1. Nos úlimos dias descobri alguns camaradas de armas:
(i) que estiveram comigo na Guíné, na mesma altura, entre 1969 e 1970; foi o caso ex-furriel miliciano David J. Guimarães, do Porto, que esteve no Xitole e que voltou à Guiné em 2001, como turista, com um grupo de ex-combatentes, incluindo, o médico psiquiatra, ex-alferes miliciano, Dr. Vilar, ambos do BART 2917;
(ii) ou que passaram pelos mesmos sítios que eu pisei, embora mais tarde (caso do Sousa de Castro, de Viana do Castelo, o ex-1º cabo radiotelegrafista da CART 3494, que esteve aquartelada no Xime e depois em Mansambo, entre Janeiro de 1972 e Abril de 1974).
Eles têm-me fornecido fotos, testemunhos e outra documentação que vou utilizar, com a sua devida autorização, para recordar esses tempos. Este blogue também é deles e para eles, para todos os meus ex-camaradas de armas da Guiné, e em especial os que estiveram no Sector L1, Zona Leste: Xime, Enxalé, Missirá, Fá, Bambadinca, Nhabijões, Mansambo, Xitole, Ponte dos Fulas... Mas que também passaram por outros sítios a onde guerra ainda não chegava: Contuboel, Bafatá...
O limite temporal é arbitrário: coincide com a minha comissão, a primeira comissão da CCAÇ 2590 (depois CCAÇ 12). Mas há outros camaradas que vieram antes e outros que chegaram depois. Sejam bem vindos. Podem mandar os vossos comenários para o responsável do blogue-fora-nada. Prometo divulgá-los aqui ou na minha página pessoal na Net.
2. Aqui ficam alguns excertos das mensagens que temos, eu, o Castro e o Guimarães, trocado:
29 de Abril de 2005:
"Autorização dada para usares todo e qualquer documento que te envie. Aliás, muito gostaria que as pessoas que viveram por lá conseguissem ver o que é hoje a Guiné. Ninguém entenderá como uma pedra, somente uma pedra fotografada ou um sulco, é tão importante para um combatente: no Xitole vêem-se restos de abrigos e sulcos na terra; ora só nós, os combatentes, conseguimos saber o que é isso, pois sabemos bem o que é uma vala e a utilidade dela quando éramos bombardeados (e eu fui-o várias vezes) (...).
"Em breve te enviarei fotos de Bafatá e Bissau. Enfim ficarás, por exempo, a saber que o célebre café Bento, a 5ª Rep[artição], é hoje uma bomba de gasolina da Galp...
"Abraço, David Guimarães".
29 de Abril de 2005:
" (...) Não foi a minha companhia (CART 3494) que se deslocou para o Cantanhês mas sim, a CART 3493. Nós (CART 3494) saímos do Xime mais ou menos em Abril de 1973 para Mansambo e a CART 3493 de Mansambo para o Cantanhês. Está percebido?
"Aproveito para informar a sequência dos DVD, para o caso de quererem fazer uma capa (...). Embora não os conheça pessoalmente, não me incomoda nada de partilhar algo, que de uma forma ou de outra nos tocou profundamente. Devo dizer também que a pessoa que me forneceu este magnífico trabalho certamente irá ficar satisfeito por o dar a conhecer. Então é assim:
"1º DVD: Introdução, Viagem para a Guiné, Cidade de Bissau, Hospital militar e arredores; Interior da Guiné: Cumuré, Jugudul, Xime.
"2º DVD: Xime, Mansambo, Quebo (antiga Aldeia Formosa), Fonte Balana, Chamarra, Buba (Aldeia Turística), Destacamento de Buba, De norte para sul.
"3º DVD: Guidage, Binta, Farim, Jumbembem, Canjambri, Fajonquito; Zona leste: Bafatá, Bambadinca, Xitole; a sul da Guiné: Empada, Chugué, a caminho de Bedanda;
4º DVD: A caminho de Bedanda, Cacine, Gadamael Porto, Cobumba, Catió, Saltinho (A tabanca), Bissau.
"Abraço. Castro".
29 de Abril de 2005:
"Amigo Castro: Obrigado pelos DVD, pelas fotos e sobretudo por estas tuas preciosas informações que me ajudam a reconstituir, na minha memória, o puzzle da Guiné. Sempre defendi que a forma de gerirmos o stresse pós-traumático de guerra, como diz o psiquiatra Afonso Albuquerque, é falarmos e escrevermos sobre esta nossa experiência de juventude, que nos marcou a todos, a uns mais e a outros menos...
"Não sabia que a CCAÇ 12 vos tinha rendido, no Xime, e que vocês foram para o Cantanhês (fiz uma grande operação nessa zona, na mata do Morès, onde já não se ia há vários anos, depois conto-te: uma operação dramática, como o Beja Santos, de Missirá) (...).
"Continua a dar notícias. Agradeço também os teus links e outros documentos sobre a guerra colonial. Sempre que puder, vou pondo coisas na Net... Pode ser que apareça mais maralha a querer abrir o baú das memórias, como aconteceu com O Jornal na década de 1980...... Bom fim de semana. Um grande abraço (Kandandu, em angolês). Luís"
29 de Abril de 2005:
"Guimarães: (...) Vou seleccionar algumas das tuas fotos, que são excelentes documentos porque nos falam dos sítios onde estivemos, por onde passámos... Nestes últimos dias , em que temos trocado mensagens e documentação (contigo e com o Castro), avivei muito mais a memória... Fui ao meu sótão e abri as pastas onde tenho os meus escritos... Houve uma altura em que escrevi muitas coisas, como eu te disse, para o semanário "O Jornal"... Isto foi no iníco dos anos 80...
"Na Guiné também tinha uma diário onde escrevia, irregularmente. Fiz a história da unidade (que é também em grande parte a do Sector L1/Zona Leste). Ontem descobri que estive na operação que abriu a estrada de Bambadinca - Mansambo (interdita desde meados de 1968). E julgo que foi a seguir que depois visitei, pela primeira vez, o Xitole. Vou-te mandar uns escritos sobre o inferno das colunas logísticas para Mansambo, Xitole e Saltinho. Curiosamente nunca cheguei a ir ao Saltinho!...
"Como já te disse, eu era de armas pesadas. Como a CCAÇ 12 não tinha armas pesadas, acabei em atirador, tendo passado por todos os grupos de combate e por todas as secções e... por quase todas as operações que a CCAÇ 12 fez no meu tempo!
"Vou pôr algumas das tuas fotos na minha página, na secção Subsídios para a história da guerra colonial. Claro que mencionarei o teu nome e espero que me ajudes a criar as legendas. As coisas têm que ser explicadas e contextualizadas. Um abração, L.G.".
28 de Abril de 2005:
"Vou enviar amanhã, sexta feira, os DVD. A foto do quartel em Mansambo, publicada na tua página, para além de ter sido sede da CART 3493 também foi sede da CART 3494 a partir de Abril de 1973 até final de comissão. Digamos que foi o nosso descanso. Fomos rendidos no Xime pela vossa companhia, a CCAÇ 12, tendo a CART 3493 sido deslocada para a zona do Cantanhês.
"Foi a vossa companhia que nos rendeu e, pelo que sei, embrulharam muitas vezes. De Janeiro de 1972 a Abril de 1973, a CART 3494 sofreu no Xime 17 ataques alguns deles de foguetões, não falando dos vários contactos com o IN que a companhia sofreu no terreno (...). Creio que a CCAÇ 12 ficou no Xime até ao final da guerra. Em Mansambo sofremos unicamente um ataque ao quartel e levantámos algumas minas. Cumprimentos. Castro".
27 de Abril de 2007:
"Castro: Fico muito sensibilizado pela tua gentileza. Pus as tuas fotografias na minha página na Net. Em princípio, tenho a tua autorização. Se alguma coisa estiver errada, diz-me, que eu corrijo ou retiro. Vou pedir também ao Guimarães para me autorizar a divulgar as suas fotos (desde que não sejam muito pessoais ou que não envolvam terceiros facilmente identificáveis)...
"Acho que temos a obrigação, moral e até histórica, de dar a conhecer tudo isto à geração dos nossos filhos e dos filhos dos nossos amigos (...). No princípio da década de 1980, ajudei o jornalista Afonso Praça (que tinha estado em Angola) a lançar uma campanha no semanário O Jornal (que já não existe, uma parte dos jornalistas deram depois origem à actual Visão)... Durante semanas e semanas a malta da guerra colonial foi aos baús e desenterrou as suas memórias. Eu próprio publiquei uma data de artigos e caiu no goto a minha frase Exorcizar os fantasmas da guerra colonial... Mais tarde os gajos do Conselho do Revolução começaram a fazer pressões para acabar com a brincadeira... Na época, o Costa Gomes não gostou nada. O Afonso Praça, infelizmente, já morreu e ficou na redacção do Jornal uma série de materiais (fotos, mapas, documentos...) que eu lhe emprestei para uma grande exposição que nunca se chegou a realizar... Houve camaradas que me emprestaram fotos e que ficaram sem elas! Mas um dia ainda vou tirar isto a limpo (...)".
27 de Abril de 2005:
"O convívio da nossa CART é no último sábado de Maio e é sempre assim que se combinou. Por norma os convívios são aqui no Norte, dado o grosso do pessoal ser desta região. O máximo a sul que fizemos foi na em Vieira de Leiria... Paços de Ferreira, Espinho, Matosinhos, Viseu, Gaia (dentro do quartel), Lourosa, Viana do Castelo e agora em Muro (Vila do Conde), têm sido os locais escolhidos para os almoços de convívio...
"Só os quadros é que são do sul: os Furriéis Rei e Augusto, de Azeitão; o Ferreira, de Leiria; o Marques, vagomestre, do Montijo; o Cabete, da Figueira; eu e o Ribeiro e Silva daqui [Porto]... Os 1ºs Sargentos Santos e Pires, o primeiro de Leiria e o segundo daqui. O Alferes Correia é daqui bem como o Coutinho. O Soares, de Algueirão, nunca veio... O Sampaio faleceu. O Capitão Espinha de Almeida também é daqui. No ano passado esteve connosco o Major (Coronel Aposentado) Anjos de Carvalho... Vamos ver se este ano vem também o [major de operações] Barros e Bastos... O Polidoro Monteiro e o Magalhães Filipe já faleceram. O Polidoro Monteiro, sim, operacional, como tu dizes e bem, sempre o foi...
"Quanto ao Vilar fácil será encontrá-lo, Psiquiatra Marques Vilar, vais dar a ele [em Aveiro]...Poderei arranjar a direcção dele, fica descansado.
"Quanto ao Rebelo e ao Rocha, eram Furriéis da nossa CCS, é a esses que me refiro. O Vinagre também era o Furriel Mecânico da CCS.... Quanto ao Padre Poim, sim, era açoriano, foi expulso da Guiné pela Pide. Ele parece que vive lá para os Açores mas saiu de clérigo... Contudo já há muito tempo que não ouço falar dele... Este Furriel Rocha, das Operações Especiais, foi o encarregue dos reordenamentos em Nhabijões.
"Quanto ao [primeiro sargento] Brito era um gajo porreiro, sim. Sei que depois voltou noutra Comissão à Guiné, disse-me um nativo quando lá fui [em 2001], foi mais para o lado de Bafatá (...). Pessoalmente eu dava-me bem com o Brito".
26 de Abril de 2005:
Este mapa [do Sector L1]é muito bom: hoje pude melhor recordar nomes que dia a dia passavam nas nossas cabeças.
"No fim, no Xitole tínhamos, como sabes, acampamentos deles muito próximos. Se Seco Braima era muito ligado à agricultura, já Satecuta parecia uma cidade militar. É verdade! A minha companhia conseguiu lá entrar - eu não fui nessa operação, estava para vir de férias e esparava a avioneta. Bem, mais tarde, nova operação e lá fui eu. Que raio, nunca apanhei tanto fogo num dia! E não conseguimos entrar (...). Obrigado pelo mapa (...).
"A Ponte dos Fulas era um acampamento do Xitole precisamente para guardar aquela ponte. Breve te enviarei os documentos fotográficos actuais: verás o fortim, na Ponte dos Fulas, intacto. Sei que foste ao Xitole, então reconhecerás algo, tenho a certeza. Até mais, abraço, Guimarães".
23 de Abril de 2005:
"Bom, cá com as minhas pesquisas, já consegui alguma coisa, pelo menos o Guimarães encontrou alguém do tempo dele. Como é bom descobrir camaradas de guerra e divulgar, a todos, os contactos que tenho relacionados com essa mesma guerra. Quero dizer também ao Guimarães que, com as fotos que enviei para o Luís Graça, mencionei sempre o nome de quem as cedeu. O seu a seu dono (...).
"Possuo um excelente filme em DVD gravado em Novembro de 2000 por um grupo de dez ex-combatentes que se deslocaram em visita à Guiné. Se estiverem interessados cá o ex- 1º cabo radiotelegrafista Castro não se importa de fazer mais uma cópia (...). Havemos de promover um encontro entre cibernautas que tenham a ver com a Guiné. Um grande abraço para todos. Castro".
22 de Abril de 2005:
"Obrigado, David. Vejo que somos do mesmo ano (nasci em 1947). Regressei da Guiné em Março de 1971. E fui, de facto, algumas vezes ao Xitole. Ou pelo menos fiz muitas operações para te podermos levar o pão e a cerveja de cada dia… Comi muito pó a caminho de Mansambo e do Xitole, tal como tu quando vinhas a Bambadinca… Ainda gostaria de fazer esse percurso a pé… Dizes-me que agora está alcatroada… Nunca mais lá voltei [à Guiné]. Tenho ido a Angola, em trabalho.
"É muito possível que tenhamos confraternizado. Vou revisitar os meus escritos, para ver se fizemos alguma operação em conjunto. Era mais frequente trabalharmos, nós, o da CCAÇ 12, com a malta do Xime e de Mansambo. Vou-te mandar uma fotografia minha desse tempo. E tu podes fazer o mesmo. Vou ter que a digitalizar. Eu na altura não ligava muito às fotografias. Mas escrevi um diário, além da história da CCAÇ 12.
"Sou eu mesmo, o Furriel Henriques (também me chamavam o Soviético ou o Camarada Sov…), que resgatei o corpo do Cunha (que era de Viana do Castelo, se bem me lembro). Gostava muito dele, éramos amigos. Passei a noite na conversa com ele entre dois copos, no Xime, nessa trágica operação em que o (...) [vosso segundo comandante] nos obrigou a seguir o mesmo trilho da véspera (não foi no Mato Cão, mas a caminho da Ponta do Inglês, do lado de cá do rio): escassas horas depois, eu iria resgatar o seu corpo (...).
"(...) Estive debaixo de fogo bastantes vezes. Apanhei de tudo: assalto a aquartelamentos do IN, flagelações a tabancas, explosão de mina anticarro (salvou-me a minha velha GM, mas duas secções inteiras ficaram neutralizadas e o outro furriel, o Marques, fez mais dois anos de tropa, no hospital militar…). Foi no regresso ao aquartelamento que eu perdi as estribeiras. E a seguir a mim foi o capitão do Xime, um jovem capitão do quadro, de 24 anos… Um dia destes mando-te o relatório dessa operação, já na parte final da nossa comissão: foi uns dias depois da invasão de Conacri, em Novembro de 1970… (A propósito, convivi muito com os gajos dos comandos e vi alguns morrerem)…
"Olha, gostei muito das tuas fotografias. O Castro já me tinha mandado umas tantas (Bissau, Bafatá, Xime). Se quiseres arranjo-te um sítio na Net para as divulgar (http://www.care2.com). Há muita malta do nosso tempo que irá sentir-se feliz por rever os sítios mágicos e ao mesmo trágicos onde vivemos (quase dois anos das nossas vidas!).Um abraço. Luís".
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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