Foto 1 – Cumbijã; Abril de 1973. O ex-Cap Mil Vasco da Gama, Cmdt da CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74), participando no levantamento de uma das mais de trinta minas que encontraram, naquele que considerou ser "um deserto cheio de minas". Foto do seu álbum fotográfico – P7835, com a devida vénia.
Foto 2 – Cumbijã; Abril de 1973. O ex-Cap Mil Vasco da Gama, Cmdt da CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/1974), participando no levantamento de uma A/C. Da esq/dtª José Beires (Alf), Portilho (Cabo Enf), Vasco da Gama (Cap) e Florivaldo Abundâncio (Alf). Foto do seu álbum fotográfico – P3675, com a devida vénia.
CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, indigitado régulo da Tabanca de Almada e da Tabanca dos Emiratos; tem 230 registos no nosso blogue.GUINÉ
ENSAIO SOBRE AS MORTES DE MILITARES DO EXÉRCITO, NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "CONDUTOR AUTO RODAS": COMBATE, ACIDENTE, DOENÇA – PARTE VI
1.INTRODUÇÃO
Antes de mais, renovo os votos de Bom Ano de 2020 para todos os tabanqueiros.
Depois de um pequeno interregno motivado por razões pessoais e familiares, que são do conhecimento do Fórum, apresento-vos mais uma parte – a sexta – daquele a que dei o título de «Ensaio sobre as mortes de militares do Exército, no CTIG (1963-1974), da especialidade de "condutor auto rodas"», tendo por consulta e análise o universo das "Baixas em Campanha" identificadas na literatura "Oficial" publicada pelo Estado-Maior do Exército.
Recordo que para além do tratamento estatístico de cada uma das variáveis em presença, qualitativas e quantitativas, as diferentes narrativas abordam o que foi possível apurar nas leituras às diversas fontes consultadas, relacionadas com os episódios sinalizados/assinalados, em especial o vasto espólio disponível no blogue da «Tabanca».
2. ANÁLISE DEMOGRÁFICA DAS MORTES DE MILITARES DO EXÉRCITO, NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "CONDUTOR AUTO RODAS": COMBATE-ACIDENTE-DOENÇA (n=191)
A análise demográfica incluída nesta investigação, e as variáveis com ela relacionada, incidiu sobre os casos de mortes de militares do Exército da especialidade de "condutor auto rodas", ocorridas durante a guerra no CTIG (1963-1974), e identificados nos "Dados Oficiais" publicados pelo Estado-Maior do Exército, elaborados pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II, Guiné; Livros 1 e 2; 1.ª Edição, Lisboa (2001).
No presente fragmento apresentamos dois gráficos de barras referentes: o 1.º ao universo das "causas de morte" e o 2.º às variáveis "em combate".
Gráfico 1 – Distribuição de frequências das "causas de morte", por anos, nas variáveis categóricas apuradas nos casos da investigação (n=191): "combate" (n=112-58.6%), "acidente" (n=57-29.9%) e "doença" (n=22-11.5%).
Da sua análise, verifica-se que em todos os anos a maioria das "causas" foram na variável "em combate", com excepção do ano de 1974, onde se registaram mais casos da variável "por acidente". Por outro lado, no ano de 1969 (o 7.º do conflito) o número de "causas" foi igual nas variáveis "em combate" e "por acidente", com oito casos cada.
Gráfico 2 – Distribuição de frequências das "causas de morte", por anos, nas variáveis categóricas em "combate" (n=112): por "contacto" (n=67-59.8%), por "minas" (n=33-29.5%) e por "ataque ao aquartelamento" (n=12-10.7%).
Da sua análise, verifica-se que em 2/3 dos anos a variável "combate" superou as restantes. Por outro lado, os casos de morte por "minas" superou as por "combate" em três anos consecutivos (1967, 1968 e 1969). De referir que nos anos de 1964, 1970 e 1974 não se registaram quaisquer casos de mortes de condutores por "minas".
3. MAIS ALGUNS EPISÓDIOS E CONTEXTOS ONDE OCORRERAM MORTES DE CONDUTORES AUTO RODAS ["CAR"] POR EFEITO DE REBENTAMENTO DE "MINAS"
Neste terceiro ponto, honrando um dos principais objectivos deste trabalho, para além dos números, recuperam-se algumas memórias, sempre trágicas, quando estamos em presença de perdas humanas. Serão mais três "casos" (de um total de trinta e três), enquadrados pelos contextos conhecidos, aos quais adicionámos, ainda, outras informações consideradas relevantes.
Foto 3 – Cumbijã; Abril de 1973. "Árvore de minas" ronco e obra do colectivo da CCAV 8351 (os Tigres do Cumbijã), do ex-Cap Mil Vasco da Gama, relativas a três minas A/P e uma A/C, levantadas no dia 02Abr73, e nove minas A/P e três A/C, levantadas no dia 03Abr73, de um total de mais de trinta contabilizadas durante esse mês, como se refere nas legendas das fotos anteriores. Imagem do álbum fotográfico do Cap Vasco da Gama – P3675 –, com a devida vénia.
Em função da tormenta que "os Tigres do Cumbijã" tiveram de enfrentar na "guerra das minas", lidando com elas, certamente, com muita angústia, alguma raiva pelo seu impacto devastador, mas fazendo apelo a uma superior coragem e competência no seu manuseamento por parte do seu colectivo, diga-se com grande sucesso, ao Cap Vasco da Gama é-lhe dedicado o poema "NA ESTRADA DO CUMBIJÃ" escrito por Tavares de Bastos, ex-Alf da CCAÇ 3399 [Aldeia Formosa (Jul/71-Ago/73), do Cap Inf Horário José Gomes Teixeira Malheiro], unidade que, infelizmente, teve algumas baixas registadas em alguns dos itinerários comuns (P3640).
As referências à CCAV 8351, bem como ao seu Cmdt Cap Mil Vasco da Gama, pretendem ajudar a contextualizar a situação militar na região de Cumbijã, antes de aí ter chegado e durante a sua presença, para que se compreenda melhor as causas da morte do condutor auto rodas Arnaldo Augusto Fernandes Clemente, analisada no ponto 3.17.
A esse propósito, o Cap Vasco da Gama refere que o "Cumbijã havia sido abandonado em 1968 [Gr Comb da CART 1612?], durante o mandato do General Arnaldo Schulz (1910-1993), por efeito dos sucessivos ataques a que o aquartelamento era sujeito, causando inúmeras vítimas na população e nas NT". É, ainda, relevante o aprisionamento de oito militares, em 20Mai68, sendo dois da CCS/BART 1896 e seis da CART 1612 (P16171).
Entretanto, no início de 1973, ou seja cinco anos depois, é atribuída à CCAV 8381 a responsabilidade de reocupar o Cumbijã, facto verificado em Março de 1973, tendo aí ficado instalada até Junho de 1974. Foi uma missão arrojada e bastante dura, mas bem recebida pelos chefes da antiga Tabanca, que desde 1968 passaram a viver em Aldeia Formosa. Estes sentiram uma enorme alegria quando souberam que a sua antiga povoação ia ser ocupada pelos militares portugueses. Insistiam, sempre que havia colunas, a nelas serem incluídos para irem ver o que restava da sua Tabanca (P3675).
3.17. O CASO DO SOLDADO 'CAR' ARNALDO AUGUSTO FERNANDES CLEMENTE, DO PEL REC FOX 1101, EM 03.SET.1966, ENTRE ALDEIA FORMOSA E CUMBIJÃ
A quinta morte de um condutor auto rodas, do Exército, em "combate", por efeito do rebentamento de uma mina, foi a do soldado Arnaldo Augusto Fernandes Clemente, natural da freguesia de Chacim, pertencente ao Município de Macedo de Cavaleiros, ocorrida no dia 03 de Setembro de 1966, sábado, no decurso de uma coluna militar, no itinerário entre Aldeia Formosa e Cumbijã, na qual participava, também, elementos da CCAÇ 764.
O condutor Arnaldo Clemente pertencia ao Pelotão de Reconhecimento Fox 1101 [PEL REC FOX 1101], uma unidade formada no Regimento de Cavalaria 8, de Castelo Branco. O contingente do PREC 1101 cumpriu a sua comissão entre 12Mai66 (chegada a Bissau) e 17Jan68 (regresso a Lisboa). Sobre a História desta unidade não foi possível obter qualquer informação, apenas sabemos que os seus dezanove meses de missão foram passados em Aldeia Formosa.
Quanto à CCAÇ 764 [17Fev65-20Nov66, do Cap Inf António Jorge Teixeira (1.º), Cap Inf José Domingos Ferros de Azevedo (2.º) e Ten Inf José Alberto Cardeira Rino (3.º)], unidade que em 24Mai65 fez seguir para Buba dois Grs Comb, a fim de renderem iguais efectivos da CART 495 nos destacamentos de Cumbijã e Colibuia, no subsector de Aldeia Formosa, cuja responsabilidade assumiu em 01Jun65, ficando então integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 600 e depois do BCAÇ 1861 [do TCor Inf Alfredo Henriques Baeta (23Ago65-17Abr67)]. Em 18Nov66, a CCAÇ 674 foi rendida no subsector de Aldeia Formosa pela CCAÇ 1622 [18Nov66-18Ago68, do Cap Mil António Egídio Fernandes Loja], recolhendo a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso (p338).
3.18. O CASO DO SOLDADO 'CAR' ANTÓNIO CARLOS VIEGAS, DA CCS/BCAÇ 1856, EM 10.FEV.1967, ENTRE NOVA LAMEGO E MADINA DO BOÉ
A morte em "combate" do soldado condutor auto rodas António Carlos Viegas, natural do lugar de Janardo, da Freguesia de Guardão, Município de Tondela, a sétima na sequência cronológica de casos semelhantes, ocorreu em 10 de Fevereiro de 1967, 6.ª feira, por efeito do rebentamento de uma mina anticarro [A/C], no decurso de uma escolta de reabastecimento iniciada em Nova Lamego com destino a Madina do Boé, na qual faleceu outro camarada seu, o soldado "CAR" António Zulmiro Gonçalves, a seguir indicado.
3.19. O CASO DO SOLDADO 'CAR' ANTÓNIO ZULMIRO GONÇALVES, DA CCS/BCAÇ 1856, EM 10.FEV.1967, ENTRE NOVA LAMEGO E MADINA DO BOÉ
A morte em "combate" do soldado condutor auto rodas António Zulmiro Gonçalves, natural da freguesia de São Mamede de Infesta, Município de Matosinhos, a oitava na sequência cronológica de casos semelhantes, correu em 10 de Fevereiro de 1967, 6.ª feira, por efeito do rebentamento de uma mina anticarro [A/C], no decurso da mesma escolta citada acima.
Estes dois condutores auto rodas pertenciam à CCS do BCAÇ 1856, do Cmdt TCor Inf António da Anunciação Marques Lopes, unidade mobilizada pelo RI 1, da Amadora, decorrendo a sua comissão entre 06Ago65, com o desembarque em Bissau, e 15Abr67, como o seu regresso a Lisboa.
Depois de ter estado sete meses instalado em Brá (Bissau), às ordens do Comando-Chefe, e de ter actuado em diversas operações nas zonas Oeste e Leste do CTIG, como reforço de outros Batalhões, em 02Mar66 foi o comando do BCAÇ 1856 deslocado para Nova Lamego, enquanto a sua CCS se instalou em Piche, até 23Abr66, com vista à rendição do BCAV 705.
Decorridos mais dois meses, em 01Mai66, o BCAÇ 1856 assumiu a responsabilidade do «Sector L3», com sede em Nova Lamego, no qual estavam incluídos os subsectores de Bajocunda, Canquelifá, Piche, Buruntuma, Madina do Boé e Nova Lamego. Neste quadro desenvolveu intensa actividade operacional, principalmente na execução de patrulhamentos, reconhecimentos ofensivos, acções de intercepção e de defesa dos aquartelamentos e das populações, com vista a evitar o alastramento da luta armada na região do Gabú. (…) Em 15Abr67, foi rendido no sector de Nova Lamego pelo BCAV 1915, recolhendo a Bissau para embarque. (p.63)
Para a elaboração deste subponto foram consultadas, como principais fontes de pesquisa, as Oficiais publicadas pelo Estado-Maior do Exército, elaboradas pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), 6.º Volume, Aspectos da Actividade Operacional, Tomo II, Guiné, Livro 2, 1.ª Edição, Lisboa (2015), p31, às quais se adicionaram, como complemento historiográfico, os contributos pessoais de alguns membros da Tabanca que destas ocorrências tiveram conhecimento.
Sobre estes casos, o livro da CECA faz referência aos factos com uma curtíssima descrição: "No período de 10 a 13Fev67 foi feita mais uma escolta de reabastecimento a Madina [Nova Lamego/Madina do Boé], conjugada com emboscadas a sul desta posição. Foi accionada uma mina anticarro, tendo as NT sofrido 6 mortos e 4 feridos, mas infligindo ao IN numerosas baixas. (Op. Cit. p31).
Na busca da identificação das baixas contabilizadas pelas NT nesta ocorrência, verificámos que para além dos dois condutores auto rodas falecidos, ambos pertencentes à CCS/BCAÇ 1856, os restantes quatro eram elementos da CCAÇ 1586, cujos nomes se indicam no quadro abaixo.
De referir que a CCAÇ 1586, do Cap Inf António Marouva Cera, após a sua chegada a Piche a 06Ago66, assumiu dois dias depois a responsabilidade do respectivo subsector, substituindo dois Grs Comb da CCAÇ 1567, ali transitoriamente colocados, e guarnecendo, com um Gr Comb, o destacamento na ponte do rio Caium até 21Set66, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 1586. A partir de Set66, passou a ter, cumulativamente, a função de subunidade de intervenção do sector, tendo os seus Grs Comb actuado em diversas operações realizadas e sido destacados, temporariamente, para várias localidades da sua zona de acção. (ver P18512).
Complementamos esta narrativa com algumas imagens da ocorrência entre Nova Lamego e Madina do Boé.
Foto 4 – A Caminho de Madina (do Boé). Foto de José Domingues Ramos, 1.º Cabo Mecânico da CCaç 1416, do BCaç 1856. In: http://ultramar.terraweb.biz/CTIG/CTIG_Jose
DominguesRamos_Fotografias_03_A_Caminho_de_Madina.htm (com a devida vénia).
Foto 5 – As "viagens" de reabastecimento a Madina do Boé e a Béli. Testemunho do Abel Santos, da CART 1742 (Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69) – P15786, com a devida vénia.
Foto 6 – Para que os bravos de Madina do Boé, de Béli e do Cheche não fiquem na "vala comum do esquecimento". Testemunho do Manuel Caldeira Coelho, da CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894 (Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68) – P8548 e P18867, com a devida vénia.
Foto 7 – Em 1998, algures na estrada Nova Lamego/Madina do Boé (trinta anos depois da foto 4), eis um exemplar, entre muitos, dos trágicos vestígios "arqueológicos" da guerra no CTIG. Foto do álbum fotográfico do Xico Allen – P3911 e P11822, com a devida vénia.
Termino este texto com uma pergunta… certamente difícil de obter resposta, e que é:
► Será que hoje, passado que está meio século, ainda existem vestígios "arqueológicos" semelhantes aos das imagens acima, no território da Guiné-Bissau?
Continua …
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Fontes Consultadas:
Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002).
Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-569.
Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 2; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-304.
Outras: as referidas em cada caso.
Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
17JAN2020
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