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sexta-feira, 8 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23151: Recordando o Salgueiro Maia, que eu conheci, o meu comandante, bem como os demais bravos da minha CCAV 3420 (Bula, 1971/73) (José Afonso) - Parte V: Histórias pícaras: (viii) O brutibol e os treinadores de bancada

Guiné > Região do Cacheu > Bula > CCAÇ 2790 > A equipa de futebol... De pé, do lado direito, de camuflado, o cap inf  Gertrudes da Silva, que sucedeu ao cap José Pedro Sucena , no comando da CCAÇ 2790, entre fevereiro e setembro de 1972. Foto gentilmente cedida pelo José Câmara (que vive nos EUA) ao António Matos, ex-alf mil, MA, CCAÇ 2790 (Bula, 1970/72). 

Foto (e legenda): © José Câmara (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra >  2ª CART / BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74) > Equipa de futebol dos graduados...

Foto (e legenda): © Carlos Barros (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Bissau > HM241 (1968/70) > A equipa de futebol do Hospital Militar

Fotos: © Manuel Freitas (2011).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > A equipa de futebol de onze, aqui vestida a rigor, com o equipamento a condizer: simbolicamente, camisola preta e calção branco... Esta era a equipa principal...em que tinha lugar o fur mil Arlindo Teixeira Roda (, o primeiro da primeira fila, a contar da direita, o autor da foto). Mas, curiosamente, numa companhia em que as praças eram do recrutamento local (c. 100) e os restantes elementos (graduados e especialistas) de origem metropolitana (c. 50), não havia nenhum guineense...

Foto (e legenda) : © Arlindo Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Nâo temos nenhuma foto da equipa de futebol de Os Progressistas, mas sabemos que o futebol era acarinhado pelo cap cav Salgado Maio, comandante da CCAV 3420 (Bula, 1971/73). 

E no "jornal de caserna" o futebol ocupava um importante lugar nas edições (não sabemos quantas...) que se fizeram, como se pode avaliar por dois recortes, com prosa bem humorada, que republicamos hoje. A seleção é do José Afonso.

Como em todos os lados havia alguns craques e "treinadores de bancada" que, não sabendo jogar, escreviam sobre o "brutibol" no "jornal de caserna"... O Salgueiro Maia devia ser um bocado  "sarrafeiro", à falta de jeito para a bola... É o que deduzo destas crónicas...

É verdade que, para além da bola  (e das jogatanas de cartas) não havia muito mais formas de ocupar o tempo, nas horas de lazer, no TO da Guiné... Alguns liam ou ouviam rádio, nalguns aquartelamentos havia um armário com algumas dezenas de livros, em geral oferta do Movimento Nacional Feminino.  Um ou outro militar recebia jornais e revistas da metrópole ("A Bola", mas também a "Vida Mundial", a "Seara Nova", o "Comércio do Funchal", o "Notícias da Amadora", o "Jornal do Fundão", etc.). 

Em 1971/73, o país vivia ainda, desde 1926,  sob a "mordaça da censura", e praticamemte todas as notícias sobre a "guerra colonial" eram filtradas... Aliás, eram escassas, praticamente não saíam notícias sobre a guerra na Guiné, por exemplo, a não ser os "comunicados" das Forças Armadas, noticiando mais uma ou mais mortes de militares, no período de tal a tal...

A maior parte escrevia, obsessivamente, cartas e aerogramas para a metrópole... às carradas. Para os pais, as mulheres, as noivas, as namoradas, as madrinhas de guerra, os amigos... Mas escondia-se a dura realidade da guerra, por medo, por autocensura,  etc. Em contrapartida, os militares  adoravam receber os "bate-estradas", que chegavam ao SPM. No caso da CCAV 3420, era o SPM 1898.  

Outra forma de "matar o tempo" era passear pelas tabancas em redor dos aquartelamentos. Pescar  podia-se nalguns sítios. Mas, em geral, o peixe era intragável, sabia a lodo.  Quanto à caça,  era um luxo só permitido, em geral, aos oficiais (ou aos  milícias autorizados a  caçar para abastecer a tropa e/ou a população civil).

Sessões de cinema ou espetáculos de música podiam acontecer uma vez por festa, num sítio ou noutro... Raras eram as povoações (em  geral, sedes de circunscrição ou concelho) que tinham cinema: Bissau, Bafatá, Teixeira Pinto, Nova Lamego...

 As saídas às povoações mais importantes (Bafatá, Nova Lamego, Bissau, Teixeira Pinto...) era condicionadas por motivos de segurança, tal como os torneios de futebol "interregionais"... A feitura do "jornal de caserna" podia dar trabalho a uma pequena equipa...Mas a verdade é que, para além do futebol (e do "jornal de caserna") não sabemos como os Progressistas de "divertiam"... em Bula e outros aquartelamentos e destacamentos por onde passaram como Capunga,  Pete, etc. Talvez o José Afonso nos possa dizer algo mais sobre isto.




Capa do "jornal de caserna" da CCAV 3420 (Bula, 1971/73). Diretor: Cap cav Salgueiro Maia. 


Histórias pícaras > (viii) O brutibol e os treinadores de bancada


por José Afonso (*)



(i) COMENTÁRIO: O BRUTIBOL 

 Os Progressistas assistiram estupefactos aos acontecimentos no campo do Sporting Clube de Portugal num dos últimos domingos. Era visível em todos a consternação e incredulidade. Seria possível? Um árbitro a comer no toutiço,  ainda por cima daquela maneira? 

Fizeram-se mesas para comentar o caso e a opinião foi unânime, aqui no campo dos Progressistas nunca sucedeu nem pode suceder tal coisa. E, no entanto, todos nós somos profissionais e desejamos ganhar o nosso campeonato. Mas entre nós cada jogador para além do elevado grau de tecnicismo que possui, dispõe também de uma correcção impecável. 

 Mas concretizemos para ver que não falamos de cor: antes de entrarmos em campo, uma das equipes, formada por oficiais e sargentos do QP,  já vai a ganhar entre 3 a 5 bolas à outra, a dos furriéis. Ora desta maneira já não há aquela ansiedade que estraga e destrói o verdadeiro desporto. Uma equipe ganha e a outra já sabe que perde até porque quando por qualquer motivo imprevisto começa a reduzir a diferença, o nosso Capitão acaba logo com o jogo porque entretanto já se está a fazer noite e a qualidade dos jogadores perde-se. 

 E há exemplos admiráveis de jogadores natos de correcção estrema: é o Monteiro fazendo triangulações e pasodobles; é o Almeida, autêntica locomotiva em ataques furiosos e que terminam algumas vezes no chão por placagem sempre serena do nosso Capitão; é o 1.º Beliz, guarda-redes magnífico, que com alguns empurrões e muita ciência acaba por dominar a situação; o sargento Pascoal sempre à frente, à espera da bola e nunca consegue terminar nenhuma avançada e, sou eu, cuja importância é tão grande no desenrolar do jogo que noutro dia o nosso capitão até me disse: - Saia daí que você está a atrapalhar tudo! 

 Temos ainda o sargento Carreteiro muito bom em discussões futebolísticas mas, uma negação na defesa; o furriel Sancho, el ninho d’ouro”, o máximo que se pode exigir em técnica, pena que ande constantemente com os calções a cair-lhe, não fosse isso, o rapaz daria que falar; também o que nos vale é não haver por estes lados uma “liga dos costumes”. 

 Bem ainda não falamos do Seringa que quer que os golos dos furriéis sejam golos quando o nosso capitão considera que, como ninguém pediu autorização para marcar, o golo seja anulado! 

 Depois temos o alferes Mendonça,  “el Olívia Palito”,  que cada vez que entra no jogo, arranja um paludismo para os dias seguintes. Esclareço que cada falta ao prélio é paga com um garrafão de verde. 

 Pois é assim. Cá os Progressitas  não vão em agressões ao árbitro. E, para mostrarem bem que isso nunca sucedeu nem poderá suceder, continuarão a fazer como até aqui. Jogar com delicadeza e quanto a árbitro, “Cá Tem”. 

 Se quer praticar bom brutibol, se quer desenvolver as nódoas negras e os joelhos descascados, se enfim quer ser um homem, então frequente às terças, quintas e domingos, no extraordinário complexo desportivo do estádio “Erva” em Pete. 

BIGODES, jornal Os Progressistas, 9 de novembro de 1972


  (ii) O TEMA É CRITICA 

 Antes de mais quero dizer a quantos lêem o Jornal dos Progressiats  que não sou crítico de rádio ou televisão. Sou crítico em exclusivo deste jornal, de que é propriedade a CCav 3420, comandada pelo Capitão de Cavalaria, Fernando José Salgueiro Maia 

 A crítica que vou fazer é sobre a nossa equipa de futebol, já que no último jornal se falou muito de futebol, mas ao que parece o autor do artigo não falou daquilo que devia falar. 

 Falando no valor individual de cada elemento, começo já pelo guarda-redes, o nosso sargento Carreteiro, sem dúvida, bem constituído e com grande poder de elevação mas, pareceu-me que é altura de ser substituído e, o melhor substituto é o Bártolo do depósito de género ou o Paulo, o cozinheiro. A defesa central tem um elemento com longa experiência adquirida ao longo de 4 comissões que já fez no ultramar. 

Trata-se do 1.º sargento Beliz que, quanto a mim,  parece ter uns quilos a mais mas, como o campeonato está ainda em princípio parece-me ter possibilidades de recuperação. 

Quanto ao sargento Pascoal, é pedra base na equipe, porque consegue estar os 90 minutos no mesmo sítio à espera que a bola lhe venha ter aos pés. Dos furriéis, Sancho e Moreira, prefiro nem falar. 

Quanto ao furriel Gomes consegue ser superior em todos, mas em bigode; temos ainda os furriéis Monteiro, Almeida e Marques. O primeiro em vez de pensar no futebol anda mas é a pensar como pode acontecer faltar o frango aos domingos. 

Estou mesmo a ver que qualquer dia o Santos cozinheiro fica sem os seus frangos que parecem andar a mais cá no destacamento. O segundo é um elemento também muito habilidoso mas muito rafeiro, entrando sempre em falta, mas suponho eu, que um jogador com a sua classe não precisa de fazer tantas faltas sobre o adversário. 

 Temos ainda o Marques, o jogador mais disciplinado que entra em campo, é bom também em técnicas Resta apenas falar no trio da avançada que é composto pelos jogadores: Alferes Simões, Alferes Mendonça e Capitão Maia e, ao que me parece ser este ultimo, o capitão da equipe porque,  para além de dar ordem para terminar o jogo quando está a perder, está constantemente a dizer aos espectadores para que saiam para fora do arame farpado. 

 Quanto ao alferes Mendonça que nem mesmo a tomar leite em pó com flocos de cereais, não consegue dar um pontapé certeiro. O alferes Simões, é um jogador de cabeça e que joga sempre à vontade, talvez por daqui a uns meses ir no “gosse” para a Metrópole. O capitão Salgueiro Maia parece-me ter medo da disputa de bolas de cabeça. Talvez seja derivado, a trazer sempre o cabelo curto, não deixa, no entanto de ser um bom extremo esquerdo e cheio de dinamismo e iniciativas que, por vezes são perigosas para o guarda-redes. 

 Resumindo e fazendo um balanço colectivo, parece-me que toda a equipa precisa de preparação física adequada e, essa preparação podia ser dada da seguinte maneira: Juntar todos os jogadores em grupos de 4 e fazerem talvez uns blocos de cimento pelo menos, sempre contribuíam para o bem estar de todos e, ainda para uma “Guiné Melhor” 

 Eu peço desculpa quanto à crítica. Não foi feita para prejudicar ninguém mas sim, para que o jornal em vez de 4 folhas comece a ter 6, se possível. Para isso, precisamos de mais colaboradores. 

Soldado João Ribeiro, jornal "Os Progressistas", setembro de 1972


[ Revisão / fixação de textos e títulos / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: LG ]

___________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 6 de abril de  2022 > Guiné 61/74 - P23145: Recordando o Salgueiro Maia, que eu conheci, o meu comandante, bem como os demais bravos da minha CCAV 3420 (Bula, 1971/73) (José Afonso) - Parte IV: Histórias pícaras: (vii) Os Mais dos... Progressistas (divisa da companhia e também título do jornal de caserna)

sábado, 13 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19100: (De) Caras (120): Gertrudes da Silva, comandante da CCAÇ 2790, de fevereiro a setembro de 1972, deixou um rasto enorme de simpatia, de camaradagem, de competência e de humanidade invejáveis (António Matos, ex-alf mil MA, CCAÇ 2790, Bula, 1970/72)







Guiné >Bula > CCAÇ 2790 > A equipa de futebol... De pé, do lado direito, de camuflado, o Cap Inf  Gertrudes da Silva, que sucedeu ao cap José Pedro Sucena , no comando da CCAÇ 2790, entre fevereiro e setembro de 1972. Foto gentilmente cedida pelo José Câmara (que vive nos EUA) ao António Matos, ex-alf mil, MA, CCAÇ 2790 (Bula, 1970/72). (A CCAÇ 2790 teve como unidade mobilizadora o BII 18, partiu para a Guiné em 24/9/1970 e regressou a 30/9/1972. Esteve em Ponta Augusto Barros e Bula. Comandantes:  cap inf José Pedro de Sucena, e cap inf Diamantino Gertrudes da Silva.)


Foto (e legenda): © José Câmara (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



António Garcia de Matos, ex-alf mil MA,
CCAÇ 2790  (Bula, 1970/72)
1. Comentário de António Matos ao poste P19099 (*):

Não pretendo mais do que uma singela homenagem ao Comandante, ao Capitão, ao Militar e ao Amigo com quem partilhei uma fase bem marcante da minha vida de alferes miliciano nos idos de 70 do séc. XX, muito especificamente no ano de 1972, na Guiné Bissau, sediado que estava em Bula e onde comandava um pelotão da CCaç. 2790, pertença do BCaç 2928.

Recorrendo para confirmação de datas (,que os neurónios já não ajudam nas certezas absolutas), consultei a "História da Unidade" daquela minha companhia e, claro, lá apanhei o Diamantino Gertrudes da Silva que passou a fazer parte dos quadros, tomando o comando na substituição do capitão José Pedro Sucena, em Fevereiro de 1972.

Meu caro Gertrudes da Silva, já tive ocasião de manifestar os meus sentimentos à sua família mas não quis desperdiçar a oportunidade de ter recebido uma alusão a este momento de saudade por via electrónica, sem daqui lhe endereçar um sentido "Rest In Peace".

O facto de a notícia-base não o mencionar como comandante da valorosa CCaç 2790 naquele 1972, foi motivo suficiente para exarcebar os meus orgulhos ( e julgo que de todos os nossos outros camaradas) pois a experiência foi-nos gratamente positiva.

Desde logo do ponto de vista operacional mas,  não menos importante, do ponto de vista humano.
Tive(mos) o prazer de o ter entre nós por várias vezes nos jantares (poucos) que vamos fazendo de quando em vez à laia de prova de vida ...

Você, meu caro amigo, juntou-se aos que já tinham partido mas creia que deixou um rasto enorme de simpatia, de camaradagem, de competência e de humanidade invejáveis. (**)

Descanse em paz !
António A.Garcia de Matos


2. Comentário do António Matos  (***):

Pois sou mesmo eu a iniciar esta secção de comentários a este meu poste (*)

Primeiro, corrijo a legenda da (...) foto [acima], onde o capitão é o Gertrudes da Silva [e não o Pedro Sucena];

Segundo: quero dizer ao José Câmara que consegui, hoje, falar com o José João e que ele e o José Bairos são uma e só uma pessoa ! Falei e deliciei-me com aquele sotaque inesquecível intervalado com expressões americanadas a reflectir os quase 40 anos de emigrado ! Engraçadíssimo !

O Bairos era do pelotão do alferes Pires e não consigo associá-lo às imagens que ainda tenho daquela malta.

Infelizmente os EUA são grandinhos e não permitem que esta gente tenha contactos com camaradas de outros tempos e por isso não me soube dizer nada de outros ...

António Matos
_____________

Guiné 61/74 - P19099: Tabanca Grande (468): Gertrudes da Silva (1943-2018), ex-cmdt da CCAÇ 2781 (Bissum, 1970/72)...Senta-se, a título póstumo, à sombra do nosso mágico e fraterno poilão, sob o nº 779.



Amadora > Academia Militar > 1963 > Caderes do curso de Gertrudes da Silva

Foto (e legenda): © Vrigínio Briote (2008). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Gertrudes da Silva (19943-2018), 
nosso grã-tabanqueiro nº 779, a título póstumo. Foto Lusa / DR
(com  a devida vénia)



O Capitão Gertrudes da Silva, Cmdt da CÇAÇ 2781. (Guiné, 1970/72).

Foto: © Gertrudes da Silva (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso coeditor, jubilado, Virgínio Briote, com data de 11 do corrente, respondendo a uma mensagem do nosso editor LG:


Data: quinta, 11/10/2018 à(s) 21:46

Assunto:  Gertrudes da Silva (1943-2018)

Era um tipo fora da corrente dos cadetes do princípio dos anos 60. 

Entrou para a Academia em 1963, um ano depois de mim. Com formação católica, julgo que frequentou um seminário na zona de Viseu, era um jovem de hábitos sóbrios, com carácter, estudioso e atento aos tempos que se viviam. 

Não foi surpresa saber que tinha tido participação activa no 25 de Abril. Comandou a companhia que saiu de Viseu,  e com as forças de Aveiro e Figueira da Foz,. assenhoreou-se do Forte de Peniche. 

Além do papel que desempenhou em 1974, Diamantino Gertrudes da Silva dedicou-se à escrita, publicando, entre outros, "Deus, Pátria e... A Vida", "A Pátria ou a Vida" e "Quatro Estações em Abril". 

A sombra da Guerra [, esteve em Angola e na Guiné, ] pairou numa boa parte das obras que escreveu.

Abraço, Luís.

V.Briote


2. Testemunho do Carlos Matos Gomes (*):

(...) O Diamantino morreu ontem. Nasceu em 1943, na Beira Alta, em Moimenta da Beira. Filho de gente humilde – não se trata de neo-realismo – frequentou o seminário e depois a Academia Militar, onde entrou em 1963. Conheci-o ainda de missal, expressão séria, a sair da caserna para ir à missa. Eu, três anos mais novo, já agnóstico. Nunca falámos de religião, de deuses, de salvação. Respeito. Ele infundia respeito, mesmo quando acreditava no que me merecia radicais oposições: eu dispensava a ideia de Deus, ele ainda a respeitava, não como amparo pessoal, mas como instância de justiça, julgo.

(...) O Diamantino formou-se em História, em Coimbra. Ele, e um outro destes capitães, também já desaparecido, o Monteiro Valente. Conheci-os, relacionei-me com eles como mais um privilégio que a vida me concedeu. O Monteiro Valente foi o único (julgo) capitão que teve de disparar a sua arma para impor o 25 de Abril numa unidade militar! (...)


\
Lisboa >Sociedade de Geografia > 6 de março de 2008 > O João Parreira e o Artur Conceição, do BArt 733 (Mansoa, Bissorã, Farim, Cuntima, Jumbembem, Canjambari, 1964/66), em primeiro plano na cerimónia de apresentação do Diário da Guiné, do M. Beja Santos. Na 2ª fila, o coronel Diamantino Gertrudes da Silva (sorridente).

Foto: © Mário Fitas (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e comentário: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


3.  Comentário o editor LG:

Escrevi, logo no dia 11, ao Virgínio Briote:

(...) Virgínio: lamento a morte de mais um camarada e amigo teu, dos tempos da Academia... Não o conheci pessoalmente, mas há postes teus e dele no nosso blogue...  Que achas se o integrarmos na Tabanca Grande, a título póstumo ? (...) Ele teve alguma interação connosco (...), e comandou a CCAÇ 2781 (Bissum, 1970/72) (...)

O Gertrudes da Silva tem 8 referências no nosso blogue. Infelizmente não tínhamos, até à data,  nenhum representante desta companhia no nosso blogue. 

Ora ele foi (e é) antes de mais um camarada nosso, comandante operacional no TO da Guiné... E mais: tem, pelo menos, duas intervenções no nosso blogue. Apresentou o livro do Beja Santos, "Diário da Guiné", em 6 de março de 2008, na Sociedade de Geografia.  (**). Perdi então a oportunidade de o conhecer pessoalmente: nessa semana eu estava na Guiné-Bissau.

O Gertrudes da Silva considerava, aliás, de pleno direito, este blogue como o "nosso blogue" (***). Certamentr por lapso, não foi convidado nessa altura para integrar a nossa Tabanca Grande. Entra, agora,  a título póstumo, com o nº 779 (****).

Vivia em Viseu. Publicou quatro obras, editados Palimage, a últma, em 2011, "Tempos sem Renissão". Esta última aparece após a publicação, entre 2003 e 2007,  de uma trilogia que percorre a Guerra Colonial portuguesa e a Revolução do 25 de Abril de 74, com os títulos: "Deus, Pátria e... a Vida" (2007);  "A Pátria ou a Vida" (2005); "Quatro Estações em Abril" (2003).

Entre outras condecorações, foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, em 1/10/1985,  pela sua participação no Movimento do 25 de Abril de 1974.
___________


(**) Vd. poste de 13 de março de 2008 > Guiné 63/74 - P2632: Coronel Gertrudes da Silva: A Guiné, a guerra colonial e o 25 de Abril (Virgínio Briote)

(...) Texto base da intervenção do Coronel Diamantino Gertrudes da Silva na apresentação do Diário da Guiné, do Mário Beja Santos.

O Coronel D. Gertrudes da Silva, ele próprio escritor de crónicas de Guerra, teve a ambilidade e deu-nos o gosto não só de estar presente mas também de responder à solicitação que lhe foi feita para enquadrar a Guerra da Guiné no contexto da Guerra Colonial. (...)

A Guiné no Contexto da Guerra colonial e do Regime do Estado Novo 

por Gertrudes da Silva, coronel reformado

(...) Profissionais ou não, voluntários ou obrigados, nós, os militares, cumprimos a parte que nos cabia, que era a de dar tempo e margem de manobra aos políticos para que resolvessem a Questão Colonial.

(...) Com um Regime orgulhosamente só (lá fora e cá dentro), com 40% do Orçamento afectado aos encargos da defesa, com milhares de mortos, milhares de feridos e muitos estropiados, com um esforço militar cinco vezes maior, em termos proporcionais ao dos EUA no Vietname, com a sangria das melhores energias da Nação na Guerra Colonial e na emigração, com a privação de todas as mais elementares liberdades, com um povo profundamente triste por tanta ausência e tanta perda era absolutamente necessária e, mesmo, inevitável qualquer coisa como foi o 25 de Abril, levado a cabo pelos militares, porventura porque sentiam melhor que ninguém a inutilidade da tragédia da Guerra Colonial, porque lhe preparavam uma saída ultrajante como a da Índia, porque talvez só eles estariam em efectivas condições de o fazer.

De resto, como dizia o mestre Kierkgaard, “A vida só pode ser vivida para a frente e explicada para trás”. (...)

Viseu, 8 de Março de 2008
Gertrudes da Silva
Cor Ref (...)

[Texto para intervenção no encontro do Blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, que teve lugar em Lisboa, em 06Mar2008.] (**)
.
(***) 15 de março de 2008 > Guiné 63/74 - P2646: A Guiné, a Guerra Colonial e o 25 de Abril. Comentários e Nota do Coronel Gertrudes da Silva (Virgínio Briote)

(...) A UM ANÓNIMO [que comentou o poste P2632]

Se não se apresentasse sem dizer o nome, já que mais não fosse por razões de pertença, dirigir-me-ia a si como caro ou até como amigo ou camarada (da tropa, naturalmente). Mas aí vai.
Eu não omiti nada no escrito (*) que alguém com esse direito tratou de publicar no, já agora, nosso blogue. Não me propunha aí falar propriamente do 25 de Abril, e tão só no enquadramento desse facto (marco) histórico no contexto da Guerra Colonial.

(****) Último poste da série > 4 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19070: Tabanca Grande (467): José Ramos, ex-1º cabo cav, condutor Panhard AML, EREC 3432 (Bula, 1972/74)... Novo grã-tabanqueiro, nº 778.

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19089: In Memoriam (330): Diamantino Gertrudes da Silva (1943-2018), ex-comandante da CCAÇ 2781 / BCAÇ 2927 (Bissum, 1970/72), "capitão de Abril", escritor (Carlos Matos Gomes)

O capitão de Abril Gertrudes da Silva;~
comandou a CCAÇ 2781
(Bissum, 1970/72)
1. Poste do Carlos Matos Gomes na sua página do Facebook, partilhada pela nossa, a Tabanca Grande Luís Graça, com data de ontem, às 20h00:

 ·
Os portugueses não conhecem o Diamantino

por Carlos Matos Gomes


As portuguesas e os portugueses não conhecem o Diamantino. Antes do Diamantino também não conheceram o Corvacho, nem o Tomaz Ferreira, nem o Vila Lobos, nem o Ramiro, nem o Ernesto, o Melo Antunes, nem o Varela, o Gomes, nem o Victor, o Crespo, os portugueses não conhecem os portugueses que estiveram no dia 25 de Abril de 1974 no comando das operações na Pontinha, nem nas unidades que tomaram o poder

Nem dos que estiveram em Bissau, em Luanda, ou em Nampula a assumir a responsabilidade histórica de resolver um problema colonial que se arrastava desde a Conferência de Berlim (1884), que fora causa da queda da monarquia, da implantação da República, da entrada de Portugal na I Grande Guerra, da instauração da ditadura em 1926 e de uma guerra colonial de 13 anos.
O desconhecimento desses nomes e o conhecimento de outros, de futebolistas e comentadores de TV, de cantores e de apresentadores de TV, de cabeleireiros e cozinheiros, de alfaiates e famosos das relações públicas representa a glória dos anónimos militares como o Diamantino.

O Diamantino morreu hoje (**). O Diamantino teve um papel decisivo no 25 de Abril, comandando a coluna militar que controlou o centro do país. Os portugueses não conhecem o Diamantino, nem os camaradas que o acompanharam nesse dia e nessa acção. O desconhecimento do Diamantino é a sua maior condecoração. O Diamantino e os seus camaradas fizeram o que fizeram para que os comentadores comentassem, os cantores cantassem, os famosos se exibissem. O Diamantino e os seus camaradas são anónimos para que os portugueses tenham nome e possam tê-lo. O Diamantino e os seus camaradas fizeram o que fizeram para que os portugueses tivessem um serviço nacional de saúde e também um multibanco. 

O Diamantino morreu ontem. Nasceu em 1943, na Beira Alta, em Moimenta da Beira. Filho de gente humilde – não se trata de neo-realismo – frequentou o seminário e depois a Academia Militar, onde entrou em 1963. Conheci-o ainda de missal, expressão séria, a sair da caserna para ir à missa. Eu, três anos mais novo, já agnóstico. Nunca falámos de religião, de deuses, de salvação. Respeito. Ele infundia respeito, mesmo quando acreditava no que me merecia radicais oposições: eu dispensava a ideia de Deus, ele ainda a respeitava, não como amparo pessoal, mas como instância de justiça, julgo.

Ao longo da minha vida conheci pessoas extraordinárias. Sorte a minha. O mais extraordinário de
todos, se me perguntarem, Samora Machel. Mas, falando apenas dos que já morreram, conheci também Aquino de Bragança (informem-se sobre a personagem), e Spínola (escrevi sobre ele no Expresso na data da sua morte), e Costa Gomes, e Varela Gomes, e Fernando Salgueiro Maia, e o comissário político da brigada Lister na guerra civil de Espanha, e Santos e Castro, fundador dos comandos e comandante de mercenários, fui amigo do Jaime Neves… e apoiante da Maria de Lurdes Pintassilgo. Fui amigo do Diamantino…

Quando, como é da história, nas revoluções se separam águas entre os que a fizeram, eu e o Diamantino ficámos na mesma margem. Foi depois do 25 de Novembro de 1975. Numa tarde, ou noite clandestina, encontrámo-nos em Viseu, a sua base, a conversar sobre o que era possível salvar, não da esperança, mas da parte do poder que devia caber aos que, sujeitos a séculos de dependências, iniciavam a descoberta da liberdade de decidirem o seu presente e o seu futuro. Poder popular, se não for descoberta outra designação aos sans culottes que, aqui em Portugal, viviam a sua revolução francesa no Portugal rural e eclesiástico após o 25 de abril. O “Comunismo” nos sermões dos padres lúbricos e guardadores de rebanhos.

O Diamantino formou-se em História, em Coimbra. Ele, e um outro destes capitães, também já desaparecido, o Monteiro Valente. Conheci-os, relacionei-me com eles como mais um privilégio que a vida me concedeu. O Monteiro Valente foi o único (julgo) capitão que teve de disparar a sua arma para impor o 25 de Abril numa unidade militar!

A História concedeu a Portugal, aos portugueses que não sabem quem eles foram, o privilégio de ter os capitães dos seus exércitos de terra, mar e ar no local certo, no tempo certo, para realizarem a 25 de Abril de 1974 aquilo que era necessário fazer e foi feito da forma exemplar que a História reconhece como a “revolução dos cravos”. 

O Diamantino pertenceu a essa gesta de anónimos capitães que Portugal e os portugueses tiveram a sorte histórica de encontrar generosamente disponíveis e culturalmente preparados para assumirem os riscos de lhes traduzirem os anseios de liberdade e de paz. Ele escreveria ensaios e fições sobre a sua geração.(**)

A morte do Diamantino, capitão de Abril, ocorre no tempo em que emerge do lado de lá do Atlântico, no Brasil a quem tanto nos une, um capitão de negrume, de nome Bolsanaro…um fantasma da História. Figura recorrente de abutre militar…

O capitão Diamantino, que morreu em Viseu, era a face luminosa dos militares de qualquer parte do mundo que estão do lado da História e dos seus povos…

Será enterrado singelamente. Como um militar digno. Com as “sem honras” que a sua vida merece.
Que a semente do seu exemplo frutifique…

[O ex-comandante da CCAÇ 2781, Bissum, 1970/72, capitão de Abril e escritor, Gertrudes da Silva, tem 8 referências no nosso blogue. Infelizmente não temos nenhum representante desta companhia no nosso blogue; a minha sugestão é que este nosso camarada, que foi comandante operacional no TO  da Guiné, entre para a Tabanca Grande, a título póstumo.]
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Notas do editor:


(**) 13 de março de 2008 > Guiné 63/74 - P2632: Coronel Gertrudes da Silva: A Guiné, a guerra colonial e o 25 de Abril (Virgínio Briote)

(...) Nota de Virgínio Briote:

O Coronel Diamantino Gertrudes da Silva foi admitido na Academia Militar em Outubro de 1962. Nº 1 do Curso de Infantaria, com o posto de Alferes foi mobilizado para Angola (região de Bessa Monteiro), integrado na CCaç 1642.

Em 1970, comandou a CÇAÇ 2781 na Guiné, que esteve destacada em Bissum, permanecendo no território até 1972, data em que a Companhia regressou à Metrópole. Colocado nesse ano em Viseu, no RI 14, aí permaneceu até à véspera do 25 de Abril de 1974. À frente das tropas que conseguiu reunir, deslocou-se para Lisboa e Peniche onde teve acção preponderante no desenrolar dos acontecimentos que se seguiram ao movimento militar.


É autor de várias obras (...)

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11037: Notas de leitura (454): "A Pátria ou a Vida" por Gertrudes da Silva (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Novembro de 2012: 

Queridos amigos,

“A Pátria ou a Vida”, de Gertrudes da Silva, não tem paralelo em tudo quanto me foi dado ler sobre a nossa guerra. é bem provável que o autor tenha sido o comandante da CCAÇ 2781, que passou uma boa parte da sua comissão em Bissum-Naga.

Não há ali farronca, exaltação dos feitos, encómios sobre a obra feita. Entrega-se, de alma e coração, a esculpir caracteres, é um autor, ele próprio à procura de compreender e justificar quem observa, praças, sargentos e oficiais. Retrata um oficial do quadro que escapa ao protótipo idealizado para os seus pares. Aliás, não tece elogios aos seus superiores, mostra-os mesmo incapazes de perceber a natureza daquela guerra.

Um abraço do
Mário


A Pátria ou a Vida (2)

Beja Santos

“A Pátria ou a Vida”, por Gertrudes da Silva (Palimage Editores, 2004), é uma obra singular em toda a literatura da guerra colonial, garanto-vos. Trata-se de uma companhia acantonada em Bissum-Naga, os relatos bélicos estão absolutamente condicionados aos comportamentos e às vivências dos militares. A narrativa começa por destacar os diferentes grupos intervenientes, o João Benvinda, o furriel Antunes, o primeiro-sargento Cebola, o aspirante Costa. O capitão parece não ter nome, talvez para camuflar o autor da prosa, há sérios indícios de que é ele o responsável pelo que aqui se lê. Sabe-se que ele leva demasiado a rigor a vida da companhia, e mais:

“Não nos larga todo o dia e mesmo no fim da tarde nunca dispensa a reunião diária para avaliação do trabalho desenvolvido e preparação do que há a fazer do dia seguinte. Às vezes, vê-se mesmo que perde a noção do tempo e quase que saímos dali – os comandantes de pelotão – diretamente para a formatura da instrução noturna, sem comer nada de jeito”.

Afinal, o capitão tem um nome completo, forjado, Júlio dos Santos Parente, cursou a Academia Militar, tem raízes marcadamente rurais, era o Juca entre familiares. Sabe-se que fez uma comissão em Angola, andou depois por Mafra.

Após a apresentação por retratos, sabe-se que a partida para a guerra está para breve, o João Benvinda foi recebido pela família a chorar, o furriel Antunes também deu consigo a chorar quando se despediu dos seus, enfim, do capitão às praças todos deixam o mundo para trás contritos, entes queridos tolhidos por tanta dor. Chegados a Bissau, escrevem às suas famílias. O João Benvinda dá a saber à sua Amélia que há problemas na companhia por causa dos corrécios de Penamacor que transformaram a viagem numa polvorosa, com cenas de porrada, cabeças partidas e até facadas, numa mistura com vigarices, copos a mais e jogos da vermelhinha. Segue-se o IAO, marcham para Bissorã, aqui se ouve falar em Queré, Choquemone e Tiligi. A primeira operação torna-se no batismo de fogo. E parte-se para Bissum-Naga, temos a crua descrição do local:

“À volta de um grande terreiro que nem é quadrado nem é circular, aparecem regularmente plantadas quatro edificações, a definir, em ângulo obtuso, os quatro cantos do aquartelamento, ficando assim, para já, com este nome. São as quatro casernas-abrigos, uma para cada grupo de combate. Da mesma traça arquitetónica (e esta?!...) destes, e logo à direita de quem entra, está o abrigo do Comando, ali no desempenho das suas mais nobres funções. Na ala da direita, que mais correto será dizer que é do Poente, a configuração do recinto vai-se aprimorando com mais um alongado abrigo onde funcionam o posto de socorros e a messe de oficiais e sargentos. E agora, se ao entrar, que é pelo Norte, nos virarmos para o lado esquerdo, temos logo ali, em tosca simetria com o abrigo do Comando, o depósito de géneros, o posto de rádio, e aqui que ninguém nos ouve, o centro cripto. E o desenho do terreiro, serve de muita coisa, e também de campo de futebol e de parada, completa-se nos intervalos com construções mais ligeiras e desenterradas, dispostas como todas as outras ao longo e do lado de dentro da dupla fiada de arame farpado: é o conjunto do forno do pão e das cozinhas, do gerador e da ferrugem. Fora deste esquema estão o paiol, do lado de fora do alinhamento, mas dentro da rede de arame farpado que ali se alargou um pouco mais e, onde deu mais jeito, os sanitários e cantina. E entre o arame e o topo sul da tabanca, ali mesmo ao pé da porta de armas, o único edifício que, se calhar merece tal nome – a escola. E, para já, é tudo. É tudo, não. Porque deixávamos passar o que no conjunto até é o mais saliente – as quatro torres de vigia, de secção quadrangular, com seus telhados de zinco a quatro águas, sobressaindo, mais ou menos a meio das quatro casernas – abrigos”.

Ali estão, fazem furtivas incursões, as operações de ronco são encargo das forças especiais. Trata-se de uma escrita sem prosápia, um documento que preza, acima de tudo, as revelações do comportamento não embotadas pela dureza da guerra.

Segue-se uma descrição do dia-a-dia, com afazeres, incumbências e estados de espírito, desbobinam-se as pequenas chatices, as idas à água e os reabastecimentos de mês a mês. Depois, a guerra é reveladora do melhor e pior da condição humana, o Moura do 1º Grupo de Combate, um dos tais que viera diretamente de Penamacor, que talvez arrombasse carros ou andasse a furtar recheios, agora deu-lhe para o sentimento, trouxe uma gatinha do Cumeré, fez-lhe uma casota que prantou entre o abrigo e o arame farpado, afaga o bicho com as duas mãos, é nisto que chamam o pelotão que está de serviço interno para ir à pista, do avião saem dois senhores, o comandante de batalhão e o oficial de operações, o assunto que os traz é Tiligi, Queré, Inquida e Choquemone, afinal vão mesmo ao Insumeté, uma península, não rodeada de água por todos os lados menos por um mas que vai dar ao mesmo, se em vez de água pusermos bolanha. Vão com o pelotão de milícias, tudo vai correr nos conformes até à emboscada, infelizmente que não chegou na hora certa o apoio aéreo, andaram por ali a penar. O regresso foi penoso, no fundo uma operação sem história.

Aqueles combatentes são seres humanos, escrevem às namoradas com juras de amor, fala-se mesmo em casamento na situação em que a rapariga ficou grávida. O quartel aprimora-se, a escola funciona, os autóctones não prescindem dos seus festejos, os trabalhos de reordenamento vão de vento em popa. Segue-se uma incursão a Inquida, novo susto. O Moura perdeu a cabeça e quis abater o nosso capitão, tudo se resolveu a bem. O autor disserta sobre os santuários e estas incursões sem proveito nem glória. Dá-se um tremendo acidente, vem de Bissau o comandante-chefe e apostrofa nosso capitão em público. Descobre-se um negócio sórdido em que o pessoal turra do Tiligi, segundo constava, punham minas, que as milícias levantavam, auferindo os prémios. A verdade é que “Os tipos do Tiligi iam levantar os engenhos aos grandes campos de minas de Bula e logo que as tinham com eles, lá arranjavam maneira de fazer chegar tão preciosa informação aos seus conhecidos e provavelmente amigos do lado de cá. Estes, no retorno levavam-lhes metade dos respetivos prémios. Assim seria o trato. Entendeu-se que não havia nada a fazer a não ser acabar com esta mina das minas”.

É uma obra que deliberadamente não anda em permanência à procura dos urros, das fúrias, das emboscadas, das enormes flagelações, de tonitruantes atos heroicos. Não é um livro de guerra condimentado de feitos ou exaltação épica, versa homens na sua condição de combatentes que têm vida própria, estão providos de memória e vivem conjuntamente o mesmo penar, a retaguarda dos combatentes assoma à primeira linha, recorrente, é um caso inédito na especificidade desta literatura. Até porque o capitão sofre com a pesada humilhação pespegada pelo comandante-chefe, sai da companhia, o resto é rememoração, o capitão foi para Bula, aqui o capitão narrador descreve a localidade e é um pouco cruel ao retratar os seus pares. E regressam, fazem o espólio e partem para as origens:

“O Paredes já ali vai. Deixem-no ir também, que está mesmo aflitinho por pegar no pimpolhozinho que ainda avistou de raspão lá fora e por dar um apertado abraço à Amélia, que ainda não chegámos ao tempo de beijos de amor no meio da rua e à frente de toda a gente. Agora vai ali o furriel Antunes; sem pressas, como sempre. Assim que chegar a Mondim, e tal como as coisas por lá estão, com a mãe muito doente e o pai envelhecido e cansado da vida, vai provavelmente começar logo uma outra sobreposição e render o pai na condução da empresa. O alferes Costa também já lá vai. Mas já não é o mesmo. Agora passou e quase que nem nos falou. Seria do ferimento no Insumeté, das operações que teve de fazer – e dizem que estas coisas das anestesias deixam sempre as suas marcas numa pessoa, de coisas que se teriam passado por lá por Tite, quem sabe”.

Uma obra inqualificável, moldada pela ternura e os fios que a amizade tece na tal dureza da guerra.
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 28 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11016: Notas de leitura (453): "A Mulher Portuguesa na Guerra", coordenação do Cor Alberto Reis Soares e "A Pátria ou a Vida" por Gertrudes da Silva (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P11016: Notas de leitura (453): "A Mulher Portuguesa na Guerra", coordenação do Cor Alberto Reis Soares e "A Pátria ou a Vida" por Gertrudes da Silva (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Outubro de 2012:

Queridos amigos,

Creio que a generalidade dos textos incorporados no livro “A mulher portuguesa na guerra” terão sido publicados na revista da Liga dos Combatentes.

Os depoimentos das enfermeiras paraquedistas são muito interessantes, Maria Zulmira André conta como foi buscar um ferido e um oficial paraquedista, responsável pela missão, a informar que não podia de modo algum deixá-lo morrer. Soube mais tarde que se tratava do capitão Peralta, oficial cubano.

“A Pátria ou a Vida”, de Gertrudes da Silva, é um livro emocionante, porque justo, varonil no recorte das figuras que vão dar respiração a tudo quanto se segue, todos convergem para o RI 15, dali abalam para a Guiné.

É reconfortante encontrar tão bons nacos de prosa de que ninguém fala, até apetece tocar o sino e perguntar aos editores porque ignoram documentos de altíssima qualidade.

Um abraço do
Mário


"A mulher portuguesa na guerra"; "A Pátria ou a Vida"

Beja Santos

“A mulher portuguesa na guerra e nas Forças Armadas”, coordenação do coronel Alberto Reis Soares e edição da Liga dos Combatentes, 2008, reúne textos de mulheres que viveram a guerra, acompanhado familiares ou como enfermeiras paraquedistas, as primeiras profissionais na frente de combate. No que toca à Guiné, este livro acolhe textos de um ex-combatente da CCAÇ 1418, José Jesus Cristóvão, e textos das enfermeiras paraquedistas Ivone Reis, Maria Arminda Lopes Pereira dos Santos e Maria Zulmira André.

Escreve José Jesus Cristóvão: “Partindo de Nova Lamego, íamos fazer uma operação a Madina do Boé. Deslocaram-se duas companhias, em viatura até ao Cheche, localidade junto do rio Corubal. A companhia que seguia à frente pisou uma mina e o militar que ia ao lado do condutor apanhou com a explosão em todo o seu lado direito. Já era noite, não foi possível a evacuação por helicóptero, tivemos que recolher num abrigo subterrâneo até ser dia para poder ser evacuado. Muito cedo, logo que foi possível ao heli, ele lá estava para evacuar o nosso camarada. O heli a poisar e já a maca corria (era levada) por dois camaradas nossos. Do heli salta uma enfermeira paraquedista agarrada à mala dos primeiros-socorros. Quando chegou junto do nosso camarada ferido, com a sua ternura feminina dá-lhe um beijo, ou mais do que um, acaricia-o, conforta-o e acompanha-o para dentro do heli… lá fomos atravessando o rio Corubal na precária jangada, em direção a Madina do Boé, tive este pensamento: que tamanha força pode fazer uma mulher na guerra! Ela não deu um beijo só ao meu camarada ferido… também deu um beijo a cada um de nós, que avançávamos!”.

A enfermeira Arminda tem um longo depoimento, intitulado “A minha vivência na Guiné”. Deixa-se o registo de algumas das suas memórias: “Eu tinha sido destacada para uma base de operações em alerta para evacuação urgente de feridos, desenrolava-se na zona de Cantanhêz uma grande operação militar. Numa evacuação o ferido mais grave era um turra, como se chamava na época. Vendo que o sol incidia sobre a sua cabeça, apressei-me a colocar-lhe a minha boina para o proteger, mas os outros feridos africanos indignaram-se porque era bandido. Porém, para nós, enfermeiras paraquedistas, era apenas mais um ferido a necessitar de todo o meu saber e empenhamento”. Descreve outra situação: “O avião foi puxado para junto dos bidões de areia e do arame farpado que protegia a área do quartel, onde o piloto e eu nos refugiámos. Os soldados à nossa volta deitados no chão com armas prontas a fazer fogo, montaram uma frente de proteção. O quartel foi posto às escuras e continuámos à espera dos feridos que nunca mais chegavam. Senti medo, pedi aos soldados que nos defendessem, porque, apesar de ter tido instrução de fogo, a nossa principal arma era a bolsa de primeiros-socorros. Fomos informados que um jipe com feridos estava a chegar. E agora que fazer, com feridos mas sem ordens para voar de noite? O ferido mais grave era um soldado com uma mão esfacelada e em estado de choque. Percebi de imediato que aquele jovem ia morrer se ali ficasse mais tempo, quanto mais se tivéssemos que esperar pelo amanhecer. O piloto e eu falámos sobre o assunto, ambos assumimos que íamos sair dali. Depois colocado a maca do ferido grave, os outros quatro feridos ligeiros foram distribuídos da melhor forma para me permitir um pequeno espaço de manobra. Com auxílio de uma lanterna de bolso, canalizei uma veia e pus o sangue a correr. O piloto deu instruções ao capitão para que o quartel se mantivesse às escuras, as autometralhadoras de proteção foram colocadas na pista no sentido da descolagem para que se acendessem e iluminassem quando o avião começasse a rolar. Dada a máxima força ao motor, o piloto iniciou a saída a acendeu-se um farol que existia no quartel (…) O piloto fez sair o avião numa linha de subida contínua e quando o ruído do motor mudou de som endireitou-o, evitando a copa das altas árvores. No ar, a caminho da nossa base, o fogo inimigo ainda tentou alcançar-nos, tarde de mais. Felizmente o ferido manteve-se vivo e o sangue posto a correr ia estabilizando a sua situação. Tanto o piloto como eu pensávamos que íamos ser castigados, mas tudo acabou em bem. Quanto ao ferido, ajudámos a salvar-lhe a vida”.


“A Pátria ou a Vida”, por Gertrudes da Silva, Palimage Editores, 2005, é uma grande, muito grande surpresa. É dedicada à CCAÇ 2785, que combateu na Guiné entre Setembro de 1970 e Setembro de 1972. É uma escrita escorreita, plausível, apresenta um grupo ilustrativo de atores, dá-lhes dimensão, o leitor navega facilmente pelo seu mundo.

Primeiro, João Benvinda, o mais velho de um ranchinho de 6 irmãos, já foi pastor de cabras e ovelhas, guardador de vacas e bezerros, cavador, mondador e mateiro: “E assim que os irmãos foram chegando à frente, fez-se jornaleiro de enxada, seitoira ou de gadanha nas mãos”. Foi de assalto para França, não resistiu ao chamamento da família, tinha de cumprir os seus deveres com a Pátria. O seu nome é mesmo João da Silva Rodrigues, depois deram-lhe um número mecanográfico. Apresentou-se na incorporação para a recruta no quartel de Viseu. Os seus melhores tempos eram os que passava no pinhal, a correr, a saltar e a rastejar. Seguiu para a cidade do Nabão. O cabo miliciano da sua secção é um gajo implicativo, o aspirante parece ser mais humano e o capitão também não parece ser mau sujeito. Gosta muito da Amélia, meteram-se em cavalarias altas, a rapariga está grávida, o melhor é acelerar as coisas para que ela não passasse pelas normais vergonhas destas irregulares situações.

Segundo, o 1º sargento Cebola, na sua criação passou por tudo, desde pastor a lavrador. Amparado por um tio que era irmão da mãe e guarda-republicano em Bragança, lá conseguiu tirar a 4ª classe nas escolas regimentais e depois a escola de cabos. Pensa com os seus botões que não vai propriamente em funções de combatente. Olha à sua volta e vê os cabos milicianos que são miúdos ainda mal acabados, os aspirantes até sabem-se dar ao respeito e o nosso capitão é outra coisa, mas envolve-se demasiado em tudo.

Terceiro, temos o gingão José Carlos Ribeiro Antunes, felizmente teve um pai com pulso, senão nem o 5º ano teria concluído, transpôs a porta de armas do RI 5, que era o centro de formação de sargentos milicianos, agora está na unidade mobilizadora que é o RI 15. Ofereceu-se para os Comandos e para os Rangers, em ambos os casos foi rejeitado por causa daquela maldita cicatriz que lhe apanhava toda a largura da coxa direita, sinal da parvoíce da queda numa brincadeira tola com uma motorizada.

Quarto, o aspirante Costa, nado e crescido até aos primeiros três anos em Ferreira do Alentejo, vila onde o seu pai teria sido colocado no final do curso de alistados da GNR. Recebeu rigorosa educação que lá em casa se distribuía com muita sopa e batatas cozidas, e pouco pão e menos carne. Andou pelo seminário, descobriu depois que gostava doidamente da Maria do Rosário, chegaram mesmo a um quase vias de facto. Foi depois para Coimbra cursar Direito, viu-se embrulhado no turbilhão da crise de 1969, após sumariamente interrogado e fichado pela PIDE/DGS, foi convocado para o curso de oficiais milicianos. À socapa, aderiu ao PCP. Adaptou-se a Mafra, juntou-se à insubordinação coletiva em reação à morte de dois camaradas num acidente com engenhos explosivos, na praia da Foz do Lizandro.

Dá gosto ler esta prosa sem arrebiques nem embaraços, a prova provada que a ficção não pode ser a realidade voltada do avesso. Segue-se a apresentação do nosso capitão.

(Continua)
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 25 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11001: Notas de leitura (452): Fernando Baginha e o assassinato de Amílcar Cabral (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9208: Agenda cultural (178): Convite para o lançamento do livro Tempos Sem Remissão, de Diamantino Gertrudes da Silva, dia 17 de Dezembro de 2011, pelas 15h30, no Auditório da Escola Superior de Viseu (Rui Alexandrino Ferreira)

1. O nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira (ex-Alf Mil na CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67 e ex-Cap Mil na CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72, actualmente Ten Coronel Reformado), fez chegar ao Blogue o seguinte Convite para assistir ao lançamento do livro "Tempos Sem Remissão" de autoria de Diamantino Gertrudes da Silva, a realizar no Auditório da Escola Superior de Viseu, amanhã, sábado, dia 17 de Dezembro de 2011, pelas 15h30.



2. Conjuntamente recebemos esta carta onde Rui Alexandrino fala, ao que se julga, aos seus camaradas da CCAÇ 1420 e a um convívio a ter lugar também amanhã no Regimento de Infantaria 14 de Viseu.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9191: Agenda cultural (177): Apresentação do romance histórico de Paulo Aido, A Primeira Derrota de Salazar, que teve lugar no dia 1 de Dezembro de 2011 (José martins)

sábado, 1 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3390: Tabanca Grande (95): António Garcia de Matos, ex-Alf Mil da CCAÇ 2790, Bula (1970/72)


António Garcia de Matos
ex-Alf Mil
CCAÇ 2790
Bula
1970/72

1. Mensagem do nosso camarada António Matos, com data de 1 de Novembro de 2008:

É um verdadeiro turbilhão de recordações de imagens ...
do embarque em Ponta Delgada no Carvalho Araújo,
da viagem, mares fora, e do cerco do nosso barco por uma miríade ameaçadora de outras embarcações, mar alto, e o aparecimento dum submarino a estibordo, da chegada a Cabo Verde para reabastecimento de água,
da chegada a Bissau,
do cais do Pijiguiti,
do calor daquela noite em que desertei do Carvalho Araújo e fui, a bordo dum bote, para um café andar à volta duma ventoinha de tecto e beber ceveja enquanto destilava suor por quantos poros tinha,
da ida para o Cumeré a fim de fazermos o IAO,
de grandes ocasiões (na pequenez do sentimento individual),
de pequenos nadas,
de camaradas precocemente desaparecidos,
de outros a quem a morte poupou ainda que lhes tivesse arrancado partes do seu corpo,
das gentes,
dos locais,
dos mosquitos,
das tabancas,
do mato,
das minas,
dos combates,
das ganas de viver,
das horas da distribuição do correio,
da imagem do avião da TAP a levantar voo quando me encontrava algures entre o Choquemone e Ponta Matar e sonhava com o regresso,
da noite do ataque de mísseis a Bula,
das tempestades tropicais,
da Nave dos Loucos,
da aterragem do heli do General Spínola após um ataque ao meu destacamento em Augusto Barros,
do Capitão Sucena,
do Capitão Gertrudes da Silva,
do Batalhão 2928 humoristicamente apelidado de batalhoa devido ao seu conselho de administração constituído por um Coronel e dois Tenentes-Coronéis,
do ataque de abelhas ao quartel de Bula,
da núvem também de abelhas que sobrevoaram a malta que comigo estava na montagem do campo de minas e de onde uma delas desalvorou em voo picado saindo da sua formação e aterrou dentro da bota do Luís Sampaio Faria que, entretanto, conseguiu resistir à tentação de lhe mandar um soco demolidor mas que traria, concerteza, a vingança do enxame que se mantinha em sonoro e ameaçador voo sobre as nossas cabeças,
do rebentamento de minas ali ao nosso lado e que nos davam a incerteza de termos sido nós próprios os acidentados,
da desmontagem daquelas minas,
de duas ocasiões em que, na neutralização dessas minas, a cavilha de segurança não aguentou o disparo do precutor tendo nós sobrevivido devido ao estado de destruição que o tempo provocou naqueles objectos,
da trágica recordação dos relatos da emboscada sofrida pelo meu grupo de combate na estrada Bula-S.Vicente,
da protecção à Engenharia na construção da estrada Bula-Binar,
e de tantas outras coisas que o tempo não faz esquecer mas que a geração dos nossos filhos (para não falar da dos nossos netos) necessita de ter plena consciência para compreender este discurso das liberdades e o valor que as mesmas têm para quem viveu do outro lado da cortina...

Eu fui Alferes Miliciano.
António Garcia de Matos, Guiné, Setembro de 1970 a Setembro de 1972 na CCaç 2790 que ostentou o lema In Hoc Signo Vinces!

Os sinais dos tempos vão-se notando e as fotos aí estão para nos trazer à realidade!
Aqui vos deixo (em anexo) a evolução implacável, ainda que prazenteira, da imagem deste vosso camarada de armas.

António Matos
Amadora, 01 de Novembro de 2008




Esta foto não trazia legenda, pelo que se deduz estar representado nela o nosso camarada Matos numa operação de neutralização de uma mina IN

2. Comentário de CV

Caro António Matos
Entra, acomoda-te e começa a conhecer os cantos da casa.

Tiveste uma atitude rara nos camaradas que querem pertencer à nossa Tabanca Grande. Apresentaste-te com malas e bagagens e nem pediste licença para entrar. Como se dizia nos tempos dos louvores, tiveste uma atitude exemplar e deve ser seguida por todos os teus camaradas, nesta caso os que ainda não se apresentaram para colaborar connosco. Sabemos que há imensos companheiros que por acanhamento, preguiça, por julgarem que não percebem destas coisas de informática, etc. adiam a sua apresentação. Alguns até me dizem que não têm nada para contar. Como se alguém acredite nisso. Todos nós tivemos as nossas experiências negativas e positivas, momentos de glória ou embaraço, momentos alegres e de profunda tristeza, saudades sem fim dos familiares e amigos, vida adiada nos estudos e na profissão, tanto que é só começar a passar para o papel e pedir às gerações mais novas para passar ao computador, caso não se esteja à vontade com estas máquinas infernais.

Reparei que tens as tuas recordações devidamente catalogadas. Queiras tu mandá-las via mail para nós e vê-las-ás publicadas no nosso Blogue. Teus filhos e netos poderão ficar a saber aquilo que provavelmente nunca lhes contaste, porque achavas que eles não estariam na tua onda. É verdade, camarada, só nós os ex-combatentes nos compreendemos. Ao mesmo tempo que farás, quiçá, uma catarse, deixarás para os vindouros um testemunho real e pessoal, muito mais importante do que aquilo que qualquer jornalista escreve em livro, depois de andar por aqui e por ali às vozes.

Toda a Tabanca Grande te envia um abraço de boas-vindas.
CV
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Nota de CV

Vd. último poste da série de 31 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3388: Tabanca Grande (94): Luís Sampaio Faria, ex-Fur Mil da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto (1970/72)

sábado, 15 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2646: A Guiné, a Guerra Colonial e o 25 de Abril. Comentários e Nota do Coronel Gertrudes da Silva (Virgínio Briote)

Apresentação do Diário da Guiné, Na Terra dos Soncó, na Sociedade de Geografia de Lisboa. Mário Beja Santos, Jorge Cabral, Henrique Matos e Joaquim Mexia Alves, Comandantes do Pel Caç Nativos 52.

Foto: © Mário Fitas (2008) . Direitos reservados.

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A nossa História recente em debate, sem outra precaução que não seja o respeito pela opinião do outro.
Destaques da responsabilidade de vb.
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A Guiné, a Guerra Colonial e o 25 de Abril de 1974

Comentários ao artigo publicado pelo Coronel D. Gertrudes da Silva

1. de Henrique Matos:

Porque será que se omite que o movimento dos capitães tem a sua génese na contestação dos oficiais do quadro permanente ao diploma - DL 353/73 - que colocava oficiais milicianos no posto de capitão sem passar pela Academia.

2. de Joaquim Mexia Alves

A visão aqui expressa da guerra do ultramar/colonial/África, é uma visão um pouco pessoal e em certos pontos não retrata a realidade. Basta dizer, por exemplo, que ao afirmar que em Angola, também pelo facto de ali lutarem contra nós e por vezes entre si três movimentos de libertação, a situação apresentava um certo equilíbrio, se está completamente fora da realidade.

Em Angola a guerra só muito esporádicamente e por conta da UNITA, tinha alguma actividade.

3. Nota do Coronel D. Gertrudes da Silva ao comentário do Henrique Matos, enviada ao co-editor:

Mando-lhe isto a si.
Faça-lhe o que entender, mas eu tinha que reagir.
Mas não estou zangado, não.

Um abraço.

O João Parreira e o Artur Conceição, do BArt 733 (Mansoa, Bissorã, Farim, Cuntima, Jumbembem, Canjambari...), em primeiro plano na cerimónia de apresentação do Diário da Guiné, do M. Beja Santos. Na 2ª fila, o Coronel D. Gertrudes da Silva (sorridente).
Foto: © Mário Fitas (2008). Direitos reservados.

A UM ANÓNIMO

Se não se apresentasse sem dizer o nome, já que mais não fosse por razões de pertença, dirigir-me-ia a si como caro ou até como amigo ou camarada (da tropa, naturalmente). Mas aí vai.

Eu não omiti nada no escrito (*) que alguém com esse direito tratou de publicar no, já agora, nosso blogue. Não me propunha aí falar propriamente do 25 de Abril, e tão só no enquadramento desse facto (marco) histórico no contexto da Guerra Colonial.
Aliás, se se desse (ou der) ao cuidado – pode não ter tempo … ou disposição – de ler o que muitos militares que participaram no 25 de Abril escreveram sobre esse incontornável evento da história contemporânea portuguesa, se tivesse esse cuidado, prazer ou maçada, veria que nunca omitem esse determinante facto dos decretos.

Só a título de exemplo, e por de memória os ter aqui mais à mão, convido-o a passar uma vista de olhos por qualquer um dos seguintes escritos publicados:

- “Origens e Evolução do Movimento dos Capitães”, de Dinis de Almeida;
- “Alvorada em Abril”, de Otelo Saraiva de Carvalho;
(Para se conhecer tem de se ler de tudo …)
- “História Contemporânea de Portugal”, (vários), Vol. II.


E, já agora, e passe a publicidade, o livrito do autor destas pouco cuidadas linhas com “Quatro Estações em Abril” de nome de baptismo.
Porque isto não é três ou quatro mânfios, desculpe-me a expressão, marcarem um encontro no café da esquina, trocarem para ali uns blá-blá e pronto, vamos fazer um 25 de Abril.


O Capitão Gertrudes da Silva, Cmdt da CÇAÇ 2781. (Guiné, 1970/72).
Foto: © Gertrudes da Silva. Direitos reservados.

É claro que a questão dos decretos é muito importante e até determinante porque, por boas ou menos boas razões, marca o arranque do “Movimento dos Capitães”, porque levou os capitães a juntarem-se e falarem, assim uma coisa, mal comparada, com o que agora leva à rua os professores.

Diga-se ainda que o protesto dos capitães (do quadro) não era contra os capitães milicianos, mas tão só contra o Governo que pretendia resolver os engulhos em que se metera com a teimosia da Guerra Colonial, a tal “Magna Questão”, à custa dos capitães.
E também lhe posso dizer que para além do grosso das tropas, que era constituído por praças, das centenas de cabos, furriéis, sargentos, aspirantes e subalternos milicianos, também os tais capitães (milicianos) acabaram por tomar parte no Movimento Militar do 25 de Abril.


A mim, por exemplo, competia-me comandar o Agrupamento November que integrava tropas de Viseu, Guarda, Aveiro, Figueira da Foz e um grupo de capitães de Águeda. Pois, olhe, depois de abordarmos o Forte-Prisão de Peniche e continuarmos, não em direcção de Fulacunda mas de Lisboa, ficou a tomar conta daquela fortaleza uma Companhia de Atiradores reforçada com peças de artilharia comandada por um desses capitães milicianos.
Não, não é gente chegar aqui e vamos fazer um 25 de Abril, não.
Quando o capitão Vasco Lourenço e mais alguns camaradas andavam por aí a recolher as assinaturas para o telegrama a enviar ao Congresso dos Combatentes, ainda não se tratava de decretos e não tinha de certeza em mente o 25 de Abril.
Quando uns meses mais tarde, em 09Set73 cerca de centena e meia de capitães se juntaram num monte alentejano nas proximidades de Évora para discutirem as formas de atalharem às consequências dos ditos decretos, o que dali saiu foi um requerimento por todos assinado, em que veementemente protestavam junto do Governo da Nação.

Ainda muita coisa se viria a passar, muita reunião, até à que foi realizada em S. João do Estoril, em 24Nov73, em que por impulso do Sr. Ten. Coronel Ataíde Banazol, que estava para embarcar com um Batalhão (e embarcou), o Movimento resolveu avançar para o projecto de derrubar o Regime através de uma acção militar.

Por fim, que se diga aqui também que não foi por medo que estes capitães enveredaram por este radical caminho.
Ninguém poderá negar – discordar, sim – que os que naquela noite saíram das suas casas corriam grandes perigos. Medo, nos lugares, nos momentos e em tempo de medos, todos nós tínhamos. O que era decisivo, disso todos nós sabemos, não era a questão de ter ou não ter medo, mas de se ser ou não capaz de o superar.

Depois do 25 de Abril, os capitães a quem competia por escala continuaram a ser mobilizados, alguns deles para viverem bem piores momentos do que os que já antes tinham suportado em plena Guerra Colonial.

E não me levem a mal por vir para aqui defender com alguma paixão a minha dama.
Viseu,14 de Março de 2008
Gertrudes da Silva
Cor.Ref.


(*) Texto para intervenção no encontro do Blog “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, que teve lugar em Lisboa, em 06Mar2008.
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Nota de vb: ver artigo de

13 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2632: Coronel Gertrudes da Silva: A Guiné, a guerra colonial e o 25 de Abril (Virgínio Briote)

quinta-feira, 13 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2632: Coronel Gertrudes da Silva: A Guiné, a guerra colonial e o 25 de Abril (Virgínio Briote)



Guiné-Bissau > Bissau > Fortaleza da Amura > 7 de Março de 2008 > Um lugar repleto de história e de histórias... Visita no âmbito do Simpósio Internacional de Guiledje. Na foto, o Coronel Carlos Matos Gomes, na situação de reforma, um homem do MFA da Guiné e um celebrado autor de romances de guerra como Nó Cego, Soldadó ou Fala-me de África (sob o pseudónimo literário de Carlos Vale Ferraz); a seu lado, o o catalão Josep Sánchez Cervelló, professor universitário, em Tarragona, especialista em história sobre o 25 de Abril e a descolonização portuguesa... Por detrás, o edifício, em ruína, da antiga 2ª Rep do Comando-Chefe, a famosa Rep Apsico, onde trabalhou Otelo Saraiva de Carvalho e Ramalho Eanes. Matos Gomes, na altura capitão dos comandos, foi um dos protagonistas do 25 de Abril neste palco da história... Na Amura repousam os restos mortais de Amílcar Cabral e de outros heróis da pátria guineense, como Osvaldo Vieira, Domingos Ramos, Tina Silá, Pansau Na Isna, etc., a qume nesse dia prestámos homenagem (LG).

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

Texto base da intervenção do Coronel Diamantino Gertrudes da Silva na apresentação do Diário da Guiné, do Mário Beja Santos.

O Coronel D. Gertrudes da Silva, ele próprio escritor de crónicas de Guerra, teve a ambilidade e deu-nos o gosto não só de estar presente mas também de responder à solicitação que lhe foi feita para enquadrar a Guerra da Guiné no contexto da Guerra Colonial.

vb
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A Guiné no Contexto da Guerra colonial e do Regime do Estado Novo (*)

1. Notas Prévias

Antes de falar propriamente no assunto que aqui nos traz interessa, talvez, avançar com algumas notas prévias relativas ao próprio título e aos pressupostos de que parte o autor destas linhas.


Vamos falar de guerra, no caso, a da Guiné, guerra que aqui é tomada no sentido próprio de um conflito armado entre dois contendores com interesses antagónicos, cada um deles pugnando para derrotar o outro ou para quebrar a sua vontade de continuar a combater.
Que esta era uma guerra singular, sim, isso era, não convencional, dizem, insurreccional e subversiva para uns, de libertação e patriótica para outros, diferente do entendimento do Regime de então que em vez de guerra teimava em afirmar que era um conflito interno, portanto, uma questão de ordem pública que não tinha de se conformar, nomeadamente, com a Convenção de Genebra sobre o tratamento devido aos prisioneiros de guerra.

Guerra … colonial. E aqui está outra coisa que convém esclarecer, até porque há pessoas que quase instintivamente se abespinham quando ouvem alguém a referir-se à nossa guerra em África como “guerra colonial”. Acham que não – e estão no seu direito –, que nós nunca fomos colonizadores, que não tínhamos colónias, que Portugal era um caso muito especial, que organizado em províncias se estendia do Minho a Timor. Esquecem-se essas pessoas que como na questão da natureza da guerra, também na das colónias versus províncias havia da parte do Regime uma descarada manipulação. Se não vejamos:
Para não irmos lá mais atrás, reza o Artº. 3º do Acto Colonial de 1930 que “Os domínios ultramarinos (porque ultramarinos eram, já se vê) de Portugal denominam-se colónias e constituem o Império Colonial Português” (parênteses e itálico nosso).

Em 1938 era emitido nas oito colónias portuguesas de então um conjunto importante de selos que tinham impressas as palavras “Império Colonial Português”. A Nação pluri-racial e pluri-continental ficaria lá mais para tarde.


Que foi o que veio a acontecer no início da década de cinquenta, quando a comunidade internacional começou a apertar connosco, mormente nos pelouros da ONU. Nada que atrapalhasse o Regime que, de pronto, resolveu a questão passando a designação dos territórios de além-mar de colónias para províncias ultramarinas, designação que, por teimosia e depois por inércia se manteve até 1975.

Se tivermos que nos pegar (na discussão, claro), que não seja por aqui. Que tão simples já não será a questão que vem a seguir, a própria designação do Regime de então, que uns teimam em chamar fascista e outros de Estado Novo, estes últimos com o argumento de que não era comparável nem ao regime instaurado em Itália por Benito Mussolini e muito menos ao implementado na Alemanha por Adolfo Hitler.


O nosso (e digo nosso de propósito) não seria uma coisa nem outra. Seria para aqui uma coisinha, como todas as nossas coisas, terminadas em inho e inha, pobres de nós, que somos uns coitadinhos.

É certo que ao contrário dos outros dois aqui referidos o regime de Salazar e Caetano nunca se reclamou de fascista ou de nazi, reservando para si o nome com que António Ferro, em 1934, categórica e enfaticamente o designa no “Decálogo do Estado Nono”. Novo, porque assume e reclama a ruptura com o anterior feita pela Revolução de 1926.

Por mim, com mais inho menos inho, o regime derrubado em 25 de Abril de 1974 tinha e assumia muitas das características tanto do nazismo como do fascismo. Entendimento meu, claro, que, como tudo o que da minha parte aqui for dito, deve ser entendido como uma opinião pessoal, portanto, sem relevância política ou pretensões científicas.

E, já agora, que nunca das minhas palavras se infira que aqui se ponha em causa a justeza da nossa participação na Guerra Colonial … ou do Ultramar, para os mais resistentes e convictos, que não será por aí …

Profissionais ou não, voluntários ou obrigados, nós, os militares, cumprimos a parte que nos cabia, que era a de dar tempo e margem de manobra aos políticos para que resolvessem a Questão Colonial.

De resto, como dizia o mestre Kierkgaard, “A vida só pode ser vivida para a frente e explicada para trás”. E agora, sim, vamos a isto.

2. A Descolonização

Pois vamos começar mesmo por aqui. Porque a Guerra da Guiné só poderá ser entendida no contexto da Guerra Colonial, e esta no âmbito de factores históricos de natureza mais ampla, como é o caso da descolonização, que pressupõe, obviamente, um outro anterior a este, e que na história ficou arquivado com o título de “colonização” na lombada.

Pois a descolonização, para não irmos lá mais atrás, já tinha levado à formação dos EUA na segunda metade do século XVIII, alastrando depois a outras partes da América por todo o século XIX. E foi nos finais deste século e princípios do século XX que por circunstâncias que não dá para aqui tratar que se verificou uma notável corrida para a ocupação e reivindicação de domínios coloniais, nomeadamente por parte da Inglaterra, da França e também da Alemanha.

Portugal, nessa altura, enfraquecido pelas lutas liberais, perdeu em parte essa corrida, como se veio a verificar na Conferência de Berlim (1884/85), onde as potências europeias procuraram regular as questões decorrentes do assalto colonizador ao Continente Africano.

Mas as coisas não ficaram bem e aí vinha a 1ª Guerra Mundial (1914-18) que entre outras coisas visava, da parte de quem a fomentou e desencadeou, uma nova partilha das possessões coloniais. E todos sabemos que dela saíram derrotados os Impérios Alemão, Austro-Húngaro e Turco-Otomano. No final, a Alemanha, para além das condições humilhantes que lhe foram impostas, viu-se privada das suas possessões coloniais que passaram a protectorados sob administração de potências vencedoras, enquanto os outros dois impérios pura e simplesmente se dissolveram.

As condições em que se verificaram as dissoluções destes impérios e a emergência dos protectorados, vão explicar muito do que veio a seguir e, até, muito do que ainda hoje se passa, nomeadamente nos Balcãs e no Médio Oriente.

Seja como for, alguém ficou com umas tantas coisas encravadas na garganta e, na primeira oportunidade, aí estava a 2ª Grande Guerra Mundial (1939-45), guerra em que, em boa verdade, todos perderam, com excepção dos EUA que, vacinados com a Guerra de Secessão, assentaram que, a entrar em guerras, então que fosse na terra dos outros, o que neste caso os levou, no fim, a afirmarem-se como uma grande potência mundial. E assim se entende que de tão depauperadas as potências coloniais europeias, com mais ou menos resistência ou relutância, começassem a abrir mão de grande parte dos seus domínios coloniais.

Só para se ficar com uma ideia do vertiginoso movimento independentista que se segue, e só no que ao Continente Africano diz respeito, aí ficam alguns dados:

1947 – Independência da Libéria
1956 – Sudão
1957 – Gana
1958 – Guiné-Conakry
1960 – Benim – Camarões – Chade – Congo-Brazzaville – Costa do Marfim – Gabão – Madagáscar – Mali – Mauritânia – Níger– Rep. Centro/Africana – Congo Zaire – Senegal – Somália – Togo.
1961 – Serra Leoa – Tanzânia e início da Guerra em Angola
1962 – Argélia – Burundi – Ruanda
1963 – Quénia e início da Guerra na Guiné
1964 – Malawi – Zâmbia e início da Guerra em Moçambique (…)

Em Portugal, orgulhosamente sós, resistimos aos ventos de mudança, representando teimosamente a nossa comédia, pela Guerra Colonial transformada em tragédia, sob o pano de fundo da Guerra-Fria. Guerra-Fria que nos finais dos anos sessenta, princípios da década de setenta – atenção que vem aí o 25 de Abril – apresentava sinais contraditórios, uns de mudança outros de consolidação de um certo statuo quo.

Recordemos aqui, então só alguns desses sinais: Maio 68; Primavera de Praga (68); Conferência de Helsínquia (70) …); Conferência de Paris s/ Guerra do Vietname (68/74); Caso Watergate (72/74); Golpe de Pinochet (11 Set 73) e, por fim, como a culminar, a Guerra do Yom Kippur (73/74) que carregava no seu bojo a famosa Crise do Petróleo, que em três meses vê o seu preço ser multiplicado por quatro, interrompendo, de forma súbita e trágica aquilo que os economistas designam pelos trinta anos gloriosos de crescimento das economias ditas ocidentais a partir do rescaldo da 2ª GG.

3. A Guerra Colonial na Guiné

Mas deixemos lá, por agora, as potências ocidentais a debaterem-se com os problemas da Crise do Petróleo e regressemos à nossa Guerra Colonial e, no âmbito desta, que todos sabemos que se estendeu a três frentes (sem contar com a da retaguarda), à Guerra da Guiné, que se considera “oficialmente” iniciada com o ataque ao Quartel de Tite em 23 de Janeiro de 1963, seguido logo depois pela captura dos navios Mirandela e Arouca em 1 de Março do mesmo ano na região de Cacine.

E, mais do que a narrativa do que a partir daí foi acontecendo, terá maior interesse apontar alguns aspectos que caracterizam o que de específico teve a Guerra da Guiné no conjunto das três frentes da Guerra Colonial.

Comecemos, então, pelo que ela tem de comum com as outras duas:
- A guerra é conduzida nas três frentes por organizações que se reclamam do estatuto de “movimentos de libertação”.
- Todos eles beneficiam, como não poderia deixar de ser, de refúgio e apoios no exterior.
- Todos reclamam como finalidade a independência total.
- Com excepção da UPA/FNLA, marcadamente apoiada pelos EUA, todos os outros movimentos recebiam apoios, de entre outros, dos países do bloco socialista.

Depois vêm as diferenças que, como veremos, são muitas:


- Enquanto em Angola se nos opõem três movimentos de libertação, tanto na Guiné como em Moçambique, só há um movimento em luta contra as tropas portuguesas.


- Já no que respeita a vizinhanças – e aqui pensamos em refúgios e apoios –, nos casos de Angola e de Moçambique há países vizinhos amigos e inimigos de cada uma das partes em conflito, enquanto que na Guiné, tirando o Atlântico que vamos considerar neutro, as vizinhanças – Senegal e Guiné Conakry – são tudo do mesmo, ou seja, amigos do PAIGC e adversos a Portugal.


- Numa outra perspectiva, enquanto que em Angola e Moçambique no fulgor da Guerra Colonial ainda é possível distinguir um Norte (em guerra) e um Sul (poupado), na Guiné nem Norte nem Sul, é tudo mais ou menos por igual.


- No que respeita especificamente aos “movimentos de libertação”, em Angola opunham-se-nos a UPA/FNLA, o MPLA e a UNITA, liderados, respectivamente por Holden Roberto, Agostinho Neto e Jonas Savimbi; em Moçambique era a FRELIMO, primeiro liderada por Eduardo Mondlane e depois por Samora Machel; na Guiné era o PAIGC liderado por Amílcar Cabral, morto ainda não se sabe bem por quem antes de almejar a independência da Guiné e Cabo Verde, que era esse o objectivo final da sua luta.


- Quanto a recursos, então, as diferenças são quase abissais, o que, não explicando tudo, explica quase tudo o que se estava e depois viria a passar. Angola era uma terra de promissão com os diamantes, o petróleo e tudo o mais que aqui não dá para especificar; Moçambique, ainda assim, lá se ia safando com o chá, o caju e, principalmente, os direitos de transportes logísticos dos países vizinhos do interior.

A Guiné, valha-nos Deus, não tinha quase nada: um pouco de arroz nas imensas bolanhas e uns restos da cultura de mancarra que lá ia sobrevivendo ao esgotamento de terras, já de si tão fracas, fomentado pela acção monopolista da Casa Gouveia.

Angola, das três, era assim justamente considerada a jóia da coroa, expressão que sugere o Império, aquele, que era o Quinto, imaginado e arquitectado pelo Padre António Vieira a seguir à Restauração e mais recentemente retomado pelo Prof. Agostinho da Silva, tudo inspiração no famoso sonho de Nabucodonosor decifrado pelo Profeta Daniel, isto só por mera curiosidade.

Mas voltemos à Terra e às terras da Guiné para concluir que, das três, ela constituía o elo mais fraco, onde, portanto, e logicamente, o esforço de guerra era natural que fosse mais forte. E, para além desta circunstancial singularidade, o líder e dirigente do PAIGC, Amílcar Cabral, era de todos os outros dirigentes que se nos opunham o mais prestigiado e em alguns casos, até, representante e porta-voz do conjunto dos restantes, nomeadamente dos que com o PAIGC eram alinhados, concretamente, o MPLA e a FRELIMO.

4. A Guerra Colonial e o Regime

Já alguém disse, e suponho que acertadamente, que se não fosse a Guerra Colonial muito provavelmente não teria havido nenhum 25 de Abril. Vamos ver.

Em 1968 o país é surpreendido com a queda de Salazar, primeiro da cadeira da biblioteca e depois da do poder. É substituído na governação por um delfim do Regime, o Prof. Marcelo Caetano, que ensaiou e deixou passar a ideia de uma “Primavera” política que viria aí.

Pois, por muito boas intenções que tivesse o Professor, uma coisa havia de que ele bem cedo se apercebeu, e que o amarrava de pés e mãos – a Questão Colonial.


A Questão Colonial era, de facto, nessa difícil encruzilhada, a “Magna Questão” do Regime. E de tal maneira estas duas coisas – Guerra Colonial e Regime – estavam tão intimamente intrincadas, que era bom de ver que quando caísse uma, a outra ruiria logo atrás. Felizmente, diga-se, desde já, que com o 25 de Abril caiu primeiro o Regime, pois doutro modo tudo seria ainda muito mais complicado e dramático.

Entretanto, o cerco vai-se apertando cada vez mais com o agravamento da situação militar e as sucessivas resoluções da ONU num tenaz esforço, na altura liderado pelos EUA.


No terreno, e situemo-nos já nas imediações de 1974, a situação militar se, em Angola, também pelo facto de ali lutarem contra nós e por vezes entre si três movimentos de libertação, a situação apresentava um certo equilíbrio, pior, bem pior estava no Norte de Moçambique e praticamente insustentável na Guiné.

5. A Caminho do Fim

No elo mais fraco da Guerra Colonial que nós já vimos ser a Guiné, a partir do ano de 1972 tudo se precipitou. Esgotada a solução “Por Uma Guiné Melhor”, a ilusão da “Paz Podre” com a tragédia da “Morte dos Majores”, a degradação da situação militar entrou numa fase quase vertiginosa e sem solução que se descortinasse.

Já em Maio de 1972, após negociações secretas com Leopoldo Shengor, o General Spínola, em carta enviada a Marcelo Caetano escreve a dado passo: Em resumo, creio não haver grande controvérsia quanto à opinião de que não ganharemos esta guerra pela força das armas … E, sendo assim, apenas se nos apresentam duas alternativas como resposta à oportunidade que nos foi oferecida: ou uma viragem da ordem política ou uma prolongada e inútil agonia.

Em resposta, feita de viva voz, Marcelo Caetano, por cegueira ou por que outra coisa não podia fazer, tanto não deu acolhimento às propostas do General, como admitia com obscena naturalidade a hipótese da derrota militar, o que parece claro no excerto que se segue e onde a “Magna Questão” nos aparece aqui bem nua e crua:

Observei ao general que por muito grande que fosse o seu prestígio na Guiné – e eu sabia que era enorme – ao sentar-se à mesa das negociações com Amílcar Cabral ele não teria na frente um banal chefe guerrilheiro, e sim o homem que representava todo o movimento anti-português apoiado pelas Nações Unidas, pela Organização da Unidade Africana, pela imprensa do mundo inteiro. Assim, ia-se reconhecer oficialmente o Partido que ele chefiava como sendo uma força beligerante e reconhecia-se mais, que essa força possuía importante domínio territorial, uma vez que aceitávamos negociar com ela um armistício (ou cessar-fogo) como preliminar de um acordo. (…)

A dificuldade do problema da Guiné estava nisto: em fazer parte de um problema global mais amplo, que tinha de ser considerado e conduzido como um todo, mantendo a coerência dos princípios jurídicos e da política que se adoptasse.

E foi aqui que, no decurso da conversa, fiz a afirmação chocante para a sensibilidade do general, dizendo mais ou menos isto:

- Para a defesa global do Ultramar é preferível sair da Guiné por uma derrota militar com honra do que por um acordo negociado com os terroristas, abrindo o caminho a outras negociações.


- Pois V. Ex.ª preferia uma derrota militar na Guiné? – exclamou escandalizado o general.
- Os exércitos fizeram-se e devem lutar para vencer, mas não é forçoso que vençam. Se o exército português for derrotado na Guiné depois de ter combatido dentro das suas possibilidades, essa derrota deixar-nos-ia intactas as possibilidades jurídico-políticas de continuar a defender o resto do Ultramar. É isso que eu quero dizer.
” (sublinhados nossos).

E o General, perante a evidente reedição do pesadelo do estigma do “Caso da Índia” não aguentou e o sentimento de inconformismo mais se acentuou, sendo este, talvez, um dos factores mais determinantes do Movimento Militar do 25 de Abril.

De degrau em degrau, em Março de 1973 vêm os mísseis terra-ar e com eles o comprometimento do apoio aéreo às nossas tropas, tanto em aviões como em helicópteros e uma grande ofensiva – assim como uma mini-ofensiva do Tet à nossa escala – das forças do PAIGC, que culminou nos mais conhecidos casos de Guidage e de Guileje e anunciava o desastre com que os militares não se conformavam, mas que estava dentro dos planos do Regime, como vimos mais atrás. Regime que, decisivamente, tinha entrado num caminho sem retorno. Em desespero de causa, ainda tentou fazer reverter a seu favor o denodado esforço de guerra dos militares, promovendo e apoiando o famigerado “Congresso dos Combatentes” em Julho de 1973.

Mal imaginavam os senhores do Regime, que nessa mesma altura começava efectivamente aquilo que veio a ser o “Movimento dos Capitães”, com alguns militares na rua – e lembro aqui o Coronel Vasco Lourenço – a recolher assinaturas dos seus pares com vista ao envio de um telegrama de repúdio daquele congresso que veio a ter o seguinte teor:

“Cerca de quatro centenas de militares dos quadros permanentes e combatentes do Ultramar com várias comissões de serviço, certos de interpretarem o sentir de outras centenas de camaradas que, por motivo de circunstâncias múltiplas, ignoram verdadeiramente o Congresso, desejam informar V. Exas. e esclarecer a Nação do seguinte:


1. Não aceitam outros valores nem defendem outros interesses que não sejam os da Nação.


2. Não reconhecem aos organizadores do I Congresso dos Combatentes do Ultramar e, portanto, ao próprio Congresso, a necessária representatividade.


3. Não participando nos trabalhos do Congresso, não admitem que pela sua não participação sejam definidas posições ou atitudes que possam ser imputadas à generalidade dos combatentes.


4. Por todas as razões formuladas se consideram e declaram totalmente alheios às conclusões do Congresso, independentemente do seu conteúdo ou da sua expressão.
Subscrevem o presente telegrama, em representação simbólica das quatro centenas de militares referidos, dois militares que publicamente e por diversas vezes a Nação Portuguesa consagrou:


Capitão-tenente Alberto Rebordão de Brito (oficial da Ordem Militar da Torre e Espada, Valor, Lealdade e Mérito; Medalha de Prata de Valor Militar com palma; Cruz de guerra de 1ª classe); 1.º Sargento graduado em alferes Marcelino da Mata (cavaleiro da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito; Cruz de Guerra de 1.ª classe; Cruz de Guerra de 2.ª classe).


Solicita-se que ao presente telegrama seja dada publicidade igual à utilizada para as conclusões do Congresso.”


O esforço das Forças Armadas – e não só do exército, como parece confundir Marcelo Caetano – vai continuar, mesmo depois da proclamação unilateral da independência feita pelo PAIGC nas matas de Madina do Boé em 24 de Setembro de 1973, logo reconhecida por mais de 80 países.


O fim da Guiné enquanto colónia portuguesa parecia inevitável e próximo. Já em desespero, em 25 de Março de 1974 Marcelo Caetano aceita o envio de um emissário secreto que em Londres e num apartamento facultado pelo governo de Sua Majestade se vai encontrar com uma delegação do PAIGC chefiada por Victor Saúde Maria com vista a negociar as condições da independência da Guiné. As coisas ficaram encaminhadas. Só que entretanto ocorreu o 25 de Abril.



Academia Militar, 1963, Amadora. Cadetes do Curso do Cor Gertrudes da Silva.
Foto: © V. Briote. Direitos reservados.

Com um Regime orgulhosamente só (lá fora e cá dentro), com 40% do Orçamento afectado aos encargos da defesa, com milhares de mortos, milhares de feridos e muitos estropiados, com um esforço militar cinco vezes maior, em termos proporcionais ao dos EUA no Vietname, com a sangria das melhores energias da Nação na Guerra Colonial e na emigração, com a privação de todas as mais elementares liberdades, com um povo profundamente triste por tanta ausência e tanta perda era absolutamente necessária e, mesmo, inevitável qualquer coisa como foi o 25 de Abril, levado a cabo pelos militares, porventura porque sentiam melhor que ninguém a inutilidade da tragédia da Guerra Colonial, porque lhe preparavam uma saída ultrajante como a da Índia, porque talvez só eles estariam em efectivas condições de o fazer.


Viseu, 8 de Março de 2008
Gertrudes da Silva
Cor Ref

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(*) Texto para intervenção no encontro do Blogue “Luís Graça & Camaradas da
Guiné”, que teve lugar em Lisboa, em 06Mar2008.



1 António de Spínola, “País sem Rumo, pag. 29/31
2 Vários, “História Contemporânea de Portugal”, Vol. II, pag. 232.
3 “Hist. Contemp. de Portugal”, Vol. II, pag. 257.
4 Orlando Raimundo, “ A Última Dama do Estado Novo”, Temas e Debates, pag.117/118.

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Nota de vb:

O Coronel Diamantino Gertrudes da Silva foi admitido na Academia Militar em Outubro de 1962. Nº 1 do Curso de Infantaria, com o posto de Alferes foi mobilizado para Angola (região de Bessa Monteiro), integrado na CCaç 1642.


Em 1970, comandou a CÇAÇ 2781 na Guiné, que esteve destacada em Bissum, permanecendo no território até 1972, data em que a Companhia regressou à Metrópole. Colocado nesse ano em Viseu, no RI 14, aí permaneceu até à véspera do 25 de Abril de 1974. À frente das tropas que conseguiu reunir, deslocou-se para Lisboa e Peniche onde teve acção preponderante no desenrolar dos acontecimentos que se seguiram ao movimento militar.

Tem publicadas as obras:

Quatro Estações em Abril
Autor: Gertrudes da Silva
Colecção Imagens de Hoje
Género: crónica/romance
Ano: 2007
Páginas: 312
P.V.P.: € 18.90


A personagem que, na trilogia que aqui se completa, nos vai abrindo o caminho e guiando os nossos passos, por uma só vez revela a sua inteira identidade e, mesmo assim, não o faz de moto próprio, mas através do endereço de uma carta onde se pode ler: “Para/ Alf. Júlio dos Santos Parente”. E é com o nome de Júlio que anda em Deus, Pátria e... a Vida, para depois seguir com o apelido Santos em A Pátria ou A Vida e continuar aqui a sua caminhada apresentando-se como Parente (dos santos, naturalmente).

Júlio dos Santos Parente – e a muitos acontece – para simplificar as coisas é mais conhecido por Silva, ou então por este apelido com um outro dependurado, e que não é para disfarçar, embora se lhe reconheçam algumas ambiguidades não propositadas, tanto no género como na ascendência, mas que nada tem a ver com uma velha primeira dama do antigamente.

Júlio, Santos, Parente, ou simplesmente Silva, é sempre o mesmo. Um militar que se entregou por inteiro, de corpo e alma ao 25 de Abril; que o viveu em lutas, exaltações, temores e angústias; que comandou as tropas afectas ao MFA que da Região Centro partiram no encalço de Peniche e de Lisboa; e que aqui nos dá conta da sua visão dos acontecimentos e da sua pessoal reflexão sobre os factos e vicissitudes da “Revolução dos Cravos” que mudou para sempre a face de Portugal. Um homem que é, simplesmente... um dos Capitães de Abril.Fonte: Da descrição do livro.
A Pátria ou A Vida

Autor: Gertrudes da Silva
Colecção Imagens de Hoje
Género: Romance/crónica de guerra (colonial)
Ano: 2005
Páginas: 268
P.V.P.: € 16.80

(…)


Em "A Pátria ou a Vida" vive-se, sofre-se e morre-se sem heroísmos nem honrarias; caminha-se sempre sobre o arame que marca a fronteira entre dois valores que temos como sagrados. Porque a Pátria – lugar comum – nesses tempos era madrasta, tratando como estranhos os seus próprios filhos. Não de sua própria natureza, que essa era boa, e por isso sempre lhe fomos afeiçoados; mas por força dos homens a que, ilegitimamente, se foi entregando, todos com jeitos de abastados morgados, a largar-nos por aí, feitos filhos bastardos.
Da descrição da obra.
Deus, Pátria e…a Vida

Autor: Gertrudes da Silva
Colecção Imagens de Hoje
Género: Crónica de guerra (colonial) / romance
Ano: 2003
Páginas: 280
Preço com desconto: € 12.6

(Um livro que narra o percurso de um jovem que cedo conhece as agruras da guerra colonial e que sempre leva na memória os cantos da sua aldeia da Beira, bem interior...


Relatos por vezes sanguinários, em contraste com alguma pureza ingénua e original, revelam como pode passar-se dos "brandos costumes" para uma violência e crueldade de difícil entendimento. Momentos da nossa História recente que ainda nos incomodam mas que é preciso contar).
(…)


Extracto da descrição da obra.