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sábado, 14 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26918: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (37): os arraiais e as fogueiras dos santos populares



Alcachofra brava (Cynara cardunculus)

Coisas & loisas do nosso tempo de meninos 
e moços >  Os arraiais e as  fogueiras dos santos populares

por Luís Graça



Havia as fogueiras do Sant'António, 
do São João, e do São Pedro,
os arraiais populares,
a queima das alcachofras, 
os balões, os refrões
("um tostãozinho, vizinho, vizinha,
p'ros santos populares,
primeiro o Sant'António,
depois o Sã João
e por fim o Sã Pedro,
p'ra
nossa reinação!”)

Havia as bichas-de-rabear,
as bombas de carnaval,
o calvário e as suas catorze estações…

Alguém sabia lá o que era o solstício de verão,
e o eterno retorno,
e as festividades cíclicas,
e a purificação do corpo
e o exorcismo do mal...
E, muito menos, as fogueiras da Santa Inquisição.

Sabia-se da salvação da alma,
e dos raspanetes do padre vigário
e dos puxões de orelhas da catequista
quando a malta não decorava a doutrina,
porque só queria jogar à bola.

Não se dizia “alcachofra”, mas “cardo”…
“Cardo florido”,
no dia seguinte, posto à janela,
depois de queimado na fogueira,
era sinal, para as raparigas, de amor correspondido.
Tinha que ser sofrido, mas eterno, o amor, naquele tempo.

Saltei três vezes á fogueira,
Fazendo fisgas à morte,
Sant'António, dai-me sorte,
E amor p'ra vida inteira.

P'ra que o mê amor não sofra,
Oh Sant'António querido,
Queima-me  bem a alcachofra,
E dá-lhe o cardo florido.

Havia as fogueiras dos santos populares.
E a rivalidade dos bandos dos rapazes da tua rua 
e das ruas vizinhas,
da rua Grande, do Clube, das Aravessas...
Faziam-se e desfaziam-se por essa altura, os bandos, as alianças,
E tudo por causa dos santos da nossa devoção.
Era ver quem conseguia roçar, juntar e acarretar
mais mato e lenha para as fogueiras. 

Durante as semanas anteriores,
já andavam a roçar mato
e a escondê-lo uns dos outros.
Chegava a haver assaltos, roubos, ataques, cabeças rachadas…
Arranjavam-se aliados ocasionais, guardas e sentinelas,
nos mais velhos que tinham currais ou fazendas por ali perto,
à volta dos moinhos de vento 
e do castelo dos mouros.
O Néu, da ti Albertina, que já morreu,

emprestava a carroça,
puxada por uma burra…

Era um mundo estritamente masculino,
de brincadeiras de rapazes, aprendizes de machos,
futuros bravos soldados do império.
As meninas, essas, de saia de chita, brincavam entre elas
com bonecas de papel ou matrafonas de pano
sob a supervisão das irmãs mais velhas, das mães ou das avós.

As fogueiras faziam-se no largo inclinado dos Celeiros
(ou da Bica, por que havia lá um fontanário de 1936,
obra pública do Estado Novo).
Na rua mais alta da vila, 
a do Cemitério ou do Castelo ou dos Valados.

Só havia uma fogueira.
A rivalidade consistia em saber alimentá-la,
e não deixar apagá-la.
E, quanto maior fosse a labareda, melhor.
E só os valentaços se atreviam a furar aquela parede de fogo.

O arraial do largo dos Celeiros
era o orgulho dos meninos da vila velha
e atraía os vizinhos das ruas adjacentes
e os parzinhos,
mais os  casados e os solteiros.

“Um tostãozinho, vizinho, vizinha, 
p'ro Sã João!”…
Era o mais querido dos três santos populares, o São João,
porque era menino.
A seguir vinha o Santo António, 
matreiro, casamenteiro e brejeiro.
Ao São Pedro, de barbas brancas compridas,
já ninguém lhe ligava nenhuma.
E depois já se tinha gasto a lenha toda…

P'lo São Pedro os felizardos juravam amor eterno.
E os rapazes iam às sortes.

Com os tostões angariados,
os pequenos donos do arraial dos santos populares
compravam bichas-de-rabear,
estalinhos,
serpentinas
e até bombas de Carnaval…
E, claro, guloseimas e pirolitos.
Os sonhos pequenos de gente de palmo e meio,
que gostava também de brincar 
ás guerras de índios e cobóis.

Mal sabiam eles que dentro em breve
iria estalar uma guerra a sério,
e que os brinquedos da guerra
já não seriam as bombas de carnaval
nem as bichas-de-rabear
nem as fogueiras de saltar.

Lourinhã, Luís Graça (2005). Revisto, 13/6/2025.

__________________

Nota do editor LG:

terça-feira, 20 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26821: S(C)em Comentários (67): P*rra, dou agora conta, 50 e tal anos depois, que nunca me sentei no rancho geral, para partilhar uma refeição com os meus cabos, que eram metropolitanos, e que tinham uma barriga igual à minha... Em Bambadinca, existia o "apartheid", nobreza, clero e povo, devidamente segregados, em termos sociais e espaciais (Luís Graça)


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BCART 6520/72 (1972/74) > s/d > Os camaradas (etimologicammente, os que dormem na mesma "câmara", quarto, camarata, no mesmo "buraco", que dormem, comem, vivem e... morrem juntos), sempre presentes no dia a dia da guerra, vão substituindo a família, os vizinhos, os colegas de escola, os amigos, etc. que ficaram lá longe, na terra... São também companheiros, porque comem o mesmo mão à mesma mesa (do latim, cum + panis, o que partilha o pão connosco).


Foto (e legenda): © Armando Oliveira (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Comentário de Luís Graça ao poste P26816 (*):


Há uma coisa que muitos oficiais e sargentos do QP, bem como milicianos (alferes e furriéis) não compreendem (ou pura e simplesmente já esqueceram): as nossas praças (sobretudo o pessoal metropolitano) tiveram que se "desenrascar"... em matéria de comes & bebes.

Comiam "mal e porcamente" (e eu creio que a metáfora do porco não é insulto para ninguém!|)... No mato, nos quartéis do mato (não falo de Bissau)... Mesmo quando "a comida era igual para todos" (nos aquartelamentos das unidades de quadrícula: 1 capitão, 4 alferes, 16 sargentos e furriéis, e o resto cabos e soldados, uns 130/140), as praças comiam sempre pior...

Já não falo nos destacamentos, guarnecidos por 1 Grupo de Combate...onde nem cozinheiro havia, e o reabastecimento (genéros alimentícios, munições, etc.) era sempre um "bico de obra"...

Ninguém é capaz de admitir hoje que "passou fome" na guerra, na Guiné, até por que o "tuga" era sempre capaz de se "desenrascar"...

 Fome ?... Talvez, pontualmente, no mato, em operações... Mesmo "intragáveis", as rações de combate que nos fornecia o exército português,  ainda tinham uma ou outra coisa aceitável para enganar o estômago, sem provocar uma sede do caraças... (Depressa aprendi a prescindir delas, ou de grande parte do seu recheio!)

Mas as nossas operações podiam durar 24 h, 48, 72 h, no máximo... No regresso ao quartel, havia sempre uma sopa quente, com muita água, pouco azeite e poucos legumes, mas ainda assim quente. E havia, graças a Deus e aos bons irãs, e à Intendência (a quem tiro o quico!),  cerveja, muita cerveja, mesmo que que fosse "choca". E coca-cola, e uísque... E até barris de vinho oiu "ãgua de Lisboa"!...

O José Claudino da Silva, cantineiro, em Fulacunda, logo em finais de 1972, requisitava, 12 mil cervejas por mês, com medo do "apagão da Intendência", estamos a menos de dois anos do fim da guerra, num quartel isolado, no mato, a 3ª CART / BART 6520/72, que além dos seus 150 homens metropolitanos, tinha mais um Pel Art (em que as praças eram africanas) e um Pel Mil (também de pessoal africano).

De resto, muitos dos nossos militares, sobretudo oriundos das zonas rurais, do interior do país, de Trás-os-Montes ao Alentejo, foram habituados, desde pequeninos, à "frugalidade": 

  • quem é que bebia leite ?
  • quem é que comia queijo ?
  • quem é que sabia o que era um iorgurte ?
  • quem já tinha provado fiambre ?
  • quem comia peixe fresco ?
  • e carne (sem ser da salgadeira) ?
  • e bacalhau (sem ser no Natal e na Quaresma) ?
  • quem bebia cerveja ?
  • e leite com chocolate ?
  • e sumol ?
  • e café ?...
  • (Para não falar da "coca-cola", uma "americanice" que não entrava no Portugal do Estado Novo).

Porra, e ninguém se revoltava !... E a malta aguentuou 13 anos!... Fala-se em sangue, suor e lágrimas, mas ninguém acrescenta a merda, a fome, a sede!...13 nos anos com a canga em cima, a G3, as cartucheiras, as granadas de mão, as granadas de morteiro (ou de bazuca) às costas, mais os 2 cantis de água... Mais os feridos e os mortos em padiola!...

Eu fiz alguns milhares de quilómetros a penantes, na Guiné, com os meus/nossos "pretos" da CCAÇ 12, entre junho de 1969 e março de 1971...Sei do que falo... Mas chegava a Bambadinca, dois ou três dias depois, com 2, 3 ou 4 quilos a menos, tomava um duche reparador... e não me podia queixar da messe de sargentos..
.

Nunca me faltou o uísque com água de Perrier e duas pedras de gelo!... Nem o gin tónico com limão ou lima!... Não bebia cerveja nem "água de Lisboa", a não ser às refeições...

Mas, porra, dou agora conta, 50 e tal anos depois, que nunca me sentei no rancho geral, para partilhar uma refeição com os meus cabos, que eram metropolitanos, e que tinham uma barriga igual à minha... Em Bambidina, existia o "apartheid", nobreza, clero e povo, devidamente segregados, em termos sociais e espaciais (**)...

_______________


(**) Último poste da série > 16 de maio de 2025 >  Guiné 61/74 - P26807: S(C)em Comentários (66): Eletrificação - As primeiras redes de energia elétrica na Guiné nas décadas de 1930 a 1950 (Manfred Stoppok)

segunda-feira, 28 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26737: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (36): quanto valia o dinheiro de há 65 anos atrás ? O orçamento da festa anual de uma freguesia rural do Marco de Canavezes (Luís Graça)



Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Capela de N. Sra. do Socorro > 
25 de julho de 2015 > Esta capela remonta ao séc. XIX, estando erigida num dos pontos altos do território da freguesia...


Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Capela de N. Sra. do Socorro > 25 de julho de 2015 > Interior, com os andores, prontos para a procissão de domingo, dia 26...

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2025). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


1.  Há festa na aldeia... No sábado para domingo, ao darem as 24 badaladas, rebenta o monumental fogo de artifício que é, de há muito, um dos momentos altos desta festa popular... São 20 ou 30 minutos de fogo... Ninguém sabe quanto custa ( a preços de hoje, talvez 20 a 30 mil euros)... Todo o povo contribui generosamente para este e outros encargos da festa de N. Sra. do Socorro, a padroeira desta freguesia de povoamento disperso.

Terras antiquíssimas estas, com forte trradições de que são guardiãs e continuadoras as nobres e valentes gentes entaladas entre o Rio Tâmega e o Rio Douro.

Estas festas fazem parte dos "nossos seres, saberes e lazeres" e são acarinhadas pelo pessoal da Tabanca de Candoz... Nunca é de mais lembrar, por outro lado, que o extenso concelho do Marco de Canaveses pagou um pesado imposto em "sangue, suor e lágrimas" durante a guerra colonial, tendo 45 dos seus filhos lá morrido, em terras de Angola, Guiné e Moçambique.  

A população do concelho era na altura de 39,3 mil (em 1960) e 42,1 mil (em 1970), Sabendo nós que a população portuguesa em 1970 era de 8,59 milhões, e tendo sido mobilizados 570 mil militares metropolitanos (70% de 800 mil, incluindo a tropa do recrutamento local), o número de jovens marcoenses que foram parar ao ultramar (Angola, Guiné e Moçambique) terá sido da ordem dos 2800.

Em chegando o verão, há foguetes e alegria no ar. Há festa, há a festa anual da padroeira de Paredes de Viadores, da freguesia do mesmo nome (mas agora mais comprido, já que á Paredes de Viadores juntou-se também a antiga freguesia de Manhuncelos). 

Por estas terras também andou o lendário herói do "banditismo social", Zé do Telhado ( Castelões de Recesinhos, Penafiel, 1818 / Mucari, Malanje, Angola, 1875). e o seu bando, cujas façanhas ficaram na memória das gentes dos vales do Sousa e Tâmega (onde nasceu Portugal). Desterrado, Zé do Telhado morreu em Angola (onde a sua memória ainda é, ao que parece, venerada).

Por aqui, Marco de Canaveses e Baião, passa também a rota do românico... que os portugueses de hoje deviam fazer pelo menos uma vez na vida!...

Por curiosidade, qual o orçamento desta festa ? Não tenho dados recentes, mas encontrei na Quinta de Candoz um apontamento de há 65 anos atrás.

 Trata-se da folha,  manuscrita,  com a escrituração das despesas e receitas, feita por José Carneiro (1911-1996), mordomo da festa, proprietário da Quinta de Candoz.

 Segundo a filha,  Ana Ferreira Carneiro Pinto Soares, "Nita" (1947-2023), era referente  à festa do ano de 1960, em que ela própria também participou,  então com os seus 13 anos. (#).


Lista 1 - Despesa  / Valor (em escudos | em euros, a  preços de 1960)

  • Fogo de quatro fogueteiros > 7600$00 | 3941 €
  • Música (sic) dos B. V. Portuenses > 4100$00 | 2126 €
  • Iluminação > 2750$00 |  1426 €
  • Música (sic) dos B. V. de Rio Mau  [Penafiel] > 2500$00 | 1297 €
  • Carne para os músicos [ das bandas] > 1222$00 | 634 €
  • Vinho para os músicos  > 1000$00 | 519 €
  • Armação [dos andores] > 1000$00 | 519 €
  • Mercearias > 763$60 | 396 €
  • Zés Pereiras > 450$00  | 233 €
  • Padres  450$00 | 233 €
  • Guarda [Nacional] Republicana > 360$00 | 187 €
  • Tipografia: programas e estampas > 290$00 | 150 €
  • Autofalante > 250$00 | 130 €
  • Carpinteiro do sr. Geraldes [do Juncal] > 162$00 | 84 €
  • Câmara  [Municipal]: Energia e eletricista > 137$50 | 71 €
  • 4 quilos de cavacas para os anjinhos > 100$00 | 52 €
  • Pão de trigo e de milho > 96$00 | 50 €
  • Licença da Câmara para as músicas > 66$00 | 34 €
  • Flores e correio > 58$80 | 30 €
  • João de Magalhães [que deitou o fogo] > 50$00 | 26 €
  • Gratificação para o electricista > 50$00 | 26 €
  • Carro em que regressou a GNR [ao posto, que era na vila]  > 40$00 | 21 €
  • Expediente > 28$80 | 15 €
  • Selo de 35 programas > 14$40 | 7 €
  • Despacho do fio de cobre para iluminação > 9$70 | 5 €
Total = 23447$6 | 12160

Lista nº 1 - Discriminação das despesas, por ordem decrescente,  da Festa de Nossa Senhora do Socorro (1960), Paredes de Viadores, Marco de Canaveses.   


Lista 2 - Receita   / Valor (em escudos | em euros, a  preços de 1960)


  • Recebeu-se dos mordomos de Paredes > 5791$60 | 3004  €
  • Recebeu-se dos mordomos de Viadores > 5186$50 | 2690 €
  • Rendeu a festa em dinheiro > 4240$20 | 2199 €
  • Apurou-se em ouro  [oferecido à santa]  > 1817$50 | 943 €
  • Renderam as flores [de papel] > 642$00 | 333 €

Total =17677$80 | 9168 €

Lista nº 2 - Discriminação das receitas, por ordem decrescente,  da Festa de Nossa Senhora do Socorro (1960), Paredes de Viadores, Marco de Canaveses.   

O prejuízo da festa (c. 5,8 contos)  foi dividido pelos 6 mordomos da comissão organizadora (cabendo 961$63, a cada um, ou seja, 499 € a preços de 1960…).  Outros tempos, outras gentes, outros valores!...


O famoso "santo Antoninho" dos anos 60...   A nota de "20 paus" (cópia)...(Segundo o Museu de Lisboa , a nota de 20$00 com a imagem de Santo António foi emitida pela primeira vez a 16 de janeiro de 1965.  Com a data de 26 de maio de 1964, no total foram emitidas  299,1 milhões de  notas. A 30 de maio de 1986 foram retiradas de circulação.)







Como termo de comparação, registe-se que nessa época  (1960) um jornaleiro ganhava, em média, 20 escudos (10 euros) por dia, enquanto um oficial (como o José Carneiro, ramadeiro, construtor de ramadas) cobrava 50 escudos (25 euros) pelo seu trabalho diário.(##)

A "Nita" lembrava-se, tinha ela 13 anos já feitos, de andar na festa a angariar dinheiro com as florinhas de papel que eram espetadas, com um alfinete, na lapela do casaco dos homens, à entrada do recinto. As receitas que daí provieram ainda atingiram uma cifra razoável para a época: 642$00 (333 €)... (###)

Também era vulgar as as pessoas ofereceram à santa padroeira da freguesia, a  Nª Srª do Socorro,  objetos em ouro (fios, anéis, mo sebrincos, cordões, etc.), como forma de pagamento de promessas.

Repare-se, por outro lado, que o foguetório já nessa altura representava 1/3 do total das despesas, e mais de outro tanto a contratação de duas bandas de músicas (uma do Porto e outra local, Rio Mau, Penafiel, concelho vizinho), pagas em dinheiro e em géneros (38%).  As duas bandas tocavam à compita.

Nas despesas com os padres (450 escudos, 233 euros com a correção da inflação), inclui-se o pregador, que vinha de fora.

Quanto às receitas, note-se que mais de 60% do total era constituído pelos peditórios, casa a casa, feitos por 2 grupos de mordomos, os de Paredes e os de Viadores, representando as duas metades do território da freguesia ( era, em geral, um padre com grandes dotes de orador).

Também como termo de comparação, refira-se que,  hoje em dia, o compasso pascal da freguesia gasta facilmente em 10 ou 20 minutos de fogo artifício 10, 20 a 30 mil euros...É uma estimativa, grosseira, de quem está por dentro do assunto.

José Carneiro foi mais de uma vez mordomo destas festas de N. Srª do Socorro, que se realiza todos os anos no último domingo de julho.  Tem um recinto encantador.
_________________

Notas do autor:

(#) Blogue A Nossa Quinta de Candoz > 30 agosto 2012 > José Carneiro (1911-1996). mordomo da festa da Nossa Senhora do Socorro em 1960

(##) Vd. logue A Nossa Quinta de Candoz > 29 agosto 2012 >  José Carneiro (1911-1996), construtor civil de ramadas

quinta-feira, 27 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26623: No céu não há disto: Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (47): Um prato duriense, que se comia na Quaresma, "sável frito com açorda de ovas" (e que vai bem com o "Nita", da Quinta de Candoz, um DOC verde, branco, colheita selecionada, 2023, diz a "Chef" Alice)




Alfragide > 23 de março de 2025 > Um prato duriense, "sável frito com açorda de ovos", que vai bem com o "Nita", branco, verde, da Quinta de Candoz, colheita selecionada (2023)... A sugestão é da "Chef" Alice...

Foto (e legenda): © Luís Graça (2025). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Caros leitores: dou conta que desde maio do ano passado que não têm aparecido no blogue as tradicionais sugestões gastronómicas dos nossos vagomestres (*)...

 E, a propósito, por onde é que eles andam ? Há tempos pusemos um anúncio: "Vagomestres, precisam-se!"... Só apareceu um, o Aníbal José da Silva (**)...

Mas todos os dias a malta  tem de comer, mal ou bem... Nas nossas "messes" e "ranchos"... Cada vez pior, diz o povo...E ele há coisas que vão desaparecendo das nossas mesas: caça, peixe, marisco, vitela, queijo e requeijão de Serpa... Quem é que lhe chega ? 

O vagomestre, com a pandemia de Covid-19, habituou-se aos enlatados: atum com grão de bico, cavalas em óleo de girassol,  sardinha em óleo picante com pickles, etc. E aos congelados... 

Mas, feitas as contas ao quilo, até o raio das conservas de peixe estão pela hora da morte... E até os petiscos dos pobres passaram para o cardápio dos ricos, do bacalhau ao polvo, do berbigão à sapateira, do sável à lampreia...

 Será que ainda se fazem as "iscas com elas" ?  E ainda há quem faça "tomates de carneiro com ovos mexidos" ?...

O que desapareceu, do nosso tempo, foram também as tascas, com serradura no chão e pipos de tinto carrascão na parede, mesas de tampo de mármore e mochos de madeira em vez de cadeiras de plástico...

Mas estamos numa época boa para certos "petiscos" como as favas suadas, as casulas com butelo ou o sável frito com acorda de ovas... Foi o que a nossa "chef" Alice fez para celebrar os dois mesinhos da segunda neta, a Rosinha (nascida a 23 de janeiro)... Dizem os comensaios que foi comer e chorar por mais (o sável foi generoso, tinha dois quilos e meio e trazia as ovas...). 

Era um "prato" que se comia à mesa dos pobres, na Quaresma, por várias razões que se podem enumerar pelos dedos:

  • era a altura do sável (e da lampreia) subir o rio Douro para desovar (ainda não havia barragens); 
  • os pobres não compravam a bu(r)la ao senhor abade;
  • os "rendeiros" não podiam comer carne mas precisavam de proteína para trabalhar os socalcos do seu "senhor e amo";
  • o sável vendia-se de porta em porta, uma fiada enorme de peixe enfiado num longo varapau às costas do pescador de rio; 
  • tinha muitas espinhas, era preciso engenho, arte e paciência para o saber cortar fininho e fritá-lo em azeite...

Ele há coisas que não há no céu... E que não têm preço. E que, por isso, não passam pelo estreito dos bilionários... E uma delas é, para além do "cebolinho do talho",  seguramente a açorda de ovas com sável frito, com um toque muito especial do alho e do coentro (que era do Sul, dos ganhões, e que por isso não ia à mesa do rei)... 

Tudo à moda da "Chef" Alice, segundo uma receita antiga da família da Quinta de Candoz, que ainda é do tempo do extinto concelho de Bem Viver e das pesqueiras do rio Douro que tinham foral do senhor Dom Manuel , o Venturoso.

_________________

Notas do editor LG:

(*) Último poste da série > 13 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25517: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (46): Viva o po(l)vo... da Lourinhã!

(**) Vd. poste de 18 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26595: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (3): A Alimentação

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26495: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (35): "Até choras por andar de lambreta" (Cartune de Manuel Cruz, filho de Adão Cruz, ex-alf mil médico, CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)




"Até choras por andar de lambreta"... Cartune de Manel Cruz,  músico e artista plástico, nascido em 1974,em São Jpão da Madeira, filho do  nosso camarada Adão Cruz, com a devida vénia.

Foto:  © Manuel Cruz / Adão Cruz (20256). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Há dias descobri que o nosso camarada Adão Cruz, médico cardiologista reformado, ex-alf mil médico, CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68), além de grande escritor (contista e poeta)  e pintor, e nosso grão -tabanqueiro de longa data, tem um filho  (um de 3 filhos) que também é um talentoso ilustrador e cartunista, além de músico. 

No passado 2 de fevereiro de 2025, 11:06, o Adão Cruz mandou-nos a seguinte mensagem:

Assunto: Manel

O meu Manel (Manuel Cruz), tem mais de dois mil desenhos feitos ao longo da adolescência e também alguns poemas. Já publiquei algumas centenas de desenhos, mas todos os dias encontro mais e mais cadernos e papéis cheios deles. Vou publicando, tenham paciência.

2. Por falta de tempo, não posso prestar toda a  atenção que devia, ao correio que me chega, apesar da ajuda do Carlos Vinhal. 

Mas hoje dei de caras com este "cartoon" (ou cartune, como já vem grafado nos nossos dicionários), e lembrei-me de uma expressão que se ouvia bastante na nossa adolescência: "Até choras por andar de lambreta" (sic)...  (A piada era para as meninas do nosso tempo, dos idos anos de 60,  que, de saia até meio da canela,  se começavam a aventurar nestas maquinetas, de pôr os cabelos dos rapazes em pé.)

Lembram-se da "lambreta" (origem etimológica: Lambretta®, marca registada italiana) ? Diz o dicionário: "Veículo de duas rodas, accionado por um pequeno motor, de forma análoga à motocicleta, mas provido de um assento em lugar de selim de montar, e com rodas de menor diâmetro.

Fonte: "lambreta", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2025, https://dicionario.priberam.org/lambreta.

Quem não as viu passar nas então ainda pacatas ruas das nossas vilas e cidades,  os cabelos soltos ao vento, com as pernas muito apertadinhas para travar as saias ? Livres, como o vento... 

Foi o princípio da "revolução feminista" no sul da Europa...   Os "despeitados" chamavam-lhes "marias-rapazes"...  

Hoje são avozinhas... E são as suas netas que  fazem parte da nossa paisagem urbana: usam  minissaia ou calções, a perna ao léu. E,  felizmente,  também capacete, coisa que não era obrigatória nos anos 60/70/80 (!) (só a partir de 1 de janeiro de 1991)...

Ainda por cima hoje é dia dos namorados.. Pois ai vai um cartune do Manel Cruz, sem legenda, e com a devida vénia ao artista e ao pai...(De resto, os filhos dos nossos camaradas, nossos filhos são...)

Há um página da "Lambretta", na net: para  quem quiser saber mais sobre a história deste veículo que ficou no nosso imaginário dos anos 60, clicar aqui.  No Facebook há também uma página da "Lambretta - Portugal", que merece uma visita...

Enfim, coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços... (*)

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 8 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26473: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (34): O amola-tesouras (Rui Felício, nado e criado no Bairro Norton de Matos, em Coimbra)

sábado, 8 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26473: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (34): O amola-tesouras (Rui Felício, nado e criado no Bairro Norton de Matos, em Coimbra)



1. O Rui Felício, que foi uma das vítimas do desastre do Cheche (ia na  trágica jangada, tendo perdido 11 homens do seu pelotão em 6/2/1969) (*),  é um dos históricos do nosso blogue. 

Entrou para a Tabanca Grande em 12/2/2006 (a par do Paulo Raposo). Ex-afl mil, CCAÇ 2405 (Galomaro e Dulombi, 1968/70), tem 35 referências. Advogado, é  autor do blog Escrito e Lido 2010-2014, colabora no blog Encontro de Geraçóes do Bairro Norton de Matos . É um talentoso contador de histórias: tem pelo menos umas 10 na série "Estórias de Dulombi", que gostaríamos de poder retomar.

Natural de Coimbra, vive na Ericeira.


Rui Felício > Blog Escrito e Lido > quinta-feira, 28 de março de 2013 > Amola-tesouras


A minha memória , entre várias figuras que percorriam as ruas do Bairro, guarda ainda a imagem do amola-tesouras.

Com a boca deslizando numa gaita de beiços, primeiro num sentido e depois no contrário, percorria totalmente a escala musical, dela extraindo uma melodia estridente e inconfundível.

Era desta forma que anunciava a sua própria presença, chamando as donas de casa que tivessem facas e tesouras para afiar, panelas e tachos rotos para remendar, ou mesmo pratos rachados para lhes serem colocados “gatos”.

Dizia-se que a sua vinda previa chuva iminente. A profecia muitas vezes batia certo, apenas porque era no inverno que o amola-tesouras aparecia com maior frequência. Por causa dos consertos nos guarda-chuvas, que também fazia...

O seu principal instrumento de trabalho era constituído por uma roda feita de pedra de esmeril, que fazia rodar a grande velocidade, impulsionando um pedal acoplado à roda de bicicleta que àquela estava ligada por uma correia de transmissão em cabedal.

Fascinava-me observar o trabalho de afiar as facas e as tesouras. Da pedra de esmeril em contacto com o metal, soltava-se uma miríade de faíscas que me lembravam os fogos de artifício que eu tinha visto nas festas da Rainha Santa.

E, a tantos anos de distância, dou por mim a reflectir como os tempos mudaram de maneira tão acentuada.

Hoje em dia, os hábitos de consumo que nos foram sendo incutidos, tornam quase impensável mandar consertar utensílios e ferramentas do nosso quotidiano.

Se um guarda-chuva se estraga, deitamos fora e compramos outro na loja dos chineses. Se as lâminas da faca ou da tesoura embotaram, se o prato rachou, se o tacho furou, fazemos a mesma coisa.

Displicentes, apressados, nós próprios também quase descartáveis... (**)


Rui Felício


(Reproduzido com a devia vénia...)
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Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 7 de fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5778: Efemérides (45): O desastre do Cheche, visto por quem esteve lá e perdeu 11 homens do seu grupo de combate (Rui Felício, Alf Mil, CCAÇ 2405, Galomaro, 1968/70)

(**) Último poste da série > 1 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26220: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (32): da "pubela"... ao vidrão, sem esquecer a "cesta-secção" e a "poubellication" (Luís Graça)

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26276: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (33): Um presépio de há 60 anos, na Lourinhã, com um Menino Jesus muito "elétrico"... (Horácio Mateus, 1950-2013)

 


 Capa do livro "Apontamentos de Etnografia", de Horácio Mateus (1950-2013). Lourinhâ: GEAL - Grupo de Etnologia e Arqueologia da Lourinhã, 2014, 56 pp.  (Foto da capa: o autor) (Com a devida vénia...)






1.  Fez este ano 40 anos o Museu da Lourinhã. `À sua criação e à sua história está indissoluvelmente ligada a figura do lourinhanse Horácio Mateus (1950-2013). Meu conterrâneo, amigo e vizinho, já não foi à guerra, fez a tropa. 

Em vida, foi etnólogo, espeleólogo, arqueólogo, paleontólogo, museólogo...Amador. Por paixão. Por muito amar a sua terra, a sua gente, o seu património cultural, material e imaterial.

C0mo  eu disse na oração fúnebre, aquando da sua despedida terrena, ele foi "um exemplo de paixão pela vida, pela terra, / pelos seres que o habitam ou habitaram, / pelas artes e ofícios dos nossos antepassados, / pelas pedras das suas casas, / pelos muros dos seus caminhos, / pelas árvores dos seus campos"... Cultivou "a paixão pela história, / pela ciência, /pela cultura, / pelo património de todos nós" (*)

"Não gostava de escrever", dizia a viúva, infelizmemnte também já desaparecida, a Isabel Mateus (1950-2021). Mas, com muito amor foi ela quem juntou e organizou  estes apontamentos de etnografia, histórias e notas que oo Horácio  foi 5registanbdo na memória e fixando no papel, associadas à riquíssima coleção etnográfica do museu, cuja recolha se deve em grande parte a ele... 

Mas mais do que as peças, em risco de se perderem para sempre (da bicleta do ourives ambulante aos rótulos e e recipientes da "fábrica de pirolitos",  ou das ferramentas dos correeiros e dos ferradores), interessavam-lhe as histórias dos seus donos, a começar pelo seu pai que  era o "pitrolino" (vendedor ambulante de petróleo, azeite, sabão, aguardente e outros produtos de uso doméstico)  e pelo sr. Garcia, taberneiro e amola-tesouras, galego de Ourennse, fugido  da guerra civil espanhola de 1936-1939...


Brasão de armas da Lourinhã

Histórias que foram as da nossa infància, como a do presépio que se montava todos os anos (e ainda hoje de monta) na Igreja Matriz da Lourinhã. Em homenagem ao meu amigo, e para enriquecer a série "Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços" (**), foi repescar esta história do presépio, que remonta à primeira metade da década de 1960, já a guerra tinha "rebentado" em Angola, e depois na Guiné e em Moçambique, e já a Lourinhã tinha alguns dos seus filhos mortos, feridos e até aprisionados (como foi o caso da Índia, em finais de 1961),

O Vigário aqui referido era o padre António Pereira Escudeiro (Tomar, 1917-Lisboa, 1994), que veio de Alcanena para a Lourinhã em 1953 (e onde permaneceu até 1983). (Fundou e dirigiu na Lourinhã,  os jornais quinzenários regionalistas "Redes e Moinhos, em 1954, e depois o "Alvorada", em  1960; fundou e dirigiu também o Externato Dom Lourenço, em 1958. Quanto ao outro protagonista da história, era o José Andrade de Carvalho, hoje veterinário.









Excerto do livro "Apontamentos de Etnografia", de Horácio Mateus (1950-2013). Lourinhã: GEAL - Grupo de Etnologia e Arqueologia da Lourinhã, 2014. pág. 31. (Com a devida vénia...)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de > 19 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21918: Manuscrito(s) (Luís Graça) (199): Elegia para Isabel Mateus (Soure, 1950 - Lourinhã, 2021)

(**) Último poste da série > 1 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26220: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (32): da "pubela"... ao vidrão, sem esquecer a "cesta-secção" e a "poubellication" (Luís Graça)


domingo, 1 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26220: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (32): da "pubela"... ao vidrão, sem esquecer a "cesta-secção" e a "poubellication" (Luís Graça)

1. Há dias li um artigo de opinião, de um luso-luxemburguês, jornalista, Ricardo J. Rodrigues, sobre a "pubela" (galicismo, que quer dizer "caixote ou balde do lixo", do francês "poubelle").


Foi publicado no semanário digital "Contacto", de 26 de fevereiro de 2022. Lamenta o jornalista que o vocábulo ainda não esteja dicionarizado ou grafado nos dicionários da Língua Portuguesa, e em especial o Priberam, da Porto Editora.

Talvez por que, acrescento eu, os dicionaristas são (ou foram no passado...) "muito conservadores", e às vezes "púdicos demais", para não dizer "elitistas"... Eu acho que às vezes andam distraídos ou não frequentam os mesmos lugares do comum dos falantes da língua portuguesa.

O título do artigo é: "Os portugueses do Luxemburgo que dizem pubela em vez de lixo". E já, em artigo anterior, ele queixava-se que "Portugal era arrogante com os emigrantes"... O Portugal das insituições e dos "donos" da língua...

Não posso deixar de concordar em parte com o autor, e lamentar sobretudo que ainda haja uma certa arrogância das chamadas elites cultas, nomeadamente nas questões linguísticas...

A língua portuguesa, viva, é feita por quem a fala, seja em Lisboa, no Marco de Canaveses ou no Luxsermburgo, em Luanda ou na cidade da Praia.

Conheço o vocábulo "pubela" desde que comecei a ir ao Marco de Canaveses, vai fazer meio século para o ano (eu iria casar lá, em 1976). E já a tenho usado aqui no blogue, ao dizer por exemplo que as nossas memórias da Guiné não devem (nem podem) ir para à "pubela"... E, também já usava, na gíria académica o palavrão "poubellication" (termo altamente depreciativo para os académicos se referirem à literatura científica que é "lixo"...) (do francês "poubelle" + inglês "publication").

Os emigrantes (nomeadamente os "franceses") usavam (e continuam a usar) o termo "pubela" para caixote ou balde do lixo, objeto que desconheciam no campo, nas aldeias, vilas e até cidades portuguesas na sua infância. 

Eu achava (e continuo a achar) deliciosa a palavra "pubela".

Numa pesquisa na Net, acabo de saber que a "poubelle", além de francesa, é parisiense: Eugène René Poubelle (1831.1907 à Paris), jurista, diplomata e prefeito do departamento do Sena, Paris (entre 1883 e 1896),  é o "pai" da palavra"poubelle, que acabou por ser uma homenagem popular aos seus esforços para melhorar a higiene e salubridade de Paris.

Na realidade, as nossas cidades europeias, até tarde, e na sequência da industrialização e urbanização dos nossos países, eram lixeiras a céu aberto (como, infelizmente, ainda hoje encontramos em África).

Mas voltemos ao Luxemburgo, que eu conheci no início dos anos 90, e onde a "peugada lusitana" já era por demais evidente, no quotidiano (falava-se português com sotaque nortenho ou alentejano, nos restaurantes e cafés, bebia-se Sagres e Superbock, e havia fãs, com camisolas e cachecóis e tudo, dos principais clubes de futebol, Porto, Benfica e Sporting).

(...) "Em 1970, ano em que o governo luxemburguês assinou com o Estado português um contrato que permitiu a milhares de trabalhadores estabelecerem-se no Grão-Ducado, a recolha de lixo era um conceito quase inexistente em Portugal." (...)

(...) Os luxemburgueses e os franceses e suíços ensinaram-lhes que aquilo era a poubelle, e eles converteram-na em pubela. Quero lá saber se isso é português correto ou não. Quero é saber que aprenderam a usá-la, nas palavras e nos gestos." (...) (Fonte: 
Ricardo J. Rodrigues)


2. A situação, hoje, em Portugal não tem a nada a ver com os nossos tempos de infância e adoslescència, no campo ou na cidade... E damos exemplos a países como... o próprio Luzemburgo, diz o jornalista:

(...) "Eu, que sou lisboeta, dificilmente ando mais de 100 metros até encontrar um ecoponto, onde posso separar o vidro do plástico, o cartão dos restos de comida. E o que tenho para dizer é que o Luxemburgo nos pode ter apresentado a pubela, mas falha miseravelmente na hora de recolher o lixo.

Alguém que viva em Clausen, por exemplo, tem de caminhar dois quilómetros até encontrar um vidrão. (...)


E acaba com graça, humor e até irreverência o nosso luso-luxemburguês Ricardo J. Rodrigues:

(...) O Luxemburgo é um dos países com maior pegada ecológica no planeta. E está certo que houve este momento na História em que eles nos ensinaram o que era o lixo. Mas agora é capaz de ser o momento em que nós temos de ensinar-lhes como se faz reciclagem. Estou a pedir ecopontos por todo o país, para podermos separar o que consumimos. Para podermos fazer a pubela que precisamos.(...)


3. Na nossa gíria de caserna temos um equivalente para "pubela", que é "cesta secção", a dos papéis do lixo...


Mas a "pubela" da primeira geração dos nossos emigrantes remete-nos para um tempo em que, de facto, não conhecíamos, a maior parte dos portugues, o WC, a água potável distribuída ao domicílio, o saneamento básico, a recolha e separação dos lixos domésticos e urbanos, desde o vidro ao papelão...

Recordo-me, nos anos 50, quando ia a casa dos meus tios maternos, no Nadrupe ou na Quinta do Bolardo, a escassos quilómetros da Lourinhã, da importância que tinha o quinteiro, a estrumeiro ou a esterqueira, no logradouro onde se criavam os patos e as galinhas, e onde se faziam todos os desepejos domésticos... com exceção da "lavagem do porco"... Ou como se diz, no Alto Minho e em Trás-Os-Montes, "a lavagem, com a sua licença,... do porco". Felizmente, ainda não havia, nesse tempo, a praga do plástico, da esferovite, do vidro, do papelão, das pilhas, e por aí fora..., o lixo com que damos cabo do planeta.

Hoje podemos, ao menos, falar da "pubela" do nosso contentamento...

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Nota do editor:

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26113: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (31): o terror do "exame de admissão" (à escola técnica e/ou ao liceu) (Joaquim Costa, "Crónicas de paz e guerra", 2024, excerto, pp. 207/209)


Joaquim Costa (na foto à esquerda, quando miúdo): 

(i) ex-fur mil at armas pesadas inf, CCAV 8351, "Tigres do Cumbijã" (Cumbijã, 1972/74); 

(ii) membro da Tabanca Grande desde 30/1/2021, com mais de 7 dezenas de referências no blogue;

 (iii) engenheiro técnico (ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto), foi professor do ensino secundário, tendo-se reformado como diretor da escola secundária de Gondomar: 

(iv) minhoto, de Vila Nova de Famalicão, vive em Rio Tinto, Gondomar, e adora o Alentejo;

 (v) tem página no Facebook;  e, por fim, e não menos importante,  

(vi) perdeu recentemente a sua querida Isabel;

 (vii) e vai lançar o seu livro "Crónicas de paz e guerra", no próximo dia 9 do corrente, sábado, às 15:00 na Biblioteca Municipal de Gondomar (*)


1.  É o relato, sucinto mas magistral, além de bem-humorada, do que era o terror, no nosso tempo de meninos e moços (**), o dia do exame de admissão ao liceu (na capital de distrito, neste caso em Braga) ou de admissão ao ensino técnico (na sede concelho, Vila Nova de Famalicão).  

O autor, Joaquim Costa, fez os dois exames, com 11 anos, em 1961 (já a guerra colonial tinha "rebentado em Angola", sobrando para a ele, mais tarde, a da Guiné, em 1972/74).  

Acabaria por entrar no ensino técnico, no ano letivo de 1961/632. 

No excerto que selecionámos, interessa-nos a primeira parte do seu depoimento, as peripécias que viveu antes de poder entrar no curso de montadores eletricistas (na sede de concelho da sua terra natal) e depois na Escola Industrial do Infante Dom Henrique, no Porto, e finalmente no Instituto Industrial do Porto (hoje, Instituto Superior de Engenharia do Porto / Instituto Politécnico do Porto). Com a tropa, pelo meio...

Enfim, um percurso escolar muito semelhante ao que muitos de nós trilhámos: recorde-se, em todo o caso, que não havia ensino técnico em todas as sedes de concelho e o ensin0 liceal era para uma minoria relativamente privilegiada, funcionando apenas nas capitais de distrito.

E ainda foi do tempo da Mocidade Portuguesa, enquanto frequentou  a escola técnica, durante 4 anos:

 "Aos sábados de manhã, equipado de calções e camisola branca com o emblema das cinco quinas ao peito, lá ia ele, contrariado, para atividades da Mocidade Portuguesa. Marchar 'contra os canhões' e cantar o seu hino: 'Lá vamos cantando e rindo, levados, levados sim'..."  (pp-. 209/210).



O terror do "exame de admissão" (à escola técnica ou ao liceu) 

por Joaquim Costa
 

Sete anos feitos,  lá vai ele conhecer a D. Natália (a fera!), carregando a sacola de serapilheira devidamente equipada: livro da primeira classe, lousa, “riscotes”, uma tabuada e uma pequena almofada de trapo velho para limpar a lousa depois de lhe cuspir.

Tal como na cateques,  as raparigas que faziam o percurso para a escola com ele, aqui desapareciam e só as voltava a ver no regresso a casa.

Aos onze anos, da sua sala, apenas ele foi para explicações para casa de uma outra professora para fazer o exame de admissão à escola técnica.

Foi na casa desta simpática professora que viu, pela primeira vez, a beleza de um pavão abrindo as suas penas coloridas em leque.

Foi também aqui que viu em direto, na televisão, a colocação da última parte do arco da Ponte da Arrábida. Meio país dizia que a “coisa” ia acabar no rio. Foi um dia em que o povo se encheu de orgulho dos seus engenheiros.

No final,  foi convidado a fazer uma redação sobre o acontecimento já que a professora tinha uma convicção muito forte que ia ser o tema do exame.

Mais convicto que a professora,  acabou por memorizar a sua redação que esta classificou de Muito Bom.

A sua convicção era tão forte que “despejou” tudo no exame sem olhar ao que lhe era pedido: foi quase ao lado, já que o pedido era uma redação sobre os Descobrimentos. Mas a redação comparava os dois extraordinários feitos!

A professora estava toda entusiasmada. Não tinha dúvidas que, depois dos dois meses de explicações, o rapaz se ia safar.

Chegado o dia, logo pela manhãzinha, ainda o galo não tinha cantado, já sua mãe lhe vestia o fato que o pai tinha mandado fazer, por medida, ao alfaiate da terra. Tudo novo: fato, camisa, gravata e sapatos. Até o cão fadista estava espantado.

Lá vai ele apanhar a carreira para a vila, metido num colete de forças, completamente desconfortável, transpirando por todos os poros e com os pés a moerem-lhe.

Chegou à vila com tonturas e enjoado, acabando mesmo por vomitar sujando o impecável fato, pois foi a primeira vez que andou de camioneta. Da vila só conhecia a feira, percurso que sempre fez a pé com a sua mãe.

Lá o levaram até ao ginásio da Escola, com dezenas de alunos sentados, e com ar de assustados, cada um na sua mesa devidamente equipada com uma pena e um tinteiro.

Uma velha professora e mal-encarada coloca na sua frente uma folha de papel,  indicando o sítio onde devia colocar o seu nome e número do bilhete de identidade.

Já com o suor a cair-lhe na folha de papel e com as mãos a tremerem, lá tentou entender-se com a pena e o tinteiro para cumprir a tarefa que lhe foi imposta.

Vai com a pena ao tinteiro e começa a tarefa. Por muito que carregasse na pena a tinta não corria.

Começou a ficar atrapalhado já que se tinha apercebido que todos tinha acabado a tarefa e ele ainda não tinha começado.

Nova ida ao tinteiro e nada. Começa a abanar a pena para ver se a tinta corria. Correu tipo ketchup, acabando por borratar toda a folha. Logo tentou limpar pelo que, obviamente, a inutilizou .

Chamou a velha e mal-encarada professora que, ao ver todo aquele estardalhaço, ainda ficou mais velha e mais feia com a cara toda vermelha de raiva. Contudo,  lá mandou limpar a mesa, tendo-lhe entregado uma nova folha e uma nova pena que felizmente deixava a tinta correr.

A prova, depois de todos estes percalços, não podia ter corrido pior.

No final, já aliviado de toda aquela odisseia, lá contou à professora o desastre que foi a sua prova. Ele estava aliviado e feliz por tudo ter acabado, mas a sua professora estava muito triste, tendo-lhe mesmo corrido uma lágrima pelo seu lindo rosto.

A professora não se resignou e convenceu o seu pai que acompanhasse um outro aluno das explicações, com familiares em Braga, a fazer o exame de admissão aos liceus. Ele e o pai acederam mais por respeito à professora, já que estava fora de hipótese, com onze anos, ir estudar para Braga. Na altura só havia Liceus nas capitais de distrito.

Lá foi ele numa de passeio, com uma roupinha lavada e mais confortável, numa “carrimpana” do pai do seu amigo até Braga, vencendo as voltas de macada onde toda a gente vomitava.

A sua professora ficou maravilhada com o seu desempenho.

Entretanto saíram os resultados e para surpresa sua e da professora tinha entrado na escola técnica. Ainda hoje não sabe os resultado do exame de admissão ao liceu. (...)

(Seleção, revisão / fixação de texto, título: LG)

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Fonte: Excerto de: "O sistema de ensino antes do 25 de Abril de 1974: caso prático. In: Joaquim Costa - "Crónicas de paz e guerra", Rio Tinto, Lugar da Palavra Editora, 2024, pp. 207/209 (Com a devida autorização do autor...)


Também disponível, a história na íntegra, na página do Facebool > Joaquim Costa > 13 de março de 2024, 11:46 > O sistema de ensino antes do 25 de abril de 1974: caso prático

Capa do livro de Joaquim Costa - "Crónicas de paz e guerra: o Minho a Tombali (Guiné)... e o Porto Por perto". Rio Tinto: Lugar da Palavra Editora, 2024, 221 pp, il. (+ de 80 fotos)


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Notas do editor:

(*) Vd.poste de 31 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26098: Lembrete (48): Biblioteca Municipal de Gondomar, sábado, dia 9 de novembro de 2024, lançamento do livro "Crónicas de Paz e Guerra" (2014, 221 pp.; posfácio de Mário Beja Santos)