O antropólogo e professor doutor Mesquitela Lima (1929-2007), que começou como funcionário colonial, e que eu tive o privilégio de conhecer na Academia Sénior de Lisboa
Texto de Mário Vitorino Gaspar
1. O antropólogo e professor Augusto Mesquitela Lima nasceu a 10 de janeiro de 1929, no Mindelo, na ilha de São Vicente, em Cabo Verde.
Neto de um antigo governador de Cabo Verde (Bernardo Mesquitela), fez o liceu, no Mindelo, e começou a trabalhar aos 20 anos, como escriturário das alfândegas. Em 1952, está em Angola como chefe de posto da Inspecção dos Serviços Administrativos e Negócios Indígenas. En 1959 vem para Lisboa licenciando-se em Estudos Políticos e Sociais do Ultramar no Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina (ISCSPU, hoje ISCSP / Universidade de Lisboa).
Volta para Angola – de onde era a sua mulher – e dirige em Luanda o Museu de Angola. É fundador também, em Lunda Norte, do Museu do Dundo, da Diamang. Estudou diversos grupos étnicos, com especial destaque para os Kyaka, antes da independência de Angola, então colónia portuguesa.
Faz um Mestrado em Antropologia Cultural, na École de Hautes Etudes en Sciences Sociales, em Sorbonne, 1969. Fez seguir, em 1977, o Doutoramento de Estado em Antropologia, também em Paris, na Univeesidade X, Nanterre.
Em 1978, cria na Universidade NOVA de Lisboa o departamento de antropologi, Fez a Agregação na Universidade em 1982.Chega a professor catedrático de Antropologia Cultural da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas.da NOVA. É considearado o responsável pelo aparecimento de um grupo de antropólogos que mudaram a antropologia em Portugal. Jubilou-se em 1999.
Funcionário público, investigador, escritor, autor, tradutor e docente universitário, trabalhou para além de França, África e Portugal, também na Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos, México, Brasil, China e Índia, entre outros.
Ficou conhecido pela vasta obra que publicou, com cerca de três dezenas de trabalhos científicos e 25 livros.
Mesquitela Lima faleceu, a 14 de Janeiro de 2007, vítima de pneumonia, em Lisboa, aos 78 anos, quando era Director do Instituto Superior de Gestão.
Citando a notícia necrolígica de A Semana: "O que é 'invulgar na experiência colonial portuguesa é o cruzamento entre a experiência prática e uma formação académica que chega ao doutoramento de Estado em Paris0, diz Rui Pereira, colega no Departamento de Antropologia. 'Mesquitela Lima começa como funcionário e administrador colonial. Como fruto desse convívio diário, cria um interesse pragmático e procura ter uma formação académica de alto nível. Trabalhou com Lévi-Strauss em Paris na Sorbonne.' Ou, como diz Jorge Crespo, também colega no Departamento de Antropologia, 'volta ao terreno já com novos instrumentos de investigação, com uma preparação moderna no domínio das ciências sociais' ".
2. Conheci-o na Academia Sénior de Lisboa, onde foi professor de Antropologia. Aprendi com este Senhor. Um dia, convidou-nos, a mim e ao Doutor Inês Gonçalves, presidente da Associação Cultural e Social de Seniores de Lisboa (ACSSL) ou Academia de Seniores de Lisboa, para visitarmos a sua casa.
Inacreditável!... Salas repletas de relíquias e de encantos. Impossível descrever. Esquecera-se de reservar espaço para si. As preciosidades envolviam-nos. E que riqueza! Notei no rosto de sua mulher, uma senhora bastante simpática, algumas reservas decerto motivadas pelo pouco espaço que restava para si e para seu admirável marido naquela casa, naquele Museu do Professor Mesquitela Lima.
O grito do Professor era “O Caois", as aulas na Academia não tinham outro tema. Disse-nos que gostaria de visitar a Índia, adoeceu, uma pneumonia. Ainda voltou à Academia.
Era conhecido mundialmente pela coleção de máscaras africanas.
Para além destas, espalhadas pelas salas, corredores e quartos, era um baú de recordações das suas viagens. Tivemos a oportunidade única de ver: – desenhos de mulheres africanas; miniaturas de peças artesanais, pinturas executadas por amigos. Tinha em cada pintor africano um amigo. Destacava-se o trono de um rei africano; livros já sem espaço (perto de 30 mil); muitas obras de vários pintores consagrados; muitas mais peças de arte adquiridas em todo o mundo e uma secretária com um computador onde um dos filhos (tinha três filhos) memorizava todo o seu espólio.
Talvez fossem as máscaras a fascinação de Mesquitela Lima, Não é por acaso que surge, na sua obra, um poeta da sua terra terra natal. Dos seus livros gostaríamos justamente de destacar "Uma Leitura Antropológica da Poética de Sérgio Frusoni" (1992).
Quem é Sérgio Frusoni, praticamente desconhecido até então fora do Mindelo ? “Conhecendo e amando Cabo Verde, é fácil entender o sentimento” (Sérgio Frusoni). O cantor Bana cantou “Uma vez São Cente era sabe”, versos de Sérgio Fursoni (Mindelo, 1901- Lisboa, 1975)
Em homenahem ao professor Mesquitela Lima e à sua terra, aqui fica o poema de Sérgio Frusoni, em versão bilingue (crioulo e português):
Presentaçom
por Sérgio Frusoni
Quem mi ê? Um fidje de Sanvcênte.
Nascide, crióde, lá na ponta d' Praia.
Lá ondê que mar tâ sparajá debóxe de bôte,
moda barra dum saia.
Cs' ê que m' crê? Cantá nha terra!
Companhal na sê dor;
na nôbréza d' sê alma;
na pobréza d' sê vida!
Versão em português:
Quem eu sou? Um filho de São Vicente.
nascido, criado, lá na Ponta da Praia.
lá onde o mar se espreguiça debaixo dos botes,
como a barra de uma saia.
O que eu quero? Cantar a minha terra!
Acompanhá-la na sua dor;
na nobreza da sua alma;
na pobreza da sua vida!
2. Conheci-o na Academia Sénior de Lisboa, onde foi professor de Antropologia. Aprendi com este Senhor. Um dia, convidou-nos, a mim e ao Doutor Inês Gonçalves, presidente da Associação Cultural e Social de Seniores de Lisboa (ACSSL) ou Academia de Seniores de Lisboa, para visitarmos a sua casa.
Inacreditável!... Salas repletas de relíquias e de encantos. Impossível descrever. Esquecera-se de reservar espaço para si. As preciosidades envolviam-nos. E que riqueza! Notei no rosto de sua mulher, uma senhora bastante simpática, algumas reservas decerto motivadas pelo pouco espaço que restava para si e para seu admirável marido naquela casa, naquele Museu do Professor Mesquitela Lima.
O grito do Professor era “O Caois", as aulas na Academia não tinham outro tema. Disse-nos que gostaria de visitar a Índia, adoeceu, uma pneumonia. Ainda voltou à Academia.
Era conhecido mundialmente pela coleção de máscaras africanas.
Para além destas, espalhadas pelas salas, corredores e quartos, era um baú de recordações das suas viagens. Tivemos a oportunidade única de ver: – desenhos de mulheres africanas; miniaturas de peças artesanais, pinturas executadas por amigos. Tinha em cada pintor africano um amigo. Destacava-se o trono de um rei africano; livros já sem espaço (perto de 30 mil); muitas obras de vários pintores consagrados; muitas mais peças de arte adquiridas em todo o mundo e uma secretária com um computador onde um dos filhos (tinha três filhos) memorizava todo o seu espólio.
Talvez fossem as máscaras a fascinação de Mesquitela Lima, Não é por acaso que surge, na sua obra, um poeta da sua terra terra natal. Dos seus livros gostaríamos justamente de destacar "Uma Leitura Antropológica da Poética de Sérgio Frusoni" (1992).
Quem é Sérgio Frusoni, praticamente desconhecido até então fora do Mindelo ? “Conhecendo e amando Cabo Verde, é fácil entender o sentimento” (Sérgio Frusoni). O cantor Bana cantou “Uma vez São Cente era sabe”, versos de Sérgio Fursoni (Mindelo, 1901- Lisboa, 1975)
Em homenahem ao professor Mesquitela Lima e à sua terra, aqui fica o poema de Sérgio Frusoni, em versão bilingue (crioulo e português):
Presentaçom
por Sérgio Frusoni
Quem mi ê? Um fidje de Sanvcênte.
Nascide, crióde, lá na ponta d' Praia.
Lá ondê que mar tâ sparajá debóxe de bôte,
moda barra dum saia.
Cs' ê que m' crê? Cantá nha terra!
Companhal na sê dor;
na nôbréza d' sê alma;
na pobréza d' sê vida!
Versão em português:
Quem eu sou? Um filho de São Vicente.
nascido, criado, lá na Ponta da Praia.
lá onde o mar se espreguiça debaixo dos botes,
como a barra de uma saia.
O que eu quero? Cantar a minha terra!
Acompanhá-la na sua dor;
na nobreza da sua alma;
na pobreza da sua vida!
in LIMA, Mesquitela - A poética de Sérgio Frusoni: uma leitura antropológica. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa; Praia: Instituto Caboverdiano do Livro e do Disco, 1992.
Mário Vitorino Gaspar, 28 de agosto de 2017
____________
Nota do editor:
Último poste da série > 28 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17708: Efemérides (263): morreu há 17 anos, a 22 de agosto de 2000, a dra. Dalila Augusta Carneiro Azevedo de Brito Barros Aguiar, psicóloga clínica, precursora no diagnóstico e tratamento do stress pós-traumático de guerra, cofundadora da associção "Apoiar", minha grande amiga (Mário Gaspar, ex-fur mil at art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)
Mário Vitorino Gaspar, 28 de agosto de 2017
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Nota do editor:
Último poste da série > 28 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17708: Efemérides (263): morreu há 17 anos, a 22 de agosto de 2000, a dra. Dalila Augusta Carneiro Azevedo de Brito Barros Aguiar, psicóloga clínica, precursora no diagnóstico e tratamento do stress pós-traumático de guerra, cofundadora da associção "Apoiar", minha grande amiga (Mário Gaspar, ex-fur mil at art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)