1. Nâo temos nenhuma foto da equipa de futebol de Os Progressistas, mas sabemos que o futebol era acarinhado pelo cap cav Salgado Maio, comandante da CCAV 3420 (Bula, 1971/73).
E no "jornal de caserna" o futebol ocupava um importante lugar nas edições (não sabemos quantas...) que se fizeram, como se pode avaliar por dois recortes, com prosa bem humorada, que republicamos hoje. A seleção é do José Afonso.
Como em todos os lados havia alguns craques e "treinadores de bancada" que, não sabendo jogar, escreviam sobre o "brutibol" no "jornal de caserna"... O Salgueiro Maia devia ser um bocado "sarrafeiro", à falta de jeito para a bola... É o que deduzo destas crónicas...
É verdade que, para além da bola (e das jogatanas de cartas) não havia muito mais formas de ocupar o tempo, nas horas de lazer, no TO da Guiné... Alguns liam ou ouviam rádio, nalguns aquartelamentos havia um armário com algumas dezenas de livros, em geral oferta do Movimento Nacional Feminino. Um ou outro militar recebia jornais e revistas da metrópole ("A Bola", mas também a "Vida Mundial", a "Seara Nova", o "Comércio do Funchal", o "Notícias da Amadora", o "Jornal do Fundão", etc.).
Em 1971/73, o país vivia ainda, desde 1926, sob a "mordaça da censura", e praticamemte todas as notícias sobre a "guerra colonial" eram filtradas... Aliás, eram escassas, praticamente não saíam notícias sobre a guerra na Guiné, por exemplo, a não ser os "comunicados" das Forças Armadas, noticiando mais uma ou mais mortes de militares, no período de tal a tal...
A maior parte escrevia, obsessivamente, cartas e aerogramas para a metrópole... às carradas. Para os pais, as mulheres, as noivas, as namoradas, as madrinhas de guerra, os amigos... Mas escondia-se a dura realidade da guerra, por medo, por autocensura, etc. Em contrapartida, os militares adoravam receber os "bate-estradas", que chegavam ao SPM. No caso da CCAV 3420, era o SPM 1898.
Outra forma de "matar o tempo" era passear pelas tabancas em redor dos aquartelamentos. Pescar podia-se nalguns sítios. Mas, em geral, o peixe era intragável, sabia a lodo. Quanto à caça, era um luxo só permitido, em geral, aos oficiais (ou aos milícias autorizados a caçar para abastecer a tropa e/ou a população civil).
Sessões de cinema ou espetáculos de música podiam acontecer uma vez por festa, num sítio ou noutro... Raras eram as povoações (em geral, sedes de circunscrição ou concelho) que tinham cinema: Bissau, Bafatá, Teixeira Pinto, Nova Lamego...
As saídas às povoações mais importantes (Bafatá, Nova Lamego, Bissau, Teixeira Pinto...) era condicionadas por motivos de segurança, tal como os torneios de futebol "interregionais"... A feitura do "jornal de caserna" podia dar trabalho a uma pequena equipa...Mas a verdade é que, para além do futebol (e do "jornal de caserna") não sabemos como os Progressistas de "divertiam"... em Bula e outros aquartelamentos e destacamentos por onde passaram como Capunga, Pete, etc. Talvez o José Afonso nos possa dizer algo mais sobre isto.
Capa do "jornal de caserna" da CCAV 3420 (Bula, 1971/73). Diretor: Cap cav Salgueiro Maia.
Histórias pícaras > (viii) O brutibol e os treinadores de bancada
por José Afonso (*)
(i) COMENTÁRIO: O BRUTIBOL
Os Progressistas assistiram estupefactos aos acontecimentos no campo do Sporting Clube de Portugal num dos últimos domingos. Era visível em todos a consternação e incredulidade. Seria possível? Um árbitro a comer no toutiço, ainda por cima daquela maneira?
Fizeram-se mesas para comentar o caso e a opinião foi unânime, aqui no campo dos Progressistas nunca sucedeu nem pode suceder tal coisa. E, no entanto, todos nós somos profissionais e desejamos ganhar o nosso campeonato. Mas entre nós cada jogador para além do elevado grau de tecnicismo que possui, dispõe também de uma correcção impecável.
Mas concretizemos para ver que não falamos de cor: antes de entrarmos em campo, uma das equipes, formada por oficiais e sargentos do QP, já vai a ganhar entre 3 a 5 bolas à outra, a dos furriéis. Ora desta maneira já não há aquela ansiedade que estraga e destrói o verdadeiro desporto. Uma equipe ganha e a outra já sabe que perde até porque quando por qualquer motivo imprevisto começa a reduzir a diferença, o nosso Capitão acaba logo com o jogo porque entretanto já se está a fazer noite e a qualidade dos jogadores perde-se.
E há exemplos admiráveis de jogadores natos de correcção estrema: é o Monteiro fazendo triangulações e pasodobles; é o Almeida, autêntica locomotiva em ataques furiosos e que terminam algumas vezes no chão por placagem sempre serena do nosso Capitão; é o 1.º Beliz, guarda-redes magnífico, que com alguns empurrões e muita ciência acaba por dominar a situação; o sargento Pascoal sempre à frente, à espera da bola e nunca consegue terminar nenhuma avançada e, sou eu, cuja importância é tão grande no desenrolar do jogo que noutro dia o nosso capitão até me disse: - Saia daí que você está a atrapalhar tudo!
Temos ainda o sargento Carreteiro muito bom em discussões futebolísticas mas, uma negação na defesa; o furriel Sancho, “el ninho d’ouro”, o máximo que se pode exigir em técnica, pena que ande constantemente com os calções a cair-lhe, não fosse isso, o rapaz daria que falar; também o que nos vale é não haver por estes lados uma “liga dos costumes”.
Bem ainda não falamos do Seringa que quer que os golos dos furriéis sejam golos quando o nosso capitão considera que, como ninguém pediu autorização para marcar, o golo seja anulado!
Depois temos o alferes Mendonça, “el Olívia Palito”, que cada vez que entra no jogo, arranja um paludismo para os dias seguintes. Esclareço que cada falta ao prélio é paga com um garrafão de verde.
Pois é assim. Cá os Progressitas não vão em agressões ao árbitro. E, para mostrarem bem que isso nunca sucedeu nem poderá suceder, continuarão a fazer como até aqui. Jogar com delicadeza e quanto a árbitro, “Cá Tem”.
Se quer praticar bom brutibol, se quer desenvolver as nódoas negras e os joelhos descascados, se enfim quer ser um homem, então frequente às terças, quintas e domingos, no extraordinário complexo desportivo do estádio “Erva” em Pete.
BIGODES, jornal Os Progressistas, 9 de novembro de 1972
(ii) O TEMA É CRITICA
Antes de mais quero dizer a quantos lêem o Jornal dos Progressiats que não sou crítico de rádio ou televisão. Sou crítico em exclusivo deste jornal, de que é propriedade a CCav 3420, comandada pelo Capitão de Cavalaria, Fernando José Salgueiro Maia
A crítica que vou fazer é sobre a nossa equipa de futebol, já que no último jornal se falou muito de futebol, mas ao que parece o autor do artigo não falou daquilo que devia falar.
Falando no valor individual de cada elemento, começo já pelo guarda-redes, o nosso sargento Carreteiro, sem dúvida, bem constituído e com grande poder de elevação mas, pareceu-me que é altura de ser substituído e, o melhor substituto é o Bártolo do depósito de género ou o Paulo, o cozinheiro. A defesa central tem um elemento com longa experiência adquirida ao longo de 4 comissões que já fez no ultramar.
Trata-se do 1.º sargento Beliz que, quanto a mim, parece ter uns quilos a mais mas, como o campeonato está ainda em princípio parece-me ter possibilidades de recuperação.
Quanto ao sargento Pascoal, é pedra base na equipe, porque consegue estar os 90 minutos no mesmo sítio à espera que a bola lhe venha ter aos pés. Dos furriéis, Sancho e Moreira, prefiro nem falar.
Quanto ao furriel Gomes consegue ser superior em todos, mas em bigode; temos ainda os furriéis Monteiro, Almeida e Marques. O primeiro em vez de pensar no futebol anda mas é a pensar como pode acontecer faltar o frango aos domingos.
Estou mesmo a ver que qualquer dia o Santos cozinheiro fica sem os seus frangos que parecem andar a mais cá no destacamento. O segundo é um elemento também muito habilidoso mas muito rafeiro, entrando sempre em falta, mas suponho eu, que um jogador com a sua classe não precisa de fazer tantas faltas sobre o adversário.
Temos ainda o Marques, o jogador mais disciplinado que entra em campo, é bom também em técnicas Resta apenas falar no trio da avançada que é composto pelos jogadores: Alferes Simões, Alferes Mendonça e Capitão Maia e, ao que me parece ser este ultimo, o capitão da equipe porque, para além de dar ordem para terminar o jogo quando está a perder, está constantemente a dizer aos espectadores para que saiam para fora do arame farpado.
Quanto ao alferes Mendonça que nem mesmo a tomar leite em pó com flocos de cereais, não consegue dar um pontapé certeiro. O alferes Simões, é um jogador de cabeça e que joga sempre à vontade, talvez por daqui a uns meses ir no “gosse” para a Metrópole. O capitão Salgueiro Maia parece-me ter medo da disputa de bolas de cabeça. Talvez seja derivado, a trazer sempre o cabelo curto, não deixa, no entanto de ser um bom extremo esquerdo e cheio de dinamismo e iniciativas que, por vezes são perigosas para o guarda-redes.
Resumindo e fazendo um balanço colectivo, parece-me que toda a equipa precisa de preparação física adequada e, essa preparação podia ser dada da seguinte maneira: Juntar todos os jogadores em grupos de 4 e fazerem talvez uns blocos de cimento pelo menos, sempre contribuíam para o bem estar de todos e, ainda para uma “Guiné Melhor”
Eu peço desculpa quanto à crítica. Não foi feita para prejudicar ninguém mas sim, para que o jornal em vez de 4 folhas comece a ter 6, se possível. Para isso, precisamos de mais colaboradores.
Soldado João Ribeiro, jornal "Os Progressistas", setembro de 1972