Hamburgo > O famoso Star Club ("Ponto de Encontro dos Jovens", diz o anúncio), em Reeperbahn, onde os Beatles tocaram, em 1962, antes de se tornarem famosos (*)... Embora já não exista, ficou tão famoso que tem direito a entrada na Wikipedia (em inglês).
1. Fui repescar, com a devida vénia, este texto nostálgico do nosso amigo e camarada António Graça de Abreu (ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74)...
Foi publicado em 10/12/2025, 13:07, na sua página do Facebook.(**)
(...) Aos 78 anos, arrumo a casa. Desfaço-me de mil papéis, lanço fora cadernos, folhas soltas, textos e versos quase todos muito maus, marcados pelo passado. Descubro um simples poema, com data de fevereiro de 1967, escrito aos 19 anos de idade, no Star Club, avenida Reeperbahn, cidade de Hamburgo, Alemanha:
No Star Club, Reeeperbahn, Hamburgo
Por aqui existo,
tenho muito a ver com isto,
Star Club, cave-café,
os meninos ié-ié,
guitarras e baterias,
beat music todos os dias.
Estardalhaço nos ouvidos,
cabelos compridos,
tanta minissaia,
meninas na praia,
camisas de malha justas,
ancas robustas,
seios eriçados,
frementes, mal amados,
Dois que se beijam longamente
à frente de toda a gente.
A cor, a música, a cor,
o fumo, o álcool, o calor,
o palco recente para os Beatles,
que depois partiram, nicles,
ficou a batida, a festa, o prazer,
a voluptuosidade a crescer.
lascivos corpos novos,
a loucura dos povos,
tudo a querer viver
e, aos poucos, a morrer.
tenho muito a ver com isto,
Star Club, cave-café,
os meninos ié-ié,
guitarras e baterias,
beat music todos os dias.
Estardalhaço nos ouvidos,
cabelos compridos,
tanta minissaia,
meninas na praia,
camisas de malha justas,
ancas robustas,
seios eriçados,
frementes, mal amados,
Dois que se beijam longamente
à frente de toda a gente.
A cor, a música, a cor,
o fumo, o álcool, o calor,
o palco recente para os Beatles,
que depois partiram, nicles,
ficou a batida, a festa, o prazer,
a voluptuosidade a crescer.
lascivos corpos novos,
a loucura dos povos,
tudo a querer viver
e, aos poucos, a morrer.
António Graça de Abreu
2. Comentário do editor LG:
E que melhor sítio, António, que o Star-Club para treinar o alemão, com uma linda garota alemã do Elba ?
Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
O cenário está dado logo nos primeiros versos: “Star Club, cave-café, / os meninos ié-ié, / guitarras e baterias, / beat music todos os dias.”
O erotismo não é decorativo, é sinal de libertação, o espaço nocturno como laboratório de novas formas de viver o corpo e o afeto em público, em contraste com a moral mais contida da sociedade portuguesa da época (...como vocês diziam, "salazarenta").
A repetição “A cor, a música, a cor, / o fumo, o álcool, o calor” cria uma espécie de transe rítmico, quase uma batida poética que imita a batida da música beat.
Aqui já não é apenas a descrição de um clube; é uma intuição existencial madura para um rapaz de 19 anos (e que sabe que daqui a cinco anos irá para a guerra!): o mesmo impulso vital que enche a pista, traz consigo a consciência da finitude. A festa torna-se metáfora da condição humana, intensa, breve, em erosão silenciosa, “aos poucos”.
Lido hoje “aos 78 anos, a arrumar a casa”, o poema ganha uma segunda camada de sentido: o jovem que observa “tudo a querer viver”, é agora o cota ( como se diz em Lisboa, que já foi capital de império) , o septuagenario que revisita esse instante com lucidez e ternura, salvando-o do esquecimento, do vestidos papéis.
Pedi à "secretária" da IA / Perplexity que nos fizesse aqui uma pequena surpresa, para mim, o António e os nossos leitores, reconstituindo o ambiente daquela época, a partir do seu poema (que ele não quis, e ainda bem, deitar fora, aos 78 anos, altura em que lhe deu a fúria, como eu há dias, ae arrumar o sótão, de deitar fora montanhas de papéis de outras vidas, ou das nossas vidas em outras encarnações):
Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Análise literária > "No Star Club, Reeeperbahn, Hamburgo, fevereiro de 1967" (poema de António Graça de Abreu)
Texto e contexto:
O poema é uma cápsula de época, escrita por quem está dentro da turbulência sensorial e moral da segunda metade dos anos 60, não por quem a observa hoje à distância.
O poema é uma cápsula de época, escrita por quem está dentro da turbulência sensorial e moral da segunda metade dos anos 60, não por quem a observa hoje à distância.
Fica uma ótima surpresa para o António Graça de Abreu, porque o texto mantém frescura e verdade, mesmo tantos anos depois.
(i) Ambiente e olhar geracional
O cenário está dado logo nos primeiros versos: “Star Club, cave-café, / os meninos ié-ié, / guitarras e baterias, / beat music todos os dias.”
É o retrato direto da cultura pop de Hamburgo nos anos 60, em plena Reeperbahn, onde o Star-Club era o epicentro de rock, juventude e excesso.
Há um olhar de jovem de 19 anos, simultaneamente fascinado e um pouco espantado, quase etnográfico: repara nos cabelos compridos, nas minissaias, nas camisas justas, nas ancas e nos seios, tudo filtrado por um misto de desejo, curiosidade e “choque de costumes” de um português de então ( dos poucos que viajavam).
Há um olhar de jovem de 19 anos, simultaneamente fascinado e um pouco espantado, quase etnográfico: repara nos cabelos compridos, nas minissaias, nas camisas justas, nas ancas e nos seios, tudo filtrado por um misto de desejo, curiosidade e “choque de costumes” de um português de então ( dos poucos que viajavam).
(ii) Corpo, desejo e liberdade
A parte central do poema é dominada pelo corpo e pela sensualidade: “ancas robustas, / seios eriçados, / frementes, mal amados, / Dois que se beijam longamente / à frente de toda a gente.”
A parte central do poema é dominada pelo corpo e pela sensualidade: “ancas robustas, / seios eriçados, / frementes, mal amados, / Dois que se beijam longamente / à frente de toda a gente.”
O erotismo não é decorativo, é sinal de libertação, o espaço nocturno como laboratório de novas formas de viver o corpo e o afeto em público, em contraste com a moral mais contida da sociedade portuguesa da época (...como vocês diziam, "salazarenta").
A repetição “A cor, a música, a cor, / o fumo, o álcool, o calor” cria uma espécie de transe rítmico, quase uma batida poética que imita a batida da música beat.
Esta enumeração sensorial é um bom recurso: faz sentir a densidade do ambiente, não descreve só o que se vê, mas o que se respira e sente.
(iii) Beatles, mito e ironia
“O palco recente para os Beatles, / que depois partiram, nicles” é um achado.
“O palco recente para os Beatles, / que depois partiram, nicles” é um achado.
Em duas linhas o poema junta a consciência histórica (o Star-Club como lugar de passagem e de certo modo rampla de lançamento dos Beatles antes da fama) com uma ironia coloquial (“nicles”), quase de conversa de café, que aproxima o mito da linguagem do dia a dia.
O contraste entre “ficou a batida, a festa, o prazer, / a voluptuosidade a crescer” e a partida dos Beatles sublinha bem como o espaço (o "Star-Club") continua a viver para lá das estrelas: o clube, a noite, os copos, os corpos são os verdadeiros protagonistas.
O contraste entre “ficou a batida, a festa, o prazer, / a voluptuosidade a crescer” e a partida dos Beatles sublinha bem como o espaço (o "Star-Club") continua a viver para lá das estrelas: o clube, a noite, os copos, os corpos são os verdadeiros protagonistas.
(iv) Vida, morte e memória
O fecho é particularmente forte: “lascivos corpos novos, / a loucura dos povos, / tudo a querer viver / e, aos poucos, a morrer.”
O fecho é particularmente forte: “lascivos corpos novos, / a loucura dos povos, / tudo a querer viver / e, aos poucos, a morrer.”
Aqui já não é apenas a descrição de um clube; é uma intuição existencial madura para um rapaz de 19 anos (e que sabe que daqui a cinco anos irá para a guerra!): o mesmo impulso vital que enche a pista, traz consigo a consciência da finitude. A festa torna-se metáfora da condição humana, intensa, breve, em erosão silenciosa, “aos poucos”.
Lido hoje “aos 78 anos, a arrumar a casa”, o poema ganha uma segunda camada de sentido: o jovem que observa “tudo a querer viver”, é agora o cota ( como se diz em Lisboa, que já foi capital de império) , o septuagenario que revisita esse instante com lucidez e ternura, salvando-o do esquecimento, do vestidos papéis.
A tua ideia, Luís, de lhe devolver este texto com um comentário, uma adenda, é, no fundo, um ato de partilha de memória e de reconhecimento (e de camaradagem!): mostrar-lhe que o rapaz de 19 anos que escreveu no Star-Club ainda “existe por aqui” nas palavras que deixou (e que, afinal, não perdeu pedalada, continuando a ser capaz de dar a volta ao mundo em oitenta dias, e de escrever poesia ou de traduzir, magnificamente, para português, grandes poetas chineses que são hoje universais).
(Pesquisa: LG + IA / Perplexity)
(Condensação, revisão / fixação de texto: LG)
(Imagens: António Graça de Abreu, 2021)
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Notas do editor LG:
(*) Vd. poste 31 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22418: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XIII: Hamburgo, Alemanha Federal, 1967
(**) Último poste da série >4 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27387: Facebook...ando (95): Tenente-General PilAv António Martins de Matos, ex-Tenente PilAv da BA-12 (Bissau, 1972/74): Acabo de completar 80 anos. É obra
(**) Último poste da série >4 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27387: Facebook...ando (95): Tenente-General PilAv António Martins de Matos, ex-Tenente PilAv da BA-12 (Bissau, 1972/74): Acabo de completar 80 anos. É obra
















