarmantes que chegavam ao Estado Novo por via de vozes autorizadas. Tudo em vão, a doutrina era inflexível, ou tudo ou nada, "a pátria não se discute". É neste ecrã de 15 anos de espera e turbilhão que em 1961 eclode a guerra colonial que levou o regime urdido por Salazar ao fundo. Demorará décadas a aparecer ensaio tão qualificado como este de Valentim Alexandre.

Um abraço do
Mário


Contra o vento: uma obra-prima da historiografia portuguesa (4)

Beja Santos

“Contra o Vento, Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)”, por Valentim Alexandre, Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2017, é indubitavelmente um dos principais acontecimentos da edição historiográfica de 2017.

O investigador Valentim Alexandre tem sobejas provas dadas na área da história colonial, este seu opulento (e a partir de agora incontornável) levantamento é o fecho de abóbada, a consagração da sua carreira. Passamos a dispor, a partir deste trabalho, de uma sequência bem articulada para a cronologia os principais eventos que contextualizam o Império Português no pós-guerra, ressaltando a primeira ameaça, a crise de Goa (1954-1955), segue-se a pormenorização dos dados da grande veja da descolonização e a resposta dada pelo Estado Novo: o luso-tropicalismo – a política indígena, uma incipiente industrialização, as formas precárias de deslocação da população branca, nomeadamente para colonatos, a ONU como a principal arena a confrontar o império português, os atritos com o Vaticano, a reorganização dos dispositivos militares; e a manutenção das inquietações no Oriente, um tanto à semelhança de que ocorrera no decurso da II Guerra Mundial, mas agora fruto das descolonizações: Goa, Macau e Timor, devido ao aparecimento da União Indiana, da República Popular da China e da República da Indonésia.

Este último apontamento passa em revista, no período compreendido entre 1955 e 1960, como se procuravam superar riscos, ameaças e tensões no Oriente (Goa, Macau e Timor) e ter em consideração a matérias das conclusões apresentadas pelo autor.

Quanto a Goa, a diplomacia portuguesa sentia que já pouco podia contar com a Grã-Bretanha e os Estados Unidos. No encontro entre Foster Dulles e Paulo Cunha, o Secretário de Estado norte-americano recordou ao Ministro dos Negócios Estrangeiros português a posição do país em relação ao colonialismo: direito à independência, evitando-se a todo o transe independência prematuras para quem ainda não estivesse preparado para assumir as inerentes responsabilidades.

Em 1956, Salazar prepara um documento para o Conselho de Estado, não ignora que no Conselho Legislativo goês, a maioria dos membros eleitos constituía uma verdadeira oposição ao governo. Silva Tavares, Secretário-Geral do governo da Índia enviará uma carta a Sarmento Rodrigues onde escrevera:

“Continuo a pensar que a ideia da integração é impopular. Porém, não se pode inferir que todos sejam pela unidade com Portugal. Desde os partidários de uma restrita autonomia até aos partidários da independência e aos que só sentimentalmente gostam de falar em autonomia sem no fundo a desejarem, há as mais variadas cambiantes”.

Salazar sublinhou esta frase. Orlando Ribeiro também elaborou um extenso relatório sobre a sociedade da Índia Portuguesa, documento bastante pessimista: Goa aparecera a seus olhos “como a terra menos portuguesa de todas as que vira até então, menos portuguesa do que a Guiné”.

E, mais adiante:

“Ao contrário da África portuguesa, onde há o maior cuidado em empregar expressões como Metrópole e metropolitano, em Goa opõe-se esta província a Portugal e o Goês cristão opõe-se a português. É corrente sermos assim designados por gente muito próxima de nós na fala e nos usos, mas alheia ao nosso sentido de pátria. Pátria para o Goês é Goa”.

Valentim Alexandre detalha a evolução das tensões, a euforia efémera da sentença do Tribunal Internacional de Haia no processo interposto por Portugal contra a União Indiana em 1956, por alegada violação do direito de passagem entre Damão e os enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli, dando razão a Portugal. A vitória durou pouco tempo, em Dezembro de 1960 as resoluções da Assembleia Geral da ONU sobre a “outorga da independência aos países e aos povos coloniais” constituíram um momento de viragem, as posições coloniais tinham os dias contados.

O autor igualmente explica como a política da República Popular da China assegurou temporariamente a posição portuguesa em Macau, mesmo sujeita a restrições e todo o processo timorense é detalhado.

 Atenda-se ao valor das conclusões desta vastíssima obra. Tendo saído indemne da II Guerra Mundial, o regime sabia que a ordem internacional estava radicalmente alterada, o sopro anticolonial não só rapidamente se espalhara pela Ásia, era ínsito à Carta das Nações Unidas e constituía elemento de referência nas políticas norte americana e soviética.

Portugal começa por não estar isolado na conceção da independência às colónias, mas deu-se uma evolução nas políticas britânica e francesa, os seus impérios desagregaram-se. Numa tentativa de atualização, o Estado Novo substitui as colónias por províncias ultramarinas, procura ir abolindo o conceito de indígena e do trabalho forçado, como o autor observa:

“Fruto da Repressão e da ausência de liberdades, a pax lusitana era um dos temas prediletos da propaganda do regime, que nela via a comprovação da excelência da colonização portuguesa e da sua especificidade”.

Dá-nos conta da ameaça que impendia sobre Macau e quanto a Goa, Lisboa recusava a mínima cedência de soberania, quais que fossem as garantias de respeito pelas identidade de Goa e pela influência cultural nela exercida pela metrópole.

Chegados a 1955, ninguém na cúspide do Estado Novo ignorava as crescentes ameaças que se avolumavam sobre o império. Até 1958, prevalecia a noção de que sob os territórios de África era um perigo a longo prazo. Subitamente, esfumou-se a ilusão. O regime procurava remoçar a mística imperial, confortar a tese da especificidade de Portugal como nação pluricontinental, foi alimento para consumo interno.

Perante um perigo iminente de diferentes contestações dos movimentos independentistas, o regime monolítico procurou modificar as forças armadas e a PIDE passou a ter muito mais trabalho em África. No campo da política interna, Salazar nunca aceitou hipóteses de entendimento com grande parte da oposição que até poderia ter cooperado numa frente comum na defesa do Ultramar. O mais longe que Salazar quis ir constou na sua aceitação de um plano de reformas, mostrou-se aberto a modificações da estrutura administrativa do Império, como sempre tudo muito lento e aferrolhado.

E assim termina este valiosíssimo trabalho:  

“Só o abalo produzido pelo início da Guerra Colonial, em 1961, dará o impulso necessário a reformas de fundo, com a abolição legal do indigenato e do trabalho forçado. Ainda em 1959-1960, avultam, mais do que o reformismo, o acréscimo da repressão, com as vagas de prisões, nomeadamente em Angola, e os massacres, na maior parte já com intervenção das Forças Armadas, que então marcam a vida das colónias portuguesas do continente africano, bem como Timor. Longe de se contraporem, reforma e repressão não passavam de duas faces das mesma política, tendente a preservar a soberania nacional sobre o Império – como os tempos iniciais da guerra em Angola, em 1961, tornariam evidente”.

Esta notável investigação é de leitura obrigatória, como se depreende.
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Notas do editor:

Vd. postes anteriores de:

10 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18198: Bibliografia de uma guerra (82): “Contra o Vento, Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)”, por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2017 (1) (Mário Beja Santos)

17 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18221: Bibliografia de uma guerra (83): “Contra o Vento, Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)”, por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2017 (2) (Mário Beja Santos)
e
24 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18246: Bibliografia de uma guerra (84): “Contra o Vento, Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)”, por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2017 (3) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 31 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18271: Bibliografia de uma guerra (85): “O céu não pode esperar”, por António Brito; Sextante Editora, 2009 (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 5 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17549 Ser solidário (203 ): Em troca do meu livro ("Lameta"), os meus amigos podem ajudar, com algum dinheiro, o projeto de construção de uma escola em Manati-Boibau, Liquiçá, Timor Leste... Por mor das crianças timorenses mas também da língua que nos serve de traço de união (João Crisóstomo)

João Crisóstomo, Porto das Barcas, Lourinhã. 1/7/2017.
Foto: Luís Graça
1. Mensagem do nosso amigo e camarada da diáspora, conhecido ativista de causas sociais, a viver em Nova Iorque, João Crisóstomo [, ex-alf mil da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67]

Data: 16 de junho de 2017 às 23:28
Assunto: Sugestão


Caro Luís Graça,

A minha ida a Timor foi experiência grande para mim. Mesmo "preparado",  fiquei boquiaberto  como que vi e senti. Por alguma razão tenho por vezes ouvido dizer que Timor é uma ilha enfeitiçante, que não podes mais esquecer depois de lá ires e a veres.   Não conseguia compreender bem o que me diziam, mas agora compreendo. Se antes me interessava por Timor agora o meu interesse redobrou e,  embora ainda sem saber como prosseguir, sei que tenho mesmo de tentar fazer algo mais.

O que segue  é uma sugestão  para responder a muitos dos que receberam o livro LAMETA, que eu dei a várias dezenas de camaradas  da Guiné e outros amigos, e  que com a melhor das vontades me têm perguntado como podem " pagar" o livro. Isso está fora de questão, mas o que segue  talvez possa ajudar a ir ao encontro dessa boa vontade.  Se puderes publicar no teu/nosso blogue a mensagem que a partir de agora vou incluir no livro no acto de entrega,  fico muito grato.

Vou na próxima semana a Portugal, em rota para a Eslovénia.  Gostaria de poder conversar contigo sobre isto e muito mais; vamos a ver se conseguimos agendar o nosso tempo para isso.
 Um abraço, João



Um pano tradicional ("tais") timorense... Foi-me oferecido por um aluno de doutoramento em saúde pública  (Escola Nacional de Saúde Pública / Universidade NOVA de Lisboa), um antigo guerrilheiro, enfermeiro da FRELIMO, preso aos 15 anos pelos indonésios.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Comentário do editor LG:

João, desta vez não vieste com a tua Vilma que, entretanto,  te espera, de braços abertos, na  Eslovénia. Se bem percebi, partes, na 4ª feira, dia 6, para a terra da tua amada. Mas,  olha,  foi bom rever-te e estar contigo no Porto das Barcas, Lourinhã, no passado sábado (*), saboreando mexilhões e sardinhas assadas, em frente ao mar, com a tua Nova Iorque do outro lado... Na 6ª feira, tinhas estado a jantar com o Eduardo Jorge Ferreira, outro dos nossos amigos da Tabanca de Porto Dinheiro de que é, de resto, o competente, dedicado e popular régulo... Tenho aqui umas fotos,  que já publiquei (*) e que te vou mandar, da nossa tarde, bem animada, passada naquele que é o mais antigo porto lagosteiro do mundo (Jean Costeau dixit, segundo dizem os amigos do Porto da Barcas, o nome só por si tem ressonâncias medievas).

Quanto à tua sugestão, não podia ter melhor cabimento e acolhimento no nosso blogue (**). Somos um blogue de gente solidária e o teu pedido por certo não vai cair em saco roto. Sobretudo por parte daqueles dos nossos amigos e camaradas cujo coração está mais próximo de Timor Leste e da sua doce e corajosa gente: esses, irão por certo poupar alguns euros em bicas e imperiais, pô-los no mealheiro e transferir esse dinheiro para a conta que acabas de abrir na Caixa Geral de Depósitos:

IBAN: TL 3800 2012 4493 6910 0016 2 
CODE: CGDITLDI

Tens que falar mais, aqui, dessa escola e desse projeto, a que está associado um amigo e colega do Eduardo Jorge Ferreira, professor de educação física, que já professor na Lourinhã e que julgo residir no concelho da Lourinhã: o prof Rui Chamusco, beirão do Sabugal. Não o conheço pessoalmente mas o Eduardo tem-me falado dele e foi ele que vos pôs em contacto. Trabalhou vários anos, como cooperante em Timor, e a ideia de construir esta escola em Manati-Boibau é dele... Desejo-vos, a ele e a ti, bom sucesso para esta campanha solidária. (LG)





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(**) Último poste da série > 24 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17392: Ser solidário (202): A ONG portuguesa VIDA há 25 a trabalhar na Guiné-Bissau: conheçam alguns dos seus projetos (Armando Tavares da Silva)

terça-feira, 4 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17545: Convívios (816): encontro da Tabanca de Porto Dinheiro... em Porto das Barcas, com o nosso tabanqueiro nº 1, o João Crisóstomo (, sempre a correr: Timor, Nova Iorque, Portugal, Eslovénia...) e sem o nosso régulo, o Eduardo Jorge Ferreira... Foi no passado sábado, dia 1, com o mar do Serro em frente... e Timor no coração!


Foto nº 1 > João Crisóstomo, o luso-americano que gosta de abraçar causas sociais,  neste caso trata-se de vestir de novo a camisola, pôr o boné e arregaçara as mangas... por  Timor, pelos meninos de Timor, pela lusofonia (, como veremos em próximo poste, da série "Ser solidário").


Foto nº 2 >  Um lutador de causas sociais que até há pouco tempo preferia usar apenas as tecnologias  mais convencionais: o telefone, o fax... Hoje é vê-lo com o seu "Mac", desembaraçado que nem um puto... Aqui ao lado da Alice mostrando a sua "fotogaleria" da recentíssima e empolgante viagem a Timor onde teve honras de (quase) Chefe de Estado,,, Ele mais a sua Vilma!


Foto nº 3 > O jornal da sua terra, o "Badaladas",  de Torres Vedras, na sua edição de 9 de junho de 2017, dedicou-lhe um artigo de 3/4 de página... O enfoque foi o seu livro recente, sobre a origem, o desenvolvimento e a ação  do LAMETA,  o movimento luso-americano em prol da autodeterminação de Timor-Leste, criado em 1996 e ativo até 2002...


Foto nº 4 > Timor leste, Dili > 25 de maio de 2017 > 15º aniversário da independência >  Cerimónia da entrega do dossiê LAMETA ao Museu da Resistência, presidida pelo 1º ministro, dr. Rui Maria Araújo, e na presença dos "históricos" Xanana Gusmão e Mari Alkatiri... Ao fundo vê-se, pendurado na parede, o grande painel “Timor 1975” (4,50 X 1,20 metros) , da autoria do artista luso-americano Fernando Silva, usado frequentemente em frente às Nações Unidas, em Nova Iorque e que, pelo telefone, o dirigente do LAMETA fez questão de oferecer a Xanana quando este saiu da prisão. Para o João Crisóstomo, é a nossa "Guernica". (Imagem fotografada, a partir do ecrã do PC do João.)


Foto nº 5 > Porto das Barcas > Restaurante da Associação dos Amigos do Porto das Barcas 1 de julho de 2017 > Mexilhões como entrada, seguidos de umas belas sardinhas assadas, tudo acompanhado com um refrescante vinho branco leve...e com o mar a bater na rocha...



Foto nº 6 > Lourinhã > Porto das Barcas > 1 de julho de 2017 > Encontro da Tabanca de Porto Dinheiro > Da esquerda para a direita: João Crisóstomo, Alice Carneiro, Dina. Jaime Bonifácio Marques da Silva e Luís Graça... Houve quem tivesse falta (justificada), a começar pelo régulo, o  Eduardo Jorge Ferreira que se anda preparar para pedir meças ao Junot, nos próximas dias 14, 15 e 16, na "batalha do Vimeiro"... (Ao fundo, do lado esquerdo, a praia de Porto Dinheiro, sede da Tabanca de Porto Dinheiro.)


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Em trânsito para a Eslovénia (aonde se irá juntar à sua Vilma,  lá na terra a cuidar do seu património familiar...), o João Crisóstomo foi recebido com a proverbial hospitalidade, carinho e calor da gente da Tabanca de Porto Dinheiro, convocada, em cima da hora, para um almoço-convívio, no sábado passado, dia 1. 

Por sugestão do secretário "ad hoc", Luís Graça, a escolha recaiu no Porto das Barcas, com o Porto Dinheiro à vista, já que todo o mundo queria comer sardinhas assadas à beira mar...

João Crisóstomo é, como Deus, manda e o povo obedece... O régulo, Eduardo Jorge Ferreira, já tinha recebido na véspera o nosso ilustre tabanqueiro  que o inteirou das suas últimas andanças pelo mundo  fora, em prol de boas causas, e nomeadamente na sua ida  a Timor, por ocasião do 15º aniversário da independência, a convite do 1º ministro daquele país irmão.

Em mail que entretanto já nos tinha enviado dias antes, o luso-americano  João Crisóstomo não foi parco nas palavas de elogio:

(...) "A minha ida a Timor foi experiência grande para mim. Mesmo 'preparado', fiquei boquiaberto como que vi e senti. Por alguma razão tenho por vezes ouvido dizer que Timor é uma ilha enfeitiçante, que não podes mais esquecer depois de lá ires e a veres. Não conseguia compreender bem o que me diziam, mas agora compreendo. Se antes me interessava por Timor agora o meu interesse redobrou e , embora ainda sem saber como prosseguir, sei que tenho mesmo de tentar fazer algo mais." (...)

As fotos acima documentam as duas horas e meia, descontraídas, que passámos no "porto lagosteiro mais antigo do mundo" (Jean Cousteau "dixit", segundo a Associação dos Amigos de Atalaia - Porto das Barcas).

Ainda se falou da audiência, privada,  que o nosso presidente da República concedeu, no  Palácio de Belém, ao casal João e Vilma Crisóstomo, que lhe foram mostrar  o dossiê original sobre o LAMETA,  agora entregue ao Museu da Resistência, em Dili. O João teve também ocasião de oferecer, autografado, um exemplar do seu livro, "LAMETA", ao prof Marcelo Rebelo de Sousa.

Se não erro, o João Crisóstomo parte amanhã para a Estónia. Ainda tivemos oportunidade de falar, por telemóvel, com a nossa tabanqueira Vilma que andava, atarefada, com obras lá em casa. Ao casal desejamos boa estadia e bom regresso, esperando voltar a ver, pelo menos o João, em agosto... de novo na Tabanca de Porto Dinheiro para a tradicional  caldeirada anual...

2. Esperemos que desta vez não faltem os restantes tabanqueiros, da fornada de 2015,  e que agora não foram convocados, dada a "emergência da situação": 

António Nunes Lopes (ex-fur mil, CCAÇ 1439), Maria Helena Carvalho (, filha do Pereira do Enxalé) e marido, Álvaro Carvalho (, das Caldas da Rainha), Alexandre Rato, presidente da junta de freguesia de Ribamar,  Horácio Fernandes (ex-alf mil capelão, de rendição individual, Catió e Bambadinca, 1967/69) e esposa, Milita, sem esquecer o nosso régulo Eduardo Jorge Ferreira... Naturalmente que qualquer um dos nossos membros da Tabanca Grande pode integrar a Tabanca de Porto Dinheiro, e participar no próximo almoço-convívio...

E a propósito, tomem nota, na vossa agenda, da realização da 3ª edição do Festival do Peixe, de 7 a 16 de julho de 2017, na Praia do Porto das Barcas... Oferta variada, da tradicional caldeirada ao "gourmet" peixe seco... (LG).



Cartaz do Festival de Peixe, Praia de Porto Dinheiro, Ribamar, Lourinhã





(...) Deste nomes de fêmeas aos teus barcos
Que são machos,
Máquinas fálicas de lavrar e violar
O vento, a água, o ar,
Jessica, Mafalda, Sofia,
Inês, Patrícia, Maria. (...)

_____________

quarta-feira, 28 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17520: (De) Caras (80): Maria Sofia Pomba Guerra (1907- c.1970), mais uma "desterrada política", tal como Fausto Teixeira, elogiada pelos históricos dirigentes do PAIGC

1. O nome de Fausto Teixeira parece estar hoje esquecido (espero bem que não esteja proscrito ...), ao não contar da lista dos "antifascistas da resistência"... Pelo menos não aparece na lista das 600 personalidades que constam, como tal,  no respetivo blogue e na respetiva página do Facebook (" notas biográficas de cidadãs e cidadãos que lutaram contra o fascismo e o colonialismo").

Provavelmente falta-lhe um biógrafo ou um "advogado", mesmo que oficioso... Mas o mesmo acontece com outros dos seus companheiros de desventura:  de facto, também não contam dessa lista os nomes de Gabriel Pedro (1898-1972) (igualmente desterrado para a Guiné e depois para o Tarrafal, tal como o seu filho Edmundo Pedro) e de Manuel Viegas Carrascalão (1901-1977) (operário gráfico, anarcossindicalista, preso sob a acusação de bombismo e de pertencer,  tal como Fausto Teixeira e Gabriel Pedro, à "Legião Vermelha", acabando por ser desterrado para Timor em abril de 1927, no navio "Pêro de Alenquer", numa viagem que vai demorar  5 meses, com passagem por Cabo Verde, Guiné, onde desembarcam alguns deles e entram outros, e Moçambique onde é rendido o comandante do navio.). 

Admite-se que, no caso do Fausto Teixeira, a omissão do seu nome  seja  devida, pura e  simplesmente, ao facto de lhe terem perdido rasto, desde que, com 25 anos, foi desterrado para a Guiné, em 1925, não pelo "fascismo" da Ditadura Militar / Estado Novo mas pela I República. 

De qualquer modo, a Guiné e  Timor era dois dos piores sítios do nosso glorioso Império para onde o Estado mandava os desgraçados dos "desterrados políticos", sendo ali entregues à sua sorte. Para este inferno, que eram estas duas colónias, iam em geral os indivíduos de profissões manuais ou, no caso de militares, os soldados e os marinheiros. 

Até no exílio e deportação, todos eram iguais mas uns eram mais iguais do que outros.
.
[Foto acima: Maria Sofia Carrajola Pomba  Amaral da Guerra, cortesia do blogue "Silêncios e Memórias", editado por João Esteves]


2. O nome de Fausto Teixeira (ou Fausto da Silva Teixeira] aparece associado ao de Maria Sofia Carrajola Pomba [Amaral da Guerra, por casamento], sobre a qual colhemos as seguintes informações, a partir dessa página do Facebook e outras fontes na Net:

(i) nasce a 18 de julho de 1906, em São Pedro, Elvas, distrito de Portalegre (terra igualmente de uma militante pioneira do feminismo, a médica Adelaide Cabete, 1867-1935);

(ii) licencia-se em Farmácia pela Universidade de Coimbra, no princípio dos anos 30 (no ano lectivo de 1926/27, está no 2º ano, segundo apurámos por conta própria);

(iii)  a partir de meados da década de 30, vai para Moçambique [deve ter sido em 1933:
vd. GUERRA, Maria Sofia Pomba - Dois anos em África / Maria Sofia Pomba Guerra. - : Ed. do Autor, 1935. - XIII, 206 pp.]

(iv) em Lourenço Marques, publica alguns estudos sobre frutos silvestres e produtos exportáveis, é analista no Hospital Miguel Bombarda, lecciona na Escola Primária Correia da Silva, onde tem como aluno o poeta, jornalista e activista moçambicano Rui Nogar (1932-1993);

(iv) terá aderido ao PCP - Partido Comunista Português, em Lourenço Marques, por intermédio de um  ferroviário, o  Cassiano Carvalho Caldas [1915-c..2002/03, ], no final da década de 1930 ou princípios de 1940;

(v) mantém naquela cidade do Índico uma  militância activa, colabora nos jornais "Emancipador" e a "Itinerário", publicação editada entre 1941 e 1955, participa entre 1947 e 1948, na construção de uma estrutura comunista local [Fonte: José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal, vol. 3] e desenvolve, juntamente com Noémia de Sousa, actividades no âmbito do Movimento dos Jovens Democratas Moçambicanos, versão local do MUDJ da metrópole, integrando a direcção;

(vi) em 1949, torna-se na primeira mulher branca a ser presa e deportada para a metrópole: apresentada na PIDE em 23 de novembro de 1949, fica detida em Caxias até 4 de julho de 1950; será então libertada por ordem do Tribunal Plenário de Lisboa, por ter sido absolvida;

(vii) parte a seguir  para Cabo Verde, onde se junta ao marido, médico,  colega de Coimbra [ Platão Zorai do Amaral Guerra] e dali para a Guiné, onde vem a ser proprietária da Farmácia Lisboa;  ensina inglês no Liceu de Bissau (acabado de fundar) [não fica claro se vem para a Guiné como "deportada" ou se de livre vontade...];

(viii) em Bissau, vai procurar reatar a sua actividade política, juntamente com o empresário Fausto Teixeira e o médico Gumercindo de Oliveira Correia: segundo Pacheco Pereira [Álvaro Cunhal, vol. 3];

(ix)  Sofia Pomba Guerra era vigiada pela PIDE (instalada em Bissau a partir de 1957), que sabia que a farmacêutica recebia e fazia circular revistas comunistas francesas e panfletos portugueses, procurando mesmo organizar células comunistas no seio da população trabalhadora urbana (incluindo o incipiente operariado);

(x) o seu apoio, ao embrionário nacionalismo independentista, é reconhecido pelos históricos dirigentes do PAIGC  que não poupam elogios ao seu papel na luta anticolonialista, nomeadamente no auxílio à organização clandestina de reuniões, na prestação de informações relevantes sobre prisões iminentes, como a de Carlos Correia, e na preparação de fugas, como a de Luís Cabral (auxiliado também por Fausto Teixeira);

(xi) está associada, em 1958, à fundação do Movimento de Libertação da Guiné (MLG) (mais moderado que o PAIGC, defendendo uma solução de tipo federalista entre a Guiné e Portugal);

(xii) na sua farmácia trabalham destacados futuros combatentes do PAIGC como Epifânio Souto Amado e Osvaldo Vieira (este, um dos principais combatentes do PAIGC, morto em 1974, mas igualmente suspeito de envolvimento no complô contra Amílcar Cabral que levaria ao seu assassinato em 20/1/1973);

(xiii) Amílcar Cabral [Bafatá, 12/9/1924-Conacri, 20/01/1973], com quem Sofia convive na década de 50, no discurso pronunciado num Seminário de Quadros do PAIGC, efectuado entre 19 e 24 de novembro de 1969, refere-se à contribuição de dois brancos [Fausto Ferreira e Sofia Pomba Guerra]  na fuga de Luís Cabral da capital guineense, afirmando explicitamente que “uma pessoa que teve influência no trabalho do nosso Partido em Bissau, foi uma portuguesa", e acrescentando: "só quem não está no Partido é que não sabe isso. Ao Osvaldo, a primeira pessoa que lhe ensinou coisas para a luta, foi ela, não fui eu. Eu não conhecia o Osvaldo” [Amílcar Cabral, Alguns Princípios do Partido, pp. 21-22];

(xiii) mais tarde, Luís Cabral, nas suas memórias, a Crónica de Libertação [1984], evoca os contactos que manteve com esta “deportada para a Guiné", com a ficha na PIDE e a indicação de se tratar de "um elemento altamente perigoso”:  e acrescenta:  “embora vigiada pela polícia política, cujo chefe veio morar mesmo em frente da sua casa, retomou na primeira oportunidade as suas actividades políticas”;

(xiv) relaciona-se com Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Fernando Fortes, Luís Cabral, a quem dá lições de Inglês do 7.º ano do liceu, e muitos outros;  “apesar da posterior separação da actividade anticolonialista do movimento geral antifascista, a dr.ª Sofia Pomba Guerra continuou, como no passado, a ser a amiga e conselheira de cada um de nós” [idem]; foi ela quem apresentou Aristides Pereira a Amílcar Cabral quando este chega à Guiné no início dos anos 50;

(xv) o rótulo de "desterrada política antifascista e comunista" (sic) acompanha-a por todos os locais por onde passa  mas isso nunca a impedirá de intervir politicamente e manter-se fiel às suas ideias;

(xvi) morre sem chegar a ver a  independência, da Guiné-Bissau,  em data que não sabemos precisar, talvez no início da década de 70;

(xvii)  muito mais tarde, Luís Cabral terá reencontrado em Portugal o marido, o dr. Guerra, “que parecia estar sempre muito distante das actividades da esposa, [mas] era um grande patriota e democrata português que encorajava e apoiava essa actividade” [idem], com a filha mais nova Tafia;

(xviii) é autora de várias publicações  de natureza económica e científica, em Moçambique, outras: “Fruta de Moçambique” (1936), “Alguns frutos silvestres de Moçambique” (1938), “Alguns produtos exportáveis de Moçambique e os seus mercados externos” (1939);

(xviii) colaborou ainda  com o Centro de Estudos Culturais da Guiné Portuguesa:  vd.  GUERRA, Maria Sofia Pomba - Amendoim e palmeira do azeite : pilares económicos da Guiné portuguesa / Maria Sofia Pomba Guerra. In: Boletim cultural da Guiné portuguesa. - Vol. VII, nº25 (1952), p.9-83.
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Fonte: Adapt.com a devida vénia, do blogue "Silêncios e Memórias", editado por  João Esteves > 12 de junho de 2015 > [0998.] Maria Sofia Carrajola Pomba Amaral da Guerra [I]

Vd. também a nota biográfica da autoria de historiador João Esteves com colaboração de Helena Pato, sendo a fotografia,  acima publicada, enviada ao João Esteves por uma das netas da biografada, Maria Leonor Guerra Rodrigues Eisman > Página do Facebook Antifascistas da Resistência.
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Nota do editor:

Último poste da série > 26 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17512: (De) Caras (86): Francisco Augusto Regalla (1871-1937), médico militar: a história de uma família ou de um clã (Juvenal Amado / Manuel Coelho / Armando Tavares da Silva / Patrício Ribeiro / Ricardo Regalla Dias-Pinto)

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17331: Notas de leitura (954): Ruy Cinatti e uma viagem a Bolama, 1935, em “O Mundo Português”, revista de cultura e propaganda, arte e literatura coloniais, o seu número 24, de Dezembro de 1935 (Mário Beja Santos)


Guiné > Bolama > Agosto de 1935 > A chegada do vapor "Moçambique", com os participantes do 1.º Cruzeiro de Férias às Colónias, entre os quais se contaria Ruy Cinatti (1915-1986), engenheiro agrónomo, poeta, antropólogo que iria mais tarde estabelecer uma relação especial com Timor.

Fonte: O Mundo Português, Vol II, nºs 21-22, Setembro-Outubro de 1935 (Exemplar  pessoal de Mário Beja Santos; digitalização e  edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Fevereiro de 2016:

Queridos amigos,
Entre chuviscos intermitentes, aquele sábado de manhã na Feira da Ladra permitiu-me adquirir esta preciosidade, ao longo dos anos em que entabulei grande amizade com o Ruy Cinatti, este nunca me fizera referência à sua visita à Guiné e muito menos mencionara existir texto de tal viagem. A sua grande recordação fora a Ilha do Príncipe, deu-lhe fulgor para escrever uma pequena gema literária, o conto "Ossobó".
É bom recordar que este antropólogo e poeta tinha 20 anos quando escreveu estas recordações de viagem.

Um abraço do
Mário


Ruy Cinatti e uma viagem a Bolama, 1935

Beja Santos

O 1º Cruzeiro de Férias às Colónias, coordenado por Marcello Caetano, constituiu uma novidade pelo modo como se pretendia atrair a juventude aos conhecimentos das parcelas do império. Guardaram-se vários testemunhos dessa viagem em que o regime procedera a uma rigorosa seleção de universitários de elevada craveira.
Um dos escolhidos foi Ruy Cinatti (1915-1986) que se irá afirmar como grande poeta, etnólogo, antropólogo e defensor da causa timorense. Tive o privilégio de receber alguns dons da sua amizade benfazeja. Conheci-o quando era membro da direção do jornal “Encontro”, a publicação da JUC – Juventude Universitária Católica, em 1966, fui pedir-lhe um poema, ofereceu-nos “O cego”, o primeiro dos seus “Sete septetos”, livro que viria a ser premiado com o Prémio Nacional de Poesia.
O meu livro “A Viagem do Tangomau”, arranca com um encontro em sua casa, convidar-me para jantar na véspera de eu partir para Mafra, para frequentar a recruta. Leu-me poemas de safra recente, que virão a ser publicados a título póstumo. E na correspondência que com ele troquei na Guiné, deu-me sábios conselhos, foi um lenitivo para a minha alma, daí o ter tratado sempre por “Dear father”.

Encontrei em “O Mundo Português”, revista de cultura e propaganda, arte e literatura coloniais, o seu número 24, de Dezembro de 1935, o seu texto “A Mocidade Académica e o 1º Cruzeiro de Férias às Colónias”. Chamou-me à atenção, na chegada a S. Vicente, a descrição crua que nos faz da vida dolorosa do cabo-verdiano:

“A vegetação em S. Vicente está reduzida a pequenos oásis de verdura – as ribeiras – regiões sobrejacentes aos leitos de ribeiras subterrâneas, onde se desenvolvem plantas dos climas quentes, e a pequenas extensões de vegetação arbórea cuja ramaria, passada certa altura, se estende, se inclina horizontalmente, se prostra ante a fúria niveladora do vento do deserto, que sibila, que ecoa doidamente nos recôncavos da rocha.
O resto são campos de calhaus partidos, triturados, onde a vida vegetal é impossível, porque as águas que nas épocas de chuva se despenham em torrentes pelas encostas arrastam o pouco húmus que se tenha depositado ou os materiais terrosos provenientes da desagregação da rocha.
Todos estes aspetos, geológico, climático, ausência de vegetação na maior parte das ilhas, motivada ou pela falta de chuvas ou pelo seu desperdício quando cai, conduzem à grande tragédia do arquipélago – a fome.
Em 1924, só em S. Tiago morreram à fome 20 mil pessoas. No Fogo, o colmo é arrancado das casas indígenas para ser cozido e servir assim de alimento. As crioulas levavam os filhos já mortos ao colo, iludindo os administradores, para receberem maior ração”.

E conclui:
“Foram S. Vicente e depois o Príncipe, as ilhas que, no desfilar tumultuante de visões sucessivas, mais indelével recordação deixaram no meu espírito”. 

E assim chegaram à Guiné, registará a sua viagem a Bolama:
“O mar muda de cor. Já não é azul ultramarino nem azul-cobalto. As águas são barrentas, com reflexos esverdeados provenientes dos aluviões arrastados pelo Geba e outros rios. A ondulação é mínima, apenas provocada pelo deslocamento do navio.
Atravessámos o dédalo das ilhas Bijagós, cobertas de intensa vegetação verde-amarelada, que me dá uma sensação muito diferente do que eu supunha vir a encontrar.
Costas baixas, em praia, abundantes em recortes e braços de mar, prolongando-se a perder de vista, a ponto de se julgar que a vegetação nasce das águas.
Era já tarde e o sol velado pela fímbria das nuvens caminhava para o ocaso. Não bulia uma folha. Estava tudo parado, tudo embebido num banho morno.
Caminhava ao longo de uma rua de Bolama, com os muros e as casas cobertas de musgo, onde o branco da cal há muito tempo dera lugar ao cinzento esverdeado da terra e das plantas. Andava e não via ninguém. Tudo estava deserto. Só ouvia o ecoar das minhas passadas no cimento do passeio.
Envolvia-me um silêncio sepulcral. Invadia-me um aniquilamento absoluto. Qualquer coisa me amolecia, tornava mais vagaroso o andar. Com a face, com o corpo a escorrer suor, bebi grandes golos de água do cantil; quanto mais bebia mais a sede me torturava.
De repente, em poucos minutos, o céu tapou-se de nuvens; uma ligeiria brisa baloiçou a folhagem dos poilões; começou a chover torrencialmente e a água, rejeitada pela terra saciada de humidade, corria em regatos para as margens lodosas do mar. Ali, refrescando a alma, refrescando o corpo com a deliciosa chuva a escorrer-me pelos cabelos e pela face, reagi.
Com outra alma, caminhei com energia, embebendo-me na paisagem tropical verde cinzenta. Nas margens do rio, onde o lodo borbulhava, o mangal de folhagem miúda muito cerrada estendia-se indefinidamente numa estreita faixa, com as raízes brutescas saindo da água.
Com o mesmo imprevisto com que tinha aparecido, as nuvens foram-se, e de novo o sol inundou a terra. Atravessei a cidade; segui por uma estrada onde, dentre o verde brilhante das bananeiras, das árvores de fruta-pão e dos poilões, surgiam as tabancas cor de argila.
Em volta, em porções de terreno sem área nem contorno definido, estendem-se as plantações de mancarra cultivada pelos negros. Grupos de indígenas, diferentes na aparência física e no vestuário, seguiam ao longo da estrada e estacionavam à porta das tabancas.
Uns, quase nus, com as costas tatuadas em relevo, com folhas de palmeira-leque e um grande cutelo nas mãos. Outros, vestidos com grandes camisas grandes que quase chegam ao chão, com o peitilho bordado e um alfange pendente a tiracolo. Mulheres, ora de tanga, ora envoltas em grandes panos, caminhavam com os filhos às costas e com grandes cabaças sobre o lenço amarelo enrolado em volta da cabeça.
Entrei numa tabanca de Fulas. Casas retangulares e circulares, o telhado de colmo estendendo-se para fora das paredes a servir de alpendre ou galeria. Sentados em volta os homens conversam, as mulheres entram e saem. As crianças brincam indiferentes ao que em volta se passa.
Lá ao longe, mas dentro da tabanca, o barulho de muita gente junta a falar atraiu-me. Fui lá.
Formando uma roda, homens e mulheres olhavam, gesticulando, o começo de um batuque. O tambor começou a suar e logo um negro despindo a camisa branca, descalçando as chinelas vermelhas, saltou para o meio, os músculos salientes a brilhar, exibindo o corpo atlético de um deus grego queimado pelo sol.
Começou a andar em volta, olhando a multidão que o cercava, saracoteando o corpo, batendo ritmicamente os pés, em flexões que iam aumentando com rapidez. Dirigiu-se às raparigas que em monte o olhavam embevecidas, num conjunto de cores em que o vermelho e o amarelo predominam.
Cantava a mesma frase com intervalos em que o som fica suspenso no ar e continuava cada vez mais excitado, na sua movimentada dança, dando saltos mortais.
De vez em quando chegava-se ao pé do tocador de tambor, dobrava-se, batendo com os dedos no chão e levantava-se me seguida bem alto, apontando para alguns dos que ali estavam. Era o desafio para a luta.
Ninguém veio. Mais alguns saltaram para o centro e com as mesmas atitudes desafiaram outros. Ninguém veio. Tudo se parecia temer. Em volta, homens e mulheres procuravam animar, batendo compassadamente as palmas, acompanhamento o canto intermitente dos lutadores. Nada conseguiram. Em breve começaram a dispersar. O sol já tinha desaparecido lançando apenas no horizonte um pálido clarão, que mais fazia realçar a beleza eternas das palmeiras.
Em redor os homens, sentados à porta das cubatas, lavavam os pés, preparando-se para a oração muçulmana”.

Ruy Cinatti escreve este texto com 20 anos. Chamou-me à atenção a dedicatória que ele apõe:
“Para o muito caro José Vaz Pinto, esta recordação do nosso cruzeiro de maravilha com a amizade de Ruy Cinatti Vaz Monteiro Gomes”.

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Nota do editor

Último poste da série de 5 de Maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17321: Notas de leitura (953): "Buruntuma - Algum Dia Serás Grande - Guiné-Gabú - 1961-63", por Jorge Ferreira (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16982: Notas de leitura (922): “De África a Timor, uma bibliografia internacional crítica (1995-2011)”, por René Pélissier, Edições Húmus, 2014 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Novembro de 2015:

Queridos amigos,
Aqui se põe termo a uma digressão sobre recensões guineenses, entre as muitas centenas que vêm inseridas nesta obra monumental de recolha de investigações que muitas vezes não aparecem no mercado português. Para o estudioso e mesmo para o leigo interessado sobre acontecimentos dos dois últimos séculos do império colonial, Pélissier é incontornável, e quem põe dúvida a esta afirmação pode esclarecer-se com esta leitura, pois a obra está disponível nas livrarias.
Registo que Pélissier procura repertoriar tudo que tem a ver com a literatura da guerra colonial.

Um abraço do
Mário


De África a Timor: uma maratona de livros por René Pélissier (2)

Beja Santos

“De África a Timor, uma bibliografia internacional crítica (1995-2001)”, por René Pélissier, Edições Húmus, 2014, é uma obra indispensável para leigos e investigadores sobre trabalhos que se prendem com as diferentes parcelas do antigo império português. Pélissier é um nome gigante nas investigações da colonização portuguesa e não se conhece mais ninguém com este palmarés de milhares de recensões inicialmente publicadas em revistas especializadas e depois em diferentes volumes. Como é óbvio, neste espaço procuramos referenciar estudos e recensões centrados na Guiné. A propósito de um escritor português, Luís Rosa, Pélissier observa:
“A literatura dos antigos combatentes é um género, ou subgénero, que mobiliza e mobilizará os professores de literatura portuguesa durante muitas gerações, bem depois do desaparecimento dos que a escreveram. Estes académicos, em geral, não têm as mesmas preocupações dos autores e ainda menos as dos historiadores. Os últimos desejam saber o que não se encontra nos comunicados de imprensa da época nem na história oficial estabelecida a posteriori pelos Estados-Maiores. Para os historiadores o estilo e o lirismo, a poesia e o vocabulário das emoções não são mais do que acessórios. O aborrecimento chega depressa após a leitura das proezas desta ou daquela Unidade; não nos devemos desencorajar pois acabamos por descobrir pepitas mesmo nos romances históricos, redigidos por certos atores (em geral oficiais milicianos) que tiveram de combater a sério.
"Memória dos Dias sem Fim", por Luís Rosa, Editorial Presença, 2009 é disto um bom exemplo. Luís Rosa está numa guerra absurda e enfrenta na Guiné um inimigo decidido e combativo. O alferes Rosa e a sua Companhia estão na zona nevrálgica fronteiriça do Sudeste, entre o rio Cacine e o limite artificial da Guiné Conacri. É um lugar de passagem obrigatória do PAIGC, que está encarregado de retomar e defender. Um historiador que já sublinhou abundantemente o caráter arbitrário do traçado dos contornos da Guiné não pode ficar insensível esta demarcação que devido o país dos Nalus. De entre as caraterísticas mais importantes do livro, limitar-nos-emos a citar as mais originais: a) a presença de um comerciante português em Gadamael que explora impiedosamente os Nalus; b) a tortura de um louco, prisioneiro; c) a execução em Guileje, por um alferes, de um velho informador/agente duplo, a quem obriga a cavar o próprio túmulo antes de arrancar uma orelha do seu cadáver; d) o bombardeamento com morteiros do posto de Sangonhá a partir do campo de Marela do PAIGC, na Guiné Conacri e o franqueamento, em represália, da fronteira pelos Comandos e milícia local; e) a receção dos refugiados que fogem da fome; f) a primeira destruição pelas unidades regulares de artilharia do PAIGC da guarnição portuguesa de Guileje; g) o fornecimento de informação contra o PAIGC por um chefe Nalu, refugiado na Guiné Conacri, em troca de um tratamento contra as doenças venéreas”.

Foi com surpresa que tomei conhecimento do romance “Deixei o meu coração em África”, por Manuel Arouca, Oficina do Livro, 2006. Segundo Pélissier, trata-se de uma extraordinária reconstituição da realidade vivida pelos soldados portugueses em Guileje. Esta reconstituição é tanto mais notável quanto Manuel Arouca não parece ter conhecido a Guiné no seu crepúsculo caetanista. E é mesmo um romance em que tudo o que o autor narra sobre este país em guerra lhe foi contado por um primo. Vejamos os termos, segundo Pélissier:
“Assim, encontramos Spínola, mas sobretudo o quotidiano de uma guarnição, ameaçada e rotineira, que só se anima com as escoltas dos comboios de provisões, a chegada do correio, os bombardeamentos de napalme, as emboscadas, as personalidades fortes, como a do capitão cabo-verdiano que comandava a Companhia e que era o único patriota otimista neste posto português. Assistimos, em seguida, ao casamento em Gadamael-Porto de um suboficial de Coimbra com a filha de um chefe Fula: um caso de luso-tropicalismo que acabará mal (ao pisar uma mina, o marido perderá as duas pernas). Conhecemos também um soldado marxista que denúncia as operações em proveito do PAIGC e o herói do livro, um furriel, é adotado por uma família Balanta cujos filhos gémeos são, um, um chefe de guerrilheiros e, o outro, um capitão dos comandos africanos portugueses. A obra abarca o período de 1968 a 1971. O maior problema do Exército Português prendia-se com o facto de serrem raros – exceto entre as tropas especiais – aqueles que acreditavam verdadeiramente na utilidade daquilo que faziam. E não estavam provavelmente enganados”. 
Refere também o “Diário da Guiné” de António Graça de Abreu, Guerra e Paz Editores, 2007, dizendo:
“Graça de Abreu observa a política contestada de Spínola e permanece duvidoso quanto às pretensões do PAIGC em dominar todo o território, mas cedo se apercebe de que, pelo menos entre os Manjacos, décadas de exploração colonial não podem ser apagadas por tardias reformas materiais”. 
E, mais adiante: 
“No final de 1973, Cufar e todas as guarnições em redor são bombardeados pelos 122. As tropas sabem que vão para a morte na ofensiva contra o Cantanhez e as minas que os esperam. Os sábios de uniforme escrevem poemas que Camões não teria imaginado, mas todos mergulham no álcool para adormecer os seus medos. O Estado-Maior e os serviços de saúde pública terão elaborado, posteriormente, estatísticas sobre a dependência alcoólica dos antigos combatentes portugueses? A água pura era rara na Guiné no início de 1974. Sabemos a que é que tudo isto conduziu Exército e o Estado-Novo”.

Temos aqui centenas de recensões numa edição cuidada, incluindo lista de autores, a ordenação geográfica da respetiva bibliografia e o facilitador índice toponímico.

Trata-se de um levantamento de um historiador infatigável, de alguém que anda há várias décadas a coligir, peça a peça, a desmesurada bibliografia de antigos combatentes e de investigações dos mais diferentes matizes.
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de Janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16972: Notas de leitura (921): “De África a Timor, uma bibliografia internacional crítica (1995-2011)”, por René Pélissier, Edições Húmus, 2014 (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16788: Notas de leitura (907): “Histórias Coloniais”, por Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus, A Esfera dos Livros, 2016 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Novembro de 2016:

Queridos Amigos,

Trata-se de um trabalho poliédrico sobre levantamentos, marchas de protesto, resistência à brutalidade dos anos 1930 aos anos 1960, nas colónias portuguesas, não escondendo paradoxos e contradições, sobretudo quanto ao número de vítimas.

Estranhamente, e quanto à greve do Pidjiquiti, não fazem referência ao detalhado relatório que o Comando da Defesa Marítima da Guiné fez logo a seguir para Lisboa, observaram tudo à distância de centenas de metros, como se sabe. Concorda-se com os autores que Amílcar Cabral colheu o ensinamento que era inviável na Guiné, naquele período tentar a subversão urbana, ficou Rafael Barbosa e um grupo na subversão, a direção do PAI partiu para Conacri, preparar a logística da guerrilha e os apoios internacionais.

Um abraço do
Mário


Conflitos sociais que preludiaram os tempos anticoloniais

Beja Santos

“Histórias Coloniais”, por Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus, A Esfera dos Livros, 2016[1] é o livro póstumo de dois investigadores que se debruçaram sobre matérias das lutas de libertação nacional. Como referem na apresentação, este acervo de ensaios descreve conflitos sociais significativos e determinantes em todas as antigas colónias portuguesas. E definem: “Significativos, porque mostram a violência e brutalidade associadas a uma dominação colonial insensível aos problemas das populações. Determinantes, porque estes conflitos sociais contribuíram para a formação da consciência nacionalista tendo acelerado a marcha das populações para a independência ou para a integração dos territórios nos países a que pertenciam”.

Os investigadores escolheram os seguintes conflitos para análise: a revolta de «Nhô Ambrose», Cabo Verde; o massacre de Batepá, S. Tomé; a invasão dos Satyagrahis, Goa; a revolta de Viqueque, Timor; a greve do Pidjiquiti, Guiné; a manifestação de Mueda, Moçambique; a greve da Baixa de Cassange, Angola e o motim 1-2-3, Macau. Conflitos que se situaram entre 1934 e 1966.

O que se pode entender por significativo e determinante nestes conflitos?

“Nhô Ambrose” é um conflito social que assumiu uma enorme carga simbólica, à volta da fome num contexto de secas e da crise 1929, de profundo desemprego, em que o porto de Mindelo perdera enorme atividade. No dia 7 de Junho de 1934, um grupo que foi engrossando, de homens, mulheres e crianças, arvorando um pano preto a servir de bandeira, percorreu algumas ruas da cidade de Mindelo, assaltaram estabelecimentos, as autoridades declararam o estado de sítio na cidade, houve dois mortos e vários feridos. Baltazar Lopes irá reconstituir a tragédia da fome e do protesto no seu romance "Chiquinho". Anos mais tarde, Amílcar Cabral recordará os acontecimentos.

O massacre de Batepá é um dos acontecimentos mais hediondos do período colonial português na segunda metade do século XX. Os autores detalham o trabalho nas roças, realizado por trabalhadores forçados, trazidos de Angola, de Moçambique e de Cabo Verde. Faltava mão-de-obra, pensou-se então integrar os forros, descendentes de brancos e de escravos alforriados no século XVI nessas atividades. O Governador Carlos Gorgulho inventou uma revolta comunista e exerceu uma repressão sem precedentes, a tal ponto que os relatórios da PIDE comentam negativamente os excessos, duvidando de qualquer caráter comunista nos protestos e enunciando provas de brutalidade e violência: os prisioneiros foram torturados com varapaus, tiras de borracha e chicotes; obtinham-se confissões através da intimidação, da tortura e de falsas acusações; quando os prisioneiros sucumbiam, Gorgulho determinava: "atirem essa merda ao mar para evitar aborrecimentos". O Ministro Sarmento Rodrigues indignou-se e agiu para afastar Gorgulho do governo de S. Tomé. O déspota queixou-se a Salazar, acabou condecorado.

Se é claro que o que se passou em Goa com a invasão dos Satyagrahis anuncia a firme determinação da União Indiana em ocupar o Estado da Índia, como aconteceu em Dezembro de 1961, a revolta de Viqueque tem pontos nebulosos como a instigação da Indonésia que semeou sentimentos de dissidência entre timorenses. Houve mortos em número ainda hoje impossível de determinar e deportações para Angola. É sabido que vários rebeldes deportados estiveram entre os 36 fundadores do partido APODETI – Associação Popular Democrática Timorense, que, desde o início, declarou que um Timor independente só podia ser economicamente viável se fosse apoiado pelos seus irmãos da Indonésia.

A greve do Pidjiquiti continua ainda hoje a ter versões díspares. Os investigadores citam várias fontes mas estranhamente não referem o importante relatório do Comando da Defesa Marítima feito em cima dos acontecimentos e com observação direta, visto que as suas instalações estavam a escassas centenas de metros do palco do tiroteio e do massacre. O PAIGC tirou lições da repressão, tentou utilizar a greve como acontecimento seu, o que nunca foi verdade.

A manifestação de Mueda envolveu os Macondes que desejavam negociar o regresso massivo de compatriotas seus a Moçambique. A população da região estava descontente pelos baixos preços a que eram pagos os seus produtos, bastante inferiores aos praticados no Tanganica. As autoridades detiveram alguns Macondes e começou o tiroteio. Mais tarde, Eduardo Mondlane, fundador e primeiro presidente da FRELIMO, sublinhou que os incidentes de Mueda tinham sido um importante ingrediente para lançar os Macondes na luta pela independência.

O que se passou na Baixa de Cassange está hoje altamente documentado, foi o ensaio geral da guerra colonial. E como observam os autores, a repressão brutal da luta dos cultivadores de algodão contribui para cavar ódios raciais que explodiriam em atos de barbárie e morticínio, desencadeados em Março e Abril de 1961, em todo o norte de Angola.

O motim 1-2-3 foi assim designado pelo facto de a imprensa norte-americana se referir aos acontecimentos pelo mês e dia dos grandes protestos dos chineses de Macau, que constituíam afinal 95% dos 270 mil habitantes do enclave. Tudo começou em 15 de Novembro de 1966, um grupo de chineses não se compadeceu com a burocracia para o início de obras de reparação e ampliação de um velho edifício para aí se instalar uma escola. Exerceu-se repressão, os chineses praticaram desmandos e depois de um laborioso período de negociações, a autoridade portuguesa ficou reduzida ao mais simbólico e com cláusulas vexatórias: as autoridades portuguesas foram obrigadas a entregar os agentes secretos da Formosa, mais tarde executados; proibidas associações opostas à República Popular da China; pagamento de indemnizações superior a 2 milhões de patacas, às vítimas da repressão.

Os autores recordam o acervo de documentos novos que foi possível consultar depois do 25 de Abril, bem como a recolha de testemunhos presenciais.
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Notas do editor

[1] - Vd. poste de 29 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16774: Agenda cultural (517) Acaba de sair, "Histórias Coloniais", livro póstumo de Dalila Cabrita Mateus (1952-2914) e e Álvaro Mateus (1940-2013) . Edição: A Esfera dos Livros, Lisboa, 2016

Último poste da série de 28 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16770: Notas de leitura (906): “António Carreira, Etnógrafo e Historiador”, por João Lopes Filho edição da Fundação João Lopes, Praia, Cabo Verde, 2015 (Mário Beja Santos)

terça-feira, 19 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16318: Em busca de... (269): Alf mil médico, estomatologista, radioamador, CR8AK... Raul [Luís Vilhena Soares] Nobre, Guiné (1969) e Timor (1971/73) (Artur Marcos, professor, radioamador, escritor, especialista em cultura timorense, residente em Queluz)

1. Mensagem do nosso leitor Artur Marcos, professor do ensino do ensino básico, na Amadora, com residência em Queluz, escritor, especialista em cultura e sociedade timorenses:

Data: 8 de julho de 2016 às 16:44

Assunto: Localizar Alf Mil Médico CR8AK Guiné-Timor

Ex.mos Srs:

Votos de boa saúde. Há tempo que, ocasionalmente, leio o vosso  blogue, com admiração pelo vosso conseguimento e valor.

A razão de  entrar em contacto com os responsáveis de «Luís Graça & Camaradas da  Guiné» é um pedido de colaboração. Gostaria de entrar em contacto com  o ex-Alf Mil Médico Raul  Luís Vilhena Soares Nobre (cf. o post no  vosso blogue de 27 de março de 2007, respondido em 2009 por Manuel Resende) (*).

 Não conheço pessoalmente o senhor médico, que  actualmente terá oitenta e mais alguns anos de idade, suponho.

Considero que seria útil que nos encontrássemos para falar. Por razões  relacionadas com a memória social de Timor, radioamadorismo, história  do escotismo em Portugal e em Timor e alguns serviços bons por ele  prestados enquanto radioamador em Timor, que ficarão registados em  trabalho a divulgar oportunamente. 

Creio que seria possível que  reenviassem esta mensagem para ele e, se for da sua vontade,  poderíamos encontrar-nos. Sou professor numa escola estatal no  concelho da Amadora e durante largos anos, principalmente antes de  maio de 2002, desenvolvi ou promovi a feitura e publicação de  trabalhos diversos relacionados com Timor (entre esses trabalhos está  um dicionário Tétum-Português, da autoria do timorense Luís Costa, a  recolha da poesia de Fernando Sylvan e o título «Timor Timorense- com  suas línguas, literaturas, lusofonia...» [Imagem da capa, acima]. Todos editados na chancela Edições Colibri e referenciados internacionalmente, em meios  especializados. 

Sempre entendi que uma terra não se constrói só com  discurso político... E que materiais técnicos e culturais são muito  necessários, para qualquer futuro a acontecer ... 

Antecipadamente  grato pela ajuda que possam oferecer, fazendo « a ponte» para o doutor  Raul Nobre, reitero cordial saudação, Queluz, 8 de julho de 2016, Artur  Marcos.

2. Comentário do editor:

Artur, obrigado pelo seu contacto e pelas suas palavras de apreço pelo nosso blogue. Infelizmentre não tivemos mais notícias do dr. Raul Nobre. Sabemos quue tem consultório de estomatologia em Lisboa e página no Facebook. O nosso camarad Manuel Resende é amigo dele no Facebook. Vou dar conhecimento ao Manuel Resende desta sua diligência (**). Por certo que haveremos de conseguir "levar a carta a Garcia". O email dr. Raul Nobre, de 2007, pode já não ser válido mas sugiro que tente. Disponha do nosso espaço. Boa saúde, bom trabalho. Felicidade para os nossos povos e viva a lusofonia! LG
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Notas do editor:

(*) Vdf. poste d27 de março de  2007 > Guiné 63/74 - P1629: Lendo os vossos depoimentos com um nó na garganta... O que é feito da CCAÇ 2585 ? (Raul Nobre, ex-Alf Mil Médico)

(...) Mensagem de Raul Nobre, médico:

Meu Caro Luís Graça:

Tenho lido estes depoimentos com um nó na garganta. É muito importante em todos os sentidos, quer histórica quer emocionalmente.

Em 1969 fui incorporado como médico na CCAÇ 2585, comandada pelo Capitão Tomaz da Costa. Ainda fiz o IAO na Arrábida e gozei os 10 dias de licença antes do embarque. Entretanto deu-se o "atentado" ao Niassa e o embarque do Batalhão fez-se com atraso. Eu não cheguei a embarcar, pois deferiram-me o requerimento que fizera para poder terminar a especialidade de Estomatologia e em 1971 mandaram-me para Timor donde regressei em 1973.

Nunca mais tive notícias de ninguém. Recordo-me que havia um Alferes chamado Almendra, creio que natural de Trás-os Montes.

O meu contacto com os camaradas foi de curta duraçáo, pois tinha sido reinspeccionado, fizera uma recruta de um mês em Santarém e tinham-me colocado naquela Companhia que, por sua vez, tinha sido constituída a toda a pressa.

Gostava de ter notícias daqueles rapazes.

Um abraço e a minha admiração pelo trabalho que estás a fazer. Raul Nobre (...)


(...) Comentário de Manuel Resende   [ex-alf mil da CCaç 2585/BCaç 2884, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71]

Olá,  Luís Graça: Só há dois dias é que descobri este maravilhoso espaço na Internet, onde se pode falar e desabafar de factos que recalcamos há 40 anos.

Sou ex-Alf Mil da CCaç 2585, BCaç 2884. Já li tudo o que está neste espaço e quero contribuir, para já, com uma informação para o nosso médico Raul Nobre, de que me lembro perfeitamente, pois era meu camarada de Companhia (2585). Foi substituído pelo médico Alf Mil Diniz Martins Calado.
Já agora, também para informação do camarada Raúl Nobre, aqui vão os nomes dos 4 alferes  da Companhia: António Camilo Almendra (mais tarde comandante da companhia por graduação em Capitão), Manuel Charraz Godinho, António Alberto Miguéis Marques Pereira e eu, Manuel Cármine Resende Ferreira.

Tenho muitas fotos que irei partilhar em outra altura. Também tenho algo a dizer em relação à morte dos MAJORES.
Um abraço, Manuel Resende
manuel.resende8@gmail.com
 
25 de março de 2009 às 22:47