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quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19070: Tabanca Grande (467): José Ramos, ex-1º cabo cav, condutor Panhard AML, EREC 3432 (Bula, 1972/74)... Novo grã-tabanqueiro, nº 778.


Guiné > Região do Cacheu > Bula > 1º cabo cav, condutor de Panhard AML, EREC 3432 (1972/74)


As quatro primeiras Panhard, a operar no TO da Guiné (1966). Foto de José Linhares, Antigos Combatentes da Guiné... In: Blogue Panhard Esquadrão de Bula, Guiné, 1963-1974... Com a devida vénia

Na Guiné, o espaço físico do “Esquadrão” de Bula ficou ligado, até final do conflito, à Panhard, às unidades que ai permaneceram e em particular à figura do então Cap Monge, comandante do ERec 2454, que obteve autorização para instalar a sua unidade num espaço próximo dessa povoação, anteriormente ocupado pela "Engenharia", durante a fase de construção de estradas na zona.
Por muitos lugares que andássemos, e andámos, aquele local simbolizava a nossa “casa”, onde todos queríamos regressar e nos sentíamos mais protegidos.


No excelente livro de memórias "Guiné mal-amada - O inferno da guerra"  [, Porto: Fronteira do Caos Editores, 2013], de António Ramalho de Almeida,   dos primeiros oficiais do Exército a tirar a especialidade de autometralhadoras Panhard, na Escola Prática de Cavalaria de Santarém, tendo cumprido uma comissão de serviço no TO como Alf Cav, este diz a certo passo, a propósito da sua nomeação para uma nova missão:

" (...) Aguardamos a chegada de um esquadrão de autometralhadoras Panhard, mas a preparação ainda está atrasada à volta de dois meses. Estão ainda na Metrópole em Santa Margarida e só devem embarcar em Junho."

Este texto antecipa o princípio da utilização das Panhard na Guiné, com a chegada, em 1966, do Pel Rec 1106, que foi a primeira unidade a operar estas viaturas blindadas no TO. Esta unidade seria rendida pelo Pel Rec 2024, que posteriormente integrou o ERec 2454. 

Fotos (e legendas): © José Ramos (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Resposta do José Ramos ao nosso convite para integrar a Tabanca Grande, passando a sentar-se no lugar nº 778, sob a sombra protetora e fraterna do nosso mágico poilão (*)

Assunto - Esquadrão de Bula
Data: quinta, 27/09, 16:15

Caro Luís,

Foi de facto um acaso agradável o nosso encontro e quero enviar-te um abraço pelo modo simpático e "histórico" como respondeste (*). Bem como, o convite que envias e que aceito. Envio pois as fotos e um texto que creio serve ao caso.

Em 1971 cruzei a Porta de Armas do RL 1 / CICA 3, de Elvas, integrando o SMO e realizar a instrução militar básica, vindo depois para o RC 7, de Lisboa, para atirar a especialidade de condutor de Panhard AML, tendo em 1972, após mobilização, rumado à Guiné-Bula, integrando o ERec 3432-2.ª Fase, e aí permanecido até 1974.

Hoje, na idade do tempo, criei o blogue Panhard Esquadrão de Bula, Guiné 1963-1974, que revisita os factos e as vivências do passado, longe que vão essas realidades, perto que continua o espírito de camaradagem. E é com esse valor que me apresento e agradeço o convite do Luís Graça para integrar a vossa, e a partir de agora a nossa Tabanca Grande, acolhendo-me igualmente à sombra do nosso mágico e fraterno poilão.


Temos que arranjar um pouco mais de tempo para nos sentarmos a tomar um café, na Lourinhã, e ficarmos a conhecer-nos melhor.

Abraço.
José Ramos


2. Resposta, pronta,  do editor Luís Graça, no mesmo dia 27 de setembro:

Obrigado, Zé, passas então a ter o lugar (c)ativo n.º 778, à sombra do nosso poilão... Entras com um atraso de 4 anos... O lapso foi nosso. Mas tudo se recupera... Fico feliz por ti e por todos nós. Por estes dias estou no Norte, vou fazer a nossa vindima, na Quinta de Candoz (...).

Não temos "turismo rural" ou "alojamento local" mas podíamos ter... Sei que estás a montar um, no Casal Santos, Lourinhã. Os meus sócios vivem no Porto, eu em Lisboa, a 400 km... Às 4ªs feiras e sábados, há sempre "trabalhos agrícolas"... Eu venho menos... Gosto de cá vir... Temos agora as vindimas, neste fim de semana e no próximo (...).

Fico com o teu telefone, para uso pessoal. Depois ligo-te. Entretanto, vou-te apresentar à Tabanca Grande. Passas a estar na lista alfabética dos membros da Tabanca Grande, 778 contigo, dos quais 68 infelizmente já falecidos. (Ver lista na coluna do lado esquerdo do blogue.)

Um alfabravo. Cumprimentos à tua esposa.

PS - As regras editoriais do nosso blogue já as conheces: aqui estão.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 22 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19036: Blogues da nossa blogosfera (105): Panhard, Esquadrão de Bula, Guiné 1963-1974, criado e editado por José Ramos, ex-1º cabo cav, EREC 3432 (1972/74)

Acrescente-se que o José Ramos, de acordo com a sua página pessoal: (i) é coordenador da ação social da Liga dos Combatentes-Núcleo de Torres Vedras; (ii) estudou Ciências Sociais Aplicadas em Universidade Aberta - UAb; e (iii) estudou Serviço Social na mesma universidade. (...)


(**) Último poste da série >

2 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18891: Tabanca Grande (466): Manuel Gonçalves, ex-alf mil manutenção, CCS / BCAÇ 3852, Aldeia Formosa, 1971/73; ex-aluno dos Pupilos do Exército, transmontano, vive em Carcavelos, Cascais. Senta-se à sombra

19 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19026: In Memoriam (322): Manuel Maria Veira Carneiro (27 jan 1952 - 11 set 2018), natural do Marco de Canaveses, ex-sold paraquedista, CCP 121 /BCP 12 (Bissalanca, 1972/74)... Nosso grã-tabanqueiro, a título póstumo, nº 777

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14566: Tabanca Grande (462): Arnaldo Guerreiro, sold cond, Pel Rec AML 2024, "Cavalos de Aço" (Bula, 1968/69)... Grã-tabanqueiro n.º 686

1. Mensagem do novo grã-tabanqueiro, Arnaldo Guerreiro [, foto de 2006, à esquerda[:

Data: 3 de maio de 2015 às 16:43
Assunto: Guiné 68-69

Junto envio algumas fotos para serem incluídas no Blogue da Tabanca Grande.

A minha passagem pela Guiné foi entre janeiro de 68 e outubro de 69, (regressei alguns meses antes, evacuado com hepatite, não mais voltando à Guiné).

Fui  soldado condutor AML Panhard. Estive em Bula com o Pel Rec AML 2024, mais tarde incluído no Batalhão de Cavalaria 1915.

No caso de quererem mais alguma foto ainda tenho.

Arnaldo Guerreiro

2. Comentário dos editores:

Arnaldo, és vem vindo à Tabanca Grande. Pelo teu perfil, no Google +, sabemos que trabalhaste na Martins & Rebello, SA, frequentaste em 2011 a Escola Secundária Martinho Árias, "vives em Portugal" (sic)  e és um pai e avô. E vê-se que és feliz, a avaliar pelo teu perfil no Google Mais:

Primeiro, tens como slogan "Nunca é tarde para aprender", o que é encorajante para muitos camaradas da tua/nossa geração, e que fizeram a guerra da Guiné, mas sentem-se pouco ou nada à vontade para comunicar connosco, através da Internet... Ora este blogue é teu e é deles. Este blogue é de todos os amigos e camaradas da Guiné que queiram dar a cara, como tu. O que nós queremos é não perder as memórias da nossa geração, a começar pelas fotos dos nossos álbuns. E, naturalmente, reforçar os laços de amizade e camaradagem que nos unem, desde então. Como camaradas que fomos (e somos), tratamo-nos por tu.

Por outro lado, na tua apresentação dizes que és natural de Évora,  vives em Espírito Santo, Soure... E mais: "Motivos de orgulho: Já sobrevivi a duas guerras, Guerra do Ultramar (Guiné) e enfarte do miocárdio". Achamos que sim, que mereces mais um louvor por teres sabido e podido fintar a morte!... E, já agora, conta-nos como é que lidaste com a hepatite que, na altura, era uma doença tramada que dava direito imediato a evacuação para a metrópole... Deves ter sido tratado no  Hospital Militar de Doenças Infecto-Contagiosas (HMDIC), o Hospital Militar de Belém, que era então autónomo (em relação ao Hospital Militar Principal).

Em suma, camarada, tens todo o direito de te sentares à sombra do  mágico e fraterno poilão da Tabanca Grande.  E para nós, que já cá estamos, alguns há 11 anos (!),  é um honra poder receber-te. Passas ser o n.º 686 (*)... 

Do Pel Rec AML 2024 temos apenas um  camarada teu, se não erramos, o ex-fur mil cav Bernardino Cardoso (**)... Mas vais descobrir mais malta do teu tempo de Bula. Manda mais fotos, com legendas, dos sítios por onde passaste. E divulga o nosso blogue entre os teus camaradas de cavalaria. (Sobre o BCAV 1915, temos ainda poucas referências).



O sold cav condutor de AML Arnaldo José Fialho Guerreiro, junto a uma Panhard

O sold cav condutor de AML Arnaldo José Fialho Guerreiro


Louvor atribuído ao sold cav condutor de AML Arnaldo José Fialho Guerreiro, saído na Ordem de Serviço , n.º 305, de 21/12/1968, do BCAV 1915 (Guiné, 1967/69).

Fotos: © Arnaldo Guerreiro (2015). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]
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Notas dos editores:

domingo, 9 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10354: Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (1): A estreia de um fadista ou a desesperança do Esperança, no EREC 2454, do cap cav Manuel Monge




Guiné > Região do Cacheu > Bula > 1969 >  O 1º Sargento Correia, eu e o morro que separava a parada das instalações onde dormia e vivia o pessoal do EREC 2454, que era comandado pelo cap cav Manuel Monge




Guiné > Região do Cacheu > Bula > 1969 > Eu e o Furriel Moncada Cordeiro 



Guiné > Região do Cacheu > Bula > 1969 >  CCS/BCAÇ 2861 > O Furriel Francisco Dias e eu, em traje domingueiro,  passeando pelas ruas de Bula. De costas, o Luís Crasto, furriel  mecânico de transmissões da CCS.

Foto (e legenda): © Armando Pires (2012). Todos os direitos reservados


1. O Armando Pires (ex-Fur Mil Enf da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70) é um homem da rádio e tem um particular talento para contar histórias. Está connosco, atabancado, desde agosto de 2009 (segundos os registos oficiais). Tem vindo a reencontrar camaradas que com ele partilharam as alegrias e as tristezas dos dias de Bula e Bissorã, nos tempos idos de 1969/70. E tem escrito sobre isso (*).

Tem, já cerca de duas dezenas de referências no nosso blogue. Mais recentemente mandou-nos esta história que se segue, com seguinte nota: "Meu Caro Luís Graça, Camaradas Editores: Aqui vos trago mais um contributo para a história dos nosso dias na Guiné. A abraço a vós e a todos os camaradas tabanqueiros". 

Entendo isto como um desafio e uma promessa: outras mais histórias virão... Pelo que, e à revelia do autor, decidi criar uma série só para ele, com um título provisório "Recordações de um furriel enfermeiro, infante, fadista, ribatejano, amigo da cavalaria (Armanod Pires)"... Fica bem ao jeito dele, emotivo, solidário, amigo do seu amigo, camaradão... A criação de um série implica o compromisso da publicação de pelo menos seis postes...

Acho que o Armando vai aceitar, de bom grado, o desafio, que matéria prima não lhe falta nem muito menos a palheta... E tempo julgo que é coisa que não lhe falta. Seria pena que uma história  como esta,  de antologia (no sentido de ser uma história forte e bem escrita), ficasse por aí, no nosso querido blogue, como "estória avulsa" (sem menosprezo para todas as muitas pequenas grandes histórias que temos publicado sob essa rubrica)... Por fim, e não menos importante, sei que o Armando Pires tem sentido de missão, além de sentido de humor, e nutre pelo nosso blogue um especial carinho. (LG)




2. A estreia de um fadista  ou a desesperança do Esperança,

por Armando Pires

Bula, 15 de Abril de 1969, depois das oito da noite.

Ofegantes, os noventa cavalos da velha GMC galgaram a cancela do aquartelamento e estacaram às dez rodas em frente ao bar. Ao lado do condutor ergueu-se o Caeiro e gritou-me:

 –  Salta práqui, ó pira, que esta noite vai haver espectáculo no Esquadrão. 

Ordem cumprida, ou não fosse o Caeiro um sargento velhinho e eu furriel periquito, e antes de arrancar ainda perguntou se não vinha mais ninguém à festa. Apenas o Basso, furriel de transmissões da minha companhia, aceitou o convite.

Meia volta volver e lá vai a GMC à desfilada. A tosca luz dos faróis rasgava a noite, o roncar do motor quebrava o silêncio da Vila, o Caeiro e seus rapazes gritavam e cantavam coisas indizíveis a filhos de Deus.

Era uma cena digna de um filme do faroeste. Mas afinal, para onde íamos nós?:
 – ... Esta noite vai haver espectáculo no Esquadrão!... -  mas o Esquadrão ficava no sentido oposto àquele que levávamos. 

Íamos na direcção da estrada de Binar, mas chegados ao fim da Vila contornámos Bula por fora, pelo lado de Sanhar e Ponta Alfama, seguimos sempre pela orla da bolanha (gente atrevida, como se saberá mais à frente), como se em direcção ao Dingal, tornámos a entrar na estrada e eis-nos chegados ao aquartelamento do Esquadrão de Reconhecimento AML 2454.

Estava ali fazia pouco tempo. Ali, era a meio caminho entre Bula e o lugar onde a estrada de Có ligava a João Landim. Antes, aquele espaço fora ocupado pelo Batalhão de Engenharia que levara a cabo a abertura e asfaltagem da estrada João Landim-Bula, daí para Có, Pelundo e Teixeira Pinto.

Terminados os trabalhos, ficando vago o lugar, o comandante do EREC, capitão Manuel Monge, um homem notável que nasceu para comandar sem galões nem gritos, intercedeu junto do General Spinola para que ali o deixasse instalar a sua gente.

Moravam entre chapas onduladas de zinco que mal se viam da parada, porque dela separadas, como protecção, por um morro de terra com quase três metros de alto.

E o que fazia eu ali?

Bom, porque tudo tem um começo, temos de regressar ao dia 15 de Fevereiro daquele ano de 1969, quando eu, com cinco dias de Guiné, aturdido com tudo à minha volta, saltei da jangada em João Landim.
- Armando! Armando! Ó Pires!

Olhei à roda para ver dos meus quem me chamava, mas a voz que com insistência dizia o meu nome vinha de lá, de onde não estava ninguém do meu pessoal. A voz transformou-se numa figura que corria para mim.
Era o Moncada Cordeiro, meu amigo e conterrâneo.

Trocámos um forte abraço e ficou a promessa de falar amanhã, que o Cordeiro tinha mais que fazer. Ele era Furriel Miliciano do Pel Rec AML 2024, e estava ali como parte da escolta que havia de garantir a nossa segurança até ao Quartel de Bula. 

Como previsto, falámos no dia seguinte. Da nossa terra, dos nossos amigos, da nossa Feira do Ribatejo e do fado. Sim, é que o Cordeiro, sabendo da minha queda para cantar o fado, logo ali me disse que eu tinha de ir lá abaixo cantar para a malta do Esquadrão.
 
– É pá, tu sabes que eu só canto com acompanhamento – disse-lhe eu, tentando matar o convite. 
–  Pois aí é que tu te enganas –  matou-me ele a mim, revelando que no Esquadrão havia um furriel que tocava muito bem guitarra. – É o Dias, pá, o Francisco Dias. Não imaginas como o gajo toca. Vais ter de o ouvir para tirares as dúvidas. 

E tirei. Um bom par de dias mais tarde, mas tirei. O furriel Dias tocava mesmo bem guitarra mas com “sotaque” de Coimbra, a sua terra natal. 
–  Ó Dias – atirei-lhe, um tanto desconsolado  –  mas eu canto é fado de Lisboa.  
– E daí? – pergunta ele, para num remate dar a táctica. –  A gente tem tempo, ensaiamos e vais ver como o corrido me sai das cordas da guitarra. 

E lá andámos, sempre que possível, de ensaio em ensaio, ele apanhando o tom e eu afinando a garganta. Até ao dia do grande espectáculo.

Já sabem agora o que fazia eu ali, naquela noite de Abril, “nas Panhard”, como nós chamávamos ao aquartelamento do Esquadrão.

Eu e o Dias fomos para um quarto, eufemismo de um espaço “enlatado” com quatro camas em beliche, ensaiar os fados que, daí a pouco, iria cantar. A assistir ao ensaio ficou o Basso, o tal furriel da minha companhia, o Caeiro e mais um alguém que a memória já não identifica. 

Ia com estilo no segundo verso do “Bairro alto com os seus amores”, quando um tiro suspende a estrofe. 
–  UPS!...  Calma que é fogo nosso  –  sossegou o Caeiro, e voltámos ao fado. 

Voltámos, é uma força de expressão. Ainda mal tínhamos recuperado a posição de sentados quando BUM!!, e o aquartelamento estremeceu.  Afinal, o espectáculo anunciado pelo Caeiro não era o meu, ia ser aquele.

A luz apagou-se e era tudo negro à minha volta, a chapa silvava como sacudida por um furacão, gente a correr e eu sem as ver, gritos de “Vamos lá atrás, vamos lá atrás”, e eu sem saber onde ficava lá atrás nem quem lá ia, as costureirinhas riscavam o céu com tracejantes, a cada granada que caía, o chão sacudia como agitado por um terramoto. 

Eu já tinha embrulhado umas três vezes com a 2466. Uma delas, na estrada de Binar, foi feia, muito feia mesmo. Três emboscadas na mesma manhã. Cinco feridos do nosso lado. Do lado de lá, entre outras baixas, a mais significativa foi a da morte do comandante Nhaga, chefe do 1º bigrupo do Choquemone. Foi a 9 de Abril, seis dias antes daquele ataque dirigido, particularmente, contra o Esquadrão, e que foi, soube-se depois, represália pela morte do Nhaga.

Portanto, eu já sentira o cheiro da pólvora, mas naquela ainda não me vira. Era o meu primeiro ataque dentro do quartel. E no dia do baptismo, via-me “fora de casa”, às escuras, sem ninguém para me dizer que fazer ou para onde ir.

O Dias, o Caeiro e o outro, reagiram ao fogo correndo para os seus lugares, esquecendo-se que aqueles dois pobres de cristo, eu e o Basso, não conheciam o caminho das pedras. Estupidamente, dentro da “casa escura”, sem refúgio nem abrigo, metemo-nos debaixo das camas, cercados de chapa por todos os lados menos por um, o chão, contra o qual colámos os nossos corpos, como se a ele quiséssemos amarrar as nossas vid
as. 
–   F… !, que isto está feio – foi a única coisa que nos dissemos.

Lá fora ouvi alguém dizer que o Esperança tinha morrido. 
–  O Esperança morreu! O Esperança morreu!. 
 – E o enfermeiro, merda? 
–  Estou aqui!” – berrei com quanta força tinha para que me pudessem encontrar. 
 – Aqui, onde? 
–  Aqui, porra, não sei, está escuro, não vejo nada. 

Percebo passos a virem ao meu encontro ao mesmo tempo que uma voz, aproximando-se, ia dizendo: 
–  Mas este gajo tá parvo, ou quê? 

Entra alguém que me aponta a luz e segue-se um diálogo de loucos à beira de um ataque de nervos:
–   Não és tu, porra!| 
– não sou eu, o quê? 
– o enfermeiro!
– Então eu sou o quê?
 – Não és tu, é o nosso
– E eu não sirvo? 
– Serves, anda lá. 

Pelo caminho percebi que procuravam o “Madeirense”, furriel enfermeiro do Esquadrão, com quem acabei por me encontrar quando entrei na enfermaria.  Lá dentro estavam quatro homens feridos. Ferimentos ligeiros, felizmente.

Pior foi o Esperança, soldado maqueiro que morreu estupidamente no dia em que fazia anos.
Ao longo da noite, naquelas horas em que se lambiam as feridas, soubemos que lá em cima, no meu aquartelamento, o furriel mecânico de transmissões, apanhado dentro da “fortaleza” que eram as comunicações, quando uma canhoada desfez parte da parede, saiu pelo buraco do projéctil, mas para o lado de fora do quartel, de onde vinha o fogo inimigo. Encontrou-o o grupo de combate que partiu na perseguição dos atacantes.

Soubemos que naquela viagem nocturna, com o Caeiro aos gritos, entre o aquartelamento de Bula e “as Panhard”, passámos mesmo nas barbas da força do PAIGC que aguardava a hora de atacar.

E soubemos como morreu o Esperança.  O soldado maqueiro do Pel Rec AML 2024, Bento Lemos Esperança, estava no bar com outros camaradas, celebrando o seu aniversário, quando se iniciou o ataque. Saiu em direcção à enfermaria mas, para atalhar caminho, em vez de ladear o morro subiu-o para atravessar a parada. Foi morto pelo rebentamento, ali à sua frente, de uma granada de morteiro.

Os dias que se seguiram foram muito difíceis para os homens do EREC. Não esqueço as lágrimas que vi, naquela noite, nos olhos do capitão Monge.

Há dias, numa troca de e-mails com o nosso recém grã-tabanqueiro Bernardino Cardoso, meu amigo e ex-furriel miliciano do Pel Rec AML 2024, tendo-lhe dado conta de que iria contar aqui aquela noite no Esquadrão, e que falaria de como morrera o Esperança, ele respondeu-me num texto com esta revelação:

“Tenho para te dizer que no dia da saída da tropa no cais de Alcântara, ele foi o único que chorou e chorou de forma muito consternada e veemente, proclamando que morreria e nunca mais voltaria a ver a sua filha. Tentávamos todos que se mentalizasse que não era assim etc. , mas ele estava certo disso. Absolutamente seguro. Premonições dos diabos”.

Que puta de desesperança a tua, ó Esperança!

Armando Pires

PS – O António Basso, infelizmente, há muito que nos deixou. Do Caeiro nada sei. O Francisco Dias está em Coimbra e é um notável guitarrista. O Cardoso apresentou-se aqui no P10156. O Moncada Cordeiro continua na nossa terra e vou almoçar com ele um dia destes. Agradeço à malta do EREC sempre me ter visto como um dos seus. Por último, declaro agora e para futuro que não assinei nenhum acordo ortográfico.


3. Resposta do Armando na "volta do correio":

(i) Meu caro Luís Graça, Camarada:


Deixa que te agradeça as palavras com que apresentas o meu último texto para o nosso blog e o desafio que me lanças. Tal como escrevo em comentário "lá no sitio", já me lixaste com F grande. Mas vou procurar corresponder à expectativa.

Quanto ao titulo que propões para os meus textos futuros, "Recordações de um furriel enfermeiro, infante, fadista, ribatejano, amigo da cavalaria (Armanod Pires)"... ainda bem que o dás como provisório porque, e aqui tens de me perdoar mas, "defeito" de jornalista antigo, não consigo abandonar o rigor.

Tudo certo, se quiseres, até chegar ao "amigo da cavalaria". É um exagero porque pode levar a que confundam a parte com o todo. Eu apenas estive seis meses em Bula, com o EREC 2454. Aconteceu de Fevereiro a Agosto de 1969. 

Depois a sede do batalhão zarpou para Bissorã e não mais voltei a ver "um cavaleiro" à minha ilharga.
Apenas estiveram comigo, ou eu estive com elas, tanto faz, a CCAÇ 2444 e a CCAÇ 13. Sim, a minha amizade com o EREC (ou com o Pel Rec 2024) solidificou-se, não apenas por causa do fado, e manteve-se para além do nosso "contacto físico".

De tal forma que aquando dos encontros de confraternização por eles levado a cabo, sempre que e minha vida profissional fazia coincidir a minha presença no país com a data desses encontros, eu era convidado e marcava presença.

Mas amigo da cavalaria, para me apresentar, é exagerado. Espero que me compreendas e que aceites a minha explicação. Numa casa em que tanta gente, de todos os lados, partilha o seu salão e honra, não gostava de ver niguém melindrado.

Aceita um abraço camarada do Armando Pires.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10156: Tabanca Grande (350): Bernardino Cardoso, ex-fur mil, Pel Rec Panhard 2024 (Bula, jan 1968/dez 1969), grã-tabanqueiro nº 567

1. Mensagem do Bernardino Cardoso, deixada em 9 do corrente, na página do Facebook da Tabanca Grande.

Será privilégio meu pertencer à Tabanca Grande. Não fazia a menor ideia que havia um blogue [, Luís Graça & Camaradas da Guiné,] ou mesmo uma página no Facebook [, Tabanca Grande Luís Graça,] apenas relacionada com a Guiné. 

Passo a apresentar-me.

Em 14/1/68 cheguei a Bissau a bordo do Quanza. Como bom periquito que era, saltei do navio para cima duma GMC que nos levou a passar pelos Adidos onde nos deram uma ração de combate.

Como estava cheio de sede por causa do novo clima, bebi a primeira e única Coca-Cola. Esta era genuína. Voltei a saltar para a GMC e os soldados da escolta aconselharam-me a tirar as divisas porque íamos viajar até Bula, mais ou menos 30 km e depois do Rio as coisas podiam ser feias.


Estão a ver como se encorajam os piras, não é verdade? Atravessámos o rio [ Mansoa,] na jangada em João Landim [, foto à esquerda, de Virgínio Briote,] e lá seguimos até Bula.


De Bissau,  nem o cheiro. Se eu não fosse pira, sabia muito bem que se as coisas fossem assim ruins, toda a gente teria levado uma G3 nas unhas. Na verdade o território ali era já de guerra plena mas não era caso para tanto. A escolta era suficiente para para tomar conta do caso.


Era um novo PEL REC de Cavalaria, o 2024 que ia operar as Panhards que aí estavam estacionadas. Mas era um pelotão especial pois levava 30 Soldados atiradores, 2 cabos mecânicos do quadro, 12 Furrieis de Rec, 1 Fur rádio montador, 2 Sargentos, e 2 Tenentes do quadro. Isto porque tinha em vista a formação dum Esquadrão de Rec Cav, como veio a acontecer (, o EREC 2454, ) comandado pelo, na altura, Capitão Manuel Monge, homem de grande carácter e elevação.


Durante a comissão fiz serviços em Bula, Teixeira Pinto, Pelundo e Có para além de imensas viagens, como seria de esperar, para um pelotão que escoltava colunas de todo o tipo.


Saudações combatentes.


Bula, Jan68 / Dez69, Bernardino Cardoso,
ex-fur mil rec cav


2. Comentário do editor L.G.:

Sê bem vindo, camarada! Passas a ser o grã-tabanqueiro nº 567!

De acordo com os ainda escassos dados que possuímos sobre este  novo grã-tabanqueiro, sabemos que o Bernardino Cardoso - vd. a respetiva página no Facebook -, nasceu em 1 de fevereiro de 1945, andou no Colégio João de Deus, no Porto, entre 1961 e 1963, e trabalhou como inspetor no Círculo de Leitores.

De qualquer modo, temos muito gosto em aceitá-lo na nossa Tabanca Grande e assentá-lo no bentém, sob o nosso mítico poilão, à sombra do qual convivem, há mais de oito anos, mais de meio milhar de camaradas (e amigos) da Guiné.

Bernardino: para completar o teu pedido (formal) de adesão à Tabanca Grande, gostaríamos que  nos mandasse uma foto (ou mais) digitalizada do seu tempo de Bula, e que nos contasses mais alguma coisa sobre as andanças do seu Pel Rec 2024. Também era conveniente termos o teu endereço de email, para troca de mensagens (a nível interno). Todos os elementos informativos sobre o nosso blogue, estão afixados na coluna do lado esquerdo, incluindo o nosso endereço e os contactos dos nossos editores.


Segundo informação do nosso colaborador permanente José Martins, o Pel Rec 2024 [, imagem á esquerda do respetivo crachá, cortesia do sítio Ultramar Terraweb], foi mobilizado pelo RC 7, Lisboa, e esteve no TO da Guiné entre  Jan 68 e Nov 69, sendo depois  integrado no ERec 2454.

Ainda recentemente, e segundo imformação constante no síto Ultramara Terraweb, realizou-se em 12 de maio de 2012, em Algeruz, Palmela, no Clube Golfe do Montado, o almoço de confraternização dos camaradas de cavalaria que passaram por Bula (1968/71), a saber, o Esquadrão de Reconhecimento AML 2454, o Pelotão de Reconhecimento AML 2024 e o Esquadrão de Reconhecimento 2641 (1.ª fase)... A organização do evento esteve a cargo de Custódio Morais e Vânia Morais Contactos: tefef 265 718 651 / telem 936 924 944).
__________

Nota do editor:

Último poste da série > 14 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10151: Tabanca Grande (349): Abel Moreira dos Santos, ex-Soldado Atirador da CART 1742 (Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69)