Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > O Dauda "Vigeas", "filho do vento" e "mascote da companhia" (*): (i) com outros meninos da Tabanca, a brincar numa poça de água, junto à capelinha; (ii) vivia praticamente com os militares, que o alimentavam e cuidavam dele; (iii) como os carimbos da secretaria da CART 1613, na testa e no braço; dizia-se, na caserna, que era a cara chapada do pai; morreu por volta de 2009, com cerca de 45 anos; era casado e pai de duas filhas; a família vivia em Bissau (**)
(...) Como escreveu o nosso saudoso capitão SGE Zé Neto (1929 - 2007), "eram todos de etnia fula, de raça negra a população de Guiléle], com excepção de um menino mestiço. Este menino, na altura com onze, doze meses de idade, era filho da Sona, uma jovem de Cacine, comprada pelo alfaiate de Guileje para ser a sua terceira esposa. Tinha o nome de Dauda, mas era tratado por todos nós por Viegas, apelido do pai, capitão que comandara a companhia de Cacine [CCÇ 799, 1965/67]. Ainda hoje, quando revejo as dezenas de fotografias que fiz do garoto, acho que poderíamos anteceder Silva a Viegas [Silva Viegas]. Foi pela minha mão que o miúdo deu os primeiros passos. E foi por ele que, suponho, arrisquei a vida quando, num ataque bem apontado, as morteiradas atingiram a zona da cozinha, lenheiro e depósito de géneros. (...) (*)
O Dauda teve no Zé Neto um protetor. E, história espantosa, em janeiro de 2010, a Júlia Neto, viúva do cap ref José Neto (1929-2007), foi conhecer a esposa e as duas filhas do Dauda (entretanto falecido havia pouco tempo), em Bissau
Fotos (e legendas): © José Neto (2005). Todos os direitos reservados, [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Mensagem do José Belo:
Data - 15 jun 2022, 13h45
Assunto - Discutir o Lusotropicalismo
Caro Luís
Na sequência dos textos “lusotropicais” do Camarada José Teixeira (***) segue um texto em busca de passíveis… diálogos!
Um abraço, J. Belo
Caro Luís
Na sequência dos textos “lusotropicais” do Camarada José Teixeira (***) segue um texto em busca de passíveis… diálogos!
Um abraço, J. Belo
[José Belo, jurista, o nosso luso-sueco, cidadão do mundo, membro da Tabanca Grande, (i) tem repartido a sua vida agora entre a Lapónia (sueca), Estocolmo e os EUA (Key West, Florida; (ii) foi nomeado por nós régulo (vitalício) da Tabanca da Lapónia, recusando-se a jubilar-se do cargo: afinal todos os anos pela primavera, corre o boato de que a Tabanca da Lapónia morre para logo a seguir ressuscitar, como a Fénix Renascida; (iii) na outra vida, foi alf mil inf, CCAÇ 2391, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); (iv) é cap inf ref (mas poderia e deveria ser corone) do exército português; (v) durante anos alimentou, no nosso blogue, a série "Da Suécia com Saudade"; (vi) tem 224 referências no nosso blogue.]
…
___________
O Lusotropicalismo visto "por dentro", analisado "desde fora": debate com cidadãos brasileiros de origem africana (****)
O termo Lusotropicalismo criado por Gilberto Freyre refere os elementos factuais, ideais, outros quase mitológicos, quanto a uma igualdade racial (quanto a ele procurada) pela cultura lusitana nos trópicos.
Uma política de miscigenação rácica, mais ou menos acentuada, tendo em conta variações locais de origem cultural, económica e social.
Nas colónias portuguesas esta política de miscigenação terá tido flutuações temporais em paralelo com flutuações políticas.
Todas estas condições, a somarem-se às demográficas, criaram disparidades bem representadas pelos exemplos de Goa, Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné.
Em muitos dos textos publicados neste blogue surge uma “fresca brisa“ de Lusotropicalismo.
Rico em detalhes de atentas observações, permeadas por sentimentalismos românticos, raiando os inatingíveis ideais da... poesia trovadoresca medieval!
Textos cuja importância surge de observações “in loco”.
O que emana destas descrições é o que se poderia referir como… Lusotropicalismo de dentro!
As especificidades criadas por uma envolvente situação de guerra obviamente que torna estas observações menos ricas na sua genuinidade. De qualquer modo seriam as únicas possíveis.
Verdadeiro privilégio dos que tiveram a oportunidade única de, através ampla “janela”, observar as realidades quotidianas na vida de isoladas Tabancas ainda não afectadas por profundas mudanças posteriores .
Os textos apresentados por José Teixeira, os saudosos Torcato Mendonça e “Alfero” Cabral, António Rosinha (com referências lusotropicais em Angola, Brasil e Guiné), entre tantos outros Camaradas com experiências semelhantes, todos nos levam ao tal lusotropicalismo visto…. por dentro!
Os textos, análises, descrições e debates, vindos “de fora”, espelham valores e critérios de outras culturas, sociedades, e não menos interesses, em tudo distintos do idealizado (!)
Lusotropicalismo.
Uma parcialidade acentuada pelas diferentes agendas políticas de alguns dos autores.
Algumas das legítimas críticas quanto ao trabalho forçado, impostos discricionários, e outros tipos de opressões a nível local, ficam quase obscurecidos quando isolados do todo orgânico que eram as realidades políticas das diversas potências coloniais.
A um nível eivado de subjetividades por pessoal, tive a oportunidade de participar em debates realizados na Suécia do início dos anos oitenta em que participavam estudantes universitários brasileiros, sendo a maioria de origem africana.
As especificidades criadas por uma envolvente situação de guerra obviamente que torna estas observações menos ricas na sua genuinidade. De qualquer modo seriam as únicas possíveis.
Verdadeiro privilégio dos que tiveram a oportunidade única de, através ampla “janela”, observar as realidades quotidianas na vida de isoladas Tabancas ainda não afectadas por profundas mudanças posteriores .
Os textos apresentados por José Teixeira, os saudosos Torcato Mendonça e “Alfero” Cabral, António Rosinha (com referências lusotropicais em Angola, Brasil e Guiné), entre tantos outros Camaradas com experiências semelhantes, todos nos levam ao tal lusotropicalismo visto…. por dentro!
Os textos, análises, descrições e debates, vindos “de fora”, espelham valores e critérios de outras culturas, sociedades, e não menos interesses, em tudo distintos do idealizado (!)
Lusotropicalismo.
Uma parcialidade acentuada pelas diferentes agendas políticas de alguns dos autores.
Algumas das legítimas críticas quanto ao trabalho forçado, impostos discricionários, e outros tipos de opressões a nível local, ficam quase obscurecidos quando isolados do todo orgânico que eram as realidades políticas das diversas potências coloniais.
A um nível eivado de subjetividades por pessoal, tive a oportunidade de participar em debates realizados na Suécia do início dos anos oitenta em que participavam estudantes universitários brasileiros, sendo a maioria de origem africana.
Mais tarde, no próprio Brasil, voltei a ter a oportunidade de debater o Lusotropicalismo, agora não só com jovens estudantes, mas com a participação de indivíduos que representavam de forma abrangente os mais diversos níveis culturais, sociais e políticos.
Tanto no Recife como em Manaus, São Salvador da Baía e Rio de Janeiro, as intervenções dos brasileiros de origem africana tinham em comum o facto de não aceitarem como verdadeiro o mito do mulato/mulata como um resultado de um relacionamento romântico, consentido, não violento na sua essência, entre o colonizador e a mulher africana escravizada.
Concordavam quanto a terem existido casos pontuais de tais romances mas, pelo seu número real em relação às violências exercidas pelo colono, não eram de modo algum justificativos de todo um mito criado por intelectuais privilegiados nas suas raízes europeias.
Como tantos de nós, recebi nos bancos escolares a tal ideia lusotropical a raiar o utópico.
Foi-me muito difícil, no início destes debates, aceitar no seu significado profundo estas descrições brasileiras em contraste total com tudo o que me fora “ensinado” nos verdes anos. Para mais, ensinado na forma paternalista tão normal nos tempos da ditadura.
Algumas das opiniões, e razões, apresentadas por estes brasileiros ainda hoje me provocam conflitos valorativos.
De qualquer modo, com todas as suas limitações, romantismos ingênuos e parcialidades analíticas, o Lusotropicalismo de Gilberto Freyre “sobreposto” às realidades sociais e raciais dos Estados Unidos do ano de 2022 torna muito difícil as graduações valorativas.
De qualquer modo, com todas as suas limitações, romantismos ingênuos e parcialidades analíticas, o Lusotropicalismo de Gilberto Freyre “sobreposto” às realidades sociais e raciais dos Estados Unidos do ano de 2022 torna muito difícil as graduações valorativas.
Um abraço do JBelo
2. Comentário do editor LG:
O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa define assim o luso-tropicalismo:
luso-tropicalismo | n. m.
lu·so·tro·pi·ca·lis·mo
(luso- + tropicalismo)
nome masculino
[Sociologia] Ideia, desenvolvida por Gilberto Freyre (1900-1987, antropólogo, sociólogo e escritor brasileiro), que defende que a colonização portuguesa foi diferente das restantes colonizações europeias nos trópicos e que essa diferença se manifestou na miscigenação e na interpenetração cultural.
"luso-tropicalismo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/luso-tropicalismo [consultado em 16-06-2022].
Sobre o tema vd. também artigo da investigadora da UL/ICS, Cláudia Castelo (*****). Vd também no nosso blogue os postes P15468 e P21297 (******)
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 21 de janeiro de 2006 Guiné 63/74 - P446: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (3): Dauda, o Viegas
(*) Vd. poste de 21 de janeiro de 2006 Guiné 63/74 - P446: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (3): Dauda, o Viegas
(**) Vd. poste de 19 de janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5677: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (6): Júlia Neto em Bissau, com a família do Dauda Viegas (Pepito)
(***) Vd. poste de 14 de junho de 2022 Guiné 61/74 - P23351: Estórias do Zé Teixeira (52): O amor em tempo de guerra (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)
(****) 19 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22643: Questões politicamente (in)correctas (56): A caminhada para a... "descolonização exemplar" (José Belo, jurista, Suécia)
(*****) Buala > A Ler > 5 de maeço de 2013 > Cláudia Castelo (Universidade de Lisboa, ICS - Instituto de Ciências Sociais ) > O luso-tropicalismo e o colonialismo português tardio
(*****) Buala > A Ler > 5 de maeço de 2013 > Cláudia Castelo (Universidade de Lisboa, ICS - Instituto de Ciências Sociais ) > O luso-tropicalismo e o colonialismo português tardio
9 de dezembro de 2015> Guiné 63/74 - P15468: Recortes de imprensa (78): O colonialismo (suave) nunca existiu... Leopoldo Amado, atual diretor do INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, entrevistado em Bissau por Joana Gorjão Henriques ("Público", 6/12/2015, série "Racismo em português")