1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Setembro de 2025:
Queridos amigos,
Não escondo que saímos da Galiza de monco caído, aquela sensação que mais uns dias de vadiagem na região nos poria o astral em cima, mas levantou-nos o ânimo saber que havia uma paragem numa belíssima cidade no Alto Tâmega, Chaves, falei da presença romana e de uma ponte chamada de Trajano, como não há outra igual em Portugal, e das fortificações, porque os flavienses tiveram muito que penar, logo o Rei de Leão que quis abocanhar este território; pelas minhas contas, não vinha a Chaves há quase meio século, com que prazer fiz a sua famosa Rua Direita, toda ela cheia de história, os vestígios medievais, barrocos, as prosperidades oitocentistas e novecentistas - e o resultado da gestão autárquica em democracia. Foi tudo a correr, pretende-se chegar a Pedrógão Grande, um estirão, ainda com luz do dia. Férias magníficas, temperaturas mais do que amenas, a canícula veio na semana seguinte. E, moral da história, vimos a Lousã, o sul da Galiza e Pedrógão Grande antes da devastação dos fogos. Amarga coincidência, findámos o roteiro desta viagem junto ao monumento das vítimas do grande incêndio do Pedrógão Grande de 2017. Nem nos passava pela cabeça que outros fogos vinham a caminho, poucas semanas depois.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (227):
Do Alto Tâmega até Pedrógão Grande, acabou-se a semana de férias – 6
Mário Beja Santos
Era ponto assente que quando regressássemos do sul da Galiza havia uma paragem na cidade de Chaves, mais do que aqui amesendar os concelebrados pastéis e bom fumeiro que a região oferece tinha saudades de regressar a Aquae Flaviae, se a memória não me falha andei por aqui nos tempos em que fiz programas de televisão, isto entre as décadas de 1970 e 1980, estava mortinho de curiosidade de ver a diferença de quase meio século. E ganhei muito com a surpresa. Arrumado o carro, seguimos para a ponte romana, concluída no tempo do Imperador Trajano, entre o fim do século I e o princípio do século II d.C. Nos preparativos da viagem, folheei umas resmas de papel sobre Chaves, recordar a história faz sempre bem. Até porque há vestígios da Pré-História, a presença romana foi muito significativa, seguiram-se suevos e godos, muçulmanos, veio a Reconquista Cristã, foi um não mais parar de acontecimentos desde que a Póvoa de Chaves surgiu por iniciativa de D. Afonso III. Num livro de Paulo Dordio intitulado Chaves e as suas Fortificações andei a ver desenhos dos tempos medievais, da vila renascentista, das estruturas de fortificação e baluartes, tudo fruto da posição de Chaves, que foi muito apetecida por Leão, que se preparou para os embates da Guerra da Restauração.
Também pedi ajuda ao Google, para saber o que havia de mais significativo para admirar: a Torre de Menagem e o que resta do Castelo, há uns panos de muralha dispersos; a Igreja Matriz; não perdera a ocasião de mirar a meio da ponte os dois documentos epigráficos que falam do tributo das gentes flavienses e dos dez povos que ajudaram na sua construção; no meio daquela informação recordei as minas de volfrâmio, as águas minerais Campilho e Vidago, lembro-me perfeitamente de as ver em cafés e restaurantes; quer no Google quer na papelada lida recordava-se os Paços do Duque de Bragança, que aqui morrera e tem túmulo o primeiro Duque, D. Afonso, no Convento de S. Francisco; recordava-se também que se deveria visitar a Igreja da Misericórdia em estilo barroco, revestida de azulejos. Ponto final, começamos a atravessar a ponte de Trajano, à cautela, numa tentativa de dar a dimensão da ponte sobre o Tâmega, tirei a imagem à distância.
É uma obra notável de engenharia com cerca de 150 metros de cumprimento. Os doze arcos visíveis são de volta perfeita e formados por enormes e robustas aduelas de granito. Há pelo menos mais seis arcos soterrados pelas construções, de um lado e do outro do rio.
Um dos dois belos exemplares epigráficos vindos de outras proveniências. Recorde-se que por aqui passava a Via de Augusto.
Igreja Matriz, de raiz medieval, desse período conservou a imponente torre, rasgada por duas sineiras; tem portal românico. As transformações que ocorreram no século XVI são particularmente visíveis nos portais. O templo estava fechado, não pude contemplar os belos painéis de azulejos, ficará para a próxima.
Igreja da Misericórdia, construída no século XVII, portanto barroca. A fachada do templo granítica, antecedida de uma escadaria também de pedra, está pormenorizada e cuidadosamente decorada por pilastras e janelas. Pelo que me foi a ler, tem o interior de uma só nave, paredes inteiramente revestidas de azulejos. A fachada posterior do edifício tem a particularidade de assentar e aproveitar o paramento externo da cerca urbana medieval.
Câmara Municipal, começou por ser palacete para residência de António de Souza Pereira Coutinho, morgado de Vilar de Perdizes. Foi adquirido pela Câmara. Do seu corpo central sobressai o portal principal, ladeado por dois óculos ovalados, e no topo o frontão triangular com brasão no tímpano, encimado por relógio. Ainda fui espreitar a entrada da Câmara, a sua imponente escadaria em granito e os azulejos azuis com cenas campestres.
Há reminiscências da Chaves medieval. Reza um dos documentos que consultei que nesse tempo a população alojava-se em edifícios estreitos com dois ou três andares, onde predominavam varandas estreitas no primeiro andar e no segundo e terceiro andar varandas suspensas. As varandas avançadas para a rua eram a forma de rentabilizar o espaço intramuros. Hoje, as ruas conservam o velho aspeto medieval, exibindo da tipologia das suas casas elementos da construção dessa época. As varandas coloridas, em madeira de castanho ou pinheiro subsistem, ainda, por toda a cidade velha.
Esta é a Torre de Menagem. Mostro-vos a informação que encontrei ali perto, achei-a bem esclarecedora, é, sem margem para dúvida, de uma grande beleza este ponto de referência do que foi o Castelo de S. Estevão.
Condicionado pelo tempo, ainda calcorreámos a Rua Direita, era inevitável ver a fachada dos Paços do Duque de Bragança e o belo pelourinho. Porquê o Duque de Bragança em Chaves? Pela simples razão de que o senhorio foi doado a Nuno Álvares Pereira que o cedeu ao genro, o Conde de Barcelos, entrando assim na Casa de Bragança.
Tenho de voltar, e com alguma presteza. Esta sede de concelho, com uma área total de cerca de 591Km2, esta cidade de Chaves que é cidade desde 1929, tem monumentos nacionais relevantes, bem me apeteceu entrar na magnificente biblioteca, mas não me podia esquecer que íamos pernoitar a Pedrógão Grande, para uma outra romagem de saudade. Logo que possa, manda a curiosidade, hei de ler qualquer coisa sobre Chaves na Guerra de Restauração e como foram os combates de Chaves entre as forças de Paiva Couceiro e as do Governo Republicano.
Agora vamos amesendar e segue-se um estirão de viagem, ala morena que se faz tarde, fechei provisoriamente o livro flaviense e já começo a recordar os anos que passei em Pedrógão Grande e Pedrógão Pequeno, temos passado férias com um tempo magnífico, a canícula vem para a semana, e era impensável imaginarmos, quando fomos contemplar o monumento desenhado por Souto Moura em homenagem aos mortos do incêndio devastador de 2017 que estava para breve uma nova tempestade de fumo em 2025.
Não vou causticar o leitor repisando imagens desta região chamada Pinhal Interior, já mostrei as belezas do Cabril, uma região que fascinou o pintor Alfredo Keil, dizem que tirou elementos para a coreografia da sua ópera A Serrana, vinha acompanhado por Giuseppe Cinatti, cenógrafo do Teatro de São Carlos, por pudor não mostro as paredes incendiadas de uma casa recuperada no meio da floresta, mas não escondo o júbilo de mostrar a praia fluvial de Mosteiro, aprazível, na memória de familiares e amigos que fizerem vilegiatura em Pedrógão Grande ou Pedrógão Pequeno, a região tem belíssimas praias fluviais, esta está na memória de todos.
Antes de partirmos para Lisboa, viemos recordar os mortos daquele abominável incêndio de 2017, perto da estrada onde tanta gente morreu ergue-se uma fonte de vida, obra traçada pelo arquiteto Souto Moura, ao fundo, como se fossem lápides, estão esculpidos os nomes dos falecidos. Ensimesmados com tal tão dolorosa recordação, entramos no carro, é o regresso a Lisboa. E na conversa começamos a idealizar a próxima viagem, fala-se muito no Planalto Mirandês, há quem alvitre o início da primavera, há para ali um parque natural, de nome Montesinho, que se cobre de tapetes de flores. Porque a viagem nunca acaba, e aqui dentro do carro estão viajantes impenitentes. Até à próxima!
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Nota do editor
Último post da série de 18 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27331: Os nossos seres, saberes e lazeres (705): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (226): Em S. Estevão de Ribas de Sil, no passeio termal de Ourense – 5 (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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