1. Nos úlimos dias descobri alguns camaradas de armas:
(i) que estiveram comigo na Guíné, na mesma altura, entre 1969 e 1970; foi o caso ex-furriel miliciano David J. Guimarães, do Porto, que esteve no Xitole e que voltou à Guiné em 2001, como turista, com um grupo de ex-combatentes, incluindo, o médico psiquiatra, ex-alferes miliciano, Dr. Vilar, ambos do BART 2917;
(ii) ou que passaram pelos mesmos sítios que eu pisei, embora mais tarde (caso do Sousa de Castro, de Viana do Castelo, o ex-1º cabo radiotelegrafista da CART 3494, que esteve aquartelada no Xime e depois em Mansambo, entre Janeiro de 1972 e Abril de 1974).
Eles têm-me fornecido fotos, testemunhos e outra documentação que vou utilizar, com a sua devida autorização, para recordar esses tempos. Este blogue também é deles e para eles, para todos os meus ex-camaradas de armas da Guiné, e em especial os que estiveram no Sector L1, Zona Leste: Xime, Enxalé, Missirá, Fá, Bambadinca, Nhabijões, Mansambo, Xitole, Ponte dos Fulas... Mas que também passaram por outros sítios a onde guerra ainda não chegava: Contuboel, Bafatá...
O limite temporal é arbitrário: coincide com a minha comissão, a primeira comissão da CCAÇ 2590 (depois CCAÇ 12). Mas há outros camaradas que vieram antes e outros que chegaram depois. Sejam bem vindos. Podem mandar os vossos comenários para o responsável do blogue-fora-nada. Prometo divulgá-los aqui ou na minha página pessoal na Net.
2. Aqui ficam alguns excertos das mensagens que temos, eu, o Castro e o Guimarães, trocado:
29 de Abril de 2005:
"Autorização dada para usares todo e qualquer documento que te envie. Aliás, muito gostaria que as pessoas que viveram por lá conseguissem ver o que é hoje a Guiné. Ninguém entenderá como uma pedra, somente uma pedra fotografada ou um sulco, é tão importante para um combatente: no Xitole vêem-se restos de abrigos e sulcos na terra; ora só nós, os combatentes, conseguimos saber o que é isso, pois sabemos bem o que é uma vala e a utilidade dela quando éramos bombardeados (e eu fui-o várias vezes) (...).
"Em breve te enviarei fotos de Bafatá e Bissau. Enfim ficarás, por exempo, a saber que o célebre café Bento, a 5ª Rep[artição], é hoje uma bomba de gasolina da Galp...
"Abraço, David Guimarães".
29 de Abril de 2005:
" (...) Não foi a minha companhia (CART 3494) que se deslocou para o Cantanhês mas sim, a CART 3493. Nós (CART 3494) saímos do Xime mais ou menos em Abril de 1973 para Mansambo e a CART 3493 de Mansambo para o Cantanhês. Está percebido?
"Aproveito para informar a sequência dos DVD, para o caso de quererem fazer uma capa (...). Embora não os conheça pessoalmente, não me incomoda nada de partilhar algo, que de uma forma ou de outra nos tocou profundamente. Devo dizer também que a pessoa que me forneceu este magnífico trabalho certamente irá ficar satisfeito por o dar a conhecer. Então é assim:
"1º DVD: Introdução, Viagem para a Guiné, Cidade de Bissau, Hospital militar e arredores; Interior da Guiné: Cumuré, Jugudul, Xime.
"2º DVD: Xime, Mansambo, Quebo (antiga Aldeia Formosa), Fonte Balana, Chamarra, Buba (Aldeia Turística), Destacamento de Buba, De norte para sul.
"3º DVD: Guidage, Binta, Farim, Jumbembem, Canjambri, Fajonquito; Zona leste: Bafatá, Bambadinca, Xitole; a sul da Guiné: Empada, Chugué, a caminho de Bedanda;
4º DVD: A caminho de Bedanda, Cacine, Gadamael Porto, Cobumba, Catió, Saltinho (A tabanca), Bissau.
"Abraço. Castro".
29 de Abril de 2005:
"Amigo Castro: Obrigado pelos DVD, pelas fotos e sobretudo por estas tuas preciosas informações que me ajudam a reconstituir, na minha memória, o puzzle da Guiné. Sempre defendi que a forma de gerirmos o stresse pós-traumático de guerra, como diz o psiquiatra Afonso Albuquerque, é falarmos e escrevermos sobre esta nossa experiência de juventude, que nos marcou a todos, a uns mais e a outros menos...
"Não sabia que a CCAÇ 12 vos tinha rendido, no Xime, e que vocês foram para o Cantanhês (fiz uma grande operação nessa zona, na mata do Morès, onde já não se ia há vários anos, depois conto-te: uma operação dramática, como o Beja Santos, de Missirá) (...).
"Continua a dar notícias. Agradeço também os teus links e outros documentos sobre a guerra colonial. Sempre que puder, vou pondo coisas na Net... Pode ser que apareça mais maralha a querer abrir o baú das memórias, como aconteceu com O Jornal na década de 1980...... Bom fim de semana. Um grande abraço (Kandandu, em angolês). Luís"
29 de Abril de 2005:
"Guimarães: (...) Vou seleccionar algumas das tuas fotos, que são excelentes documentos porque nos falam dos sítios onde estivemos, por onde passámos... Nestes últimos dias , em que temos trocado mensagens e documentação (contigo e com o Castro), avivei muito mais a memória... Fui ao meu sótão e abri as pastas onde tenho os meus escritos... Houve uma altura em que escrevi muitas coisas, como eu te disse, para o semanário "O Jornal"... Isto foi no iníco dos anos 80...
"Na Guiné também tinha uma diário onde escrevia, irregularmente. Fiz a história da unidade (que é também em grande parte a do Sector L1/Zona Leste). Ontem descobri que estive na operação que abriu a estrada de Bambadinca - Mansambo (interdita desde meados de 1968). E julgo que foi a seguir que depois visitei, pela primeira vez, o Xitole. Vou-te mandar uns escritos sobre o inferno das colunas logísticas para Mansambo, Xitole e Saltinho. Curiosamente nunca cheguei a ir ao Saltinho!...
"Como já te disse, eu era de armas pesadas. Como a CCAÇ 12 não tinha armas pesadas, acabei em atirador, tendo passado por todos os grupos de combate e por todas as secções e... por quase todas as operações que a CCAÇ 12 fez no meu tempo!
"Vou pôr algumas das tuas fotos na minha página, na secção Subsídios para a história da guerra colonial. Claro que mencionarei o teu nome e espero que me ajudes a criar as legendas. As coisas têm que ser explicadas e contextualizadas. Um abração, L.G.".
28 de Abril de 2005:
"Vou enviar amanhã, sexta feira, os DVD. A foto do quartel em Mansambo, publicada na tua página, para além de ter sido sede da CART 3493 também foi sede da CART 3494 a partir de Abril de 1973 até final de comissão. Digamos que foi o nosso descanso. Fomos rendidos no Xime pela vossa companhia, a CCAÇ 12, tendo a CART 3493 sido deslocada para a zona do Cantanhês.
"Foi a vossa companhia que nos rendeu e, pelo que sei, embrulharam muitas vezes. De Janeiro de 1972 a Abril de 1973, a CART 3494 sofreu no Xime 17 ataques alguns deles de foguetões, não falando dos vários contactos com o IN que a companhia sofreu no terreno (...). Creio que a CCAÇ 12 ficou no Xime até ao final da guerra. Em Mansambo sofremos unicamente um ataque ao quartel e levantámos algumas minas. Cumprimentos. Castro".
27 de Abril de 2007:
"Castro: Fico muito sensibilizado pela tua gentileza. Pus as tuas fotografias na minha página na Net. Em princípio, tenho a tua autorização. Se alguma coisa estiver errada, diz-me, que eu corrijo ou retiro. Vou pedir também ao Guimarães para me autorizar a divulgar as suas fotos (desde que não sejam muito pessoais ou que não envolvam terceiros facilmente identificáveis)...
"Acho que temos a obrigação, moral e até histórica, de dar a conhecer tudo isto à geração dos nossos filhos e dos filhos dos nossos amigos (...). No princípio da década de 1980, ajudei o jornalista Afonso Praça (que tinha estado em Angola) a lançar uma campanha no semanário O Jornal (que já não existe, uma parte dos jornalistas deram depois origem à actual Visão)... Durante semanas e semanas a malta da guerra colonial foi aos baús e desenterrou as suas memórias. Eu próprio publiquei uma data de artigos e caiu no goto a minha frase Exorcizar os fantasmas da guerra colonial... Mais tarde os gajos do Conselho do Revolução começaram a fazer pressões para acabar com a brincadeira... Na época, o Costa Gomes não gostou nada. O Afonso Praça, infelizmente, já morreu e ficou na redacção do Jornal uma série de materiais (fotos, mapas, documentos...) que eu lhe emprestei para uma grande exposição que nunca se chegou a realizar... Houve camaradas que me emprestaram fotos e que ficaram sem elas! Mas um dia ainda vou tirar isto a limpo (...)".
27 de Abril de 2005:
"O convívio da nossa CART é no último sábado de Maio e é sempre assim que se combinou. Por norma os convívios são aqui no Norte, dado o grosso do pessoal ser desta região. O máximo a sul que fizemos foi na em Vieira de Leiria... Paços de Ferreira, Espinho, Matosinhos, Viseu, Gaia (dentro do quartel), Lourosa, Viana do Castelo e agora em Muro (Vila do Conde), têm sido os locais escolhidos para os almoços de convívio...
"Só os quadros é que são do sul: os Furriéis Rei e Augusto, de Azeitão; o Ferreira, de Leiria; o Marques, vagomestre, do Montijo; o Cabete, da Figueira; eu e o Ribeiro e Silva daqui [Porto]... Os 1ºs Sargentos Santos e Pires, o primeiro de Leiria e o segundo daqui. O Alferes Correia é daqui bem como o Coutinho. O Soares, de Algueirão, nunca veio... O Sampaio faleceu. O Capitão Espinha de Almeida também é daqui. No ano passado esteve connosco o Major (Coronel Aposentado) Anjos de Carvalho... Vamos ver se este ano vem também o [major de operações] Barros e Bastos... O Polidoro Monteiro e o Magalhães Filipe já faleceram. O Polidoro Monteiro, sim, operacional, como tu dizes e bem, sempre o foi...
"Quanto ao Vilar fácil será encontrá-lo, Psiquiatra Marques Vilar, vais dar a ele [em Aveiro]...Poderei arranjar a direcção dele, fica descansado.
"Quanto ao Rebelo e ao Rocha, eram Furriéis da nossa CCS, é a esses que me refiro. O Vinagre também era o Furriel Mecânico da CCS.... Quanto ao Padre Poim, sim, era açoriano, foi expulso da Guiné pela Pide. Ele parece que vive lá para os Açores mas saiu de clérigo... Contudo já há muito tempo que não ouço falar dele... Este Furriel Rocha, das Operações Especiais, foi o encarregue dos reordenamentos em Nhabijões.
"Quanto ao [primeiro sargento] Brito era um gajo porreiro, sim. Sei que depois voltou noutra Comissão à Guiné, disse-me um nativo quando lá fui [em 2001], foi mais para o lado de Bafatá (...). Pessoalmente eu dava-me bem com o Brito".
26 de Abril de 2005:
Este mapa [do Sector L1]é muito bom: hoje pude melhor recordar nomes que dia a dia passavam nas nossas cabeças.
"No fim, no Xitole tínhamos, como sabes, acampamentos deles muito próximos. Se Seco Braima era muito ligado à agricultura, já Satecuta parecia uma cidade militar. É verdade! A minha companhia conseguiu lá entrar - eu não fui nessa operação, estava para vir de férias e esparava a avioneta. Bem, mais tarde, nova operação e lá fui eu. Que raio, nunca apanhei tanto fogo num dia! E não conseguimos entrar (...). Obrigado pelo mapa (...).
"A Ponte dos Fulas era um acampamento do Xitole precisamente para guardar aquela ponte. Breve te enviarei os documentos fotográficos actuais: verás o fortim, na Ponte dos Fulas, intacto. Sei que foste ao Xitole, então reconhecerás algo, tenho a certeza. Até mais, abraço, Guimarães".
23 de Abril de 2005:
"Bom, cá com as minhas pesquisas, já consegui alguma coisa, pelo menos o Guimarães encontrou alguém do tempo dele. Como é bom descobrir camaradas de guerra e divulgar, a todos, os contactos que tenho relacionados com essa mesma guerra. Quero dizer também ao Guimarães que, com as fotos que enviei para o Luís Graça, mencionei sempre o nome de quem as cedeu. O seu a seu dono (...).
"Possuo um excelente filme em DVD gravado em Novembro de 2000 por um grupo de dez ex-combatentes que se deslocaram em visita à Guiné. Se estiverem interessados cá o ex- 1º cabo radiotelegrafista Castro não se importa de fazer mais uma cópia (...). Havemos de promover um encontro entre cibernautas que tenham a ver com a Guiné. Um grande abraço para todos. Castro".
22 de Abril de 2005:
"Obrigado, David. Vejo que somos do mesmo ano (nasci em 1947). Regressei da Guiné em Março de 1971. E fui, de facto, algumas vezes ao Xitole. Ou pelo menos fiz muitas operações para te podermos levar o pão e a cerveja de cada dia… Comi muito pó a caminho de Mansambo e do Xitole, tal como tu quando vinhas a Bambadinca… Ainda gostaria de fazer esse percurso a pé… Dizes-me que agora está alcatroada… Nunca mais lá voltei [à Guiné]. Tenho ido a Angola, em trabalho.
"É muito possível que tenhamos confraternizado. Vou revisitar os meus escritos, para ver se fizemos alguma operação em conjunto. Era mais frequente trabalharmos, nós, o da CCAÇ 12, com a malta do Xime e de Mansambo. Vou-te mandar uma fotografia minha desse tempo. E tu podes fazer o mesmo. Vou ter que a digitalizar. Eu na altura não ligava muito às fotografias. Mas escrevi um diário, além da história da CCAÇ 12.
"Sou eu mesmo, o Furriel Henriques (também me chamavam o Soviético ou o Camarada Sov…), que resgatei o corpo do Cunha (que era de Viana do Castelo, se bem me lembro). Gostava muito dele, éramos amigos. Passei a noite na conversa com ele entre dois copos, no Xime, nessa trágica operação em que o (...) [vosso segundo comandante] nos obrigou a seguir o mesmo trilho da véspera (não foi no Mato Cão, mas a caminho da Ponta do Inglês, do lado de cá do rio): escassas horas depois, eu iria resgatar o seu corpo (...).
"(...) Estive debaixo de fogo bastantes vezes. Apanhei de tudo: assalto a aquartelamentos do IN, flagelações a tabancas, explosão de mina anticarro (salvou-me a minha velha GM, mas duas secções inteiras ficaram neutralizadas e o outro furriel, o Marques, fez mais dois anos de tropa, no hospital militar…). Foi no regresso ao aquartelamento que eu perdi as estribeiras. E a seguir a mim foi o capitão do Xime, um jovem capitão do quadro, de 24 anos… Um dia destes mando-te o relatório dessa operação, já na parte final da nossa comissão: foi uns dias depois da invasão de Conacri, em Novembro de 1970… (A propósito, convivi muito com os gajos dos comandos e vi alguns morrerem)…
"Olha, gostei muito das tuas fotografias. O Castro já me tinha mandado umas tantas (Bissau, Bafatá, Xime). Se quiseres arranjo-te um sítio na Net para as divulgar (http://www.care2.com). Há muita malta do nosso tempo que irá sentir-se feliz por rever os sítios mágicos e ao mesmo trágicos onde vivemos (quase dois anos das nossas vidas!).Um abraço. Luís".
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 29 de abril de 2005
quinta-feira, 28 de abril de 2005
Guiné 63/74 - P8: O sector L1 (Xime-Bambadinca-Xitole): Caracterização (1)
Extractos de História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971. Cap. II, pp. 1-3.
Capítulo II - Actividade da CCAÇ 12 no TO da Guiné
1.Intervenção ao Agr 2957 (Zona Leste)
Atendendo à origem étnico-geográfica das suas praças africanas, e por sugestão do Comando-Chefe, a CCAÇ 2590 ficou radicada em "chão fula", em Bambadinca, constituindo uma unidade de intervenção ao agrupamento 2957 (hoje COP 2) e ficando pronta a actuar à ordem de qualquer dos sectores da Zona Leste (em especial nos Ll, L3 e L5).
A partir de Janeiro de 1970, a CCAÇ 2590 passaria a designar-se por CCAÇ 12 por ter sido considerada uma unidade da guarnição normal.
Durante a actual comissão [ Maio de 1969 / Março de 1971 ], a CCAÇ 12 actuou no Sector L1 às ordens do BCAÇ 2852 (até Maio de 1970) e do BART 2917 (até Fevereiro de 1971), tendo estado uma única vez em reforço temporário a outros tectores (l Cr Comb no L2 durante a 1ª quinzena de Agosto de 1969).
2. Sector Ll
2.1. Referências - Cartas 1/50.000
NAMBOCÓ / BAMBADINCA / BAFATÁ
FULACUNDA / XIME / DUAS FONTES
XITOLE / CONTABANE
2.2. Generalidades
Podemos caracterizar o Sector Ll [ vd o respectivo mapa ] pela importância estratégica que representa tanto para o IN como para as NT a charneira RCeba/Corubal. Constitui a "chave" das comunicações terrestres e fluviais da Zona Leste.
Para uma avaliação geral da situação militar, dividimos o actual sector em 3 partes: uma, a (i) norte do RGeba, compreendendo os regulados do Cuor e parte do Enxalé; outra formando (ii) o triângulo Xime-Bambadinca-Xitole;
e uma outra, (iii) a leste da estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole, que engloba os regulados de Badora e parte do Corubal. As duas primeiras correspondem a áreas afectadas, actuando o IN só esporadicamente na última.
0 Sector LI foi redefinido em Agosto e Outubro de 1969, ficando a ZA a este e sudeste de Badora sob a responsabilidade do COP 7 e passando a englobar, a Norte do RGeba, a área do Enxalé que fazia parte até então de Mansoa.
2.3. Terreno
2.3.1. Relevo e hidrografia
0 terreno caracteriza-se genericamente pela ausência de relevo e por uma grande rede hidrográfica, orientada para os Rios Colufe, Geba e Corubal, o que origina uma predominância de bolanhas e lalas no N e NW do sector e um nivelamento das águas dos rios e bolanhas, durante o tempo das chuvas, tornando a maior parte das vias de comunicação intransitáveis.
2.3.2. Vegetação
Podemos distinguir dois tipos de vegetação no sector:
(i) uma floresta tropical,com palmares cerrados sobretudo nas nascentes dos cursos de água, coincidindo com a área definida pelos RGeba/Corubal onde o IN se encontra instalado;
e (ii) outra de savana arbustiva, mais para o interior, com núcleos de floresta muito espelhados.
Nas bacias hidrográficas do Geba e Corubal, a população sob controle IN cultiva as bolanhas e lalas mais propícias à rizicultura, como a bolanha do Poindon que é considerada um dos "celeiros" do IN no sector.
2.4. Inimigo
2.4.1. Sector 2
O Sector LI corresponde na divisão territorial do IN ao Sector 2, também conhecido por região de Xitole (hoje incluída na Frente Xitole/Bafatá) e cujo Comando está localizado em Mina.
Nesta região o IN mantém uma estrutura politico-administrativa organizada, numa vasta área correspondente aos regulados de Xime e Bissari donde irradia a sua actividade de guerrilha que se caracteriza por (i) ataques e flagelações aos aquartelamentos e destacamentos das NT e às tabancas em autodefesa, (ii) acções de barragam à navegação, (iii) emboscadas e (iv) minagem dos itinerários.
2.4.2. Zonas de instalação
No Sector L1 consideram-se como zonas de instalação permanente do IN a área compreendida entre a margem direita do RCorubal e a linha geral Xime-Xitole (regulados de Xime e Bissari) e a região a norte do RGeba (Cuor).
0 IN tem-se instalado temporariamente no regulado do Corubal a fim de desencadear acções contra as tabanacas em autodefesa de Corubal, Cossé e Badora.
2.4.3. Linhas de infiltração e irradiação
Podemos considerar as seguintes linhas de infiltração e zonas de actividade do IN:
(i) a norte da estrada Bambadinca-Bafatá, da área de Madina / Belel sobre Enxalé, Missirá, Finete e baixo curso do RGeba Estreito;
(ii) A sul da estrada de Bambadinda-Bafatá, dos regulados do Xime e Bissari sobre os regulados de Corubal, Badora e Cossé, e ainda sobre os RGeba e Corubal.
2.4.4. Efectivos referenciados
(i) Nos regulados de Xime e Bissari:
5 bigrupos distribuídos pelas áreas de Poindon/Burontoni (1), Culobo/Galo Corubal (1), Mina (2), Ponta Luís Dias/Tubacuta (1), além de 1 grupo de artilharia (Mort 82, Canhão s/r 75 e 82) e 1 grupo especial de bazuqueiros em Mamgai. Os efectivos deste sector poderão ser reforçados por unidades da Frente Sul, e em especial da Região de Quinara.
(ii) No regulado do Cuor, a norte do R Geba:
1 bigrupo em Madina/Belel. Esse bigrupo pode ser reforçados por Sara-Sarauol, região a que Madina/Balel se encontra intimamente ligada para efeitos operacionais e logísticas.
2.4.5. Possibilidades do IN
(i) No plano militar:
(i) Manter as acções de fogo sobre os aquartelanentos das NT;
(ii) Intensificar as acções de guerrilha preferencialnente sobre as tabancas em autodefesa, pelotões de milícia e seus itinerários de socorro;
(iii) Realizar acções de reconhecimento nos regulados de Badora e Cossé, a partir dos regulados de Xime, Bissari e Corubal;
(iv) Utilizar as linhas de infiltração que do Boé conduzem aos regulados de Xime e Bissari através da faixa norte do regulado do Corubal, e que da área Xime-Mansambo conduzem à estrada Bambadinca-Mansambo;
(v) Efectuar acções de barragem á navegação no RGeba, em especial nas áreas de Ponta Varela e Mato Cão;
(vi) Reagir à acção de contrapenetração das NT.
(ii) No plano político e psicológico:
(i) Intensificar o esforço de propaganda junto das populações fiéis às NT ou sob duplo controlo, explorando as “contradições objectivas” da nossa acção psicossocial.
(continua)
Abreviaturas
CCAÇ = Companhia de Caçadores
COP = Comando Operacional
IN = Inimigo
NT = Nossas Tropas
RCorubal = Rio Corubal
RGeba = Rio Geba
TO = Teatro de Operações
s/r = Sem recuo (canhão)
ZA = Zona de Acção
Capítulo II - Actividade da CCAÇ 12 no TO da Guiné
1.Intervenção ao Agr 2957 (Zona Leste)
Atendendo à origem étnico-geográfica das suas praças africanas, e por sugestão do Comando-Chefe, a CCAÇ 2590 ficou radicada em "chão fula", em Bambadinca, constituindo uma unidade de intervenção ao agrupamento 2957 (hoje COP 2) e ficando pronta a actuar à ordem de qualquer dos sectores da Zona Leste (em especial nos Ll, L3 e L5).
A partir de Janeiro de 1970, a CCAÇ 2590 passaria a designar-se por CCAÇ 12 por ter sido considerada uma unidade da guarnição normal.
Durante a actual comissão [ Maio de 1969 / Março de 1971 ], a CCAÇ 12 actuou no Sector L1 às ordens do BCAÇ 2852 (até Maio de 1970) e do BART 2917 (até Fevereiro de 1971), tendo estado uma única vez em reforço temporário a outros tectores (l Cr Comb no L2 durante a 1ª quinzena de Agosto de 1969).
2. Sector Ll
2.1. Referências - Cartas 1/50.000
NAMBOCÓ / BAMBADINCA / BAFATÁ
FULACUNDA / XIME / DUAS FONTES
XITOLE / CONTABANE
2.2. Generalidades
Podemos caracterizar o Sector Ll [ vd o respectivo mapa ] pela importância estratégica que representa tanto para o IN como para as NT a charneira RCeba/Corubal. Constitui a "chave" das comunicações terrestres e fluviais da Zona Leste.
Para uma avaliação geral da situação militar, dividimos o actual sector em 3 partes: uma, a (i) norte do RGeba, compreendendo os regulados do Cuor e parte do Enxalé; outra formando (ii) o triângulo Xime-Bambadinca-Xitole;
e uma outra, (iii) a leste da estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole, que engloba os regulados de Badora e parte do Corubal. As duas primeiras correspondem a áreas afectadas, actuando o IN só esporadicamente na última.
0 Sector LI foi redefinido em Agosto e Outubro de 1969, ficando a ZA a este e sudeste de Badora sob a responsabilidade do COP 7 e passando a englobar, a Norte do RGeba, a área do Enxalé que fazia parte até então de Mansoa.
2.3. Terreno
2.3.1. Relevo e hidrografia
0 terreno caracteriza-se genericamente pela ausência de relevo e por uma grande rede hidrográfica, orientada para os Rios Colufe, Geba e Corubal, o que origina uma predominância de bolanhas e lalas no N e NW do sector e um nivelamento das águas dos rios e bolanhas, durante o tempo das chuvas, tornando a maior parte das vias de comunicação intransitáveis.
2.3.2. Vegetação
Podemos distinguir dois tipos de vegetação no sector:
(i) uma floresta tropical,com palmares cerrados sobretudo nas nascentes dos cursos de água, coincidindo com a área definida pelos RGeba/Corubal onde o IN se encontra instalado;
e (ii) outra de savana arbustiva, mais para o interior, com núcleos de floresta muito espelhados.
Nas bacias hidrográficas do Geba e Corubal, a população sob controle IN cultiva as bolanhas e lalas mais propícias à rizicultura, como a bolanha do Poindon que é considerada um dos "celeiros" do IN no sector.
2.4. Inimigo
2.4.1. Sector 2
O Sector LI corresponde na divisão territorial do IN ao Sector 2, também conhecido por região de Xitole (hoje incluída na Frente Xitole/Bafatá) e cujo Comando está localizado em Mina.
Nesta região o IN mantém uma estrutura politico-administrativa organizada, numa vasta área correspondente aos regulados de Xime e Bissari donde irradia a sua actividade de guerrilha que se caracteriza por (i) ataques e flagelações aos aquartelamentos e destacamentos das NT e às tabancas em autodefesa, (ii) acções de barragam à navegação, (iii) emboscadas e (iv) minagem dos itinerários.
2.4.2. Zonas de instalação
No Sector L1 consideram-se como zonas de instalação permanente do IN a área compreendida entre a margem direita do RCorubal e a linha geral Xime-Xitole (regulados de Xime e Bissari) e a região a norte do RGeba (Cuor).
0 IN tem-se instalado temporariamente no regulado do Corubal a fim de desencadear acções contra as tabanacas em autodefesa de Corubal, Cossé e Badora.
2.4.3. Linhas de infiltração e irradiação
Podemos considerar as seguintes linhas de infiltração e zonas de actividade do IN:
(i) a norte da estrada Bambadinca-Bafatá, da área de Madina / Belel sobre Enxalé, Missirá, Finete e baixo curso do RGeba Estreito;
(ii) A sul da estrada de Bambadinda-Bafatá, dos regulados do Xime e Bissari sobre os regulados de Corubal, Badora e Cossé, e ainda sobre os RGeba e Corubal.
2.4.4. Efectivos referenciados
(i) Nos regulados de Xime e Bissari:
5 bigrupos distribuídos pelas áreas de Poindon/Burontoni (1), Culobo/Galo Corubal (1), Mina (2), Ponta Luís Dias/Tubacuta (1), além de 1 grupo de artilharia (Mort 82, Canhão s/r 75 e 82) e 1 grupo especial de bazuqueiros em Mamgai. Os efectivos deste sector poderão ser reforçados por unidades da Frente Sul, e em especial da Região de Quinara.
(ii) No regulado do Cuor, a norte do R Geba:
1 bigrupo em Madina/Belel. Esse bigrupo pode ser reforçados por Sara-Sarauol, região a que Madina/Balel se encontra intimamente ligada para efeitos operacionais e logísticas.
2.4.5. Possibilidades do IN
(i) No plano militar:
(i) Manter as acções de fogo sobre os aquartelanentos das NT;
(ii) Intensificar as acções de guerrilha preferencialnente sobre as tabancas em autodefesa, pelotões de milícia e seus itinerários de socorro;
(iii) Realizar acções de reconhecimento nos regulados de Badora e Cossé, a partir dos regulados de Xime, Bissari e Corubal;
(iv) Utilizar as linhas de infiltração que do Boé conduzem aos regulados de Xime e Bissari através da faixa norte do regulado do Corubal, e que da área Xime-Mansambo conduzem à estrada Bambadinca-Mansambo;
(v) Efectuar acções de barragem á navegação no RGeba, em especial nas áreas de Ponta Varela e Mato Cão;
(vi) Reagir à acção de contrapenetração das NT.
(ii) No plano político e psicológico:
(i) Intensificar o esforço de propaganda junto das populações fiéis às NT ou sob duplo controlo, explorando as “contradições objectivas” da nossa acção psicossocial.
(continua)
Abreviaturas
CCAÇ = Companhia de Caçadores
COP = Comando Operacional
IN = Inimigo
NT = Nossas Tropas
RCorubal = Rio Corubal
RGeba = Rio Geba
TO = Teatro de Operações
s/r = Sem recuo (canhão)
ZA = Zona de Acção
segunda-feira, 25 de abril de 2005
Guiné 63/74 - P7: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970)
1. Extractos da História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971. Cap. II, pp. 41 a 43 (Vd. abreviaturas em anexo).
Trata-se de um documento que eu escrevi, no final da minha comissão, ainda em Bambadinca, tendo acesso a todos os arquivos classificados da companhia, o que só foi possível com a cumplicidade de vários camaradas meus, de um dos sargentos e até do meu capitão que, embora assustado com o resultado final do trabalho que me encomendara, fechou os olhos à minha ousadia e até me deu um louvor... Eu compreendo a sua delicada posição: devia estar já com os seus 37 ou 38 anos, com 4 comissões no ultramar (se não me engano) e à beira de ser promovido a major.
Trinta anos depois fui encontrá-lo no posto de coronel e confessei-lhe, candidamente, que tinha tomado a liberdade de distribuir, na época, uns tantos exemplares, clandestinos, aos tugas da companhia... De facto, ainda em Bambadinca, foram tiradas a stencil umas escassas dezenas de exemplares da história não autorizada da CCAÇ 12, antes de embarcarmos para a metrópole, em rendição individual (os nossos soldados africanos, esses, continuaram a servir a CCAÇ 12, muitos deles até ao final da guerra, aquartelados no Xime, desde 1973). Tenho para com estes últimos um sentimento de gratidão e de reconhecimento, mesmo sabendo que estavam do lado errado da guerra e da história.
2. Em homenagem ao furriel miliciano Cunha, ao soldado Soares e aos outros camaradas da CART 2715 (aquartelada no Xime) que morreram na Operação Abencerragem Candente, na madrugada de 26 de Novembro de 1970 (dias depois da invasão de Conacri, a 22, por uma força comandada por Alpoim Galvão e na qual participaram os meus vizinhos da 1ª Companhia de Comandos Africanos, estacionados em Fá Mandinga).
Tenho mais dificuldade em me curvar perante a memória do Seco Camará, mandinga do Xime, embora reconheça que ele foi um valoroso e competente guia e picador das nossas tropas, durante anos. Mas também foi um homem para os "trabalhos sujos da guerra": ele próprio me confessou um dia, com aquela autoridade e candura africanas de homem grande, que nos anos da "política de terra queimada", da repressão brutal às populações do Xime que simpatizavam com (ou apoiavam) a guerrilha, ao tempo do Governador e Comandante-Chefe, General Arnaldo Schultz, entre 1964 e 1967, ele próprio era encarregue pelo "capitão tuga do Xime" para matar, à paulada, em pleno mato, os elementos suspeitos, capturados... No regresso ao quartel, o capitão, "manga de bom pessoal", pagava-lhe um sumol (sic)...
O coitado do Seco Camarà, peça insignificante da máquina de guerra colonial, foi ao mesmo tempo um tenebroso carrasco e uma pobre vítima, como muitos outros guinéus, e nomeadamente dos pertencentes aos grupos étnicos islamizados... Morreu ingloriamente em Novembro de 1970, nesta operação que eu aqui evoco e em que participei. Recordo-o, ainda hoje, com o seu inseparável cachimbo e o seu ar de cão rafeiro... Nunca saberei se algum se sentiu português. Sei apenas que foi um bravo soldado, e eu não posso julgá-lo com bases nos meus valores ou princípios éticos. Alguém, da população do Xime, nos traiu nessa noite fatídica. A nós e ao Seco Camarà. Onde quer que ele esteja, no céu ou no inferno dos mandingas, paz à sua alma!
3. Pertencente na altura ao 4º Grupo de Combate da CCAÇ 12, fui um dos que resgatei o corpo do furriel miliciano Cunha (que era de Braga). Gostava muito dele, éramos amigos. Tinha passado a noite de 25 para 26 na conversa com ele entre dois copos, no Xime, a fazer horas para a trágica saída na madrugada seguinte.
O segundo comandante do BART 2917 (não vale a pena citar o seu nome, já que ainda pertence ao número dos vivos) obrigara-nos a seguir o mesmo trilho da véspera: escassas horas depois, o Cunha estava morto mais quatro tugas e o guia e picador Seco Camará.
O Cunha, o pequeno e valoroso Cunha, ainda com o seu ar de criança tímida, era o único dos seis que não estava desfeito pelos rockets. Tinha apenas um fiozinho de sangue na testa: o primeiro tiro fora, seguramente, para ele que ia à frente da secção, juntamente com o Seco Camarà. A imagem que tenho dele, era que estava a dormir, exausto, no capim, quando cheguei à sua beira. Ainda lhe dei uma bofetada: “Acorda, meu sacana!”…
Como garante o Guimarães (da CART 2716, do Xitole), o Cunha que fez a recruta com ele e foi mobilizado para a Guiné no mesmo Batalhão (BART 2917), "deve estar no céu porque era um homem bom".
4. Nunca mais consegui esquecer essa maldita operação, em que até mesmo os meus soldados fulas, que eram bravos soldados, tiveram medo… Foi a maior emboscada que eu sofri, e também a mais mortífera que apanhámos na região do Xime. Mas não dei um tiro. Nunca dei um tiro, na Guiné, a não ser a um desgraçado de um jagudi (abutre) a quem nem sequer felizmente acertei…
Recordo esta estória, em homenagem também aos que morreram e aos que sobreviveram, em Portugal, na Guiné e noutros teatros de guerra, aos homens e mulheres que contribuiram, de mil e uma maneiras, para que hoje, 25 de Abril de 2005, nós possamos estar aqui a falar de liberdade, a recordar a guerra e a fazera paz connosco próprios, a praticar a liberdade com a mesma naturalidade com que respiramos...
5. Na elaboração da história da minha companhia (ex-CCAÇ 2590 e, depois, CCAÇ 12) que é também a história militar do Sector L1 / Zona Leste da Guiné entre meados de 1969 e o 1º trimestre de 1971, segui, em muitos casos, o teor dos relatórios de operações que eram feitos pelos alferes milicianos ou pelo capitão, passado pelo crivo da minha própria experiência como operacional ou do relato dos meus camaradas, furriéis milicianos... Dentro dos condicionalismos da época, procurei ser objectivo, procurando obretudo não fazer a hagiografia que era corrente na história de outras companhias independentes ou de companhais integradas em batalhões: "Fomos os melhores, chegámos, vimos e vencemos!"...
Nesta como noutras operações, há passagens muito discutíveis como aquela em que se sugere que o IN sofrera baixas prováveis... Há aqui um branqueamento da situação, o que era frequente entre nós: depois da violentíssima emboscada de que fomos vítimas, ninguém estava em condições, físicas e psicológicas, de fazer o reconhecimento do local e, muito menos, de ir em perseguição dos guerrilheiros... Seis mortos e nove feridos exigem, no mínimo, a afectação de dois grupos e combate (60 homens) para o eu transporte...
Esta falsificação da realidade ou, no mínimo, o seu branqueamento era frequente entre oficiais milicianos e do quadro: enganavam-se uns aos outros, enganavam Bafatá (onde estava o comando da zona leste, o COP 7, se não me engano), enganavam Bissau (o quartel-general) e enganavam Lisboa (sede do Governo, não democrático, do país, que por sua vez enganava o Zé Portuga!)... Tudo isso acabava por ter consequências pesadas, para o pessoal no terreno, que era obrigado a executar operações mal planeadas... De facto, não se pode ganhar uma guerra, escamoteando ou ignorando informação! Pessoalmente, eu já sabia isso, desde os meus quinze ou dezasseis anos...
A verdade, trágica, terrível e humilhante, é que o IN destroçou ou neutralizou seis grupos de combate (2 agrupamentos), matou seis elementos das NT, feriu outros nove e ainda por cima levou-lhes as armas!... E só não levou os corpos porque houve ainda um resto de coragem física, de solidariedade e de determinação (outros chamam-lhe heroísmo!). No relatório da operação ninguém quis dizer o que era óbvio: os erros de planeamento da operação, as imprevidências, a imprepração da nossa tropa fandanga, a total incompetência e a arrogância militarista do major (periquito) que comandou a operação (de avioneta!)...
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(17) Novembro/70: Violenta reacção do IN à penetração das NT em Ponta do Inglês durante a Op Abencerragem Candente
Embora se admitisse que o seu dispositivo no Sector L1 [correspondente ao triângulo Xime-Bambadinca-Xitole] tivesse sofrido importantes alterações, uma vez que se havia manifestado fracamente nos últimos meses, em especial no sub-sector do Xime, o IN não deixaria, no entanto, de reagir violentamente à penetração das NT em Ponta do Inglês no decurso da Op Abencerragem Candente, causando 6 mortos e 9 feridos [Se a memória me não falha, o aquartelemento da Ponta do Inglês, controlando a entrada no Rio Corubal, tinha sido abandonada por decisão do brigadeiro Spínola, logo no início do seu consulado, ainda em 1968].
Participaram nesta operação as seguintes forças, constituindo 3 Agrupamentos [num total estimado em cerca de 250 homens]:
(i) a CCAÇ 12 (sedeada em Bambadinca, ao serviço do BART 2917), a 3 Gr Comb (2° e 4º);
(ii) a CART 2715 (aquartelada no Xime), também a 3 Gr Comb;
e (iii) a CART 2714 (aquartelada em Mansambo), a 2 Gr Comb.
A missão era patrulhar a área definida pelo RGeba-Corubal-Buruntoni-Canhala a fim de:
(i) explorar eventuais vestígios IN;
(ii) deixar vestígios da passagem das NT e panfletos de acção psicológica;
e ainda (iii) contactar com a população desarmada, convidando-a a apresentar-se.
Os 3 Agrupamentos actuariam independentemente e por itinerários diferentes mas de modo a apoiar-se em caso de necessidade: Agr A (CART 2714), Agr B (CCAÇ 12) e Agr C (CART 2715).
No planeamento da operação, o Agr B faria a nomadização da região compreendida entre o RGundagué e a estrada (interdita) Xime-Ponta do Inglês, montando emboscadas durante a noite na área de Darsalame Baio e reunindo-se ao Agr C no nosso antigo aquartelamento da Ponta do Inglês, enquanto este bateria a região compreendida entre a referida estrada e o RCorubal, emboscando-se na área do Poindon.
Notícias de elevada classificação admitiam que o IN tivesse retirado do Sector 2 [também conhecido por região do Xitole e já na altura integrado na Frente Xitole / Bafatá ] dois bigrupos (Poindon e Baio) e um grupo de artilharia (Mangai).
De qualquer modo, depois da Op Boinas Destemidas [levada a efeito em Outubro de 1970 pela CCAÇPARAS 123 na região de Ponta Varela, e da qual resultara a morte de sete guerrilheiros e a captura do respectivo armamento], O IN revelara-se apenas uma única vez (um grupo de 5 elementos tinha flagelado o Xime com armas ligeiras no mês anterior).
Desenrolar da acção:
A 25 [de Novembro de 1970], pelas 7h, os Agr B e C saíram do Xime, no momento em que Mansambo era atacado com mort 82, LRockets e armas ligeiras por um grupo IN não estimado, atrasando a saída do Agr A. Em Madina Colhido experimentaram-se os rádios, verificando-se que o do Agr B só ligava com Bambadinca e o do Agr C com o Xime, não havendo ligação entre eles.
Por outro lado, tentando-se também entrar em ligação com o PCV [posto de comando volante], esta não foi conseguida, uma vez que a frequência terra-ar que fora atribuída à operação não estava dentro das gamas de frequência da FA.
Em virtude disso, os 2 Agr foram obrigados a seguir juntos [grave erro!, direi hoje, pensando no comprimento de centenas de metros da coluna, em marcha, qual cobra sulcando o alto capim da savana arbustiva da região]. Depois de atingirem a Ponta Varela, contornaram a bolanha em direcção da antiga tabanca de Poindon, não tendo detectado entretanto vestígios recentes de presença IN nem de população.
Ao escurecer, e quando as NT se preparavam para montar emboscadas, verificar-se-iam porém dois casos de intoxicação devido às conservas da ração de combate, pelo que tiveram de regressar ao Xime, aonde chegaram pelas 21h.
Entrando-se em contacto rádio com o comando de Bambadinca, a comunicar-se o sucedido e a pedir-se instruções, foram dadas ordens para os Agr B e C seguirem para a Ponta do Inglês pela respectiva estrada, ao raiar da madrugada do doutro dia [26 de Novembro], e aonde deveriam aguardar novas instruções [segundo erro, e este o mais grave!].
A 26, pelas 5.45 h da madrugada, iniciou-se de novo a marcha, tendo a progressão decorrido normalmente, e sem se notarem sinais de recente passagem nos trilhos do Baio e nas imediações do acampamento destruído durante a Op Boinas Destemidas em Xime 3C1-29.
Três horas depois, pelas 8.50h, já perto da Ponta do Inglês, o IN desencadearia uma violenta emboscada em L sobre a direita, precedida por um tiro isolado que foi confundido com um sinal de aviso duma eventual sentinela avançada, e que apanhou na zona de morte os 3 Gr Comb do Agr C [ CART 2715] e 1 Gr Comb (4º) do Agr B [CCAÇ 12].
Os primeiros tiros do IN, especialmente de LRockets, atingiram mortalmente o picador e guia do Agr B, Seco Camará, que ia na frente, e os quatro homens que o seguiam, incluindo um graduado [furriel miliciano Cunha], tendo ferido gravemente outro. Com rajadas sucessivas de LRockets e armas automáticas o IN, fixando as NT, lançou-se ao assalto sobre os primeiros homens, mortos ou gravemente feridos, conseguindo apanhar-lhes as armas, e só não os levando devido a pronta reacção das NT.
É de destacar aqui a acção heróica dos soldados Soares (CART 2715), que veio a ser mortalmente ferido, Sajuma (apontador de bazooka do 4º GR Comb/CCAÇ 12) que ficou ferido numa perna, e Ansumane (apontador de dilagrama, também do 4º Gr Comb/CCAÇ 12, ferido ligeiramente nas costas), que se lançaram ao contra-ataque, juntamente com outros camaradas e alguns graduados, a fim de quebrar o ímpeto do IN e de recolher os mortos e feridos.
0 ataque durou cerca de 20 minutos, sendo a retirada do IN apoiada com tiros de mort 82 e canhão s/r que incidiram sobre a estrada, e especialmente sobre os 2 últimos Gr Comb (l° e 2º) da CCAÇ 12, assim como rajadas enervantes de pistola metralhadora, de posições que ainda não se haviam revelado, nomeadamente de cima das árvores.
Pelos elementos da frente foram ouvidos gritos de dor entre as fileiras do IN, tendo o rápido reconhecimento da zona confirmado que este deveria ter tido vários feridos e mortos prováveis [Esta parte do relatório era música, para não desmoralizar ainda mais as NT e sobretudo enganar o comando].
Em consequência da emboscada IN, uma das mais violentas de que há memória na região do Xime, pelo seu impacto sobre as NT, a CART 2715 [Xime] sofreu 5 mortos (l Furriel Mil) e 7 feridos, e a CCAÇ 12 teve 2 feridos (dos quais 1 grave, o Sold Sajuma Jaló), e 1 morto (o picador e guia permanente das NT Seco Camará, na altura ao serviço da CCS do BART 2917, e que do antecedente já tinha dado provas excepcionais de coragem e competência, tendo participado com a CCAC 12 em quase todas as operações a nível de Batalhão no Sector Ll).
Sob a protecçãodo helicanhão (que seguia para Mansambá no momento em que foi pedido o apoio aéreo), os 2 Agr regressaram ao Xime, com 2 Gr Comb do Agr B [1º e 2º da CCAÇ 12] a abrir caminho por entre a mata densa, 1 Gr Comb do Agr C [ 2715] a manter segurança à rectaguarda e os restantes empenhados no transporte dos feridos e mortos, tendo as heli-evacuações sido feitas numa clareira já perto de Madina Colhido e depois de percorridos mais de 5 Km, em condições extremamente penosas [No helicóptero vinha uma ou mais enfermeiras-paraquedistas].
Notícias posteriores admitiam que nesta emboscada o IN tivesse sofrido 6 mortos. Entretanto, desta reacção do IN contra a penetração das NT num dos seus redutos, concluiu-se que aquele foi excepcionalmente bem comandado porque:
(i) escolheu um local que por ser muito fechado dificultava a manobra;
(ii) utilizou pessoal em cima de árvores para ter uma melhor visão e comandamento sobre as NT;
(iii) tinha a retirada preparada com armas colectivas (morteiro, canhão s/r) que só se revelaram na quebra de contacto;
(iv) fez fogo de barragem, especialmente de LRockets, sobre o Gr Comb que seguia na vanguarda, permitindo lançar-se ao assalto.
Durante este mês [de Novembro de 1970] a CCAÇ 12 continuou empenhada na segurança aos trabalhos de construção da estrada Bambadinca-Xime [a cargo da empresa TECNIL].
De 1 a 10 [de Novembro de 1970], o 2º Gr Comb esteve de reforço a Missirá juntamente com o Pel Caç 54, patrulhando e montando emboscadas na região de Sancorlã/Salà e margem do RCuio/RGambiel, com a missão de interceptar uma coluna de reabastecimento IN que, segundo notícias que não se vieram a confirmar, seguiria de Madina/Belel para a área de Bafatá.
Realizou-se ainda uma coluna logística até ao Saltinho.
Vd. Mapa do Sector L1 (Xime-Bambadinca-Xitole) / Zona Leste / Guiné (1969/71)
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Abreviaturas:
Agr = Agrupamento
BART = Batalhão de Artilharia
CART = Companhia de Artilharia
CCAÇ = Companhia de Caçadores
CCS = Companhia de Comando e Serviços
FA = Força Aérea
Gr Comb = Grupo de Combate
IN = Inimigo
LRockets = RPG, lança-granadas
Mil = Miliciano
mort = Morteiro
NT = Nossas Tropas
Op = Operação
Pel CCAÇ = Pelotão de Caçadores (nativos)
PCV = Posto de comando volante (em geral, de avioneta Dornier)
R = Rio
s/r = (canhão) sem recuo
Sold = Soldado
Trata-se de um documento que eu escrevi, no final da minha comissão, ainda em Bambadinca, tendo acesso a todos os arquivos classificados da companhia, o que só foi possível com a cumplicidade de vários camaradas meus, de um dos sargentos e até do meu capitão que, embora assustado com o resultado final do trabalho que me encomendara, fechou os olhos à minha ousadia e até me deu um louvor... Eu compreendo a sua delicada posição: devia estar já com os seus 37 ou 38 anos, com 4 comissões no ultramar (se não me engano) e à beira de ser promovido a major.
Trinta anos depois fui encontrá-lo no posto de coronel e confessei-lhe, candidamente, que tinha tomado a liberdade de distribuir, na época, uns tantos exemplares, clandestinos, aos tugas da companhia... De facto, ainda em Bambadinca, foram tiradas a stencil umas escassas dezenas de exemplares da história não autorizada da CCAÇ 12, antes de embarcarmos para a metrópole, em rendição individual (os nossos soldados africanos, esses, continuaram a servir a CCAÇ 12, muitos deles até ao final da guerra, aquartelados no Xime, desde 1973). Tenho para com estes últimos um sentimento de gratidão e de reconhecimento, mesmo sabendo que estavam do lado errado da guerra e da história.
2. Em homenagem ao furriel miliciano Cunha, ao soldado Soares e aos outros camaradas da CART 2715 (aquartelada no Xime) que morreram na Operação Abencerragem Candente, na madrugada de 26 de Novembro de 1970 (dias depois da invasão de Conacri, a 22, por uma força comandada por Alpoim Galvão e na qual participaram os meus vizinhos da 1ª Companhia de Comandos Africanos, estacionados em Fá Mandinga).
Tenho mais dificuldade em me curvar perante a memória do Seco Camará, mandinga do Xime, embora reconheça que ele foi um valoroso e competente guia e picador das nossas tropas, durante anos. Mas também foi um homem para os "trabalhos sujos da guerra": ele próprio me confessou um dia, com aquela autoridade e candura africanas de homem grande, que nos anos da "política de terra queimada", da repressão brutal às populações do Xime que simpatizavam com (ou apoiavam) a guerrilha, ao tempo do Governador e Comandante-Chefe, General Arnaldo Schultz, entre 1964 e 1967, ele próprio era encarregue pelo "capitão tuga do Xime" para matar, à paulada, em pleno mato, os elementos suspeitos, capturados... No regresso ao quartel, o capitão, "manga de bom pessoal", pagava-lhe um sumol (sic)...
O coitado do Seco Camarà, peça insignificante da máquina de guerra colonial, foi ao mesmo tempo um tenebroso carrasco e uma pobre vítima, como muitos outros guinéus, e nomeadamente dos pertencentes aos grupos étnicos islamizados... Morreu ingloriamente em Novembro de 1970, nesta operação que eu aqui evoco e em que participei. Recordo-o, ainda hoje, com o seu inseparável cachimbo e o seu ar de cão rafeiro... Nunca saberei se algum se sentiu português. Sei apenas que foi um bravo soldado, e eu não posso julgá-lo com bases nos meus valores ou princípios éticos. Alguém, da população do Xime, nos traiu nessa noite fatídica. A nós e ao Seco Camarà. Onde quer que ele esteja, no céu ou no inferno dos mandingas, paz à sua alma!
3. Pertencente na altura ao 4º Grupo de Combate da CCAÇ 12, fui um dos que resgatei o corpo do furriel miliciano Cunha (que era de Braga). Gostava muito dele, éramos amigos. Tinha passado a noite de 25 para 26 na conversa com ele entre dois copos, no Xime, a fazer horas para a trágica saída na madrugada seguinte.
O segundo comandante do BART 2917 (não vale a pena citar o seu nome, já que ainda pertence ao número dos vivos) obrigara-nos a seguir o mesmo trilho da véspera: escassas horas depois, o Cunha estava morto mais quatro tugas e o guia e picador Seco Camará.
O Cunha, o pequeno e valoroso Cunha, ainda com o seu ar de criança tímida, era o único dos seis que não estava desfeito pelos rockets. Tinha apenas um fiozinho de sangue na testa: o primeiro tiro fora, seguramente, para ele que ia à frente da secção, juntamente com o Seco Camarà. A imagem que tenho dele, era que estava a dormir, exausto, no capim, quando cheguei à sua beira. Ainda lhe dei uma bofetada: “Acorda, meu sacana!”…
Como garante o Guimarães (da CART 2716, do Xitole), o Cunha que fez a recruta com ele e foi mobilizado para a Guiné no mesmo Batalhão (BART 2917), "deve estar no céu porque era um homem bom".
4. Nunca mais consegui esquecer essa maldita operação, em que até mesmo os meus soldados fulas, que eram bravos soldados, tiveram medo… Foi a maior emboscada que eu sofri, e também a mais mortífera que apanhámos na região do Xime. Mas não dei um tiro. Nunca dei um tiro, na Guiné, a não ser a um desgraçado de um jagudi (abutre) a quem nem sequer felizmente acertei…
Recordo esta estória, em homenagem também aos que morreram e aos que sobreviveram, em Portugal, na Guiné e noutros teatros de guerra, aos homens e mulheres que contribuiram, de mil e uma maneiras, para que hoje, 25 de Abril de 2005, nós possamos estar aqui a falar de liberdade, a recordar a guerra e a fazera paz connosco próprios, a praticar a liberdade com a mesma naturalidade com que respiramos...
5. Na elaboração da história da minha companhia (ex-CCAÇ 2590 e, depois, CCAÇ 12) que é também a história militar do Sector L1 / Zona Leste da Guiné entre meados de 1969 e o 1º trimestre de 1971, segui, em muitos casos, o teor dos relatórios de operações que eram feitos pelos alferes milicianos ou pelo capitão, passado pelo crivo da minha própria experiência como operacional ou do relato dos meus camaradas, furriéis milicianos... Dentro dos condicionalismos da época, procurei ser objectivo, procurando obretudo não fazer a hagiografia que era corrente na história de outras companhias independentes ou de companhais integradas em batalhões: "Fomos os melhores, chegámos, vimos e vencemos!"...
Nesta como noutras operações, há passagens muito discutíveis como aquela em que se sugere que o IN sofrera baixas prováveis... Há aqui um branqueamento da situação, o que era frequente entre nós: depois da violentíssima emboscada de que fomos vítimas, ninguém estava em condições, físicas e psicológicas, de fazer o reconhecimento do local e, muito menos, de ir em perseguição dos guerrilheiros... Seis mortos e nove feridos exigem, no mínimo, a afectação de dois grupos e combate (60 homens) para o eu transporte...
Esta falsificação da realidade ou, no mínimo, o seu branqueamento era frequente entre oficiais milicianos e do quadro: enganavam-se uns aos outros, enganavam Bafatá (onde estava o comando da zona leste, o COP 7, se não me engano), enganavam Bissau (o quartel-general) e enganavam Lisboa (sede do Governo, não democrático, do país, que por sua vez enganava o Zé Portuga!)... Tudo isso acabava por ter consequências pesadas, para o pessoal no terreno, que era obrigado a executar operações mal planeadas... De facto, não se pode ganhar uma guerra, escamoteando ou ignorando informação! Pessoalmente, eu já sabia isso, desde os meus quinze ou dezasseis anos...
A verdade, trágica, terrível e humilhante, é que o IN destroçou ou neutralizou seis grupos de combate (2 agrupamentos), matou seis elementos das NT, feriu outros nove e ainda por cima levou-lhes as armas!... E só não levou os corpos porque houve ainda um resto de coragem física, de solidariedade e de determinação (outros chamam-lhe heroísmo!). No relatório da operação ninguém quis dizer o que era óbvio: os erros de planeamento da operação, as imprevidências, a imprepração da nossa tropa fandanga, a total incompetência e a arrogância militarista do major (periquito) que comandou a operação (de avioneta!)...
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(17) Novembro/70: Violenta reacção do IN à penetração das NT em Ponta do Inglês durante a Op Abencerragem Candente
Embora se admitisse que o seu dispositivo no Sector L1 [correspondente ao triângulo Xime-Bambadinca-Xitole] tivesse sofrido importantes alterações, uma vez que se havia manifestado fracamente nos últimos meses, em especial no sub-sector do Xime, o IN não deixaria, no entanto, de reagir violentamente à penetração das NT em Ponta do Inglês no decurso da Op Abencerragem Candente, causando 6 mortos e 9 feridos [Se a memória me não falha, o aquartelemento da Ponta do Inglês, controlando a entrada no Rio Corubal, tinha sido abandonada por decisão do brigadeiro Spínola, logo no início do seu consulado, ainda em 1968].
Participaram nesta operação as seguintes forças, constituindo 3 Agrupamentos [num total estimado em cerca de 250 homens]:
(i) a CCAÇ 12 (sedeada em Bambadinca, ao serviço do BART 2917), a 3 Gr Comb (2° e 4º);
(ii) a CART 2715 (aquartelada no Xime), também a 3 Gr Comb;
e (iii) a CART 2714 (aquartelada em Mansambo), a 2 Gr Comb.
A missão era patrulhar a área definida pelo RGeba-Corubal-Buruntoni-Canhala a fim de:
(i) explorar eventuais vestígios IN;
(ii) deixar vestígios da passagem das NT e panfletos de acção psicológica;
e ainda (iii) contactar com a população desarmada, convidando-a a apresentar-se.
Os 3 Agrupamentos actuariam independentemente e por itinerários diferentes mas de modo a apoiar-se em caso de necessidade: Agr A (CART 2714), Agr B (CCAÇ 12) e Agr C (CART 2715).
No planeamento da operação, o Agr B faria a nomadização da região compreendida entre o RGundagué e a estrada (interdita) Xime-Ponta do Inglês, montando emboscadas durante a noite na área de Darsalame Baio e reunindo-se ao Agr C no nosso antigo aquartelamento da Ponta do Inglês, enquanto este bateria a região compreendida entre a referida estrada e o RCorubal, emboscando-se na área do Poindon.
Notícias de elevada classificação admitiam que o IN tivesse retirado do Sector 2 [também conhecido por região do Xitole e já na altura integrado na Frente Xitole / Bafatá ] dois bigrupos (Poindon e Baio) e um grupo de artilharia (Mangai).
De qualquer modo, depois da Op Boinas Destemidas [levada a efeito em Outubro de 1970 pela CCAÇPARAS 123 na região de Ponta Varela, e da qual resultara a morte de sete guerrilheiros e a captura do respectivo armamento], O IN revelara-se apenas uma única vez (um grupo de 5 elementos tinha flagelado o Xime com armas ligeiras no mês anterior).
Desenrolar da acção:
A 25 [de Novembro de 1970], pelas 7h, os Agr B e C saíram do Xime, no momento em que Mansambo era atacado com mort 82, LRockets e armas ligeiras por um grupo IN não estimado, atrasando a saída do Agr A. Em Madina Colhido experimentaram-se os rádios, verificando-se que o do Agr B só ligava com Bambadinca e o do Agr C com o Xime, não havendo ligação entre eles.
Por outro lado, tentando-se também entrar em ligação com o PCV [posto de comando volante], esta não foi conseguida, uma vez que a frequência terra-ar que fora atribuída à operação não estava dentro das gamas de frequência da FA.
Em virtude disso, os 2 Agr foram obrigados a seguir juntos [grave erro!, direi hoje, pensando no comprimento de centenas de metros da coluna, em marcha, qual cobra sulcando o alto capim da savana arbustiva da região]. Depois de atingirem a Ponta Varela, contornaram a bolanha em direcção da antiga tabanca de Poindon, não tendo detectado entretanto vestígios recentes de presença IN nem de população.
Ao escurecer, e quando as NT se preparavam para montar emboscadas, verificar-se-iam porém dois casos de intoxicação devido às conservas da ração de combate, pelo que tiveram de regressar ao Xime, aonde chegaram pelas 21h.
Entrando-se em contacto rádio com o comando de Bambadinca, a comunicar-se o sucedido e a pedir-se instruções, foram dadas ordens para os Agr B e C seguirem para a Ponta do Inglês pela respectiva estrada, ao raiar da madrugada do doutro dia [26 de Novembro], e aonde deveriam aguardar novas instruções [segundo erro, e este o mais grave!].
A 26, pelas 5.45 h da madrugada, iniciou-se de novo a marcha, tendo a progressão decorrido normalmente, e sem se notarem sinais de recente passagem nos trilhos do Baio e nas imediações do acampamento destruído durante a Op Boinas Destemidas em Xime 3C1-29.
Três horas depois, pelas 8.50h, já perto da Ponta do Inglês, o IN desencadearia uma violenta emboscada em L sobre a direita, precedida por um tiro isolado que foi confundido com um sinal de aviso duma eventual sentinela avançada, e que apanhou na zona de morte os 3 Gr Comb do Agr C [ CART 2715] e 1 Gr Comb (4º) do Agr B [CCAÇ 12].
Os primeiros tiros do IN, especialmente de LRockets, atingiram mortalmente o picador e guia do Agr B, Seco Camará, que ia na frente, e os quatro homens que o seguiam, incluindo um graduado [furriel miliciano Cunha], tendo ferido gravemente outro. Com rajadas sucessivas de LRockets e armas automáticas o IN, fixando as NT, lançou-se ao assalto sobre os primeiros homens, mortos ou gravemente feridos, conseguindo apanhar-lhes as armas, e só não os levando devido a pronta reacção das NT.
É de destacar aqui a acção heróica dos soldados Soares (CART 2715), que veio a ser mortalmente ferido, Sajuma (apontador de bazooka do 4º GR Comb/CCAÇ 12) que ficou ferido numa perna, e Ansumane (apontador de dilagrama, também do 4º Gr Comb/CCAÇ 12, ferido ligeiramente nas costas), que se lançaram ao contra-ataque, juntamente com outros camaradas e alguns graduados, a fim de quebrar o ímpeto do IN e de recolher os mortos e feridos.
0 ataque durou cerca de 20 minutos, sendo a retirada do IN apoiada com tiros de mort 82 e canhão s/r que incidiram sobre a estrada, e especialmente sobre os 2 últimos Gr Comb (l° e 2º) da CCAÇ 12, assim como rajadas enervantes de pistola metralhadora, de posições que ainda não se haviam revelado, nomeadamente de cima das árvores.
Pelos elementos da frente foram ouvidos gritos de dor entre as fileiras do IN, tendo o rápido reconhecimento da zona confirmado que este deveria ter tido vários feridos e mortos prováveis [Esta parte do relatório era música, para não desmoralizar ainda mais as NT e sobretudo enganar o comando].
Em consequência da emboscada IN, uma das mais violentas de que há memória na região do Xime, pelo seu impacto sobre as NT, a CART 2715 [Xime] sofreu 5 mortos (l Furriel Mil) e 7 feridos, e a CCAÇ 12 teve 2 feridos (dos quais 1 grave, o Sold Sajuma Jaló), e 1 morto (o picador e guia permanente das NT Seco Camará, na altura ao serviço da CCS do BART 2917, e que do antecedente já tinha dado provas excepcionais de coragem e competência, tendo participado com a CCAC 12 em quase todas as operações a nível de Batalhão no Sector Ll).
Sob a protecçãodo helicanhão (que seguia para Mansambá no momento em que foi pedido o apoio aéreo), os 2 Agr regressaram ao Xime, com 2 Gr Comb do Agr B [1º e 2º da CCAÇ 12] a abrir caminho por entre a mata densa, 1 Gr Comb do Agr C [ 2715] a manter segurança à rectaguarda e os restantes empenhados no transporte dos feridos e mortos, tendo as heli-evacuações sido feitas numa clareira já perto de Madina Colhido e depois de percorridos mais de 5 Km, em condições extremamente penosas [No helicóptero vinha uma ou mais enfermeiras-paraquedistas].
Notícias posteriores admitiam que nesta emboscada o IN tivesse sofrido 6 mortos. Entretanto, desta reacção do IN contra a penetração das NT num dos seus redutos, concluiu-se que aquele foi excepcionalmente bem comandado porque:
(i) escolheu um local que por ser muito fechado dificultava a manobra;
(ii) utilizou pessoal em cima de árvores para ter uma melhor visão e comandamento sobre as NT;
(iii) tinha a retirada preparada com armas colectivas (morteiro, canhão s/r) que só se revelaram na quebra de contacto;
(iv) fez fogo de barragem, especialmente de LRockets, sobre o Gr Comb que seguia na vanguarda, permitindo lançar-se ao assalto.
Durante este mês [de Novembro de 1970] a CCAÇ 12 continuou empenhada na segurança aos trabalhos de construção da estrada Bambadinca-Xime [a cargo da empresa TECNIL].
De 1 a 10 [de Novembro de 1970], o 2º Gr Comb esteve de reforço a Missirá juntamente com o Pel Caç 54, patrulhando e montando emboscadas na região de Sancorlã/Salà e margem do RCuio/RGambiel, com a missão de interceptar uma coluna de reabastecimento IN que, segundo notícias que não se vieram a confirmar, seguiria de Madina/Belel para a área de Bafatá.
Realizou-se ainda uma coluna logística até ao Saltinho.
Vd. Mapa do Sector L1 (Xime-Bambadinca-Xitole) / Zona Leste / Guiné (1969/71)
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Abreviaturas:
Agr = Agrupamento
BART = Batalhão de Artilharia
CART = Companhia de Artilharia
CCAÇ = Companhia de Caçadores
CCS = Companhia de Comando e Serviços
FA = Força Aérea
Gr Comb = Grupo de Combate
IN = Inimigo
LRockets = RPG, lança-granadas
Mil = Miliciano
mort = Morteiro
NT = Nossas Tropas
Op = Operação
Pel CCAÇ = Pelotão de Caçadores (nativos)
PCV = Posto de comando volante (em geral, de avioneta Dornier)
R = Rio
s/r = (canhão) sem recuo
Sold = Soldado
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