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sábado, 11 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26378: Os nossos seres, saberes e lazeres (662): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (187): From Southeast to the North of England; and back to London (6) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Setembro de 2024:

Queridos amigos,
Se a memória não me atraiçoa, a primeira vez que por aqui passarinhei chovia a cântaros, bátegas ininterruptas, felizmente que se trouxera farnel onde não faltava o obrigatório termo com chá bem quentinho, scones e fruta. Reduziu-se a visita às termas romanas, jurei a mim mesmo que quando houvesse uma oportunidade, uma promessa de céu aberto, aqui regressaria para uma visita mais espraiada. Tem-se sorte quando se viaja em grupo com gente cordata com quem é possível previamente delinear a itinerância, correu tudo muitíssimo bem para o tempo disponível, não desmerecendo nas chamadas visitas de médico viu-se por fora o que justificadamente se devia ver por dentro, e razão tinha a menina do turismo em propôr uma visita de 3 dias. Fica para a próxima, como diz o outro a viagem nunca acaba, quem pode acabar é o viajante no limite da idade ou por falta de curiosidade.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (187):
From Southeast to the North of England; and back to London – 6


Mário Beja Santos

Pouco mais de 80 km separa Faringdon, no condado de Oxford, de Bath, no Somerset, uma viagem com muitos prados, florestas e pequenas povoações. Aonde quer que chegue, a primeira preocupação é pedir a papelada turística, não que desconfie do Michelin, mas há eventos que possam suscitar interesse. Fiquei de beiço caído em frente do teatro Ustinov (presumo que o nome é uma homenagem ao grande ator Peter Ustinov), anunciava num cartaz uma das mais belas peças para barítono ou tenor com acompanhamento de piano, de Schubert, Viagem de Inverno, para meu desconsolo não era espetáculo para aquele dia. A menina do turismo, sem mais nem menos, depois de me dar as boas-vindas, sugeriu uma estadia de 3 dias, não se esqueça dos belos edifícios georgianos, não se esqueça que há um belo museu maçónico, impõe-se uma visita ao teatro real, não é só a cidade e os seus monumentos, experimente fazer a viagem no velho comboio no vale do rio Avon, experimente ir a Chippenhaim, também tem muito para ver… Não me descosi, agradeci a lembrança, de papelada na mão avancei para o centro, não é a primeira vez que venho a Bath, é cidade opulenta, a igreja abacial é mais bela por fora do que por dentro, a estrutura do Circus e do Royal Crescent é de cortar o fôlego, Património da Humanidade, as termas, provenientes da presença romana na Britânia, deixam qualquer um de nós impressionado, tal como os jardins dentro e circundando Bath, não esquecendo que se pode à volta da maravilhosa Pulteney Bridge. Como o tempo é escasso, nem pensar em visitar o interior dos espaços onde viveram Mary Shelley, a autora do livro Frankenstein, e Jane Austen. E procuro não perder mais tempo em divagações inúteis, amanhã tudo mudará, serão 2 dias completos em Londres, mas agora quero viver o presente, Bath é mais do que aprazível.

Teatro Ustinov, fiquei de monco caído, Wintereisse, de Schubert, não é para hoje
Bath Abbey, uma referência do gótico inglês, uma torre impressionante, há que subir 212 degraus, ali se pode ver a cidade por toda a volta
Na mesma rua, o acesso às termas romanas, multidões para entrar
Bem procurei o nome desta belíssima peça que ornamenta a praça, contígua à catedral, não encontrei, fico-me pela boa impressão do labor desta pedra
Um pormenor da Bath Abbey, deixei-me levar pela imaginação de que aquela torre gigantesca chegava às nuvens
Bath é local de vilegiatura para gente endinheirada, disposta a pagar conforto em hotéis de indiscutível imponência. Este é um exemplo entre muitos
Aqui me deixei ficar especado em Pulteney Bridge, há todas as razões e mais uma para que quem aqui arriba queira demorar o olhar na ponte e no rio, ocorreu-me pensar em algo que tem as suas parecenças, a Ponte Vecchio, a mais famosa de Florença, enfim, não passou de uma reminiscência, talvez descabelada
Aqui vos deixo a prova provada sobre a beleza destes jardins, bem sugeriu a menina do turismo que não seria fastidioso um programa de 3 dias para desfrutar de tanta beleza
A grandiosidade arquitetónica de Bath, reside em primeiro lugar nesta pedra amarelada, utilizada em dois espaços icónicos, primeiro o Circus, de que se mostra um pormenor, é uma praça circular com quatro quarteirões simétricos, as casas alinhadas, tudo estilo georgiano, em curvas e contracurvas, é um prazer aqui circundar antes de subir para um outro espaço icónico, o Royal Crescent.
Estas árvores gigantescas davam uma sombra agradável naquele princípio de tarde tão ensolarado
É a marca mais opulenta de Bath, por isso tentei reter a enormidade do espaço em quatro imagens, a UNESCO foi sensível a este conjunto de arquitetónico que abrange o Circus, o Royal Crescent e a Pulteney Bridge, está tudo no reconhecimento de Património da Humanidade e, separadamente, as termas romanas
Já estou a contar os minutos sobrantes, é a fachada da casa de Mary Shelley, a criadora de Frankenstein, dizem-me que vale a pena visitar a casa para conhecer melhor o génio desta mulher
Não sei se se justifica fazer um comentário ao talentoso aproveitamento de uma cabine telefónica que alguém com engenho e arte transformou em radioso mobiliário urbano
E despeço-me de Bath frente à casa onde viveu Jane Austen entre 1801 a 1808, creio que escreveu aqui duas das suas obras, visitar o seu centro permite uma imersão no génio desta escritora do período da Regência. Bath recorda-a graças ao festival Jane Austen, que se realiza em setembro. Agora é regressar à base e pela manhazinha cedo encaminhar-me para Londres, aceitando todos os imprevistos que a antiga capital do império britânico oferece.

(continua)

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Nota do editor

Vd. post de 28 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26321: Os nossos seres, saberes e lazeres (660): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (185): From Southeast to the North of England; and back to London (5) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 4 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26346: Os nossos seres, saberes e lazeres (661): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (186): O que é próprio do traço vivo é ser justo e trair. Trai o que desconhece (Júlio Pomar dixit) (Mário Beja Santos)

domingo, 15 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26268: Timor Leste: passado e presente (29): Uma viagem de mais de um mês de Lisboa a Díli, no N/M holandês Sibajac, em agosto/setembro de 1936 (Cacilda dos Santos Oliveira Liberato, "Quando Timor foi notícia: memórias", Braga, Pax, 1972)



N/M Sibajak > Navio de passageiros que fazia a carreira das Índias Orientais Holandesas (Roterdão - Batavia, hoje Jacarta). Teve uma longa vida (1928-1959) (durante a guerra foi convertido em navio de transporte de tropas). Com 154,4 metros de comprimento, o seu nº de passageiros (em 3 classes) era 527. Tripulação: 209. Fonte: Wikimedia Commons (com a devida vénia)


Timor (c. 1936-1940), porto-cais de Díli 

Foto do Arquivo de História Social > Álbum Fontoura. Imagem do domínio público, de acordo com a Wikimedia Commons. Editadas por blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)



Capa do livro "Quando Timor foi Notícia: Memórias", de Cacilda dos Santos Liberato (Braga, Editora Pax, 1972, 208 pp.). Encontrei um exemplar na Biblioteca Municipal da Lourinhã. Já o li de um fôlego. Tem um prefácio patrioteiro, propagandístico, algo despudorado e completamente datado,  do escritor  António de Seves Alves Martins: 

"Estar, agora, Portugal  vitoriosamente em armas, como vitoriosamente esteve em paz na segunda grande guerra, dá plena atualidade a este livro bem revelador da força moral de um povo que não abdica dos seus direitos porque também não se demite dos seus deveres" (pág. 12).

Cacilda foi uma "mãe coragem: viúva de Júlio Gouveia Leite, secretário da administração de Aileu (vítima do massacre de Aileu, em 1/10/1942) (*), irá casar depois com o tenente António Oliveira Liberato, também ele viúvo, na "zona de proteção" de  Liquiçá em 1943 (nome eufemístico dado pelos nipónico para  o campo de concentração dos portugueses). 

Com dois filhos pequenos, viu a morte à sua frente por diversas vezes. Publicou as suas memórias trinta anos depois (com alguns retoques, acrescente-se,  de gente erudita do regime que se quis aproveitar do seu testemunho singelo de "mãe coragem").

Estranha-se que o livro só tenha sido publicado em 1972. O manuscrito vem datado de dezembro de 1971. A autora vivia em Portalegre.

Era casada em segundas núpcias com António Oliveira Liberato, cap inf ref, ex-comandante da PSP de Portalegre, oficial da Legião Portuguesa e responsável pela censura a nível distrital. Era autor  de dois livros de memórias: "O caso de Timor" (Lisboa, Portugália Editora, s/d, c. 1946, 242 pp.) e "Os Japoneses estiveram em Timor" (Lisboa, 1951, 336 pp.). (Também dois livros, de difícil acesso, só disponíveis em alguns alfarrabistas e numa ou noutra biblioteca pública.)

1. O que é que os portugueses dos anos 30 do século passado (para mais em plena década do triunfo político das teorias racistas, e do nazismo  em particular)  pensavam do "outro" que estava lá longe, no "além-mar" das Áfricas, das Ásias, das Oceanias ? Enfim, em terras tão distantes como Timor, a 20 mil quilómetros de Lisboa, e a mais de um mês de viagem por mar ? E sobretudo as portuguesas, ainda poucas, que acompanhavam os maridos, funcionários civis ou militares destacados para funções nas colónias.

Cacilda está de "abalada para o Extremo-Oriente, rumo ao longínquo Timor " (p. 13). Estamos em agosto de 1936. Não sabemos exatamente o dia. Mas terá sido na primeira quinzena. 

O navio era holandês, e  elegante", o N/M Sibajac (p. 15).  E o dia "límpido, radioso", em Lisboa (p. 14). (Portugal não tinha um navio da marinha mercante que, nessa época, fizesse a ligação entre a metrópole e a sua colónia mais longínqua, nem havia movimento de carga e passageiros que o justificasse.)

Antes de entrar no Mediterrâneo, por Gibraltar,  o navio faz uma primeira paragem, curta, ao largo, em Tânger, "o tempo suficente para levar o correio à cidade" (p. 14).  Inevitável associar Tânger ao "drama do Infante Santo" (...) "desastre a toldar o brilho da epopeia gloriosa da nossa expansão pelas sete partidas  do Mundo" (p. 15). 

Mas há uma granada, disparada não se sabe donde, que vem rebentar "a reduzida  distância da proa" do Sibajac. Confusão, se não mesmo pânico,  a bordo. Cacilda  vem lembrar, entretanto,  que "estávamos em 1936" (...): "a guerra civil espanhola eclodira  havia apenas  um mês" (p. 16). Em boa verdade, a 17 de julho de 1936, dizem os historiadores.

A viagem até Timor vai demorar mais de um mês... Cacilda e o marido chegariam a Díli em 17 de setembro de 1936. O marido é  um médio funcionário da administração colonial,  Júlio Gouveia Leite, secretário de circunscrição,  que irá encontrar a morte, na tragédia de Aileu, em 1 de outubro de 1942 (*). Era um homem com alguma cultura literária,  acima da média, tendo inclusive sido cofundador, na colónia, de um jornal de vida efémera, em 1938, de que se publicaram três edições  (**)

O que leva esta mulher da pequena burguesia lisboeta a perseguir "o sonho que há muito tempo acalentava" (p. 13), desde as precoces leituras da sua adolescência ?  Acompanhava, desta feita,  o marido que, por "rotineiro despacho ministerial", ia ocupar um lugar do Quadro Administrativo da Província" (o livro é publicado em 1972, pelo que em 1936 a terminologia era outra: Timor era uma colónia; a autora é traída por estes pequenos pormenores, o que sugere que terá tido ajuda de "copywriter" ou revisor de texto, o próprio marido, cap inf QR António Liberato ou o filho, Henrique, que era licenciado).

E logo Timor!... Familiares e amigos em vão a quiseram dissuadir: Timor, "que horror!", Timor, "a lendária antecâmara do Inferno, terra de degredados e de febres, de biliosas e  perniciosas" (p. 14)... Advertências de "sabor resteliano" (sic) (outra referência de sabor erudito, alusiva ao "velho do Restelo", a personagem camoniana que personificava o pessimismo de alguns portugueses em relação à aventura marítima) que provocavam também dúvidas e receios no espírito desta jovem mulher, recém-casada e com já um filho pequeno.

Nada a demoveu. E lá vai ela decidida a "conhecer as fascinantes  regiões das essências e especiarias, o exotismo dos usos  e costumes das suas gentes" (p. 13).

"Demandados Gilbraltar e Marselha, lobrigadas das águas  do estreito as cidades de Régio e Messina, atingiu-se Port-Said " (p.  16).

É "o primeiro contacto com terras do Oriente". E as primeiras descobertas do "exotismo", o caleidoscópio de "toas raças", tão caro ao viajante da época, vindo da Europa, e para mais ,"supremacista".... Travessia do canal do Suez em comboio (dez navios), Mar Vermelho,, "atmosfera de fornalha" (p.17).,,

Ao fim de sete dias de viagem "sob torreira inclemente", atingem Ceilão (hoje Sri Lanka), fundeando em Colombo, a capital da ilha (p. 18). Foi ocasião para alguns portugueses e "3 missionários holandeses" meterem-se a fazer uma curta exploração da cidade, em sete "rickshaws",  puxadas por "coolies", cuja reputação nem sempre era a melhor, conforme aviso feito a bordo... 

Calcilda e o companheiro ( e seguramente o filho) quase que perdem o navio, com as voltas que o seu "coolie" deu,  alongando o passeio, mas afinal "bem intencionado", ao querer mostrar a zona mais "excêntrica" da cidade,... Tiveram de se meter numa "gazolina" (sic) para apanhar o navio já ao largo, a caminho de Malaca (p. 21).

A descrição pitoresca da viagem continua por mais três páginas: o N/M Sibajak acerca-se de Sabango (ou Sabang, na ilha de Sumatra, Indonésia), navega ao longo de ilhas e ilhotas de vegetação luxuriante, que a autora descreve como "lugar(es) paradisíaco(s)" (p. 22).

"De novo em marcha, escalámos sucessivamente, Belawan, Singapura e Batávia". Aqui terminava a viagem do navio holandês. "Três portos, três empórios, em que os navios abundavam e o tráfico era intenso" (p. 22).

Batávia era o nome então da atual "Djakarta" (sic), "uma cidade de marcado estilo colonial": "vasta e muito povoada, de ruas amplas e largos espaçosos" (...), "edifícios grandes e opulentos" (...), "avenidas alfaltadas" (...), "airosas moradias, cercadas de jardins tratados com esmero e bom gosto" (pp. 22/23). 

O  que chocou o olhar português e lisboeta da Calcilda ?... "O espetáculo vergonhoso de multidões de indígenas" (sic),  que se banhavam e lavavam a roupa em cursos de água barrenta, avermelhada, correndo junto a algumas artérias da cidade...

Apanham outro barco, o Melchior Treub, seguindo viagem até Macassar, nas Celébes, para depois embarcarm no Reisgnears que os levará a Díli. Barcos mistos, de cabotagem, que "em digressão pachorrenta" os transportam  por "aqueles mares coalhados de ilhas"...

"Entrei na baía de Díli. Ancorava-se ao largo. Pequena ponte de madeira servia de cais, onde os passageios eram conduzidos em botes e 'gazolinas'. Ali pisei a primeira vez terras de Timor, na manhã de 17 de setembro de 1936" (.p23).

E quais as primeiras impressões de Díli  (cap. II, pp. 27-29) ?

"A Capital era, naquela época, um aglomerado sem importância" (...): "o traçado dos edifícios era simples, vulgar, a tender para a uniformidade"... Exceção para "a catedral, de construção recente", destacando-se da "trivialidade do conjunto" pelas suas "linhas modernas" e pela sua "torre, apontada ao céu" (...) e "dominando o modesto burgo" que se espreguiçava "indolente, sob a densa mata de coqueiros, palmeiras e 'gondões' (imbondeiros)"... (p. 27)

O movimento era "diminuto". O comércio local era apenas alimentado pelo "magro orçamento da Província" (sic). A "população não aborígena" (sic) (p. 27) resumia-se ao funcionalismo público, civil e militar, que comia à mesa do Estado... De fora só  "meia dúzia de empregados do setor privado" e um ou outro,  raro e próspero, "plantador". 

E quem era esse funcionalismo ? De origens diversas: europeus, indianos. macaístas bem como um "elevado número de nativos"... (p.28).

"A colónia chinesa detinha o monopólio do comércio" (p. 28). Fora a firma portuguesa "Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho"  e o "indiano Wadoomahl", "as lojas e quitandas" de Díli e  do resto da ilha "pertenciam aos sorridentes filhos do Celeste Império" (p. 28).

Era no bazar do Wadoomahl que o "elemento feminino" (sic) da colónia gastava as economias com artigos importados de Macau e  Índia... "Coisas de sonho" (p. 28): "tecidos, louças, objetos de laca e obras de cânfora e de sândalo, 'bijouteries' e outros artefactos de aparato e valor"

De 3 em 3 semanas, com a chegada do "vapor holandês da carreira", a loja do indiano tornava-se local obrigatório de visita e encontro  das "senhoras da sociedade de Díli" (p. 28).

Pontos de reunião, festas, receçóes e bailes, eram os clubes Benfica e Sporting, tão rivais entre si localmente como em Lisboa.

Em Díli, Cacilda, o marido e o filho pequeno ficaram numa moradia à beira-mar (p. 29). Mudaram-se pouco depois para Lahane, onde existia o bairro do funcionalismo, a 3 km da capital, com clima mais salubre. 

Ao fim de 3 anos, com o filho Henrique de sete anos, foram para Bobonaro, sede da circunscrição de fronteira, que confinava com o Timor holandès. Voltam para Díli em abril de 1941, quando nasce o segundo filho, Rui Nuno. 

Em agosto vão para Aileu (também conhecida na época como a "vila general Carmona", sendo Baucau a "vila Salazar"...), descrita pela autora como "uma pequena vila habitada por meia dúzia de europeus, outros tantos comerciamtes chineses, alguns mestiços, e nativos evoluídos " (sic) (p. 29). Um pequeno grupo de sipaios "assegurava a guarda à tranqueira, fornecia as ordenanças,as estafetas e outro pessoal paar serviço da Administração" (p. 29). 

Dispersos pelas redondezas, alcandoradas no "cume das montanhas" (p. 30), em pequenos aglomerados viviam os "indígenas"... A "civilização" em Aileu resumia-se  âs instalaçóes da secretaria da Administração, Central telefónica, moradia do secretário, e â saída, já na estrada para Maubisse, os edifícios do Presídio e da casa chamada dos Passageiros (p. 30)... Enfermaria, armazéns, capela, e algunas vivendas isoladas completavam o quadro de Aileu.

E será justamente em Aileu que a Cacilda ouvirá a notícia do início da II Guerra Mundial (1 de setembro de  1939) na  Europa (p. 33)  e depois no Pacífico, com a entrada de novos beligerantes, o Japão e os EUA, em 7 e 8 de dezembro de 1941, respetivamente  (p. 35). 

E seria ainda em Aileu que a Cacilda e a família apanhariam as duas invasões estrangeiras do territória, a dos Aliados e depois dos "matan-bubu" (olhos inchados, a alcunha dada aos japoneses pelos timorenses) (p. 48). 

As suas memórias mais dolorosas (mas também heróicas)  são justamente da longa, cínica e cruel ocupação japonesa (de 20 de fevereiro de 1942 a  5 de setembro de 1945). (***)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 5 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25809: Timor: passado e presente (16): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte VII: As chacina de Aileu e Ainaro, em outubro de 1942... E a coragem da jovem Julieta Lopes, de 17 anos, que gritou aos assassinos, em tétum: Quétac óhò feto ò labáric! (Na guerra não se matam mulheres e crianças!)

.(**) Timor - Publicação eventual de carácter literário e científico. Díli, 1938-1939. Impresso na Imprensa Nacional de Timor. Publicação fundada por Júlio Gouveia Leite e João da Costa Freitas, e como editor João da Costa Freitas. Os colaboradores são Virgilio Castilho Duarte, Lorenço de O. Aguiar e Alberto Rodrigues Paizana. Registaram-se três exemplares. Fonte: Biblioteca Nacional de Lisboa.

In: Vicente Paulino e Lúcio Sousa - Contribuição para um roteiro da imprensa periódica de Timor-Leste (1900-2002). Veredas: Revista da Associação Internacional de Lusitanistas, nº 40, p. 166-183, jul./dez. 2023.

 (***) Vd. poste de 5 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26234: Timor Leste: passado e presente (28): O concelho de Sardoal homenageou, em 15/9/1946, um dos seus filhos, Augusto Leal de Matos e Silva (1905-1944), chefe de posto administrativo de Laga, um dos heróis da resistència aos japoneses, morto da prisão de Díli

terça-feira, 9 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25730: Tabanca Grande (562): Elisabete Silva (1945- 2024), nossa grã-tabanqueira nº 892, uma presença luminosa e calorosa nos nossos convívios, e que em 2013 fez uma memorável viagem à Guiné, com o marido, Francisco Silva (1948-2023), a Armanda e o Zé Teixeira


Foto nº 1A > Guiné- Bissau > Bissau >  Hotel Azarai > 30 de abril de 2013 > Antiga messe de Oficiais em Santa Luzia. A  Elisabete e  a Armanda nos jardins,


Foto nº 1 > Guiné- Bissau > Bissau >  Hotel Azarai > 30 de abril de 2013 > Antiga messe de Oficiais em Santa Luzia. A  Elisabete e  a Armanda nos jardins, junto à piscina.


Foto nº 2 > Guiné- Bissau > Bissau >  Hotel Azarai > 30 de abril de 2013 > Antiga messe de Oficiais em Santa Luzia. Da esquerda para a direita, Zé Teixeira, Armanda, Elisabete e Francisco.  "Foi sem dúvida o único local onde nada mudou e,  se tal aconteceu, foi para melhor. Instalações modernas, bem conservadas e bem apetrechadas, os jardins bem tratados. A piscina, um encanto." (*)
 
 

Foto nº 3 > Guiné- Bissau > Bissau > Cumura > Hopital de Cumura > 30 de abril de 2013 >   A Elisabete com um bebé ao colo. "Terminamos o dia com uma visita à maternidade do Hospital da Cumura, onde a Irmã Irina nos acolhe com um sorriso de agradecimento e esperança. Agradecimento pela instalação do sistema de energia solar que deu luz à maternidade e enfermaria de pediatria. Assim se evitarão,  segundo ela, partos e cesarianas à luz da vela como tem acontecido muitas vezes. Esperança, porque ter a sorte de ser visitada por um médico ortopedista [o Francisco Silva, do Hospital Amadora-Sintra], o que considerou uma bênção de Deus, logo, aproveitada e muito bem pela drª Helena, voluntária quase permanente neste hospital], (*)

 

Foto nº 4A > Guiné- Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Rio Corubal  >  A Elisabete e o Francisco



Foto nº 4 > Guiné- Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Rio Corubal  >  1 de maio de 2013 > "O  grupo seguiu bem cedo para o sul, com pernoita no Saltinho e tendo Iemberém como destino final, aonde chegaram no dia 2, 5ª feira; na 1ª parte da viagem passaram por Jugudul, Xitole, Saltinho, Contabane Buba e Quebo; no dia 3 de maio, 6ª feira, visitam Iemberém, a mata di Cantanhez e Farim do Cantanhez; no dia 4, sábado, estão em Cabedú, Cauntchinqué e Catesse;  dia 5, domingo, vão de Iemberém, onde estavam hospedados, visitar visitar o Núcleo Museológico de Guileje, e voltam depois o Xitole, convidados para um casamento" (*)


Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013  > O Francisco Silva (e em segundo plano a Armanda e a Elisabete) com habitantes do Xitole, falando do passado com  o Aliu do Xitole (antigo menino da messe dos sargentos)...  O Aliu reconheceu de imediato o "alfero paraquedista” , o “Sirva”. E logo o grupo ficou em amena cavaqueira com o Aliu a falar do “alfero Sirva”, "manga de bom pessoal". (Sempre ele, calmo e sereno, observador de ouvido atento, como no tempo em que comandava os seus soldados perdidos na selva da guerra.) (*)



Foto nº 6 > Guiné-Bissau > Região de Tombali  > Cantanhez > Iemberém > 3 de maio de 2013  > O Francisco a aprender  a pilar arroz, com a Elisabete atenta.


Foto nº 7A Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Parque Nacional do Cantanhez > Faro Sadjuma > 2 de maio de 2013 >  "A Fatma de Farosadjuma, ladeadas pelas nossas bajudas" (*)


Foto nº 7 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Parque Nacional do Cantanhez > Faro Sadjuma > 2 de maio de 2013 > Interior de um bangalô, no Hotel DjamDjam, em Faro Sadjuma, no interior da Mata do Cantanhez.


Foto nº 8A > Guiné-Bissau > Região de Tombali  > Cantanhez >  > Farim do Cantanhez > 4 de maio de 2013 > - A Armanda e a Elisabete junto ao poço que a Associação Tabanca Pequena, de Matosinhos  financiou (1).



Foto nº 8A > Guiné-Bissau > Região de Tombali  > Cantanhez >  > Farim do Cantanhez > 4 de maio de 2013 > 
- A Armanda e a Elisabete junto ao poço que a Associação Tabanca Pequena, de Matosinh0s,  financiou.



Foto nº 9 > Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Jufunco > 9 de maio de 2013 > "Os régulos da tabanca, felupes,  Alberto Sambú (o mais novo, vestido de verde) e o Necolá Djata (o mais velho, vestido de vermelho)... Para que ninguém ouse sentar-se no banqunho dos régulos (sob pena de morte!) , estes têm o cuidado de o trazerem sempre consigo, como se pode ver nesta foto em que acompanham os tugas  na visita à tabanca. O mais novo ainda se faz acompanhar de uma vassourinha para limpar a terra e areia dos pés. Cada terra tem seus usos e costumes, mas este é, com o devido respeito, deveras estranho." (*)


Foto nº 10  > Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Jufunco > 9 de maio de 2013 > "O local sagrado das reuniões da comunidade, que neste dia se abriu pela primeira vez para reunir com a comunidade de  brancos (e brancas) que visitou a tabanca, vendo os régulos no lugar que ocupam habitualmente". (*)


Foto nº 11 > Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Jufunco > 9 de maio de 2013 > A Aemandia e a Elisabete com - com os régulos (felupes) de Jufunco no local sagrado da reunião da comunidade para orar a Deus e centro de decisões.

Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. É uma seleção de imagens, feita pelo próprio fotógrafo,  algymas das quais ilustraram as "Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau (30 de Abril - 12 de maio de 2013) (*), em que participaram dois casais, nossos conhecidos: o Zé Teixeira e a Armanda  Teixeira;  o Francisco Slva (1948-2023) e a Elisabete Silva (1945-2024).  É uma sequência "fotojornalística", excecional, do melhor que temos publicado aqui... 

E a nossa Elisabete Silva seguramente que guardou estas  imagens na sua memória, como  umas das melhores e mais gratas da sua vida. Ela gostava, aliás,  de viajar, e preparava-se, antes de um operação do foro cardiológica, aparentemente de rotina, para ir em setembro aos fiordes da Noruega, com a sua amiga Ema Guerra, esposa do nosso camarada Hugo Guerra.

O coração atraiçou-a (**). Estive (com a Alice) na capela mortuária de Porto Salvo e depois no tanatório de Barcarena, no passado dia 5, e pude verificar como ela era uma mãe, avó, mulher, amiga e cidadã, estimada e amada. 

Na missa de corpo presente,  o pároco de Linda a Velha,  amigo pessoal dela e da família, fez-lhe umas das mais belas, serenas e singelas despedidas que eu já vi e ouvi, feitas por um sacerdote católico, num diálogo a três (ele, os filhos e os netos da Elisabete). E que família tão linda, tão amorosa, a da Berta e do Chico!...

No "In Memoriam" que lhe dedicámos, já tínhamos dito que a Elisabete  fora ao longo destes anos todos uma presença luminosa (e calorosa)  nos nossos convívios", razão (adicional)  por que ela merecia, sem favor, "honras de Tabanca Grande": não só frequentava os convívios da Magnífica Tabanca da Linha (tal como, algumas vezes, os da Tabanca de Matosinhos) como esteve sete vezes no Encontro Nacional da Tabanca Grande, em Monte Real (e o Francisco dez). 

Em suma, sempre que podia (e que a saúde o permitia) acompanhava o marido nos nossos convívios, incluindo nos encontros anuais da CART 3492 (Xitole, 1972/74), a que o Francisco pertenceu originalmente.

Sabemos, também, que a Elisabete (ou Berta) trabalhou, toda a vida, na Petrogal, nos serviços fnanceiros. O Tony Levezinho lembrava-se dela, tendo sido colega próxima da sua Isabel , que também nos deixou, infelizmente, há três anos e meio.

A Elisabete Silva passa a ser, embora a título póstuma, uma das nossas "mulheres grandes",  sentando-se, simbolicamente, à sombra do nosso poilão no lugar nº 892 (***), ao lado de outras companheiras nossas que "da lei a morte também já se libertaram":
  • Clara Schwarz da Silva (1915-2016);
  • Isabel Levezinho (1953-2020);
  • Manuela Gonçalves (Nela) (1946-2019);
  • Maria Ivone Reis (1929-2022) (esta, camarada enfermeira paraquedista);
  • Maria Manuela Pinheiro (1950-2014);
  • Teresa Reis (1947-2011);
  • Zélia Neno (1953 - 2023).


Magnífica Tabanca da Linha > Algés > Restaurante Caravela de Ouro > 
48.º Convívio > 19 de maio de 2022 > 
 A Elisabete Silva (1945-2024)... 
De seu nome completo, Maria Elisabete Trindade Vicente 
Figueira da Silva, Berta ou Bertinha 
para os familiares e amigos. Casada com o Francisco Silva, 
médico, e nosso camarada (1948-2023).

Foto: © Manuel Resende (2022). Todos os direitos reservados. 
[Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

 

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 13 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11699: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (5): Visitando Cabedu, Cautchinké e Catesse... A alegria com que somos recebidos, a par da tristeza com que vemos a floresta ser destruída no Cantanhez...








25 de agosto de  2013 > Guiné 63/74 - P11976: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (13): A despedida... Temos de voltar!

(**) Vd. poste de 5 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25718: In Memoriam (505): A. Marques Lopes, cor inf ref, DFA (1944-2024), um histórico do nosso blogue: despedida amanhã, às 11h45, no Tanatório de Matosinhos; e Elisabete Vicente Silva (1945 - 2024), viúva do nosso camarada, dr. Francisco Silva (1948 - 2023): o funeral é hoje, na igreja de Porto Salvo, Oeiras, às 16h00

(***) Último poste da série > 3 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25709: Tabanca Grande (561): Aurélio Manuel Trindade, ten gen ref, ex-cap 4ª CCAÇ / CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67), militar de Abril, e autor do livro de memórias "Panteras à solta": senta-se, a título póstumo, à sombra do nosso poilão, no lugar nº 891

quinta-feira, 4 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25713: Lembrete (46): Últimos dias! Viagem de grupo à China com o acompanhamento do Prof. Dr. António Graça de Abreu - 01 a 12 Setembro 2024


República Popular da China >
 Pequim > s/d (c. 1977/83) >
O António Graça de Abreu
na praça Tianamen

1. Declaração de interesses: não vou  à China, não tenho  descontos na viagem à China, nem sequer direito a uma malga de arroz chau chau... Não sou sinófilo, nem sinófobo, nem sequer sinólogo.  Mas tudo o que é humano e terreno me interessa.

Se eu tivesse menos uns aninhos, saúde e patacão,  também gostaria de ir à China,  ciceroneado pelo nosso grão-tabanqueiro  António Graça de Abreu, na esteira de outros camaradas que já fizeram em 2014 esta viagem turístico-cultural (o António PImentel, o Fernando Gouveia e o Egídio Lopes). (*)

Resumindo, o António, um histórico do nosso blogue, merece este postezinho promocional... 

Aproveite quem quiser e puder, porque será um privilégio ter como guia um antigo camarada da Guiné, "globetrotter", grande sinólogo (especialista em história e cultura chinesas) e um português não menos amante da sua pátria e da sua língua (*)

Para mais informações contactar a agência Globalis através de:

e-mail: grupos@globalisviagens.com
ou telefone:  (+351) 213 502 201.


ÚLTIMOS DIAS! Viagem de Grupo à China com o acompanhamento do Prof. Dr. António Graça de Abreu - 01 a 12 Setembro 2024 (**)
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sábado, 30 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25321: Os nossos seres, saberes e lazeres (621): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (148): Em Arraiolos, o dia era de greve, por ali se cirandou entre casas de alvura e azul, os belos tapetes e as ruínas do castelo (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Novembro de 2023:

Queridos amigos,
Tratava-se de uma excursão para seniores organizada pelos serviços de ação sociais da administração pública, o primeiro destino era Arraiolos, anteviam-se mundos e fundos, desde tapetes, espaço museológico, igrejas, passeio pelo centro histórico, e inevitavelmente uma subida ao castelo. Era dia de greve da função pública, os visitantes ficaram por conta própria, a ver Arraiolos por fora. Cada um por si, e de vez em quando lá nos íamos encontrando rua acima rua abaixo, como adoro a tapeçaria de Arraiolos, não me fez mossa nenhuma andar a bisbilhotar pelas lojas, a contemplar as fachadas, o asseio é irrepreensível, há muita casa recuperada e muita casa abandonada, o estado do castelo magoou-me, conhecia as fotografias turísticas, há ali sérios indícios de poder haver derrocada. Agora, está na hora de partir para o segundo e último destino do programa, o Museu Agrícola da Atalaia, no Montijo, o guia informa que há um espaço valioso de recuperação da memória da agricultura da região em Tinta Nova da Atalaia, tem museu desde 2009. Para lá vamos, e depois haverá uma visita breve ao santuário, tudo acabará quando o autocarro nos despejar em Sete Rios.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (148): Em Arraiolos, o dia era de greve, por ali se cirandou entre casas de alvura e azul, os belos tapetes e as ruínas do castelo

Mário Beja Santos

Em 27 de outubro de 2023, parti em autocarro de excursão, o primeiro destino era Arraiolos. Chegados à vila, confirmou-se que era dia de greve, os edifícios que estava previsto visitar encerrados, logo o Centro Interpretativo do Tapete de Arraiolos. Nesse dia abria as portas ao público uma mostra gastronómica, um festival de empadas e a feira de tapetes, aí essa hora estaríamos noutro destino. Bem procurei numa papelaria comprar uma publicação que me ajudasse a ver por fora o que não poderia ver por dentro, que não, isso de livros e brochuras era no Centro de Interpretação, mesmo bilhetes postais da Pousada, da Igreja da Misericórdia ou do Solar da Sempre Noiva, era ali que poderia adquirir. Felizmente tirara notas de enciclopédias, o suficiente para saber que fora D. João I a doar Arraiolos a D. Nuno Álvares Pereira, conde de terra e Condestável de Portugal. Esperava ver a Igreja da Misericórdia e a sua riqueza azulejar, ficará para a próxima. Aqui vos deixo a fachada do Centro Interpretativo, de grande beleza e o pelourinho, monumento nacional.

Entrada do Centro Interpretativo
O pelourinho de Arraiolos e a fachada do Centro Interpretativo

Procurei esmiuçar alguns dados do passado, consultei a enciclopédia Verbo, são dados publicados em 1964, ao tempo o concelho tinha uma população total residente que se aproximava dos 13 mil habitantes, fábricas de moagem, de telha, de tapetes (muito florescente nos séculos XVII e XVIII), lagares de azeite e a importante indústria de carnes. A vila já existia nos começos do século XIII; a enciclopédia recomenda a visita à Igreja da Misericórdia, ao hospital com portal manuelino, ao pelourinho, coluna torcida em mármore de Estremoz erguido em 1634. O castelo foi mandado construir por D. Dinis em 1310, possui portas ogivais.

A alteração de programa justifica que se vá farejar a rica tapeçaria de Arraiolos, bem documentada a partir da primeira metade do século XVIII. Por mera curiosidade, respigo o que Calvet de Magalhães escreve sobre estes tão prodigiosos tapetes: “São bordados a fios contados de lã de diversas cores sobre tela de linho, de grossaria, estopa ou canhamaço, que as tecedeiras locais teciam, sendo as lãs tosquiadas, lavadas, cardadas, tintas e fiadas pelas próprias bordadeiras. Os tapetes são executados com ponto cruzado, de forma a atapetar inteiramente o fundo do campo e a barra, conhecido pelo ‘ponto de Arraiolos’ e que noutras regiões do mundo é conhecido pelo ‘ponto entrançado eslavo’ e ‘ponto grego’. Os motivos dos tapetes são persas e, como arte popular que é, inspira-se no solo, utilizando como base os seus objetivos mais comuns, tais como pássaros, árvores, figuras humanas, etc. A composição consta de um centro, campo e bordadura. O campo é, geralmente, preenchido ou por duas albarradas ou ramos enfolhados dispostos simetricamente em relação às cabeceiras; o campo é decorado considerando-se que é ilimitado e decorado por motivos soltos alternados ou repetidos; a bordadura é cheia com linha ou linhas sinuosas ou ainda quebradas, decorados com elementos florais ou elementos geométricos, enchendo os espaços que linhas sinuosas em ziguezague, percorrendo a bordadura, deixam livres, com repetições ou alternâncias ornamentais de motivos geométricos.” Vamos então visitar onde se fazem tapetes e mostrá-los.

Tapeceira em atividade, as visitantes não escondem o seu pasmo por ver nascer tanta beleza
Dois motivos ornamentais distintos
É a alvura da caiação, o azul cintilante, a limpeza irrepreensível das ruas, que logo prendem o olhar, sabe-se rapidamente que se está perante uma premissa maior da cultura alentejana.
O que nos faz deter diante desta fachada é o respeito pela coisa antiga, nada de tapar as memórias do passado, seja ao nível dos rés-do-chão seja do primeiro andar, fazem-se obras mas não se esconde a elegância dos arcos, das colunas e das suas bases, assim se respeita a memória de quem teceu tão elegantes elementos.
Este castelo mandado fazer por D. Dinis, no início do século XIV, é motivo de preocupação, são mais do que evidentes os sinais de ruína, e, no entanto, é muito gracioso no seu ponto alto, nas suas muralhas quase circulares, no seu Paço onde chegou a viver D. Nuno Álvares Pereira, carece de intervenção urgente, há mesmo panos na muralha que podem dar origem a acidentes, era bom que trouxessem aqui o Sr. Ministro da Cultura, este monumento nacional merecia melhor sorte.
Consta de uma inscrição o seguinte acerca das muralhas e da história do castelo: “O recinto amuralhado de Arraiolos, construído sob responsabilidade de João Simão entre 1306 e cerca de 1310, tem planta quase circular, aproveitando a forma muito regular da colina. Nele abrem-se duas portas: a da Vila (destruída), junto à Torre de Menagem, e a de Santarém. Várias vezes restaurado, a última das quais em 1944, nele se conservam a Torre do Relógio da época manuelina e o adarve, quase todo circulável, permitindo ao visitante desfrutar de uma vastíssima paisagem envolvente.”
Retenho agora o que diz outra legenda sobre o Castelo-Paço: “Erguida na mesma época da muralha, tem planta retangular com torres angulares de defesa. Além da Torre de Menagem, faziam parte deste antigo castelo-paço os aposentos do alcaide, a casa da guarda e o pátio de armas. Todas as construções interiores estão hoje reduzidas aos alicerces. D. Nuno Álvares Pereira, segundo Conde de Arraiolos, fronteiro-mor do Alentejo e Condestável de Portugal, passou neste Paço largas temporadas.”
Igreja do Salvador no Castelo de Arraiolos
Uma vista das planícies alentejanas da muralha do castelo
Era impossível ficar indiferente à postura do cão. Estava dentro da sua alcofa, neste estranho ambiente do que terá sido uma loja, ele vive num estado circundado por um biombo, deverão achar graça os donos a tê-lo em exibição. Saltou da alcofa e pôs-se a jeito para a fotografia, olhou bem para a câmara, é cão com pedigree, tenho a certeza.
Prestes a partir para novo destino, desta vez a Atalaia do Montijo, rendi-me a esta linha tão aprumada do casario em azul e branco, as suas varandas, o seu toque antigo, e, como sempre, a limpeza dos arruamentos, inexcedível.
E despeço-me com o monumento ao pintor mais conceituado de Arraiolos, Dordio Gomes, conhece-o bem, o meu padrinho tinha um óleo de cavalos na sala de jantar, era um regalo para a vista, e quando fui trabalhar para o Ministério do Comércio Interno, numa ampla sala onde no passado funcionara o Conselho da Agricultura, as paredes estavam pejadas de quadros seus. Aqui relembro Dordio Gomes, distintíssimo artista. Aqui finda a viagem a Arraiolos, partimos para a região do Montijo.
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Nota do editor

Último post da série de 23 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25300: Os nossos seres, saberes e lazeres (620): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (147): Com que satisfação regressei à Princesa do Alentejo, uma incompreensível ausência de décadas (7) (Mário Beja Santos)