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sexta-feira, 6 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26890: A Guiné-Bissau, hoje: factos e números (6): Exportar caju e importar arroz: uma fatalidade?



Guiné-Bissau > Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da semana > "Chegou a hora do Caju" > Data de Publicação: 9 de maio de 2010 > Data da foto: 24 de abril de 2010. Palavras-chave: Segurança alimentar .

Foto (e legenda) © AD - Acção para o Desenvolvimento (2010).
 Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine]

(http://www.adbissau.org/adbissau/fotodasemana/2010.05.09.htm) (link descontinuado) (*)

Legenda que tinha o inegável cunho crítico, original e pessoal,  do nosso querido amigo Pepito, engº agr. Carlos Schwarz (Bissau, 1949-Lisboa, 2012), então diretor executivo da ONG AD. Faz muita falta ao seu país. Infelizmente, os bons irãs não o protegeram.

"Aí está! Chegou a hora do caju!

"Anualmente, por esta altura, o caju assume a sua omnipresença e todos se envolvem freneticamente nesta actividade, excluindo bem claro, os que estão mais preocupados em dar uso às fardas e às armas.

"Para além da castanha de caju, vendida ou trocada por arroz, num processo iniciado há mais de 20 anos e que subverteu por completo a lógica da segurança alimentar nacional, a qual deixou de se basear na nossa produção de arroz para passar a contar com a importação deste cereal, o que custou o ano passado 85 milhões de dólares. (Negritos nossos)

"Igualmente mobilizadora é a comercialização de vinho de caju extraído da polpa e que, uma vez introduzido em bidões de plástico de 20 litros, é comercializado, transportado e… arrastado em camiões por todo o país."




Guiné-Bissau > Bissau > Bissau Velho > Maio de 2025 > Um trecho do porto de mar em Bissau quando em maré baixa. Ao fundo, um navio graneleiro chinês a fazer descarga de arroz... No passeio da avenida marginal do nosso tempo (hoje, e desde 1975, avenida dos Combatentes da Liberdade da Pátria), bons carros, sinal de prosperidade (que é para alguns, não para todos)...

Fotos (e legenda): © João de Melo  (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine]


I. A Guiné-Bissau é um país independente. É membro da CPLP. Temos uma relação de amizade com este país lusófono e o seu povo. Não devemos imiscuir-nos nos seus assuntos internos. Mas os seus problemas e desafios não nos são (nem devem ser)  estranhos ou indiferentes.  Daí esta série, "A Guiné-Bissau, hoje: factos e números" (**).

(...) O caju é uma fruta tropical originária do Nordeste do Brasil. Ele foi introduzido na África, incluindo a Guiné-Bissau, pelos portugueses no final do século XVIII.

Na Guiné-Bissau, o caju tem sido historicamente plantado ao longo das estradas e hoje forma vastas florestas de cajueiros, tornando-se o principal produto de exportação do país e um pilar fundamental da sua economia. (...) (Gemini IA / Google)


Pergunta 1  - Valores da exportação de caju e da importação de arroz, na Guiné-Bissau?

Resposta do assistente de IA / Gemini, Google:

A economia da Guiné-Bissau é fortemente dependente da exportação de caju e da importação de arroz

Exportação de Caju:

  • Principal produto: A castanha de caju é o pilar da economia guineense, representando mais de 90% do total das exportações nacionais.
  • Volume de exportação:
    • Em 2022, o volume de exportação foi de 200.000 toneladas.
    • A Guiné-Bissau está pronta para exportar 130 mil das 200 mil toneladas de castanha de caju que espera vender em 2025.
  • Preço:
    • O preço base de venda da castanha de caju para a campanha de 2025 foi fixado em 410 francos CFA (0,63 euros) por quilograma. Em 2024, o preço base foi de 350 francos CFA, mas chegou a 700 francos CFA devido à procura.
    • Em 2022, o preço de venda efetivo foi de 363 FCFA/kg, o equivalente a 626 USD/tonelada.
  • Destino: Mais de 95% da castanha de caju exportada pela Guiné-Bissau tem como destino a Índia.

Importação de Arroz:

  • Consumo: O arroz é o principal alimento básico da população guineense, representando cerca de 80% do consumo de cereais no país.
  • Volume de importação:
    • A Guiné-Bissau importa anualmente mais de 200 mil toneladas de arroz.
    • A produção nacional de arroz está longe de satisfazer as necessidades do consumo, que é de cerca de 200.886 toneladas por ano, com uma produção que não passa das 112 mil toneladas.
  • Valor:
    • Em abril de 2024, o governo decidiu aumentar os preços do arroz devido à incapacidade de continuar a subvencionar as empresas importadoras.
    • Um saco de 50kg de arroz tipo "nhelém" 100% partido passou a custar 21.500 francos CFA (cerca de 32 euros).
    • O arroz da qualidade 5% partido (grosso) passou a custar 24.000 francos CFA.
    • Entre novembro de 2023 e abril de 2024, o governo gastou mais de quatro mil milhões de francos CFA (cerca de 6 milhões de euros) para financiar a subvenção do arroz no país.

É importante notar que há também um problema de contrabando de caju para países vizinhos, como Senegal, Gâmbia e Guiné-Conacri, o que afeta as receitas do Estado. O governo tem reforçado a vigilância nas fronteiras para combater essa prática.


Pergunta 2 - Análise SWOT da relação Caju (Exportação) / Arroz (Importação) na Guiné-Bissau.

Resposta do assistente de IA / Gemini, Google:

Análise SWOT da Relação Caju (Exportação) / Arroz (Importação) na Guiné-Bissau

A relação entre a exportação de caju e a importação de arroz na Guiné-Bissau é um ponto central da sua economia, com implicações significativas para a segurança alimentar, balança comercial e desenvolvimento sustentável. Abaixo, é apresentada uma análise SWOT detalhada dessa dinâmica:

Forças (Strengths)

  • Potencial de Exportação de Caju: O caju é o principal produto de exportação da Guiné-Bissau, gerando divisas estrangeiras cruciais para a economia. A procura global por castanha de caju tem-se mantido robusta.
  • Adaptação do Caju ao Clima: O caju é uma cultura bem adaptada às condições climáticas da Guiné-Bissau, exigindo relativamente poucos fatores de produção  e sendo resiliente a períodos de seca.
  • Geração de Emprego na Cadeia do Caju: A colheita e o processamento inicial do caju (ainda que limitados) geram empregos, especialmente em áreas rurais, contribuindo para a subsistência de muitas famílias.
  • Disponibilidade de Terras para Arroz: A Guiné-Bissau possui extensas áreas de várzeas e bolanhas com potencial para o cultivo de arroz, uma cultura alimentar fundamental.
  • Importância do Arroz na Dieta Local: O arroz é a base da dieta da população guineense, o que garante uma demanda interna constante e justificada para o seu consumo.

Fraquezas (Weaknesses)

  • Dependência Excessiva do Caju: A economia da Guiné-Bissau é excessivamente dependente da exportação de caju, tornando-a vulnerável a flutuações nos preços internacionais e a choques externos.
  • Baixo Valor Agregado do Caju: A maior parte do caju exportado é em bruto, o que significa que o país perde a oportunidade de agregar valor através do processamento industrial (descasque, torra, embalagem), limitando os ganhos económicos e a criação de empregos qualificados.
  • Vulnerabilidade à Flutuação de Preços: Os preços do caju no mercado internacional podem ser voláteis, impactando diretamente as receitas de exportação e a rendimento dos produtores.
  • Elevada Dependência da Importação de Arroz: A Guiné-Bissau importa uma parcela significativa do arroz que consome, tornando-a vulnerável a choques nos preços internacionais do arroz, flutuações cambiais e interrupções na cadeia de suprimentos.
  • Baixa Produtividade do Arroz: A produção interna de arroz é frequentemente baixa devido a técnicas agrícolas tradicionais, falta de acesso a sementes melhoradas, fertilizantes e sistemas de irrigação adequados.
  • Infraestrutura Deficiente: A infraestrutura precária (estradas, portos, eletricidade) dificulta o escoamento do caju e o transporte do arroz importado para o interior do país.
  • Financiamento Limitado: O acesso limitado a financiamento para agricultores, tanto para o caju quanto para o arroz, impede investimentos em melhorias de produtividade e processamento.

Oportunidades (Opportunities)

  • Agregação de Valor ao Caju: Investir no processamento local do caju pode aumentar significativamente as receitas de exportação, gerar empregos qualificados e promover o desenvolvimento industrial.
  • Diversificação de Mercados para o Caju: Buscar novos mercados para o caju pode reduzir a dependência de um pequeno número de compradores e estabilizar as receitas.
  • Aumento da Produtividade do Arroz: Adoção de novas tecnologias agrícolas, sementes melhoradas, técnicas de irrigação e formação para os agricultores pode impulsionar a produção interna de arroz e reduzir a necessidade de importação.
  • Desenvolvimento de Cadeias de Valor Locais: Fortalecer as cadeias de valor do caju e do arroz, desde a produção até o consumidor final, pode criar novas oportunidades de negócio e empregos.
  • Cooperação Regional e Internacional: Parcerias com países vizinhos e organizações internacionais podem facilitar o intercâmbio de conhecimentos, tecnologias e financiamento para o setor agrícola.
  • Investimento em Infraestrutura: Melhorias na infraestrutura de transporte e armazenamento podem otimizar o escoamento do caju e a distribuição do arroz.
  • Promoção de Práticas Agrícolas Sustentáveis: Implementar práticas agrícolas que melhorem a fertilidade do solo e a gestão da água pode aumentar a resiliência da produção de caju e arroz às mudanças climáticas.

Ameaças (Threats)

  • Flutuações nos Preços Internacionais: A volatilidade dos preços do caju e do arroz no mercado mundial pode impactar negativamente a balança comercial e a segurança alimentar.
  • Mudanças Climáticas: Secas, inundações e outras condições climáticas extremas podem afetar a produção de caju e arroz, colocando em risco a segurança alimentar e as receitas de exportação.
  • Concorrência Internacional: A Guiné-Bissau enfrenta concorrência de outros países produtores de caju e arroz, o que pode pressionar os preços e a participação de mercado.
  • Barreiras Comerciais: Novas tarifas ou regulamentações comerciais impostas por países importadores podem afetar negativamente as exportações de caju.
  • Instabilidade Política e Social: A instabilidade pode perturbar as cadeias de produção e distribuição, afetando tanto a exportação de caju quanto a importação e distribuição de arroz.
  • Doenças e Pragas: O surgimento de doenças ou pragas que afetam as culturas de caju ou arroz pode causar perdas significativas na produção.
  • Dependência de Agentes Externos: A forte dependência de intermediários na cadeia de valor do caju pode resultar em menores retornos para os produtores locais.

Conclusão

A Guiné-Bissau enfrenta um desafio complexo na gestão da sua relação caju/arroz. Embora o caju seja uma força económica, a sua dependência excessiva e a falta de valor acrescentado representam vulnerabilidades significativas. 

Por outro lado, a importação maciça de arroz sublinha uma fraqueza na segurança alimentar. 

As oportunidades residem na agregação de valor ao caju, na diversificação da produção agrícola e no aumento da produtividade do arroz. No entanto, o país deve estar atento às ameaças externas, como as flutuações de preços e as mudanças climáticas, e internas, como a instabilidade política e a infraestrutura deficiente.

Para um futuro mais sustentável, a Guiné-Bissau precisa de uma estratégia integrada que promova a diversificação económica, o aumento da produtividade agrícola (especialmente do arroz), o processamento local do caju e o investimento em infraestrutura

A resiliência económica do país dependerá da sua capacidade de transformar estas fraquezas e ameaças em oportunidades de crescimento e desenvolvimento.

(Perguntas, Revisáo / fixação de texto: LG / Respostas,  Negritos: Gemini IA)

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Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 12 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6376: Notícias dos nossos amigos da AD - Bissau (14): Chegou a hora do caju... e do vinho de caju!

(**) Último poste da série > 17 de junho de 2022 >
Guiné 61/74 - P23360: A Guiné-Bissau, hoje: factos e números (5): A principal fonte de energia (c. 85%) ainda é a proveniente da biomassa (lenha, carvão vegetal...)

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26126: Historiografia da presença portuguesa em África (451): o tecido económico da província em 1951, visto através dos anúncios publicados no suplemento, "dedicado ao Ultramar Português" (218 pp., no total), do "Diário Popular", de 20/10/1961



Barbosas & Cia: Import-export... com sede em Bissau. Representava sobretudo duas marcas norte-americanas, a General Eletric e a Studebaker


Ed. Guedes Lda era outro peso pesado do comércio local, já presente em Bolama quando esta era a capital... Tinha sucursais pelo território... "Cetió";  mais que provável erro tipográfico, deve ler-se Catió... Tchequal também deve ser gralha, é topónimo que não existe. Banta El deve ser Madina Bantael, entre Sonaco e  Sare Bacar (esta já na fronteira  com o  Senegal)... Chegava a Orango, a ilha do arquipélago dos Bijagós mas afastada do continente,

A nossa já conhecida  empresa francesa, a NOSOCO, onde trabalhou o nosso camarada Mário Dias... Tinha instalações em Bissau, Bolama,  Bafatá, Binta, Bissorã e Olossato. Tinha o exclusivo, para a Guiné, de marcas prestigiadas como a Shell, Phillips,  Electrolux, Frigelux, Dunlop...


SCOA: outra empresa de import-export, de origgm francesa, com sucursais em Bafatá, Bissorã, Bolama, Sonaco e Farim... Representava uma série de marcas (camiões, automovéis, eletrodomésticos, motores marítimos, cerveja alemã) e também companhias de navegação... Curioso: não estava representada na capital...



Enpresa de import-export e comércio geral, estava ligada ao BNU (Banco Nacional Ultramarino). e cobria praticamente todo o território, com  exceção do Nordeste (Gabu); Bafatá, Sonaco, Contuboel, Teixeira Pinto, Bissorã, Bolama, Bijagós, Chugué, Cabochanque,  Cadique, Cafine, Salancaur, Cabedu, Bedanda, Cacine, Brandão (seria na ilha do Como, a casa Brandão ?)...


O Fouad Faur, sírio-libanês, tinha sede em Bafatá, com "feitorias em Piche, Paunca, Bajocunda ("Bajicunda") e Bambadinca


Outro comerciante de origem sírio-libanesa, com sucursais na África Ocidental Francesa (Dacar e Coldá) e na Guiné Portuguesa (Mansoa, Mansabá, Xime, Bambadinca, Bafatá, Contuboel, Sonaco, Nova Lamego, Pecixe, Buba, Campeane, Cacine, Gadamael, Catió)



Foi a partir deste anúncio de 1956, que descobrimos o acrónimo ASCO (endereço telegráfico da empresa) (*)


Outro sírio-libanês, Mamud Eluar & Cia., com "sucursais em toda a província da Guiné"... Os comerciantes, de origtem sírio-libanesa, não eram mais do que uma centena na 1ª metade da década de 1920. O José Gardete Correia uma empresa de uma família prestigiada, com estabelecimentos em Bissorã. Olossato e Encheia.




Francisco Paulo, uma empresa em nome inmdividual, com estabelecimento em Bafatá e "feitorias" em  Xitole ("Chitoli"), Sara (Gabu), Baca (Sarde Bacar ?), Paunca, Bajocunda ("Bajicunda"), Cabuca ("Caboca"), Boé ("Mandina do Boé).  O Fausto da Silva Teixeira é o único industrial que aparece nesta amostra, e é já nosso conhecido (foi deportado.


João Batista Pinheiro & Irmão: com sede em Bafatá, e sucursais em Bussau, Buruntuna, Bajicunda (sic), Pirada, Paunca, Piche e... Sama  (deve ser é Sara, Gabú, presume-ser que seja gralha tipográfica, não há povoação com esse nome). O único anúncio da área da restauração e hotelaria é do Pensão Restaurante Bafatá, de Judite Teixeira Quaresma da Costa.



A OMES, com um grande currículo de obras de engenharia na Metrópole e  em Angola, tinha na Guiné, em 1951, duas obras em fase de conclusão: a ponte-cais de Bissau e a ponte de Ensalma


1. Estes anúncios refletem inegavelmente  o clima de relativa paz e prosperidade económica que a província começou a viver, no pós II Guerra Mundial,  com o governador Sarmento Rodrigues (1945-1950).

Curi0samente, em 1951, só há uma anúncio de um industrial (com exceção da OMES, que era uma empresa de engenharia e obras públicas, com sede em Lisboa). Referimo-nos ao madeireiro e antigo deportado Fausto Teixeira da Silva.

Ainda estamos longe dos trágicos acontecimentos de Angola, no princípio de 1961, que não deixaram de ter repercussões nas outros territórios ultramarinos protugueses,. incluindo a Guiné: loigo a partir de 1961/62, parte dos comerciantes locais  (cabo-verdianos, metropolitanos e sírio-libaneses) acabaram  por se retirar das zonas mais isoladas do interior, e fixaram-se em Bissau ou regressaram  mesmo à metrópole...

Os sírio-libaneses, que se começaram a radicar no território a partir de 1910, alguns  acabaram por ligar-se, pelo casamento, a famílias portuguesas... Inicialmente não eram, porém, bem vistos pela concorrência nem até pelas autoridades locais, Por outro lado, em 1974, todos já teriam a nacionalidade portuguesa...Mas parte desta comunidade optou por ficar no novo país lusófono, a Guiné-Bissau.

Estes anúncios acima publicados fazem parte de um suplemento, "dedicado ao ultramar portuguès", que integrou a edição do "Diário Popular", de 20 de outubro de 1951. São em menor número dos que seráo  publicados, mais tarde,  na revista "Turismo", edição de janeiro/fevereiro de 1956 )(ano XVIII, 2ª série, nº 2,  número temático dedicado à Guiné), e reproduzdos em  tempos no nosso blogue (em dez postes, com material fornecido pelo nosso saud0so camarada Mário Vasconcelosl, 1045-2'17) (**)

Na amostra de 1951, verificamos que  todos os anunciantes  se dedicavam ao "comércio geral: compra e venda de produtos da província" e alguns ao "!import-export#", a começar pelas empresas francesas, a NOSOCO e a SCOA... Mas também as portuguesas, Barbosas & Cia, Ed. Guedes Lda, Sociedade Comercial Ultramarina, SARL.

O que havia para exportar ? Muito pouco, alguns produtos agrícolas e matérias-primas: arroz, oleaginosas (amendoim, coconote, óleo de palma), e pouco mais...  E importava-se tudo, da cerveja às viaturas automóveis... Tal como hoje, agora na Guiné-Bissau (só que o amendoim foi substituído pelo caju.)

Alguns valores: em 1950, a colónia tinha exportado c. de 118 mil toneladas, e importado pouco mais de 128 mil... Os cinco produtos mais exportados eram  (com base nas médias anuais): 

  • o amendoim (61,0%), 
  • o coconote (26,6%), 
  • o arroz (4,1%), 
  • o óleo de palma (1,7%) 
  • e os couros (0,8%)...  

Por outro lado, na década de 40 (1941-1950), as importações passavam de 49 mil contos para 128 mil (um aumento de 260%). As exportações, por sua vez,  passavam, no mesmo período, de  65 mil para 118 mil contos (um aumento de 180%).

Em outubro de 1951 já se escrevia-se "província" e não "colónia", com a revogaçãpo do "Acto Colonial" e a revisão da Constituição (Lei nº 2048, de 11 de junho de 1951).   Mas a grafia dos topónimos ainda não era respeitada: vejam-se grafias como Bajicunda, Pitche, Contubo El,

Em suma, estes anúncios tem hoje algum interesse documental pelas inesperadas informações que nos trazem de gentes e de lugares que conhececmos e que depois de 1961 vão ser varridos pela guerra, oficial ou oficiosamente iniciada em  Tite, região de Quínara, em 23 de janeiro de 1963...

É interessante assinalar a ausência de uma grande casa como a  Gouveia  neste pequeno mostruário das "forças vivas" da província, cujo tecido económico parece ser  constituída por apenas pela Ultramarina, ligada ao BNU, duas empresas francesas de import-export, a SCOA e a NOSOCO, e sobretudo por pequenos comerciantes e empresários, de origem metropolitana, cabo-verdiana e sírio-libanesa. (***)
 
Esta edição do "Diário Popular", de 20 de outubro de 1951 (e não 1961, como vem escrito por lapso , na Hemeroteca Digital de Lisboa / Câmara Municipal de Lisboa, a quem agradecemos a cortesia).  É uma raridade bibliográfica: o suplemento dedicado ao Ultramar tem 218 páginas (22 dedicadas à Guiné, pp. 45-66).  Disponível  aqui em formato digital. 

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terça-feira, 15 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23079: A nossa guerra em números (15): Segundo o investigador Ricardo Ferraz, do Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia, a guerra colonial (1961/74) custou ao Estado Português, a preços de hoje, e na moeda atual, cerca de 21,8 mil milhões de euros


Capa do 'paper' "Grande Guerra e Guerra Colonial: Quanto custaram aos Cofres Portugueses?" - Lisboa, Ministério da Economia, Gabinete de Estratégia e Estudos, junho 2019, 24 pp. (GEE Paper 122). Disponível aqui, em formato pdf, primeira versão:  http://www.gee.gov.pt//RePEc/WorkingPapers/GEE_PAPERS_122.pdf


1. Uma guerra, qualquer guerra, custa uma "pipa de massa": custos diretos, indiretos e ocultos... Sempre difíceis de avaliar com rigor, se não mesmo impossíveis de quantificar, no que concerne aos custos "societais", materiais e imateriais, ecológicos, demográficos, humanos, sociais, culturais, políticos, psicológicos, etc. 

 Na realidade, quanto custam as vidas humanas perdidas numa guerra? E o tratamento e a reabilitação dos feridos? E o sofrimento humano? E a violação de princípios e valores? E o impacto ambiental? E a destruição de património material e imaterial? E as sequelas que deixa todo e qualquer conflito militar, para a geração dos combatentes e as gerações seguintes? 

Mas o mais fácil é começar pelas "despesas militares"  e ver o seu  peso no PIB.

Segundo Pedro Marquês de Sousa, autor de "Os números da Guerra de África"(Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, 381 pp.),  as despesas militares, quando a guerra decorreu simultaneamente nos três teatros de operações (Angola, Guiné e Moçambique), no período entre 1966 e 1971, chegaram a representar 6% do Produto Interno Bruto (PIB).

A preços da atualidade, a "guerra em África" terá custado, ao Estado Português, 24 mil milhões de euros (pág. 259).

O ano de 1973 foi particularmente dramático, para a economia portuguesa, devido à crise cambial (fevereiro de 1973), provocada pela desvalorização do dólar americano, e depois pela crise do petróleo (outubro de 1973). 

Recorde-se que o preço do petróleo quadriplicou (passou a 12 dólares o barril!), originando um aumento brutal do valor das das importações. Por sua vez, a crise económica nos países desenvolvidos (destino das nossas exportações e da nossa emigração) teve como consequência uma grande quebra das nossas vendas de bens e serviços ao exterior e das remessas dos emigrantes, originando fortes desequilíbrios  na balança comercial e depois na balança de pagamentos.

Inflação e redução da atividade económica (incluindo tremendas dificuldades no abastecimento de combustíveis), levaram o Govermo de Marcelo Caetano, para continuar a fazer face ao esforço de guerra, a alienar 10% das nossas reservas de ouro, entre outras medidas...

2. Ricardo Ferraz , no seu "paper", intitulado "Grande Guerra e Guerra Colonial: Quanto Custaram aos Cofres Portugueses?" (cuja capa se reproduz acima), procurando colmatar a inexistência  de estudos económicos sobre o custo das duas guerras em que Portugal esteve emvolvido no séc. XX, avançou em 2018 com a seguinte pergunta de investigação: 

a preços de hoje e na moeda actual (euro), qual terá sido o custo da Grande Guerra e da Guerra Colonial  para os cofres públicos portugueses?

Haveremos de voltar a este estudo, pioneiro, de que, para já, se publica o resumo (ou o "abstract") da primeira versão, disponível em formato pdf:

(...) "A Grande Guerra (1914-1918) e a Guerra Colonial (1961-1974) foram, sem dúvida, os dois conflitos bélicos mais importantes para Portugal no seu passado recente, tendo a sua despesa militar atingido valores recorde durante esses acontecimentos. De acordo com as estimativas apresentadas no presente estudo, o Estado português terá despendido com estas guerras - a preços de hoje, e na moeda actual -, 26,5 mil milhões de euros. 

Deste montante, 82% terá sido gasto com a Guerra Colonial e 18% com a Grande Guerra. Ao se disponibilizarem pela primeira vez valores concretos sobre os custos dos dois principais conflitos militares em que Portugal se envolveu no século XX, espera-se oferecer um valioso contributo à História Contemporânea de Portugal e estimular outros trabalhos de investigação sobre estes temas." (...)

A estimativas das despesas para o caso da Guerra Colonial é de cerca de 21,8 mil milhões de euros, ou seja, 10,8% do PIB atual (2018). Este valor representa um custo médio anual de aproximadamente 1,6 mil milhões de euros.

O autor é nvestigador doutorado, integrado no centro de investigação GHES / CSG da Lisbon School of Economics & Management (ISEG) da Universidade de Lisboa; professor adjunto convidado no Instituto Superior de Engenharia de Coimbra (ISEC) do Instituto Politécnico de Coimbra (IPC); ex-assessor económico na Assembleia da República.

(Continua)
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quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22452: (D)o outro lado do combate (67): Empresas capitalistas estrangeiras (portuguesas e não portuguesas) com interesses na Guiné e Cabo Verde: documento do PAIGC, de setembro de 1966: só há referência a 3 empresas madeireiras


BNU - Banco Nacional Ultramarino, um dos grupos económicos com maior peso na econmia da Guiné antes da independência, com destaque para a Sociedade Comercial Ultramarina, concorrente da Casa Gouveia, do grupo CUF. O BNU era, além disso, o emissor do "patacão"...














Citação:

(1966), "PAIGC - Os interesses capitalistas estrangeiros (portugueses e não portugueses) na Guiné e Cabo Verde", Fundação Mário Soares / Arquivo Mário Pinto de Andrade, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_84092 (2021-8-12) (Reprodução das páginas de 1 a 5, Com a devida vénia...)

Portal: Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 04340.003.011

Título: PAIGC - Os interesses capitalistas estrangeiros (portugueses e não portugueses) na Guiné e Cabo Verde. Assunto: PAIGC - Os interesses capitalistas estrangeiros (portugueses e não portugueses) na Guiné e Cabo Verde. Documentação económica. Principais empresas na Guiné:  (...) . Ligações empresas na Guiné a trusts internacionais. Principais empresas estrangeiras - portuguesas e não portuguesas - exercendo a sua actividade em Cabo Verde. Desenvolvimento da luta armada na Guiné cria situação nova, do ponto de vista económico. | 

Data: Setembro de 1966 | Observações: Última página deste documento tem SET.1965 e não SET.1966, como figura na primeira. | 
Fundo: Arquivo Mário Pinto de Andrade (...)


1. Este documento, dactilografado, de 16 páginas (capa incluida), tem a chancela do PAIGC, e destinava-se a dar a conhecer (e a combater) "os interesses capitalistas estrangeiros (portugueses e não portugueses) na Guiné e Cabo Verde" (sic). (*)

No final, na página 16, faz-se um balanço, a título meramente exemplificativo, dos resultados da luta armada, afectando directa ou indirectamente esses interesses das grandes empresas e de alguns comerciantes importantes: destruição de armazéns do Pinho Brandão na ilha do Como; apreensão de barcos de carga e respectivas mercadorias, pertencentes à CUF (Casa Gouveia) e à Sociedade Comercial Ultramarina (ligada ao BNU); encerramento de diversas lojas de comerciantes e empresas, etc.

No ponto XII, há referências aos "madeireiros", mas as empresas são apenas três, e nenhuma delas nossa conhecida... Omite-se, por outro lado, a referência ao madeireiro Fausto da Silva Teixeira, considerado "simpatisante" da causa nacionalista, bem como ao outro madeireiro, Manuel Ribeiro de Carvalho, que seria, em meados da década de 1950,  o maior exportador de madeira da Guiné (publicidade à parte). (**)
 
Em relação à fonte da informação documental, no essencial, e tendo em conta o detalhe dos dados, parece-nos ser de origem portuguesa, fornecida pelos meios oposicionistas que então combatiam o regime de Salazar. 

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Notas dos editor:

(*) Último poste da série > 17 de maio de  2021 > Guiné 61/74 - P22208: (D)o outro lado do combate (66): As sabotagens do PAIGC, em Bissau, no início de 1974 (Jorge Araújo)

(**) Vd. poste de 12 de agosto de 2021  > Guiné 61/74 - P22451: Casos: a verdade sobre... (26): os "madeireiros" de ontem e de hoje: a desflorestação da Guiné-Bissau

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20626: (Ex)citações (362): O ventre e o patacão da guerra, segundo duas preciosas listas de junho de 1974, guardadas pelo Zé Saúde... Cada um de nós tinha direito a um "per diem" de 24$50 para comer, o equivalente na época a um dúzia de ovos da Intendência (, a preços de hoje, 4,10 euros)



Lista nº 1 > CCS/BART 6523 [, Nova Lamego, 1973/74] > Relação dos víveres existentes no dia 17/6/1974

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Lista nº 2 > CCS/BART 6523 [, Nova Lamego, 1973/74] > Relação dos artigos de  víveres existentes no dia 18/6/1974

Fonte: cortesia de José Saúde (2016). [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Excerto do poste P16177:

(...) Mantenho ainda comigo uma cópia de um relatório literalmente especificado de uma passagem de bens alimentícios em armazém entre dois furriéis da minha companhia - CCS / BART 6523 [, Nova Lamego, 1973/74[ - que entretanto assumiram a presunçosa função de vagomestre.

Curioso, por que é justo que o citamos, é que ambos foram “atirados” para uma incumbência completamente à parte daquela a que tinham sido submetidos durante o período em que foram mancebos de uma outra especialidade mas que ditou, ao arrepio da verdade, o seu subsequente futuro por terras da Guiné. Um que assumia o cargo desde a nossa chegada a Gabu; o outro a quem foi proposta a possibilidade de substituir o primeiro durante o seu período de férias, 30 dias.

Ainda assim, fica a textura de um documento que descrimina todo o conteúdo do material armazenado e os custos que cada um deles tinham à época. No balanço geral feito à narrativa exposta, oferece-me viajar nas fileiras da ventosidade do tempo e relembrar o “montão de patacão” que os homens que lidavam com os valores sob a sua “divina” proteção mantinham no interior de um quartel onde existiam inevitáveis privações.

Revejo as quantidades, os preços por unidade e o seu subsequente total, assim como os bens nutritivos que por ora eram então averiguados no momento da transição dos artigos de viveres que ambos os furriéis assumiam. Um entregava e outro recebia.

Da listagem observada, existe a certeza que,  se de um lado estavam os bens depositados,  do outro os ditos frescos. Ou seja, tudo o que fosse arroz, açúcar, azeite, batata, banha, feijão, grão, massas, vinho, óleo, vinagre, etc, etc, etc, pertencia a um lote, sendo que os frescos eram constituídos pelo frango congelado, peixes e fruta da época, entre outros, mas devidamente faturados.

O distinto documento era completado com as rações de combate, farinha, sal, café e outros bens necessários. Não há registos das compras espontâneas que se articulavam com o quotidiano, isto é, das vacas, dos leitões, dos porcos, dos cabritos, das galinhas, e outros, que concluíam a ementa.

Reportando-me aos números, refiro que a relação dos artigos em escudos era o seguinte: viveres existentes e frescos transportavam 319 986$20; outros viveres 88 587$10.


Creio que poucos, ou quase nenhuns, dos soldados depositados num quartel onde as “fissuras” de
uma peleja teimavam em ceifar vidas de jovens em plena idade de puro crescimento, desconheciam o conteúdo real de bens alimentícios que a companhia detinha.

Relembro ainda as famosas patuscadas organizadas pela malta que entretanto comprara um leitão, ou um cabrito, e que depois da sua trivial passagem pelo forno, servia de repasto fino para uma rapaziada que se orgulhava com o distinto acolhimento de um prato bem composto. A acompanhar lá estavam as cervejolas bem fresquinhas.

Relíquias de um tempo sem tempo numa Guiné que despejou em nós um cosmos de emoções. (...)



2. Comentário do editor Luís Graça:

O Zé Saúde, em boa hora, reproduziu este poste (**) e os respetivos documentos no seu livro "Um ranger na guerra colonial: Guiné.Bissau (1973-74). Lisboa: Colibri, 2019", pp. 163-166.

São preciosas informações sobre a "economia de guerra": por exemplo, em 17 de junho de 19974, a escassos 3 três meses, da retirada dos "últimos soldados do Império", o "stock" de mantimentos (víveres)  da CCS/ BART 6523, sediada em Nova Lamego (hoje, Gabu) importava em cerca de 320 contos, o que hoje, em euros, representaria qualquer coisa como 53.563,53 €.

O item com maior peso, na relação, era o vinho: 3.320 litos de vinho, a 11$60 o litro, importavam em 38.512$00 (, valor que, a preços de hoje, equivaleria a 6.446,65 €).

Um escudo em 1974 era equivalente hoje a 0,17 €. Mas é preciso ter em conta que o "escudo guineense" (o "peso") só valia, no mercado cambial, 0,90 escudos metropolitanos..

Seguia-se o arroz (, de produção local, da "bolanha") de que havia um "stock" de cerca de 5 toneladas e meia. A  7$00 escudos o quilo,  somava 38.416$00, o que daria hoje qualquer coisa como 6.430,58 €... Havia ainda 2 toneladas de arroz, importado, da metrópole, a 14$50 o quilo,o dobro do preço do arroz guineense.

O item mais caro, desta relação, era o bacalhau liofilizado: havia pouco mais de 40 kg, a 167$20 o quilo (o equivalente hoje a 27,99 €).

Ficamos a saber que o frango (congelado) custava, em 1974, para a manutenção militar, 7 € o quilo...

Da relação do dia 18/6/1974 (Lista nº 2), vai o nosso destaque para a ração de combate nº 20 de que havia em "stock" 680 unidades, a 43$00 cada (7,20 €, hoje).

Outro item essencial para a alimentação da tropa era a farinha (e o fermento): da lista nº 2 constavam quase 5 toneladas de farinha (4.350 de farinha de 1ª, mais 450 kg de farinha americana)... O preço por quilo da farinha de 1ª (portuguesa ?) era então de 6$00 (, o equivalente hoje a 1 euro)... Em "stock" havia 285 (quilos ou embalagens ?) de fermento leverina, a 35$50 por quilo (ou unidade), equivalente hoje a  5,94 €.

Um item que era um luxo era o ovo, fazendo parte tal como os "congelados" dos víveres "frescos", que eram  transportados de Bissau por via aérea: o "stock" era de 60 dúzias de ovos, a 24$30 a dúzia. Como não havia produção local, os ovos eram importados da metrópole...

Recorde-se que cada militar tinha direito a um "per diem" de  24$50  (=4,10 €), o equivalente a uma dúzia de ovos...

Por outro lado, a proporção de "frescos" (hortaliças, legumes, peixe, carne, leite, ovos...) era pequena em relação ao resto...Na lista nº 1, os frescos não ultrapassam os 400 kg, cabendo um 1/3 ao "frango congelado"... 

Não sabemos como é que o frango (congelado) chegava a Nova Lamego e em que condições, de higiene e salubridade ... O mesmo se pode dizer da pescada (congelada), que não ia além de 85 kg, no inventário do dia 17/6/1974 (Lista nº 1)...

A capacidade de frio, nos nossos quartéis, era muito limitada: não havia eletricidade todo o dia, os geradores eram ligados à noite, pelo que os frigoríficos e arcas frigoríficas tinham que funcionar também... a petróleo!

Em contrapartida, veja-se o peso das "massas" (1.225 kg) e das "salsichas" (meia tonelada), bem como da "marmelada" (mais de meia tonelada), das "conservas de peixe" (330 kg.)... Havia mais de 2,3 toneladas de feijão, na maior parte "seco" (1,9 toneladas)... Em relação ao  "feijão verde" (400 kg.) não sabemos a sua proveniência...

Nestas condições, era complicado para o vagomestre (que, além disso,  não era nutricionista, ou teria pouca formação em nutrição tal como os médicos da época...) fazer dietas equilibradas e saudáveis (veja-se aqui, no sítio da Direção Geral de Saúde, a "roda dos alimentos", um instrumento de educação alimentar largamente reconhecido pela população portuguesa pela sua utilização desde 1977 na campanha 'Saber comer é saber viver').... 

Não sabemos qual era o recurso, no Gabu, a produtos frescos locais, provenientes do mercado local e da horta da tropa: refiro-me, por ex., às alfaces, as cenouras, às couves, às frutas tropicais, à carne (vaca, porco,cabrito) e ao peixe...Comia-se mal, em quantidade e qualidade... abusando-se do "casqueiro", das massas, do arroz, dos  legumes secos, da banha,  e das conservas (chouriço, cavala, atum...).

A título exemplificativo, aqui vão outros itens a preços de hoje, por quilo (ou por litro, no caso do azeite e do vinho):

Azeite: 8,03 €

Batata: 1,37 €
Café: 1,87 €
Cavala (conserva): 11,94 €
Chouriço: 10,85 €
Feijão frade: 2,56 €
Grão (de bico):2,90 €
Margarina: 2,90 €
Massa: 2,03 €
Pescada-marmota: 3,36 €
Sal: 0,17 €
Sardinha (conserva): 8,97 €
Vinho: 1,94 €


Quanto às conservas (sardinhas, cavalas...),  tal como o chouriço, partimos do princípio que vinham em embalagens (latas) de quilo. Convertidos em euros (a preços de hoje),. os valores obtidos não nos parecem divergir muito do que se pratica hoje em relação a 1974...

Constatamos, por fim, que na "despensa" da CCS/BART 6523, havia tambêm, em existência, mercadorias que pertenciam a outras subunidades: CCAÇ 11, 1ª CART / BART 6523, 3ª CART / BART 6523...
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segunda-feira, 23 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18865: (Ex)citações (342): O patacão da guerra: 1043 contos de 'ajudas de custo [de embarque] e adiantamento de vencimentos' foi quanto levantei em agosto de 1967 para o meu batalhão (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > Contando o patacão....O fur mil op esp José Casimiro Carvalho [, nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, hoje régulo da Tabanca da Maia], .. Não, não se pense que foi ganho ao jogo (vermelhinha, lerpa...) ou através do "conto do vigário"... Era "dinheiro honesto", daquele que custava... "sangue, suor e lágrimas"... Mesmo assim, quem não conhecer o Zé Casimiro até pode (ou podia) ser levado a pensar que ele estava a contar o "conto do vigário" ao seu  querido paizinho, ao queixar-se a vida, no TO da Guiné, não dava para juntar patacão...

Guileje, 4/2/73 [Carta]

Paizinho: (…) Aqui quase não dá para juntar dinheiro. Eu recebo 1300$00 por mês [, o resto ficava depositado no banco, na metrópole].  100$00 vão para a lavadeira, cerca de 700$00 vão para o bar, para o alfaiate fazer calções, ajeitar roupa ao corpo, cerca de 50$00 por mês. O mês passado, 2 calções ligeiros que mandei fazer, foram 80$00 e, é claro, um gravadorzito que comprei e que é indispensável, também custa… Alguma caça que se compra para não se passar fome, também é dinheiro, selos, cartas, fotografias, etc.

Como vê… mas vai-se passando e não preciso de mais dinheiro. Claro que este já é o suficiente. Também os furriéis pagam umas cervejas de vez em quando aos soldados, uma garrafa de champagne (50$00) ou de vinho do Porto (35$00) que nós lhes oferecemos, assim como Alfero dá. É uma espécie de PSICO. É mesmo necessário tudo isto para nós os levarmos. Acredite, quem sabe somos nós que aqui andamos. (…) (*)



Foto (e legenda): © José Casimiro Carvalho (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]:


1. Comentário de Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) (*)

Respondendo ao pedido do Luís, fui procurar mais dados, não encontrando grandes coisa, a não ser um lapso significativo, assim:

Em carta minha datada de Santa Margarida, 23 Agosto de 1967, para a então minha namorada, rezava assim o meu espanto:

"Agora interrompi para fazer aqui umas contas de quanto vamos levantar para pagar as 'ajudas de custo e o adiantamento de vencimentos': São 1.043.350$00. Já viste bem quanto se gasta com esta guerra?". 

Está escrito na carta que estou a ler agora.

O erro é grande, em vez de 1400 contos foram 1043 contos. E isto para ajudas de custo e um mês de vencimento. Segundo me lembro, não tendo a certeza, por isso quem souber que responda por favor, as ajudas de custo de embarque, correspondia a um mês de vencimento, logo este valor eram de 2 meses, e assim um mês de vencimento para um batalhão, rondava os 521 contos aqui na metrópole, isto é os 1043 contos na Guiné.

Agora é pôr o conversor da Prodata, e ver quanto dava hoje em 'OUROS'. Não esquecer a inflacção que se viveu em Portugal após o o 25A, que chegou a 35% ao ano.

O valor de 1043 contos dava uma média per capita de 1739$. Eu lembro-me que ganhava como alferes entre 5.500 e 6.000 escudos, não tendo a certeza. Isto era muita massa, para um salário mínimo dessa época de pouco mais de 500 escudos mensais.

Virgílio Teixeira

2. Comentário do editor LG:

Obrigado, Virgílio. Fui ao conversor da Pordata e verifiquei que  os teus 1043 contos, em 1967, equivalem a 363.268,46 €, "a preços de hoje" (, ou seja, tendo em conta a depreciação da moeda)... Se um batalhão tiver 600 homens (4 companhias a 150 homens cada uma), dá qualquer coisa como 605 euros por cabeça... 

Quanto aos teus 5,5 ou 6 contos mensais (, vencimento de um alferes no TO da Guiné,) corresponderiam hoje a 1.915,61 € / 2.089,75 €. (***)

PS - Já agora, Virgílio, é bom recordar que não havia salário mínimo, antes do 25 de Abril, nem muito menos mensualização dos salários (com exceção da função pública e de algumas grandes empresas de serviços)... 

Mas atendendo a que as jornas, no interior do país, nessa época, ainda andavam nos 20$00 / 25$00 diários (por exemplo, na construção civil de ramadas, no Marco de Canaveses), os teus valores (500 escudos mensais) não estariam longe da realidade...
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 28 de outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3370: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (6): O nosso querido patacão

(**) Vd. poste de 20 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18860: Os 81 alferes que tombaram no CTIG (1963-1974): lista aumentada e corrigida (Jorge Araújo)

(...) Comentário de Virgílio Teixeira:

Por falar em dinheiro, por acaso sabem quanto o meu CA do batalhão levantou em Setembro de 67 para pagar ao pessoal todo, +/- 600 homens, ainda em Santa Margarida?

Vou dizer que eram 1400 contos, aquilo que o Ronaldo e companhia ganha sozinho em poucos segundos na guerra dele.

Esta verba seria na Guiné dobrada para o dobro, face ao aumento de 100%, isto é não chegava a 3000 contos. (...)

(...) Comentário de Tabanca Grandeão [Luís Graça]

Esses dados são muito interessantes, arranja mais...   1400 contos em 1967 equivaliam hoje a 467,8 mil euros...ver o conversor da Pordata...

sábado, 31 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15309: Historiografia da presença portuguesa em África (64): Cem pesos era "manga de patacão" para o camponês guineense, produtor de mancarra... Era por quanto venderia um saco de 100kg ao comerciante intermediário... Em finais de 1965 o governo de Lisboa garante a compra pela metrópole da totalidade da produção exportável da mancarra guineense e fixa o preço por quilo em 3$60 FOB (Free On Board)



Foto nº 1 > Desenterrando a “mancarra”. Tarefa difícil com o sol a pique nas costas dobradas. Esta mulher tem a vida facilitada pois não tem o filho encavalitado.


Foto nº 2 > A muito custo e apenas com a ajuda de um longo pau endurecido na ponta este homem vai tratando do seu chão de mancarra.


Foto nº 3 > Levando os molhos enfiados num pau.


Foto nº 4 > E acumulando-os para posterior transporte.


Foto nº 5 > A debulha na eira. Aqui com ajuda de cestos (“balaios”) e do vento separam-se os grãos das cascas.

Fotos (e legendas): Henrique Cabral / César Dias (2007). Todos os direitos reservados. Edição: LG

Fotos do nosso grã-tabanqueiro César Dias, ex-furriel mil, CCS/ BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) e do Henrique Cabral.  Originalmente publicadas no sítio Entre Fogo Cruzado, numa entrada sobre Amendoim (mancarra), s/d. [2007?].

É uma magnífica página, esta,  concebida e mantida pelo Henrique Cabral, ex-fur mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857 (1965/67), também ele membro da nossa Tabanca Grande (desde 9/12/2007), e que andou por meia Guiné (.Fulacunda, Mansoa, Braia, Encheia, Uaque, Jugudul, Bissorã, K10,Olossato, Cutia, K3 / Farim e Mansabá)...

Esta página (que merece uma visita!), Entre Fogo Cruzado,  "é dedicada à vida e costumes das  gentes [da Guiné]. Nela transmito aquilo que me foi dado observar, tentando chegar o mais próximo possível ao seu dia a dia, de uma vida tão difícil quanto a nossa, mas da qual a maioria de nós nem tinha tempo para ver, quanto mais pensar nisso. Sendo a nossa vida feita dentro do aquartelamento ou no mato, em guerra, o contacto com a população, para a grande maioria, restringia-se à nossa bajuda lavadeira - tendo em conta os muitos condicionalismos a que estávamos sujeitos e apesar da curiosidade que naturalmente tivéssemos".
 Alterámos a ordem das fotos, que documenta parte do processo da cultura da mancarra na Guiné na década de 1960. As legendas são do Henrique Cabral.


Ano
Mil toneladas
Mil
contos
Contos por tonelada
1960
24,0
78,8
3,27
1961
40,0
126,3
3,17
1962
38,7
133,3
3,44
1963
36,6
124,7
3,41
1964
34,0
119,2
3,50
1965
15,2
64,3
4,23

Quadro 1 - Exportação do amendoim (1960-1965)
Fonte - Adapt. de Dragomir Knapic - Geografia económica de Portugal: Guiné. Lisboa: Instituto Comercial de Lisboa, 1996, 44 pp., policopiado.


1. Recorde-se que o que já aqui escrevemos sobre a mancarra, o principal produto da Guiné até à independência (*):

(i)  em 1929,  a CUF - Companhia União Fabril obtém o reconhecimento alimentar do óleo de amendoim (ou mendubim, como então se dizia);

(ii)  esta decisão vai ter grande impacto não só na olivicultura nacional (, o "óleo fula" vai pressionar o preço do azeite) como na economia da Guiné, que passa a ser o principal fornecedor de matéria-prima, o amendoim; 

(iii) a CUF (, através da Casa Gouveia) detém o monopólio da exportação do amendoim  da Guiné, até à independência da Guiné-Bissau

(iv) entre 1930 e 1960 há um aumento gradual da produção e exportação: a. média de 1931-35 foi de c. 22,9 mil tonelafas e 15,2 mil  contos; a de 1955-60 de 34,2 mil toneladas   e 11,3 mil  contos;

(v) nos anos 60, é o principal produto de exportação da Guiné: representa 76% do total das exportações (em 1964), percentagem que vai decrescer para 61% em 1965;

 (vi) em meados da década de 1960, a área cultivada pelos produtores de mancarra atingia os 100 mil hectares, ou seja, um 1/4 do total da área cultivada da província!,,,.

(vii) a produção rondava as 65 mil toneladas; a produtividade era muito baixa: 600 kg / ha (2 mil kg /ha em casos excecionais);

(viii) em 1965, uma tonelada de amendoim exportado valia 4,2 contos   [ 1.589,91 €, a preços constantes de hoje] (Vd. Quadro 1, acima).

(ix) a cultura da mancarra era feita: (a) em regime de rotação; (b) sem seleção de sementes; (c) sem recurso a adubos ou estrume; (d) proporcionando fracos rendimentos aos produtores; e, por fim,  (e) exigindo grande esforço nas várias fases do ciclo de produção (sementeira, monda, protecção contra oso macaco-cão, colheita, armazenazem)...

(x) as principais regiões de produção eram as do leste da Guiné (Farim, Bafatá, Gabu) onde os solos são mais leves e a precipitação menor;

(xi) esta cultura era já considerada na época como muito lesiva do ambiente, pelo uso intensivo dos solos, a redução do pousio, as queimadas;

(xii)  o sistema de comercialização era altamente penalizante para os produtores;

(xiii) a mancarra punha em risco a segurança alimentar da população local;

(xiv) com a escalada da guerra e a "militarização" da população fula, há um decréscimo da produção;

(xv) é nessa altura que o governo da metrópole intervem fdixando o preço da produção da mancarra da Guiné destinada à metrópole  em  3$60 por quilo (para a campanha de 1965/66), um aumento de §15 / kg;

(xvi) desconhecemos o efeito desta medida no rendimento real dos produtores de mancarra: para chegar a Lisboa a 3$60 o quilo, o produtor guineense não deveriar receber mais do que um 1 peso; por isso, na altura 100 pesos era mesmo "manga de patacão": era um saco de 100 quilos de mancarra!  (**); uma família inteira a cultivar um hectare, no final, poderia ter um rendimento bruto... de 600 pesos (!).



Em face das condições muito especiais em que se continua a processar a produção e comercialização da mancarra da Guiné e enquanto se não finalizam os estudos necessários para dar cumprimento ao previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 44507, de 14 de Agosto de 1962, e que tudo indica conduzirão a uma substituição gradual da cultura do amendoim por outras mais apropriadas às condições geo-climáticas da província, foi entendido, em relação à próxima campanha, elevar o preço desta oleaginosa de $15/kg, a fim de atender aos excepcionais sacrifícios suportados pela agricultura da província. 

Dentro deste condicionalismo: 

O Ministro do Ultramar e o Secretário de Estado do Comércio determinam que na campanha de 1964-1965, sem prejuízo do disposto no Decreto-Lei n.º 44507, de 14 de Agosto de 1962, sobre a circulação de oleaginosas alimentares do ultramar no espaço português - e em especial no referente à garantia de compra pela metrópole da totalidade da produção exportável da mancarra guineense -, o fornecimento das referidas oleaginosas se regule pelas regras seguintes: 

1.ª A produção da mancarra da Guiné destinada à metrópole será adquirida ao preço de 3$60 F. O. B. [Freee on Board]  por quilograma. Deste quantitativo será atribuída a quantidade necessária para abastecimento directo da indústria dos Açores. A província indicará a data a partir da qual é possível iniciar os fornecimentos; 

2.ª Não são fixados preços nem contingentes para as restantes oleaginosas alimentares de qualquer das províncias ultramarinas; 

3.ª Dentro destas regras, o Ministério do Ultramar e a Secretaria de Estado do Comércio diligenciarão, em toda a medida do possível, intensificar as correntes de comércio de oleaginosas alimentares entre a metrópole e as províncias ultramarinas, mantendo-se permanentemente informados, através de consulta recíproca, nomeadamente acerca de quaisquer operações que se projectem com o estrangeiro, por forma a harmonizar os interesses da exportação das províncias ultramarinas com as necessidades de abastecimento nacionais. 

Ministério do Ultramar e Secretaria de Estado do Comércio, 10 de Dezembro de 1965. - O Ministro do Ultramar, Joaquim Moreira da Silva Cunha. - O Secretário de Estado do Comércio, Fernando Manuel Alves Machado. 

Para ser publicado no Boletim Oficial da Guiné. - J. da Silva Cunha.

[Fonte: Diário do Governo - 1ª Série, n 282, de 14.12.1965, pág. 1661(***)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 7 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14126: (Ex)citações (258): A prosperidade de Bafatá não se deveu tanto ao "patacão da guerra" como ao negócio da mancarra (Cherno Baldé)


(***)  Último poste da série > 5 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15075: Historiografia da presença portuguesa em África (58): Casamansa, setembro de 1858: apoio das autoridades portuguesas aos interesses franceses, objeto de hostilidade pelo "gentio local": portaria, de 30/9/1858, do visconde Sá da Bandeira, secretário de estado dos negócios da Marinha e do ultramar