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sábado, 4 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27285: Os nossos seres, saberes e lazeres (703): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (224): O espetacular balneário romano de São Pedro do Sul - 3 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Agosto de 2025:

Queridos amigos,
Não posso encobrir a deceção sentida, esta região do Vale de Vouga merecia pelo menos mais dois dias de permanência, mas hoje o viajante não pode sair espontaneamente de casa, corre o sério risco de não encontrar dormida a preços aceitáveis, isto para justificar que é forçoso desenhar a viagem, marcando antecipadamente os locais onde se fica. Mas como diz José Saramago, a viagem nunca acaba, haja saúde para aqui se voltar ao Vale do Vouga e aos seus enormíssimos encantos. Sinto-me feliz por talvez informar potenciais viandantes destas ruínas do Balneário Romano de S. Pedro do Sul, descobri que estivera aqui em 2018, ainda se procedia a esta grande intervenção ao monumento nacional, classificado em 1938. Dentro da nossa habitual polivalência, nós que somos peritos em transformar conventos em hospitais, conservatórias, tribunais e muito mais, deu-se vida ao Balneário Romano fazendo dele escola de instrução primária. Deixa-se ao leitor mais interessado a menção de dois sites com explicações arqueológicas e fotografias de grande beleza.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (224):
O espetacular balneário romano de São Pedro do Sul - 3


Mário Beja Santos

Prometo a mim próprio que hei de voltar em breve, este Vale do Vouga tem muito para contar, saio da região sem ter contemplado o Solar dos Malafaias, a Capela de S. Martinho do Banho, não fiz a ecopista do Vouga, desde a antiga linha de caminho de ferro e percorrer as suas admiráveis pontes, nem subir à Serra da Freita, não visitei aquelas aldeias que têm centenárias Capelas de S. Macário, enfim, a gente desenha itinerários, marca lugares para dormir e descobre, com profunda deceção, que se fez uma visita de médico (salvo seja).

Apostou-se numa visita guiada às ruínas do Balneário Romano e Piscina D. Afonso Henriques, visita de truz, pela categoria do guia, Dr. Nuno Cardoso, ele tomou rapidamente conta do grupo, falou-nos do Castro do Banho, das diferentes construções do Balneário, no século I d. C., nos últimos trabalhos de requalificação, bem como em expedições anteriores, a arqueologia deixou a descoberto: moedas, cerâmicas, fíbulas, lápides epigrafadas, canalizações, piscinas, pavimentos, alicerces, paredes, etc. Este local beneficiou do foral atribuído por D. Afonso Henriques à povoação do Banho (1152), foi assim que nasceu a designação “Piscina D. Afonso Henriques”, conjunto de edificações do século XII assentes em estruturas romanas pré-existentes, o primeiro rei de Portugal frequentou aqui os banhos, estabeleceu paço real na povoação do Banho. Há igualmente vestígios arquitetónicos do período de D. Dinis e dos primeiros reis da dinastia de Avis. D. Manuel I concedeu foral novo às já então chamadas Caldas de Lafões (1515) e abonou fundos para que se convertesse o velho edifício termal em Real Hospital das Caldas de Lafões.

O que aqui estou a escrever vem mencionado no folheto que me entregaram à entrada da visita, onde também se referem as sucessivas modificações do edifício onde até não faltou a intervenção do rei D. Luís, a rainha D. Amélia também aqui realizou tratamentos. Habituados como estamos à polivalência, o Balneário também serviu de instalações para a instrução primária e depósito de materiais.

No século XX fizeram-se escavações que revelaram espólio. Conseguiu-se financiamento comunitário para concretizar a vontade de fazer da área arqueológica do Balneário Romano um monumento vivo. A maior obra cultural e patrimonial da região foi inaugurada em agosto de 2019 e é monumento nacional desde 1938.

A entrada do Balneário onde se vê claramente a integração do novo na construção antiga. É bem interessante a adequada conjugação entre a porta nova e a porta romana. O leitor tem à sua disposição na internet um trabalho explicativo sobre a cronologia do edifício, intitulado As Termas Romanas de S. Pedro do Sul – Uma Proposta de Revisão Cronológica, https://ojs.letras.up.pt/index.php/Port/article/view/13473/12161.

Deste trabalho pode-se reter a atividade arqueológica a partir do achado de colunas romanas, a descoberta de uma grande piscina exterior e de um conjunto de estruturas que se estendiam até à Capela de S. Martinho. Os autores explicam os primeiros edifícios, os achados das escavações que ocorreram entre 2017 e 2019, as sucessivas épocas romanas em que decorreram as duas primeiras construções e as alterações ocorridas até ao século XX, foi aqui instalada a escola primária com cantina em 1931, e aqui funcionou até 1954. Também os autores se referem ao achado dos alicerces da igreja pré-românica, construída nos finais do século IX – início do século X, sobre as antigas construções romanas.

Resultou bem esta intervenção arqueológica do aproveitamento do que havia das velhas colunas
Piscina interior do edifício após a conclusão dos trabalhos de restauro
Inscrição romana
Uma belíssima porta medieval, vê-se ao fundo a piscina e ligações aquíferas
Pormenor da ligação a culminar na cabeça de um animal
Toda a cobertura é obra da intervenção recentemente efetuada
Outro ângulo da piscina
Vemos uma porta, mas também o traçado de uma outra que já lá esteve, todas aquelas perfurações na parede aludem a um compartimento que a recente intervenção fez desaparecer, suponho que tudo se encontraria em rápida degradação quando acabou a escola de instrução primária.
Aqui se pode ver a verdadeira altura do edifício
Marcas de balneário que sofreu profundas alterações, toda aquela azulejaria é bastante recente
Em jeito de despedida, sugere-se ao leitor que pesquise o sugestivo acervo de imagens do Balneário Romano, elaborado pelo investigador João Mendes Ribeiro https://www.archdaily.com.br/br/1019797/termas-romanas-de-sao-pedro-do-sul-joao-mendes-ribeiro
É muito bela esta imagem sobre o Rio Vouga. Enquanto se fazia a visita guiada, teve-se a informação que Katerina Kabakli daria um concerto de cravo bem temperado com música barroca nas instalações do Balneário, foi um final de tarde maravilhoso. Amanhã de manhã partiremos para um determinado ponto do sul da Galiza.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 27 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27260: Os nossos seres, saberes e lazeres (702): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (223): Primeiro a Lousã, segue-se São Pedro do Sul - 2 (Mário Beja Santos)

sábado, 27 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27260: Os nossos seres, saberes e lazeres (702): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (223): Primeiro a Lousã, segue-se São Pedro do Sul - 2 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Agosto de 2025:

Queridos amigos,
A Lousã tem boas casas brasonadas, belas pedras de armas, já se visitou esta bela vila muitas vezes, foi polo industrial, fabricou bons têxteis, no seu património consta uma antiquíssima fábrica de papel. Desta vez preencheu-se uma lacuna, conhecer o Casal da Lagartixa, casa do Mestre Carlos Reis na Lousã, muito trabalhou ele aqui nos finais da década de 1910 e por toda a década de 1920, a casa está bem conservada, guarda a atmosfera do tempo, tem para mim muito mais ganharia se houvesse um espaço com boas reproduções de obras que este magnífico pintor produziu na Lousã. Com a promessa de regressar, segue-se para São Pedro do Sul, outro recanto já conhecido, mas a que se regressa de braços abertos, era enorme a curiosidade para visitar as ruínas do balneário romano que tiveram em tempos recentes obras de requalificação. Notam-se diferenças, as margens do Vouga estão ainda mais esplendentes, os caminhos melhorados. Hoje passeia-se por aqui levados pela curiosidade de ver as mudanças, e confirma-se que elas existem. Amanhã se irá visitar a preceito o balneário romano, creio que nenhum leitor ficará insensível à hipótese de poder vir conhecer ou reconhecer tão augusto lugar.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (223):
Primeiro a Lousã, segue-se São Pedro do Sul - 2


Mário Beja Santos

Segundo dia de viagem, neste momento já sigo bem municiado de documentação, o Dr. Vítor, da Biblioteca Municipal da Lousã, foi generoso, levo uns bons quilos de literatura histórica, aqui vim pedir autorização para visitar o Casal da Lagartixa, residência do pintor Carlos Reis, uma das figuras de topo do naturalismo português, professor da Academia das Belas Artes, diretor de dois museus nacionais e um devoto das belezas paisagísticas da Lousã. A Carlos Reis se deve o espetacular quadro intitulado A Lenda de Arunce, que se pode visitar no salão nobre dos Paços do Concelho da Lousã. O pintor envolveu-se na execução de carpetes, como conselheiro de Arte, terá um papel na execução da torre da Igreja Matriz, é dele o projeto de um coreto no que é hoje a Alameda Carlos Reis. E, inequivocamente, deu parecer à construção do que é hoje o edifício das Paços do Concelho.

Carlos Reis tinha aqui ateliê e construiu a sua casa, a que denominou por Casal da Lagartixa, a Lousã aparece em grande parte das suas obras criadas entre 1919 e 1938. Os críticos diziam que o artista era um mágico da cor, como se pode verificar nos cambiantes da paisagem lousanense.

O mestre visitou pela primeira vez a Lousã em 1913, foi idílio instantâneo. Nas primeiras visitas albergava-se nas instalações hoteleiras, no fim da década de 1920, perto do seu ateliê construiu o Casal da Lagartixa, posicionada no meio de uma encosta na freguesia de Lousã e Vilarinho. Sobre Carlos Reis e a Lousã, escreveu Maria Emília Mexia Santos:
“Nas suas longas temporadas no Casal da Lagartixa, Carlos Reis, familiarizou-se totalmente com a terra que o conquistara. Não olhava às paisagens da sua janela. Saía de casa, dispersava-se pelos campos, fixando a rudeza das árvores, o ingénuo encanto dos carros de bois. Ia até ao povo, dissecava-o, procurando nele os seus mais curiosos aspetos. Não ficou indiferente à beleza cheia de mistério da lenda sobre a fundação da Lousã e dedicou-lhe um quadro magnífico, que foi a sua última tela. Tornou-se uma figura querida da Lousã. Todos pousavam para os seus quadros de bom grado. O mestre conhecia as raparigas mais lindas, as velhinhas mais doces, os homens mais expressivos.”
Vamos então visitar o Casal da Lagartixa.


A Lenda do Rei Arunce e da Princesa Peralta, quadro de Carlos Reis na Câmara Municipal da Lousã
Fotografia de Carlos Reis quando acabava de pintar a Lenda do Rei Arunce e da Princesa Peralta, Casal da Lagartixa, Lousã
Autorretrato de Carlos Reis, Casal da Lagartixa, Lousã
Sala de jantar do Casal da Lagartixa, Lousã
Azulejos com lagartixas, Casal da Lagartixa, Lousã
Exterior do Casal da Lagartixa, Lousã

Finda por ora a visita à tão amada Lousã, caminha-se para o Vale do Vouga, o fito é permanecer em São Pedro do Sul, que tem muito que ver, a estância termal, rico património arqueológico, ponte, capelas, solares e o seu inexcedível património romano, e nas redondezas não faltam aldeias típicas, e até os Cantares de Manhouce, de uma grande riqueza etnográfica e musical.

Arruma-se a viatura e começa a deambulação, logo o Palace, uma imponência hoteleira gerida pelo INATEL, vai-se caminhando, passa-se junto da Capela de São Martinho do Banho (no passado a localidade tinha o seu nome associado a Lafões e a Banho), cuja fundação recua ao século X, arquitetura pré-românica, mais adiante estão as termas romanas, construção do século I d.C., com requalificação no século seguinte, por aqui andou o nosso primeiro Rei à procura de alívio depois da queda aparatosa em Badajoz, onde se fraturou.

Prossegue a caminhada até aos balneários termais, o novo e o mais antigo, dá-se uma olhadela ao Núcleo Museológico Velho Balneário, passa-se a ponte das termas, que já foi importante ramal viário romano, ligava a via Viseu-Porto à via Viseu-Águeda, o tabuleiro assente em seis árvores, não se mencionou desenvolvidamente as melhorias de que foram objeto as ruínas do balneário romano e piscina D. Afonso Henriques, fica para o texto seguinte.

Depositam-se os trastes num alojamento em São Pedro do Sul, a escassos quilómetros da estância termal, passeia-se à volta do Vouga, houve a sorte de fazer esta viagem antes da canícula, desfruta-se a temperatura amena e os bons ares e suspira-se pela hora de amesendar, sabe-se lá se uma vitela de Lafões…


Pormenor da fachada do Palace Hotel em São Pedro do Sul
Pormenor da ala esquerda do Palace
Pormenor da sala de jantar do Palace
O rio Vouga em São Pedro do Sul, com a vetusta ponte ao fundo
Nunca me fora dado a ver uma bizarria destas em fachada de hotel, uma imponente girafa com um candeeiro na boca, tem aparato e chama a atenção, será esse o objetivo da empresa
Imagem antiga do que seriam os banhos em São Pedro do Sul
Imagem do Núcleo Museológico do Balneário Rainha Dona Amélia

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 20 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27234: Os nossos seres, saberes e lazeres (701): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (222): Primeiro a Lousã, segue-se São Pedro do Sul - 1 (Mário Beja Santos)

sábado, 11 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26378: Os nossos seres, saberes e lazeres (662): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (187): From Southeast to the North of England; and back to London (6) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Setembro de 2024:

Queridos amigos,
Se a memória não me atraiçoa, a primeira vez que por aqui passarinhei chovia a cântaros, bátegas ininterruptas, felizmente que se trouxera farnel onde não faltava o obrigatório termo com chá bem quentinho, scones e fruta. Reduziu-se a visita às termas romanas, jurei a mim mesmo que quando houvesse uma oportunidade, uma promessa de céu aberto, aqui regressaria para uma visita mais espraiada. Tem-se sorte quando se viaja em grupo com gente cordata com quem é possível previamente delinear a itinerância, correu tudo muitíssimo bem para o tempo disponível, não desmerecendo nas chamadas visitas de médico viu-se por fora o que justificadamente se devia ver por dentro, e razão tinha a menina do turismo em propôr uma visita de 3 dias. Fica para a próxima, como diz o outro a viagem nunca acaba, quem pode acabar é o viajante no limite da idade ou por falta de curiosidade.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (187):
From Southeast to the North of England; and back to London – 6


Mário Beja Santos

Pouco mais de 80 km separa Faringdon, no condado de Oxford, de Bath, no Somerset, uma viagem com muitos prados, florestas e pequenas povoações. Aonde quer que chegue, a primeira preocupação é pedir a papelada turística, não que desconfie do Michelin, mas há eventos que possam suscitar interesse. Fiquei de beiço caído em frente do teatro Ustinov (presumo que o nome é uma homenagem ao grande ator Peter Ustinov), anunciava num cartaz uma das mais belas peças para barítono ou tenor com acompanhamento de piano, de Schubert, Viagem de Inverno, para meu desconsolo não era espetáculo para aquele dia. A menina do turismo, sem mais nem menos, depois de me dar as boas-vindas, sugeriu uma estadia de 3 dias, não se esqueça dos belos edifícios georgianos, não se esqueça que há um belo museu maçónico, impõe-se uma visita ao teatro real, não é só a cidade e os seus monumentos, experimente fazer a viagem no velho comboio no vale do rio Avon, experimente ir a Chippenhaim, também tem muito para ver… Não me descosi, agradeci a lembrança, de papelada na mão avancei para o centro, não é a primeira vez que venho a Bath, é cidade opulenta, a igreja abacial é mais bela por fora do que por dentro, a estrutura do Circus e do Royal Crescent é de cortar o fôlego, Património da Humanidade, as termas, provenientes da presença romana na Britânia, deixam qualquer um de nós impressionado, tal como os jardins dentro e circundando Bath, não esquecendo que se pode à volta da maravilhosa Pulteney Bridge. Como o tempo é escasso, nem pensar em visitar o interior dos espaços onde viveram Mary Shelley, a autora do livro Frankenstein, e Jane Austen. E procuro não perder mais tempo em divagações inúteis, amanhã tudo mudará, serão 2 dias completos em Londres, mas agora quero viver o presente, Bath é mais do que aprazível.

Teatro Ustinov, fiquei de monco caído, Wintereisse, de Schubert, não é para hoje
Bath Abbey, uma referência do gótico inglês, uma torre impressionante, há que subir 212 degraus, ali se pode ver a cidade por toda a volta
Na mesma rua, o acesso às termas romanas, multidões para entrar
Bem procurei o nome desta belíssima peça que ornamenta a praça, contígua à catedral, não encontrei, fico-me pela boa impressão do labor desta pedra
Um pormenor da Bath Abbey, deixei-me levar pela imaginação de que aquela torre gigantesca chegava às nuvens
Bath é local de vilegiatura para gente endinheirada, disposta a pagar conforto em hotéis de indiscutível imponência. Este é um exemplo entre muitos
Aqui me deixei ficar especado em Pulteney Bridge, há todas as razões e mais uma para que quem aqui arriba queira demorar o olhar na ponte e no rio, ocorreu-me pensar em algo que tem as suas parecenças, a Ponte Vecchio, a mais famosa de Florença, enfim, não passou de uma reminiscência, talvez descabelada
Aqui vos deixo a prova provada sobre a beleza destes jardins, bem sugeriu a menina do turismo que não seria fastidioso um programa de 3 dias para desfrutar de tanta beleza
A grandiosidade arquitetónica de Bath, reside em primeiro lugar nesta pedra amarelada, utilizada em dois espaços icónicos, primeiro o Circus, de que se mostra um pormenor, é uma praça circular com quatro quarteirões simétricos, as casas alinhadas, tudo estilo georgiano, em curvas e contracurvas, é um prazer aqui circundar antes de subir para um outro espaço icónico, o Royal Crescent.
Estas árvores gigantescas davam uma sombra agradável naquele princípio de tarde tão ensolarado
É a marca mais opulenta de Bath, por isso tentei reter a enormidade do espaço em quatro imagens, a UNESCO foi sensível a este conjunto de arquitetónico que abrange o Circus, o Royal Crescent e a Pulteney Bridge, está tudo no reconhecimento de Património da Humanidade e, separadamente, as termas romanas
Já estou a contar os minutos sobrantes, é a fachada da casa de Mary Shelley, a criadora de Frankenstein, dizem-me que vale a pena visitar a casa para conhecer melhor o génio desta mulher
Não sei se se justifica fazer um comentário ao talentoso aproveitamento de uma cabine telefónica que alguém com engenho e arte transformou em radioso mobiliário urbano
E despeço-me de Bath frente à casa onde viveu Jane Austen entre 1801 a 1808, creio que escreveu aqui duas das suas obras, visitar o seu centro permite uma imersão no génio desta escritora do período da Regência. Bath recorda-a graças ao festival Jane Austen, que se realiza em setembro. Agora é regressar à base e pela manhazinha cedo encaminhar-me para Londres, aceitando todos os imprevistos que a antiga capital do império britânico oferece.

(continua)

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Nota do editor

Vd. post de 28 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26321: Os nossos seres, saberes e lazeres (660): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (185): From Southeast to the North of England; and back to London (5) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 4 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26346: Os nossos seres, saberes e lazeres (661): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (186): O que é próprio do traço vivo é ser justo e trair. Trai o que desconhece (Júlio Pomar dixit) (Mário Beja Santos)

domingo, 15 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26268: Timor Leste: passado e presente (29): Uma viagem de mais de um mês de Lisboa a Díli, no N/M holandês Sibajac, em agosto/setembro de 1936 (Cacilda dos Santos Oliveira Liberato, "Quando Timor foi notícia: memórias", Braga, Pax, 1972)



N/M Sibajak > Navio de passageiros que fazia a carreira das Índias Orientais Holandesas (Roterdão - Batavia, hoje Jacarta). Teve uma longa vida (1928-1959) (durante a guerra foi convertido em navio de transporte de tropas). Com 154,4 metros de comprimento, o seu nº de passageiros (em 3 classes) era 527. Tripulação: 209. Fonte: Wikimedia Commons (com a devida vénia)


Timor (c. 1936-1940), porto-cais de Díli 

Foto do Arquivo de História Social > Álbum Fontoura. Imagem do domínio público, de acordo com a Wikimedia Commons. Editadas por blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)



Capa do livro "Quando Timor foi Notícia: Memórias", de Cacilda dos Santos Liberato (Braga, Editora Pax, 1972, 208 pp.). Encontrei um exemplar na Biblioteca Municipal da Lourinhã. Já o li de um fôlego. Tem um prefácio patrioteiro, propagandístico, algo despudorado e completamente datado,  do escritor  António de Seves Alves Martins: 

"Estar, agora, Portugal  vitoriosamente em armas, como vitoriosamente esteve em paz na segunda grande guerra, dá plena atualidade a este livro bem revelador da força moral de um povo que não abdica dos seus direitos porque também não se demite dos seus deveres" (pág. 12).

Cacilda foi uma "mãe coragem: viúva de Júlio Gouveia Leite, secretário da administração de Aileu (vítima do massacre de Aileu, em 1/10/1942) (*), irá casar depois com o tenente António Oliveira Liberato, também ele viúvo, na "zona de proteção" de  Liquiçá em 1943 (nome eufemístico dado pelos nipónico para  o campo de concentração dos portugueses). 

Com dois filhos pequenos, viu a morte à sua frente por diversas vezes. Publicou as suas memórias trinta anos depois (com alguns retoques, acrescente-se,  de gente erudita do regime que se quis aproveitar do seu testemunho singelo de "mãe coragem").

Estranha-se que o livro só tenha sido publicado em 1972. O manuscrito vem datado de dezembro de 1971. A autora vivia em Portalegre.

Era casada em segundas núpcias com António Oliveira Liberato, cap inf ref, ex-comandante da PSP de Portalegre, oficial da Legião Portuguesa e responsável pela censura a nível distrital. Era autor  de dois livros de memórias: "O caso de Timor" (Lisboa, Portugália Editora, s/d, c. 1946, 242 pp.) e "Os Japoneses estiveram em Timor" (Lisboa, 1951, 336 pp.). (Também dois livros, de difícil acesso, só disponíveis em alguns alfarrabistas e numa ou noutra biblioteca pública.)

1. O que é que os portugueses dos anos 30 do século passado (para mais em plena década do triunfo político das teorias racistas, e do nazismo  em particular)  pensavam do "outro" que estava lá longe, no "além-mar" das Áfricas, das Ásias, das Oceanias ? Enfim, em terras tão distantes como Timor, a 20 mil quilómetros de Lisboa, e a mais de um mês de viagem por mar ? E sobretudo as portuguesas, ainda poucas, que acompanhavam os maridos, funcionários civis ou militares destacados para funções nas colónias.

Cacilda está de "abalada para o Extremo-Oriente, rumo ao longínquo Timor " (p. 13). Estamos em agosto de 1936. Não sabemos exatamente o dia. Mas terá sido na primeira quinzena. 

O navio era holandês, e  elegante", o N/M Sibajac (p. 15).  E o dia "límpido, radioso", em Lisboa (p. 14). (Portugal não tinha um navio da marinha mercante que, nessa época, fizesse a ligação entre a metrópole e a sua colónia mais longínqua, nem havia movimento de carga e passageiros que o justificasse.)

Antes de entrar no Mediterrâneo, por Gibraltar,  o navio faz uma primeira paragem, curta, ao largo, em Tânger, "o tempo suficente para levar o correio à cidade" (p. 14).  Inevitável associar Tânger ao "drama do Infante Santo" (...) "desastre a toldar o brilho da epopeia gloriosa da nossa expansão pelas sete partidas  do Mundo" (p. 15). 

Mas há uma granada, disparada não se sabe donde, que vem rebentar "a reduzida  distância da proa" do Sibajac. Confusão, se não mesmo pânico,  a bordo. Cacilda  vem lembrar, entretanto,  que "estávamos em 1936" (...): "a guerra civil espanhola eclodira  havia apenas  um mês" (p. 16). Em boa verdade, a 17 de julho de 1936, dizem os historiadores.

A viagem até Timor vai demorar mais de um mês... Cacilda e o marido chegariam a Díli em 17 de setembro de 1936. O marido é  um médio funcionário da administração colonial,  Júlio Gouveia Leite, secretário de circunscrição,  que irá encontrar a morte, na tragédia de Aileu, em 1 de outubro de 1942 (*). Era um homem com alguma cultura literária,  acima da média, tendo inclusive sido cofundador, na colónia, de um jornal de vida efémera, em 1938, de que se publicaram três edições  (**)

O que leva esta mulher da pequena burguesia lisboeta a perseguir "o sonho que há muito tempo acalentava" (p. 13), desde as precoces leituras da sua adolescência ?  Acompanhava, desta feita,  o marido que, por "rotineiro despacho ministerial", ia ocupar um lugar do Quadro Administrativo da Província" (o livro é publicado em 1972, pelo que em 1936 a terminologia era outra: Timor era uma colónia; a autora é traída por estes pequenos pormenores, o que sugere que terá tido ajuda de "copywriter" ou revisor de texto, o próprio marido, cap inf QR António Liberato ou o filho, Henrique, que era licenciado).

E logo Timor!... Familiares e amigos em vão a quiseram dissuadir: Timor, "que horror!", Timor, "a lendária antecâmara do Inferno, terra de degredados e de febres, de biliosas e  perniciosas" (p. 14)... Advertências de "sabor resteliano" (sic) (outra referência de sabor erudito, alusiva ao "velho do Restelo", a personagem camoniana que personificava o pessimismo de alguns portugueses em relação à aventura marítima) que provocavam também dúvidas e receios no espírito desta jovem mulher, recém-casada e com já um filho pequeno.

Nada a demoveu. E lá vai ela decidida a "conhecer as fascinantes  regiões das essências e especiarias, o exotismo dos usos  e costumes das suas gentes" (p. 13).

"Demandados Gilbraltar e Marselha, lobrigadas das águas  do estreito as cidades de Régio e Messina, atingiu-se Port-Said " (p.  16).

É "o primeiro contacto com terras do Oriente". E as primeiras descobertas do "exotismo", o caleidoscópio de "toas raças", tão caro ao viajante da época, vindo da Europa, e para mais ,"supremacista".... Travessia do canal do Suez em comboio (dez navios), Mar Vermelho,, "atmosfera de fornalha" (p.17).,,

Ao fim de sete dias de viagem "sob torreira inclemente", atingem Ceilão (hoje Sri Lanka), fundeando em Colombo, a capital da ilha (p. 18). Foi ocasião para alguns portugueses e "3 missionários holandeses" meterem-se a fazer uma curta exploração da cidade, em sete "rickshaws",  puxadas por "coolies", cuja reputação nem sempre era a melhor, conforme aviso feito a bordo... 

Calcilda e o companheiro ( e seguramente o filho) quase que perdem o navio, com as voltas que o seu "coolie" deu,  alongando o passeio, mas afinal "bem intencionado", ao querer mostrar a zona mais "excêntrica" da cidade,... Tiveram de se meter numa "gazolina" (sic) para apanhar o navio já ao largo, a caminho de Malaca (p. 21).

A descrição pitoresca da viagem continua por mais três páginas: o N/M Sibajak acerca-se de Sabango (ou Sabang, na ilha de Sumatra, Indonésia), navega ao longo de ilhas e ilhotas de vegetação luxuriante, que a autora descreve como "lugar(es) paradisíaco(s)" (p. 22).

"De novo em marcha, escalámos sucessivamente, Belawan, Singapura e Batávia". Aqui terminava a viagem do navio holandês. "Três portos, três empórios, em que os navios abundavam e o tráfico era intenso" (p. 22).

Batávia era o nome então da atual "Djakarta" (sic), "uma cidade de marcado estilo colonial": "vasta e muito povoada, de ruas amplas e largos espaçosos" (...), "edifícios grandes e opulentos" (...), "avenidas alfaltadas" (...), "airosas moradias, cercadas de jardins tratados com esmero e bom gosto" (pp. 22/23). 

O  que chocou o olhar português e lisboeta da Calcilda ?... "O espetáculo vergonhoso de multidões de indígenas" (sic),  que se banhavam e lavavam a roupa em cursos de água barrenta, avermelhada, correndo junto a algumas artérias da cidade...

Apanham outro barco, o Melchior Treub, seguindo viagem até Macassar, nas Celébes, para depois embarcarm no Reisgnears que os levará a Díli. Barcos mistos, de cabotagem, que "em digressão pachorrenta" os transportam  por "aqueles mares coalhados de ilhas"...

"Entrei na baía de Díli. Ancorava-se ao largo. Pequena ponte de madeira servia de cais, onde os passageios eram conduzidos em botes e 'gazolinas'. Ali pisei a primeira vez terras de Timor, na manhã de 17 de setembro de 1936" (.p23).

E quais as primeiras impressões de Díli  (cap. II, pp. 27-29) ?

"A Capital era, naquela época, um aglomerado sem importância" (...): "o traçado dos edifícios era simples, vulgar, a tender para a uniformidade"... Exceção para "a catedral, de construção recente", destacando-se da "trivialidade do conjunto" pelas suas "linhas modernas" e pela sua "torre, apontada ao céu" (...) e "dominando o modesto burgo" que se espreguiçava "indolente, sob a densa mata de coqueiros, palmeiras e 'gondões' (imbondeiros)"... (p. 27)

O movimento era "diminuto". O comércio local era apenas alimentado pelo "magro orçamento da Província" (sic). A "população não aborígena" (sic) (p. 27) resumia-se ao funcionalismo público, civil e militar, que comia à mesa do Estado... De fora só  "meia dúzia de empregados do setor privado" e um ou outro,  raro e próspero, "plantador". 

E quem era esse funcionalismo ? De origens diversas: europeus, indianos. macaístas bem como um "elevado número de nativos"... (p.28).

"A colónia chinesa detinha o monopólio do comércio" (p. 28). Fora a firma portuguesa "Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho"  e o "indiano Wadoomahl", "as lojas e quitandas" de Díli e  do resto da ilha "pertenciam aos sorridentes filhos do Celeste Império" (p. 28).

Era no bazar do Wadoomahl que o "elemento feminino" (sic) da colónia gastava as economias com artigos importados de Macau e  Índia... "Coisas de sonho" (p. 28): "tecidos, louças, objetos de laca e obras de cânfora e de sândalo, 'bijouteries' e outros artefactos de aparato e valor"

De 3 em 3 semanas, com a chegada do "vapor holandês da carreira", a loja do indiano tornava-se local obrigatório de visita e encontro  das "senhoras da sociedade de Díli" (p. 28).

Pontos de reunião, festas, receçóes e bailes, eram os clubes Benfica e Sporting, tão rivais entre si localmente como em Lisboa.

Em Díli, Cacilda, o marido e o filho pequeno ficaram numa moradia à beira-mar (p. 29). Mudaram-se pouco depois para Lahane, onde existia o bairro do funcionalismo, a 3 km da capital, com clima mais salubre. 

Ao fim de 3 anos, com o filho Henrique de sete anos, foram para Bobonaro, sede da circunscrição de fronteira, que confinava com o Timor holandès. Voltam para Díli em abril de 1941, quando nasce o segundo filho, Rui Nuno. 

Em agosto vão para Aileu (também conhecida na época como a "vila general Carmona", sendo Baucau a "vila Salazar"...), descrita pela autora como "uma pequena vila habitada por meia dúzia de europeus, outros tantos comerciamtes chineses, alguns mestiços, e nativos evoluídos " (sic) (p. 29). Um pequeno grupo de sipaios "assegurava a guarda à tranqueira, fornecia as ordenanças,as estafetas e outro pessoal paar serviço da Administração" (p. 29). 

Dispersos pelas redondezas, alcandoradas no "cume das montanhas" (p. 30), em pequenos aglomerados viviam os "indígenas"... A "civilização" em Aileu resumia-se  âs instalaçóes da secretaria da Administração, Central telefónica, moradia do secretário, e â saída, já na estrada para Maubisse, os edifícios do Presídio e da casa chamada dos Passageiros (p. 30)... Enfermaria, armazéns, capela, e algunas vivendas isoladas completavam o quadro de Aileu.

E será justamente em Aileu que a Cacilda ouvirá a notícia do início da II Guerra Mundial (1 de setembro de  1939) na  Europa (p. 33)  e depois no Pacífico, com a entrada de novos beligerantes, o Japão e os EUA, em 7 e 8 de dezembro de 1941, respetivamente  (p. 35). 

E seria ainda em Aileu que a Cacilda e a família apanhariam as duas invasões estrangeiras do territória, a dos Aliados e depois dos "matan-bubu" (olhos inchados, a alcunha dada aos japoneses pelos timorenses) (p. 48). 

As suas memórias mais dolorosas (mas também heróicas)  são justamente da longa, cínica e cruel ocupação japonesa (de 20 de fevereiro de 1942 a  5 de setembro de 1945). (***)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 5 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25809: Timor: passado e presente (16): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte VII: As chacina de Aileu e Ainaro, em outubro de 1942... E a coragem da jovem Julieta Lopes, de 17 anos, que gritou aos assassinos, em tétum: Quétac óhò feto ò labáric! (Na guerra não se matam mulheres e crianças!)

.(**) Timor - Publicação eventual de carácter literário e científico. Díli, 1938-1939. Impresso na Imprensa Nacional de Timor. Publicação fundada por Júlio Gouveia Leite e João da Costa Freitas, e como editor João da Costa Freitas. Os colaboradores são Virgilio Castilho Duarte, Lorenço de O. Aguiar e Alberto Rodrigues Paizana. Registaram-se três exemplares. Fonte: Biblioteca Nacional de Lisboa.

In: Vicente Paulino e Lúcio Sousa - Contribuição para um roteiro da imprensa periódica de Timor-Leste (1900-2002). Veredas: Revista da Associação Internacional de Lusitanistas, nº 40, p. 166-183, jul./dez. 2023.

 (***) Vd. poste de 5 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26234: Timor Leste: passado e presente (28): O concelho de Sardoal homenageou, em 15/9/1946, um dos seus filhos, Augusto Leal de Matos e Silva (1905-1944), chefe de posto administrativo de Laga, um dos heróis da resistència aos japoneses, morto da prisão de Díli