sábado, 28 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3952: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (3): No fim do mundo (Giselda Pessoa)

1. Texto da Giselda Antunes, ex-Sgrt Enf Pára-quedista (BA12, Bissalanca, Janeiro de 1972/Abril de 1974), novo membro da nossa Tabanca Grande (1): As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (3) > NO FIM DO MUNDO por Giselda Pessoa (2) Quando me sugeriram que escrevesse um texto para o blogue, onde relatasse algumas das histórias que vivi durante o meu tempo como enfermeira paraquedista, lembrei-me de folhear um dos volumes de "A Guerra de África", de José Freire Antunes, em que há um capítulo dedicado às enfermeiras paraquedistas. Nesse capítulo aparecem depoimentos de várias enfermeiras, sendo eu uma delas. Revendo o que ali está escrito, percebo que posso perfeitamente usar algumas das histórias que ali relatei; primeiro, porque muita gente desconhece aquela obra; segundo, porque posso falar do mesmo, dando-lhe agora uma melhor arrumação do que aquela que teve à época. Na verdade aquela obra é mais uma manta de retalhos, pois baseou-se na passagem ao papel de uma série de entrevistas gravadas por diversos assistentes do escritor/historiador, não tendo havido mais tarde qualquer tentativa de se melhorar os textos que daí resultaram. Ora sabemos todos que não se escreve da mesma maneira que se fala e o que dizemos num repente pode ser melhorado se tivermos possibilidade de reler o que está escrito e dar-lhe uma melhor apresentação. Posto isto, gostaria talvez de começar por temas que me marcaram na minha vida de militar, a camaradagem e a solidariedade, que sendo algo característico da vida militar, parecem ter tido ainda mais relevo no território da Guiné. Se é habitual haver um grande companheirismo entre os paraquedistas, tive a oportunidade de ver exemplos desse companheirismo junto de outros grupos na Força Aérea, fossem pilotos ou mecânicos da BA12. Também nas minhas deambulações pela Guiné - em 28 meses de comissão(*), tive a possibilidade de chegar aos sítios mais invulgares, em que afinal muitos tiveram que viver - pude testemunhar as manifestações de camaradagem e solidariedade que sempre mostraram ter para com os tripulantes dos DO-27 e AL-III que por ali passavam e particularmente para com a enfermeira que os acompanhava. Este episódio não faz afinal parte daquele livro, mas sendo algo que me tocou profundamente, deixo-o aqui. No decorrer de uma evacuação que tinha como objectivo um aquartelamento no nordeste da Guiné, o helicóptero aterrou na placa, onde embarcou o evacuado. No decorrer dessa operação, aproximou-se do AL-III um Furriel daquela unidade, o qual se me dirigiu com um pedido fora do vulgar. Explicou-me que com ele estava naquele quartel a sua mulher, sendo ela a única branca que ali vivia; e que, não vendo nenhuma branca há já muitos meses, certamente apreciaria falar comigo por uns momentos. Expliquei-lhe que o facto de transportarmos um ferido e o pouco combustível de que dispunhamos não permitia prolongar a nossa estadia ali. Mesmo assim, ele montou a sua motoreta e foi buscar a mulher, para a levar junto de nós. A espera prolongou-se por mais tempo do que aquele de que dispúnhamos, o que levou o piloto a decidir-se por descolar, com grande pena minha. Já no ar, tive a possibilidade de ver aproximar-se da placa a motoreta com o Furriel, trazendo a mulher à boleia. Ali chegados, apenas teve ela tempo para nos acenar enquanto o AL-III rodava em direcção a Bissau. Senti naquele momento um desgosto enorme por não ter podido proporcionar àquela mulher um momento de carinho e de solidariedade, de que ela tanto necessitaria; e imagino a sua frustação quando não lhe foi possível partilhar de uns momentos de proximidade com alguém que lhe recordaria outras companhias e outros ambientes deixados há muito para trás. Giselda Pessoa (*) As comissões das enfermeiras paraquedistas variavam entre seis meses e um ano, o que provocava uma constante rotação do nosso pessoal. Vá-se lá saber porquê, fui optando por prolongar a minha estadia na Guiné, muito provavelmente devido ao óptimo ambiente que ali se vivia e também por me sentir realizada no trabalho que ali desenvolvia, numa atmosfera que não deixava esconder a guerra que nos rodeava. 2. Comentário de L.G.: Giselda: O meu querido camarada, amigo e co-editor Carlos Vinhal já te deu as boas vindas em nome da nossa Tabanca Grande. Ele é, como eu costuno dizer, o nosso public relations, muito mais do que o porteiro da Tabanca. É um cavalheiro do Norte, que te tratou como devia ser, como Senhora Dona.... Mas tu sabes como são as regras: aqui, nesta caserna virtual, somos todos generais de muitas estrelas, somos todos VIP, fomos todos importantes, isto é, somos todos camaradas (um termo castrense ou militar, por excelência)... Não fazemos distinção de idade, género, posto, especialidade, arma, condição social, estatuto, estado de saúde, risco de morrer... A tua entrada não tem nada a ver com feminismo ou, muito menos, com o politicamente correcto: conquistaste por direito próprio, nos céus da Guiné, o direito de estar aqui em pleníssima igualdade com os outros camaradas, da Força Aérea, da Marinha ou do Exército... Claro que tens o privilégio de ser saudada com tiros de salva de artilharia (simbolicamente, que a pólvoar está cara e faz mal ao ambiente): és a primeira mulher militar, e ainda por cima pára-quedista, a entrar para o nosso blogue... Depois é uma mulher do Norte, corajosa, determinada e... bem disposta. Em terceiro lugar, és uma profissional de saúde, uma enfermeira (uma profissão que foi durante muito tempo estigmatizada, a ponto de o Estado Novo proibir as enfermeiras de se casarem, proibição essa, fundamentalista, que só acabou em... 1963!). Enfim, eu poderia invocar mais predicados, mas tu não precisas e eu vou-te poupar... Já percebi (até por que estive a reler o teu depoimento no livro do José Antunes Freire) que és uma excelente contadora de histórias. Esta que agora publicámos tem o mérito de revelar uma outra faceta da tua personalidade: além de enfermeira pára-quedista valente, destemida e competente, eras uma grande camarada, sensível e solidária, e uma grande portuguesa... Sei que vais surpreender-nos com outras histórias passadas no TO da Guiné, terra de paixão e de solidariedade, terra vermelha, inferno verde, labirinto de bolanhas, mangal, rios e braços de mar, céus de chumbo, que nunca mais poderás esquecer... Não podias estar impunemente 28 meses na Guiné, nos anos de brasa de 1972/74, naquela terra e naquela guerra, e chegares agora ao quilómetro 62 da tua vida e dizer: Não, por favor, não mais Guiné!... Nem já sei onde fica !). Morcões, abram alas, vai entrar uma camarada, uma grande senhora!

 ___________ 



(2) Vd. postes anteriores desta série: 



 (3) Vd. Enfermeiras Pára-Quedistas: Boina Verde e dedicação. In: José Freire Antunes: A Guerra de África, 1961-1974, Vol II. Lisboa: Círculo de Leitores. 1995. 663-684. 

 Sobre Giselda Antunes Pessoa, nascida em 1947, diz-se o seguinte: "... chegou evacuar na Guiné um ferido do PAIGC que falava francês e evacuou o piloto Miguel Pessoa, abatido por um míssil Strela. Depois casou com ele. Fez o curso de enfermagem na Escola de São João, no Porto. Tinha uma irmã que já era enfermeira pára-quedista e seguiu as suas pisadas. A Guiné era o território preferido de muitas enfermeiras" (pp. 681-682). Fez o curso de enfermeira pára-quedista entre Agosto e Outubro de 1970. Esteve uns meses em Lisboa, sendo depois colocada no Direção do Serviço de Saúde em Lourenço Marques. Fazia evacuações daqui e da Beira. Considera este tempo como tendo sido de férias... A guerra a sério foi na Guiné, uma escola também de "grande solidariedade" (p. 682).

Guiné 63/74 - P3951: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (8): Diana Andringa, jornalista e cineasta

1. Mensagem, com data de 25 do corrente, da Diana Andringa, que é uma das ainda relativamente poucas mulheres que é membro da nossa Tabanca Grande, jornalista, cineasta, realizadora (com o guineense Flora Gomes) do filme documentário As Duas Faces da Guerra (Portugal, 2007), disponível de resto em duas partes no sitío da Guerra Colonial, da A25A, em versão da RTP:

1970-01-20 • As Duas Faces da Guerra - Parte 1
1970-02-20 • As Duas Faces da Guerra - Parte 2


Luís,

Não irá sendo altura de deitares um pouco de água na fervura que vai pelo vosso blogue em relação aos jornalistas? Sabendo como é doloroso o tema em causa, parece-me que estão a ferver em pouca água.

Como bem sabes, a imagem que passarão aos vossos filhos e netos será a que quiserem que seja. A Comunicação Social não altera o conhecimento directo que cada um tem da realidade. O mais natural é que a imagem que passem seja “O meu pai (o meu avô), na juventude, teve de participar (ou participou) na guerra travada nas antigas colónia portuguesas. Foi para a guerra por que acreditava que ia defender a Pátria (ou por que foi obrigado, ou por que não teve outra hipótese). Aquilo foi muito duro! Com vinte anos corriam o risco de morrer, viam morrer camaradas, às vezes matavam outras pessoas... Quero crer que não cometeu nenhum crime de guerra, mas, às vezes, confrontada com o perigo, ou com a dor da morte de um amigo, uma pessoa faz coisas de que mais tarde se arrepende... E, afinal, o país veio depois a concluir que a guerra não tinha razão de ser, que Portugal devia ter dado a independência às colónias quando os outros deram. E se calhar, eles, os soldados, foram os que mais se alegraram com o 25 de Abril. Aliás, agora, ele até tem amigos entre os que combateu. Temos sorte, nós, em não termos um governo a mandar-nos para a guerra.”

Esta é, aliás, creio, a imagem que fazem dos combatentes a maioria dos jornalistas. Mas isso não os pode impedir de, ao falarem da guerra, referir os crimes de guerra que foram cometidos (e foram) e condenar a política seguida por Salazar e Caetano. Não o fazem, no entanto, com o intuito de ofender os combatentes. Quando criticas o facto de a caravana humanitária ter sido pouco referida nos jornais também não estás a querer atacar os jornalistas, pois não?

Quanto ao vosso sofrimento – tão referido sempre em contraponto aos trabalhos jornalísticos – é óbvio que nenhum jornalista o conta como cada um de vós gostaria de contá-lo. Seja qual for o tema sobre que se escreva, haverá sempre alguém a dizer que “não foi exactamente assim”. É por isso que o vosso blogue é tão importante.

Não tendo nenhuma procuração para falar por outros jornalistas, não posso também deixar de lembrar que já houve reportagens sobre algumas dessas viagens de antigos combatentes à Guiné. (Pessoalmente, como sabem alguns bloguistas, só por problemas de produção não acompanhei a ida de um desses grupos.) E que perguntar ao Joaquim Furtado se fez a guerra, num debate sobre a série A Guerra, é um pouco como pretender que, para escrever sobre o cancro, tem de se ter tido um, ou que não se pode escrever sobre o abandono escolar se se completou um curso universitário.

Abraço, Diana

PS - O Almeida Martins é um bom jornalista, um profissional sério – e foi, parece-me, mal interpretado.Também senti como injustas algumas das críticas quando As 2 Faces da Guerra passou na RTP. Entendi que não devia alimentar discussões. Mas agora não sei se fiz bem. (...) .

2. Comentário de L.G.:

Cara amiga: Agradeço as tuas palavras e o teu apelo à serenidade. Já recebi também o comentário do jornalista em questão, Luís Almeida Martins, um homem de resto da nossa geração e da geração do Afonso Praça (um antigo combatente, em Angola, que eu conheci e estimei, como jornalista de O Jornal). Irei publicar a resposta do Luís Almeida Martins no fim de semana, com um comentário (final) meu.

Não seria saudável prolongarmos este clima de tensão no blogue. Não creio, aliás, que o nosso blogue tenha vocação para provocar e alimentar polémicas. O nosso blogue é uma estrada, aonde afluem viajantes de diferentes tempos e lugares. É um caminho, plural, feito de muitas picadas, trilhos de floresta, rios e braços de mar. Somos um grupo de pertença, mas o nosso único denominador é a Guiné e os verdes anos que lá passámos (ou deixámos). Como tu muito bem dizes, o nosso blogue é importante por que o essencial da sua matéria-prima não são as notícias nem sequer os docuemntos, mas o vivido, as memórias, a experiência pessoal, única e intransmissível.

Somos todos pessoas civilizadas. E responsáveis. Todos reconhecemos que a emoção nem sempre é boa conselheira. E que as memórias da guerra, desta guerra, são um caixa de Pandora. Muitos dos meus camaradas que aqui escrevem não são, contudo, profissionais da palavra. Quero com isso dizer que não têm necessariamente o domínio da arte de comunicar. Tu sabes, melhor do que ninguém, que se pode ferir e até matar com as palavras (por exemplo, o assassínio de carácter). A propaganda é uma forma de comunicação. O communicare (do latim, pôr em comum) não é fácil. Nem é natural. Nem é neutro. Rio-me quando eu próprio falo, em sessões de formação, na comunicação assertiva. É a maior treta que impingimos às pessoas nas organizações. As nossas comunicações tresandam a emoção e às vezes a manipulação.

Como já tenho aqui dito e redito, nós não fazemos, no nosso blogue, nem jornalismo nem historiografia. Não competimos nem com os jornalistas nem com os historiadores. Queremos apenas contar as nossas histórias uns aos outros. E arrumá-las, por séries temáticas. O que também não é fácil...

Por isso também fazemos blogoterapia. Temos posto camaradas da Guiné a falar, em voz alta, do passado, coisa que eles não faziam há muitos, muitos anos... Não somos um comunidade terapêutica, não somos um grupo de autoajuda, nenhum de nós está doente ou em reabilitação. Mas a verdadade é que somos veteranos de guerra, quer se goste ou não do termo. Ex-combatentes, dizem outros. E esse é um traço de união. O passado que partilhámos, no teatro de operaçõeas (TO) da Guiné, é o nosso traço de união. Talvez o único, para além da circunstância da sermos concidadãos, portugueses, falantes da língua portuguesa...

Não te sei, dizer, Diana, se eu próprio e os meus camaradas fervemos em pouca água... Não é habitual. Costumamos cultivar a contenção verbal. E ainda temos o velho hábito, dado pela disciplina militar, de pôr a G3 em posição de segurança. Não puxamos facilmente pela G3. Mas não quero, ainda para mais na pele de editor deste blogue (que também sou, com o Carlos Vinhal e o Virgínio Briote), fazer um juízo de valor acerca das nossas reacções ao texto (ou melhor, ao parágrafo) do Luís Almeida Martins que, ele próprio, achou repentinas e até despropositadas. Eu aliás, alertei para o risco de se tomar a árvore pela floresta, pelo que aconselhei a leitura na íntegra do artigo. É sempre possível sermos mal interpretados. Temos, nós próprios, essa experiência no blogue.

Sou editor, mas não sou juiz. Deixei fluir a palavra, as nossas palavras, evitando apemas o anonimato, o insulto e o excesso verbal. Há comentários que estão no downstairs do blogue que eu não trarei à superfície, mas que também não vou eliminar. Excessivos ou não, foram ditados pelo calor da batalha (que, desta vez, é ou foi felizmente apenas verbal).

Deixa-me, por fim, dizer-te que não nego, bem pelo contrário, valorizo e defendo o papel do jornalismo (seja de opinião, de notícia ou de investigação). E por isso é que é tão preciosa, para mim, pelo menos (e seguramemte para todos nós), a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão.

Tu sabes a força que têm as palavras, as imagens e outros signos. A força da comunicação (social). Os jornalistas não podem, por seu turno, ficar surpreendidos, muito menos melindrados, com as reacções, às vezes aparentemente intempestivas e até injustas, dos seus leitores. São os ossos do ofício de quem escreve e publica, de quem se expõe e dá a cara...

Quando há conflito entre duas partes, o problema nunca está no A ou no B, mas na sua relação A/B. Aqui houve tão apenas um problema de comunicação. Não está em causa um jornalista, que até deve ser uma pessoa estimável e estimada. (Embora eu não o conheça pessoalmente, leio-o há anos; não nenhum novato em bicos de pé, à procura da glória e da fama). Não estão sequer em causa os jornalistas. Não vamos diabolizar ninguém, muito menos os jornalistas. Estão em causa, às vezes, os nossos processos de percepção e de comunicação. Obrigado, Diana, pela tua tentativa de ajuda na melhoraria do processo de comunicação entre todos nós, os amigos e camaradas da Guiné.
_______

Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 28 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3950: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assasinos (7): Manuel Maia, o bardo do Cantanhez

Guiné 63/74 - P3950: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assasinos (7): Manuel Maia, o bardo do Cantanhez

1. Mensagem, algo original, do Manuel Maia, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine (1972/74)

Caro Luis tive oportunidade de ler comentários de camaradas relativamente ao artigo supracitado (*), de que espreitei a parte evidenciada na caserna, e decidi também, à guiza do que tantos já fizeram, dizer de minha justiça pela forma de sextilhas...

Presumo que se trata de jornalista jovem a querer "ganhar espaço" e influenciado por gentalha que teima a apelidar-nos de maus da fita.


Se porventura achares por bem dar a conhecer ao resto do pessoal da caserna, fá-lo. Um abraço do Manuel Maia. (**).


Assente em deturpada narrativa
de escória desertora, fugitiva,
escriba da Visão, agride, insulta.
Do vilipêndio, a geração sofrida,
em nome dos que lá deram a vida
exige-lhe o pedido de desculpa.

Não fomos assassinos, mercenários,
mas antes combatentes, solidários
com povos que aprendemos a gostar.
A prova está no enorme abraço dado
entre afros e as gentes deste lado
de cada vez que encontro tem lugar...

Depois da desastrosa entrada em cena,
terá de retractar-se a estulta pena,
p´ra além do que é dever, está o direito.
Da exigência não abramos mão
pois mancha a veterana condição
e mortos mereciam mais respeito...


___________

Notas de L.G.:

(*) 27 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3947: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (6): Luís Graça, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)

(**) 20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3915: Cancioneiro do Cantanhez (1): De Cafal Balanta a Cafine, Cobumba, Chugué, Dugal, Fatim... (Manuel Maia)

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3949: Ser solidário (28): Dar Vida Sem Morrer, com a Catarina Furtado no Gabu (Torcato Mendonça)


III Congresso da Comunidade Médica de Língua Portuguesa, V Congresso Nacional do Médico Interno, XIV Congresso Macional de Medicina: Os Médicos e o Desenvolvimento Humano. O Direito à Saúde, que futuro ? > Lisboa, Centro de Congressos de Lisboa, 19-21 de Fevereiro de 2009 > Algumas imagens dos slides da Conferência “Medicina e Desenvolvimento dos povos - Objectivos do Milénio”, por Luís Gomes Sambo, médico angolano (Director Regional para África - OMS) > A Saúde é um elemento central da estratégia das Nações Unidas, End Poverty 2015 (Acabar com a Pobreza até 2015) e nos Objectivos do Desenvolvimento do Milénio > Segundo a Organização Mundial de Saúde (2006), mil e cem mulheres da Guiné-Bissau morrem, de parto, por cada 100 mil nados-vivos; 203 crianças morrem antes dos 5 anos, por cada 1000 nados-vivos (era de 280, em 1980)... (LG)

Imagens: Luís Graça (2009)



1. Mensagem de ontem, do Torcato Mendonça, Fundão (e que foi Alf Mil, CART 2339, Fá e Mansambo, 1968/69):


Espero que tenham visto as imagens dramáticas [de situações por ] que o Povo da Guiné está a passar.

Foi na RTP 1, logo a seguir ao Telejornal (*). Não há palavras, neste momento, ou, eu não tenho palavras para descrever o que vi, o que senti, o que continuo a sentir.

Aquela Gente, no meio do nada, no meio do drama ainda sorri. A mulher vai parir sem um ai, sem um lamento. Á pergunta do porquê, o médico responde:
- As mulheres são preparadas psicologicamente, é uma questão cultural.

As estradas desapareceram...Eu conheci Bafatá a Nova Lamego (Gabu), eu conheci as ruas de Bissau, o Palácio do Governador, eu conheci...paro, esfrego a cara e, agora sim, sinto uma revolta tremenda. Estou a escrever e porventura vocês viram e sentiram como eu. Vocês, tal como eu, sentem aquele Povo como nosso, no sentido de irmão, de parte de nós, do nosso passado.

Porra, porquê? Porque acontece aquilo? Ou nós sabemos...???

Por isso um contentor de toneladas, o pessoal que em solidariedade para lá foi são, para todo aquele sofrimento gota de água. Mas são heróis na solidariedade, na amizade, na dádiva.

Enquanto via o documentário, passaram-me imagens do passado, estabeleci comparações...não digo nada mais. Doi-me demasiado a cabeça e sei a causa.

Mas, apesar do que se passa no nosso País, aqueles nossos irmãos da Guiné têm que ser ajudados. Para eles, para vós, para todos os que ainda acreditam na solidariedade vai um abraço fraterno do,

Torcato
______________

Notas de L.G.:

(*) Programa "Dar Vida sem Morrer"

Origem: Portugal - 2008
Duração: 50m
Produção: Até ao Fim do Mundo
Realização: Catarina Furtado
Com: Catarina Furtado

Próximas exibições: RTP África, 2009-03-05, 21:00h

Sinopse: Catarina Furtado, embaixadora da Boa Vontade, acompanha a reconstrução de unidades hospitalares na Guiné-Bissau.

O Ministério da Saúde da Guiné-Bissau, em parceria com FNUAP - um dos principais parceiros do Ministério na área da saúde reprodutiva - implementaram um projecto que visa reforçar os Cuidados Obstétricos de Urgência nas regiões de Oio e Gabu, na Guiné-Bissau.

Uma série de 4 documentários que se centram nas regiões de Oio (196 mil habitantes) e Gabu (172 mil habitantes). Em cada programa Catarina Furtado dá a conhecer o avanço das obras, de que forma este projecto vai beneficiar as populações locais, as suas expectativas e modo de vida e os profissionais de saúde relacionados com o projecto.

Mortalidade materna, mortalidade infantil, falta de profissionais de saúde na área da obstetrícia, infra-estruturas degradadas, falta de equipamentos, de medicamentos são alguns dos temas a abordar. (**)

Fonte: RTP > Vd. vídeo de apresentação (1' 20'')

Documentários ilustram taxa de mortalidade infantil na Guiné-Bissau. Em cada mil crianças que nascem são 138 as que morrem. Um projecto conjunto da ONU e do Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento está a tentar alterar esta situação, contando com a RTP.

(**) End Poverty 2015 / Erradicar a pobreza 2015

Objectivo 1: Erradicar a pobreza extrema e a fome

Meta 1. Reduzir para metade, entre 1990 e 2015, a proporção de população cujo rendimento é inferior a um dólar por dia

Meta 2. Reduzir para metade, entre 1990 e 2015, a proporção de população afectada pela fome

Objectivo 2: Atingir o ensino primário universal

Meta 3. Garantir que, até 2015, todas as crianças, de ambos os sexos, terminem um ciclo completo de ensino primário.

Objectivo 3: Promover a igualdade de género e a capacitação das mulheres

Meta 4. Eliminar a disparidade de género no ensino primário e secundário, se possível até 2005, e em todos os níveis de ensino, o mais tardar até 2015
Objectivo 4: Reduzir a mortalidade infantil.

Meta 5. Reduzir em dois terços, entre 1990 e 2015, a taxa de mortalidade de crianças com menos de 5 anos.

Objectivo 5: Melhorar a saúde materna

Meta 6. Reduzir em três quartos, entre 1990 e 2015, a taxa de mortalidade materna.

Objectivo 6: Combater o HIV/SIDA, a malária e outras doenças

Meta 7. Até 2015, parar e começar a inverter a propagação do HIV/SIDA

Meta 8. Até 2015, parar e começar a inverter a tendência actual da incidência da malária e de outras doenças graves

Objectivo 7: Garantir a sustentabilidade ambiental

Meta 9. Integrar os princípios do desenvolvimento sustentável nas políticas e programas nacionais e inverter a actual tendência para a perda de recursos ambientais.

Meta 10. Reduzir para metade, até 2015, a percentagem de população sem acesso permanente a água potável.

Meta 11. Até 2020, melhorar significativamente a vida de pelo menos 100 milhões de habitantes de bairros degradados.

Objectivo 8: Criar uma parceria global para o desenvolvimento

Meta 12. Continuar a desenvolver um sistema comercial e financeiro multilateral aberto, baseado em regras, previsível e não discriminatório.

Meta 13. Satisfazer as necessidades especiais dos Países Menos Avançados.

Meta 14. Satisfazer as necessidades especiais dos países sem litoral e dos pequenos Estados insulares em desenvolvimento.

Meta 15. Tratar de forma integrada o problema da dívida dos países em desenvolvimento, através de medidas nacionais e internacionais, por forma a tornar a sua dívida sustentável a longo prazo.

Meta 16. Em cooperação com os países em desenvolvimento, formular e aplicar estratégias que proporcionem aos jovens trabalho condigno e produtivo.

Meta 17. Em cooperação com as empresas farmacêuticas, proporcionar o acesso a medicamentos essenciais a preços acessíveis, aos países em desenvolvimento.

Meta 18. Em cooperação com o sector privado, tornar acessíveis os benefícios das novas tecnologias, em especial das tecnologias de informação e comunicação.

Fonte: CPLP Comunidade dos Países de Lingua Portuguesa > Objectivos de Desenvolvimento do Milénio

Guiné 63/74 - P3948: FAP (14): Um dia rotineiro na Base Aérea nº 12, em Bissalanca (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav, 1972/74)

Guiné > Bissalanca > BA12 > O Ten Pilav Miguel Pessoa (1972/74). O Miguel foi o primeiro piloto de Fiat G-91 a ser abatido por um Strela (em 25 de Março de 1973, sob os céus de Guileje) (1). Efectuou mais de 400 missões no TO da Guiné. Esteve 4 meses em Lisboa, hospitalizado, a seguir à queda do seu Fiat.

Foto: © Miguel Pessoa (2009). Direitos reservados


1. Mensagem de Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav, BA12, Bissalanaca, 1972/74):

Luís: Aqui vai um texto para o blogue, se quiseres publicá-lo. Podes pensar que soa a romance barato, mas foi a maneira que arranjei de exorcisar os meus fantasmas, sem falar deles directamente...
Abraço, Miguel


2. FAP (14) > UM DIA ROTINEIRO NA BA12
por Miguel Pessoa

O mecânico acompanha-me enquanto faço a inspecção de 360º ao Fiat G-91 estacionado na placa, na BA12. Sinto a ansiedade habitual nos últimos voos. Também não admira - quando sabemos que vamos encontrar fogo de anti-aérea e possíveis Strela, é natural que fiquemos preocupados.

Como tem vindo a ser habitual, a tensão dá-me voltas ao estômago enquanto continuo a inspecção exterior ao avião. Parece que tenho vontade de vomitar mas nada sai. Tento disfarçar, que o mecânico continua ao meu lado e ninguém gosta de dar parte de fraco ao pé dos outros.

Mas os antecedentes não ajudam muito... Já fui ao charco uma vez e não gostei. E o problema é que matematicamente tenho as mesmas hipóteses que os outros de ser abatido - não me parece lá muito justo! Só voltei à Guiné há poucas semanas e a readaptação tem sido difícil; é muito penoso para mim recordar o tempo que estive sozinho no mato, depois da minha ejecção, sempre na iminência de ser apanhado à mão, por isso é natural que esteja preocupado.

Aliás, também os mecânicos andam preocupados. É grande a sua responsabilidade - o avião tem que funcionar que nem um relógio, o armamento não pode falhar, a Martin-Baker (*) tem que funcionar se tudo o resto correr mal - nenhum quer ser responsável pela perda de um piloto.

Logo hoje, que era o meu dia de folga! Bom, nesta bagunçada nada é garantido e temos que ser adaptáveis às mudanças... Mas a Esquadra foi solicitada para uma série de missões importantes que podem contribuir para diminuir o fluxo de pessoal e material que se interna na Guiné, vindos do exterior. Se resultar, poder-se-á reduzir a intensidade das flagelações aos nossos aquartelamentos; este esforço já se prolonga há dois dias e todos juntos não somos demais.

Neste momento sou o oficial mais antigo (um tenente!) a seguir ao Comandante de Esquadra, por isso, como oficial de operações (nome pomposo!) cabe-me a mim indicar os pilotos para as missões. Naturalmente, o meu nome tem que aparecer lá (o exemplo tem que começar por nós) e a folga, paciência!, fica para outro dia.

O avião está OK, o armamento pronto, como normalmente - o pessoal da linha não falha, como de costume - e eu dirijo-me para a escada para ocupar o meu lugar no cockpit - controlo um último espasmo e, enquanto subo a escada verifico, penduradas nela, as diferentes cavilhas de segurança que o mecânico retirou.

Coloco o capacete, o mecânico ajuda-me a colocar os cintos. Percorro com os olhos o check-list para confirmar que fiz todos os procedimentos correctamente antes de pôr em marcha. O chefe da formação, no avião ao meu lado, faz sinal com a mão para pormos em marcha. Primo o botão do cartucho de arranque do motor, este começa a rodar e estabiliza nas rotações normais. Executo os restantes procedimentos, acciono a descida da canopy (**) e faço sinal ao mecânico para tirar os calços das rodas.

Tudo OK! Aumento as rotações do motor para sair do estacionamento e inicio a rolagem do meu avião atrás do outro, fazendo antes um aceno de despedida ao mecânico que me deu a saída.

Toda a excitação acumulada anteriormente parece abandonar-me. Estou ali só, dentro do avião, controlando os meus medos de modo a que não interfiram com o cumprimento da missão. Temos de esquecer tudo e concentrarmo-nos totalmente no voo que temos pela frente, vigiando o espaço à nossa volta, tentando detectar alguma ameaça para o nosso ou para os outros aviões.

Finalmente estamos no ar e dirigimo-nos para o alvo definido no briefing antes do voo. Tudo corre normalmente e sinto uma estranha sensação de calma que contrasta com o nervosismo anterior. Os Tigres da Esquadra 121 estão no ar para mais uma missão de rotina nos céus da Guiné...


Miguel Pessoa
(Cor Pilav Ref)
_______

Notas do autor

(*) Cadeira de ejecção do Fiat G-91 R4

(**) Cobertura da cabina

________

Notas de L.G.:

(1) Vd. postes de:

19 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1675: 28 de Março e 5 de Abril de 1973: cinco aeronaves da FAP abatidas pelos toscos mísseis terra-ar SAM-7 Strella (Victor Barata)

25 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G91

29 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3816: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (5): Strelado nos céus de Guileje, em 25 de Março de 1973 (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav)

31 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3825: FAP (2): Em cerca de 60 Strelas disparados houve 5 baixas (António Martins de Matos)

1 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3826: FAP (3): A entrada em acção dos Strella, vista do CAOP1, Mansoa, Março-Maio de 1973 (António Graça de Abreu)

4 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3839: FAP (4): Drama, humor e... propaganda sob os céus de Tombali (Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref)

9 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3859: FAP (6): A introdução do míssil russo SAM-7 Strela no CTIG ( J. Pinto Ferreira / Miguel Pessoa)

(2) Vd. último poste da série FAP > 16 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3904: FAP (13): Nha Bolanha, o Ramos, o Jorge Caiano, o Manso, o corta-fogo do AL III, Bissalanca... (Jorge Félix)

Guiné 63/74 - P3947: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (6): Luís Graça, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)

Comentários e mensagens do Luís Graça, ex-Fur Mil Henriques, ex-jornalista, CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, Maio de de 1969/Março de 1971); foi instrutor e comandante de secção num companhia de soldados fulas; colaborou com o saudoso jornalista de O Jornal, Afonso de Praça (ex-Alf Mil, em Angola) na organização das Memórias da Guerra Colonial, no início da década de 1980; o Afonso dei-me a entender que O Jornal foi pressionado, na época, por gente do Conselho da Revolução, a fechar esta secção incómoda... De qualquer modo, foi uma louvável e pioneira inciativa daquele já extinto e saudoso semanário.

Aproveito para recordar que ficaram lá com montes de cartazes, fotografias e documentos que eu tinha cedido temporariamente para a organização de uma exposição sobre a Guerra Colonial que nunca chegou a ver a luz do dia... O Afonso morreu em 2001. A Visão é herdeira de O Jornal.

Legendas das fotos (acima):

(À esquerda) Guiné > Zona Leste > Contuboel> CCAÇ 12 > Junho de 1969 > Furriéis Levezinho e Henriques, no oásis de paz que era então Contuboel, no bem-bom da instrução de especialidade dada aos nossos queridos nharros da futura CCAÇ 12 (na altura CCAÇ 2590)... No fim da instrução, passado um meio e meio, a companhia, em farda nº 3 (!), estava a levar porrada da grossa, em Madina Xaquili... Em Contuboel, havia tempo para tudo, até para brincadeiras estúpidas ou tão inocentes como esta simulação de um catana a exercer o seu mister no delicado pescoço de um tuga... (LG)

Foto: © António Levezinho (2006). Direitos reservados

(À direita) Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Finete, regulado do Cuor > 1969: Destacamento de milícias e aldeia em autodefesa de Finete, junto ao Rio Geba. Na foto, o furriel miliciano Henriques e dois dos soldados africanos da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, do 4º Grupo de Combate, o Soldado Arvorado (mais tarde promovido a 1º cabo) José Carlos Suleimane Baldé e o Soldado Umarú Baldé, apontador de morteiro 60. Umaru, o Puto, na foto, de pé, de cachimbo: na época teria 16 ou 17 anos

Foto: © Luís Graça (2005). Direitos reservados


1. Pois é, à força de aparecerem em letra de forma, à força de serem repetidas até à exaustão, há ideias feitas, preconceitos, estereótipos, que se tornam ‘verdades’... Oficiais, oficiosas...

Além disso, é sempre abusivo fazer generalizações: terror, desespero, massacres, napalm... Só conheci o TO da Guiné, em 1969/71. E para mais, durante o consulado spinolista. Reconheço que tenho o meu bocadinho de inferno, na terra, em vida... De qualquer modo, seria abusivo, da minha parte, falar de Angola e de Moçambique, e dos seus teatros de guerra, das especifidades do terreno, da organização e da estratégia do IN... Enfim, seria abusivo pôr tudo no mesmo saco: 1961, 1971... No caso da Guiné, por exemplo, Schulz e Spínola...

É preciso contextualizar a guerra, e dar-lhe a dimensão sócio-antropológica, do quotidiano, que não vem nos relatórios, nas estatísticas, nem sequer nos arquivos, nem nos livros de história... É pena que o jornalista da Visão não tenha tido tempo, ao menos, de visitar o nosso blogue...

Sabemos do que falamos, não sei se o jornalista Luis Almeida Martins sabe do que fala... Refiro-mo à experiência de guerra, vivida, no TO da Guiné... Se calhar nem tem que saber, para falar do Spínola, que é uma figura que já faz parte da nossa história...

Tudo isto para te dizer, meu querido Vasco da Gama (o de Cumbijã, não o da Índia), que entendo e partilho a tua indignação. Mais uma razão para, parafraseando o slogan do nosso blogue, "não deixarmos que sejam os outros a contar a nossa história por nós"...

É que quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto... Neste caso, parece que nos querem tirar, não um, mas muitos pontos...

2. Reforço o que disse algures, como editor (porra, também sou gente!):

"Que imagem vamos passar aos nossos filhos e netos ? Nós fomos combatentes, não fomos assassinos!" - parece ser a reacção natural de qualquer um dos nossos camaradas que são veteranos da guerra da Guiné, e que partilham os valores consagrados no nosso blogue...

Por sinal, por ironia, por coincidência ou não, o artigo da Visão, evocativo dos 35 anos do livro do Spínola, Portugal e o Futuro, surge na mesma semana em que camaradas generosos e solidários como o António Camilo (Lagoa), o José Moreira (Coimbra) ou o Xico Allen (Matosinhos / Porto), e mais umas dezenas de outros, ex-combatentes na sua maioria da guerra colonial, seguem, por terra, em caravana, a levar ajuda humanitária a (e a matar saudades de) um povo que nós consideramos irmão...

Que me perdoem os jornalistas portugueses, mas eu não vi a grande imprensa (rádio, televisão, jornais) - com excepção de alguns jornais regionalistas, como o Diário As Beiras, de Coimbra - dedicar um bocadinho da sua preciosa atenção a esta expedição humanitária nem aos seus preparativos, aos meses e meses de trabalho, anónimo e voluntário, e que exemplifica bem o que é o melhor do povo português, o seu sentido de nobreza, compaixão, generosidade, ecumenismo e solidariedade. Andamos todos distraídos com a crise... (que é sobretudo de valores!).

PS 1 - Não posso esquecer aqui o Carlos Fortunato, o Carlos Silva e o resto da malta da Ajuda Amiga (da região de Lisboa), que seguem de avião este fim de semana, a caminho de Bissau, também em missão humanitária e turismo de saudade. Para todos eles, que são os melhores de todos nós, aqui vai um Alfa Bravo do tamanho deste pequeno grande Portugal.

Amigos e camaradas, "partam mantenhas" com aquele povo gentil que não guarda ressentimentos nem ódios do tempo em que nos combatemos uns aos outros, portugueses e guineenses contra outros guineenses (mas também contra alguns portugueses, alguns cubanos, alguns caboverdianos)...

PS 2 - Escreve-me telegraficamente o Zé Teixeira, da Tabanca de Matosinhos, ontem, às 14h59, alvoraçado:

"Mensagem do Zé Manel. 'Estamos a almoçar em Gabú. Estas pessoas são maravilhosas. Estou muito feliz'.

"Falei com ele de seguida. Está emocionado com o acolhimento de pessoas que nunca viu na vida, pois nunca esteve em Gabú. Abraço. José Teixeira"


3. Mail enviado ao Director da Visão:

Caro director da Visão:

Sou leitor, de longa data, da Visão e editor do blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné. Fui objectivamente um combatente do exército colonial português, comandei soldados fulas. Fui actor crítico e testemunha atenta. Sofri violentas emboscadas, no mato, com algumas dezenas de baixas (entre mortos e feridos graves). Tive acidentes de viação em acções militares. Voei, com a minha GMC, debaixo de uma mina anticarro. Fizémos e interrrogámos prisioneiros. Aprisionámos população civil do PAIGC...

É pena que o Luís Almeida Martins (que assinou o artigo 'Portugal e o passado' da Visão, nº 833, de 19 a 25/2/09), não tenha tempo, ao menos, de visitar, de vez em quando, o nosso blogue... Sabemos do que falamos, não sei se o jornalista sabe do que fala... Refiro-mo à experiência de guerra, vivida, no TO da Guiné, o nosso Vietname... Se calhar nem tem que saber, para falar do Spínola, que já morreu e já faz parte da nossa história... Agora o jornalista não pode confundir combatentes com assassinos.

Atenciosamente, Luís Graça


________________

Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 26 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3943: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (5): Quero exprimir a minha revolta (Fernando Franco)

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3946: Tabanca Grande (123): Ricardo Almeida Teixeira, bazuqueiro do 1.º Pelotão/CART 3494/BART 3873 (Xime e Mansambo, 1971/74)

1. Mensagem de Sousa de Castro, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74, com data de 18 de Fevereiro de 2009:

Assunto: O Ricardo Teixeira pertenceu à CART 3494

Para publicar se acharem que tem algum interesse.
Castro


2. Mensagem/resposta de LG para Sousa de Castro, com conhecimento a CV, com a mesma data:

Obrigado, camarada nº 2, o mais antigo, comigo, dos membros da nossa Tabanca Grande.

O Carlos Vinhal vai apresentar o teu amigo.
Diz ao teu amigo que já pode ver o filme da Diana Andringa e do Flora Gomes, em duas partes, através do sítio Guerra Colonial (1961-1974), alojado em endereço próprio: http://www.guerracolonial.org/.


3. O Ricardo Teixeira pertenceu ao 1.º Pelotão da CART 3494, comandado pelo Alf Mil Carneiro, Fur Mil Godinho, Fur Mil Ferreira entre outros, era o homem da Bazuca.

Curiosamente foi este Pelotão apanhado pelo macaréu, em 10 de Agosto 1972, onde desapareceram três homens.

Devido a ter espetado um prego no pé, não participou nessa Operação. Conta até uma pequena estória sobre o que lhe aconteceu (*).

É imigrante em França, enviou-me uma mensagem a pedir o filme "AS DUAS FACES DA GUERRA" já comprou os bilhetes de avião para estar presente com sua esposa, pela primeira vez, no XXIV Convívio da CART 3494, a realizar no dia 13 de Junho de 2009, em VAGOS. Encontrou-nos no blogue do Luís Graça & camaradas da Guiné.

António M. S. Castro


(*) Conta Ricardo Teixeira:

No site falavas nos que morreram no rio Geba em 10 de Agosto 1972, JOSÉ MARIA DA SILVA E SOUSA, MANUEL SALGADO ANTUNES e ABRAÃO MOREIRA ROSA.

Pois esses três homens eram do meu pelotão. (1.º Pelotão)
A esse respeito, tenho uma pequena estória a contar.

Na véspera desse acidente eu estava de serviço de limpeza ao Quartel, a certa altura a viatura já tinha muito lixo e eu subi acima para o calcar.
Azar meu, por um lado e sorte por outro, espetei um prego num pé que inchou muito, a pontos de não o poder pousar no chão.

Dia 10 vou ao médico a Bambadinca na coluna que vai a Bafatá, ao chegar ao quartel soube do acontecimento. A mando dos superiores do meu Pelotão, o José Maria da Silva e Sousa, levou a minha bazuca, o meu cinto com faca e 4 granadas de mão.
Tudo isto para dizer, que o ter espetado o prego no pé, foi a minha salvação! Se não lá tinha eu ido pró maneta. Há males que dão para bem! (eu encontro-me dentro desta situação).

Dias depois fui chamado à Secretaria para dar baixa do meu material (o que o José M. S. Sousa tinha levado). Ao mesmo tempo um dos sargentos, deu-me um pequeno pincel e uma latita de tinta, e mandou-me escrever numa mala de madeira a direcção do José Maria da Silva Sousa, SÃO TIAGO DO BOUGADO – TROFA, se a minha memória está boa, era esta a direcção do nosso camarada.

Sem mais, aqui fica o meu muito obrigado por tudo aquilo que tens feito por todos nós.

Um forte abraço do Teixeira e até breve.


3. Comentário de CV:

Caro Ricardo Teixeira, bem-vindo à nossa Tabanca Grande.
Tens a responsabilidade de ter sido apadrinhado pelo Tertuliano n.º 2 do nosso Blogue. Será que nos vais contar a tua experiência como ex-combatente da Guiné?

Sempre admirei os bazuqueiros, porque tinham de transportar uma arma demasiado grande para progredir, muitas vezes, pelo meio de densa vegetação e, quando chegava a hora de dar tiro era um problema arranjar um local minimamente aberto para fazer o disparo e que ao mesmo tempo não pusesse em causa a integridade física do apontador. Ser municiador também não era pera doce.

Cá ficamos à espera das tuas histórias. Deixo-te um abraço.
CV

__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3923: Tabanca Grande (122): João Carlos Silva, ex-Cabo Especialista da Força Aérea Portuguesa (1979/82)

Guiné 63/74 - P3945: Convívios (97): Pessoal da CCAÇ 2679, na Pérola do Atlântico no dia 2 de Maio de 2009 (José Manuel M. Dinis)

1. Mensagem de José Manuel Matos Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, (Bajocunda, 1970/71, com data de 26 de Fevereiro de 2009:

Caro Chefe, queridos editores,
Prezo-me, orgulhosamente, das atenções recebidas na Tabanca Grande, deste local de encontro onde se valorizam os homens e se cultiva a camaradagem. Com estes mesmos pressupostos, hoje divulgo a próxima festa de confraternização da CCaç 2679, que foi mobilizada no BII-19, e cumpriu deveres em Piche e Bajocunda, nos idos de 70 e 71.

Vai ser no FUNCHAL, no próximo dia 2 de Maio, em local a designar, que realizaremos o almoço de camaradagem, aberto a familiares. Depois, e durante uma semana, é nossa intenção desbravar os interstícios da ilha, por trilhos e levadas, recorrendo à mochila para carregar alguma água e alimento. Mas também seremos turistas, e abancaremos em apraziveis lugares de refeiçoar, e dançaremos à noite nas melhores e piores "boites", tudo em homenagem à amizade camarada, ao esplendor da vida que acabámos por merecer.

Mas também haverá lugar para reflexão sobre os companheiros afectados e os já desaparecidos, com quem nós, os safos, convivemos com frequência, e os que têm fé religiosa vão celebrar adequadamente.

Peço, por isso, a divulgação através da Tabanca Grande, e forneço os seguintes contactos:

Dinis - 913 673 067; Morais - 914 668 476.
Na Madeira podem contactar:
o Gonçalves de Machico; o Rodrigues, o Valentim, o Canelinhas ou o Teotónio Andrade, no Funchal.

Abraços fraternos
José Dinis
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3937: Convívios (95): Pessoal do BCAV 3846 e Companhia Independente, dia 15 de Março de 2009 em Ortigosa - Leiria (Delfim Rodrigues)

Guiné 63/74 - P3944: Bibliografia de uma guerra: Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins) (IV): Mafra e Tomar (Julho 1964/Abril 1965)


Vídeo promocional (1' 15'') da D. Quixote, editora de Braço Tatuado (2008), da autoria do nosso camarada Cristóvão Aguiar.
Cortesia da editora.

Cristóvão de Aguiar

Licenciado em Filologia Germânica pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, tem-se revelado um escritor de mérito, a avaliar pelos prémios recebidos: Ricardo Malheiros da Academia das Ciências de Lisboa, pela "Raiz Comovida"; Grande Prémio da Literatura Biográfica APE, pela "Relação de Bordo" e o Prémio Nacional Miguel Torga, pelo livro"Trasfega".

Foi agraciado em 2001 pelo senhor Presidente da República com a Ordem do Infante D. Henrique. Na sua obra contam ainda outros títulos: Ciclone de Setembro, Grito em Chamas, Passageiro em Trânsito, O Braço Tatuado, Marilha, Com Paulo Quintela À Mesa da Tertúlia, A Descoberta da Cidade e outras histórias, Emigração e Outros Temas Ilhéus, e a tradução de A Riqueza das Nações, de Adam Smith. Em 2005 foi homenageado pelos quarenta anos de vida literária pela Faculdade de Letras em conjunto com a Reitoria da Universidade de Coimbra, publicando o livro "Homenagem a Cristóvão de Aguiar - 40 anos de vida literária".


Fonte: Universidade de Coimbra > Imprensa da Universidade > Galeria de Autores > Cristóvão de Aguiar


Diário de Guerra,
de Cristóvão de Aguiar

Enviado por José Martins (ex-Fur Mil Trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70).

Revisão e fixação do texto: vb


Julho, 13, 1964

Como os instrutores nunca ministraram um curso tão comprido, não sabem que mais hão-de dar.

Andamos a re­petir o que fizemos na re­cruta. Aplicação militar, ordem unida, crosses, obstáculos, rastejar, percursos fan­tas­mas, in­s­trução nocturna, o raio.

A grande novidade é darem os instruen­dos al­gumas aulas de ginástica para irem treinando as vozes de co­mando. Hoje coube-me a mim dar a minha, na parada. O meu vozeirão chegou ao convento. Al­guns amanu­enses vieram às janelas para ver o que estava acon­te­cendo. No final da aula, o comandante de pelo­tão chamou-me e disse-me que tinha uma voz invejável. Prometeu-me que me da­ria uma boa classi­fica­ção nessa alínea.

Julho, 18

O que são as coisas! Nunca gostei de melão

Quando estava na Ilha, nem o cheiro dele podia suportar. Meu Avô Anselmo (que hoje faria anos se fosse vivo) bem que in­sistia co­migo para que experimentasse. Dizia-me que devia começar pela meloa, que era me­nos cus­toso. Qual quê! Dava-me vontade de lançar tudo quanto tinha e não tinha no estô­mago. Aqui, no refeitório da unidade, têm dado todos os dias me­lão à sobre­mesa. Ao princípio, e julgando que não insistissem muito, dava a minha parte ao camarada que se sentava ao pé de mim. Ficava sem so­bremesa, o que me deixava um buraquinho no estômago. E pus-me a pensar na minha fobia. Até que hoje re­solvi experimentar. Que tivesse o meu camarada de armas santa paciência. Provei a medo. E gostei tanto, que, em meia tarde, quando saí do quartel, fui com outros comprar melões a um lugar de fruta. Fo­mos depois comê-los para o quintal de uma tasca. Foi um fartote. E ve­nham-me cá dizer que na tropa não se aprende nada!

Agosto, 28

Terminei o meu primeiro curso.

Amanhã é a entrega das armas e ala bote para Coimbra passar umas férias até ser colocado numa Unidade para dar instrução. Durante este longo curso apanhei chuva, árvores em flor, sol de estorricar os miolos, Agosto sem cheiro sequer a mar.

Sofrimento, suor, medo, espe­ranças logo abortadas. E com umas seguras noções de como se engraxa o calçado, e se muda de farda várias vezes ao dia, e alguns conhecimentos sobre a Pátria, virtudes militares, granadas, inimigo, armas automáticas – obtive a minha carta de curso...

No fim, os homens que entraram já não eram os mesmos. Nas conversas, em casa, no café com os camaradas, saía-nos da boca uma virtude militar com o mesmo à vontade com que toda a gente se peidava na caserna. Esta foi para alguns mais aplicados, ou com o cérebro mais bem lavado, um verdadeiro campo de treino, depois da instrução do dia: passos à frente e à retaguarda, meia volta volver, continências como mandam as re­gras, vozes de comando...

Terminou hoje a primeira fase da escola de virtudes. Bebe­deiras de fictícia alegria, com a tristeza ferindo, subtil, certos gestos e sentidos, ga­lões ensopados em whisky, como manda a praxe militar... E fica a EPI de Mafra, a casa-mãe da Infantaria (Entrada para o Inferno), aguardando, na sua adiposa arquitec­tura conventual, mais magotes de jovens cadetes para tentar fa­zer deles máquinas com o pensamento estrangulado no fundo opaco do crânio. Mas muitos resistem e conti­nuam sendo jovens, embora tristes e abstractos.

Agosto, 29

Fui promovido a aspirante a ofi­cial mil­i­ciano (isto é, trouxe os galões comigo e enfiei-os, já fora de Mafra, nas platinas do dól­men), mas já sei que fui colocado no Regimento de Infantaria 15, em Tomar.

Te­nho de me apre­sen­tar em meados de Setembro, numa segunda-feira, e só então po­derei usar os ga­lões, mas hoje quis entrar em Coimbra já promovido e de facto apa­nhei algumas conti­nências pela rua. Tinha pedido para ir para o Batalhão Inde­pen­dente 18, acanto­nado na freguesia dos Arrifes, na Ilha. Não calhou.

Talvez por­que vou ser mobili­zado muito em breve. Até à minha apresenta­ção em Tomar, vou go­zar umas fé­rias nesta Coimbra de­serta. Na República não há quase nin­guém. Al­guns de férias, nas Ilhas, outros já na guerra, como o José Bretão e o Viri­ato Ma­deira, ambos na Guiné e ou­tros como eu, quase a partir. O calor é muito. De dia não se pode sair de casa. À noite, dou grandes passeios pela fresca, jun­tamente com um rapaz da Terceira, o Helder Gomes, que está a preparar-se para o exame de aptidão à Uni­versidade. É interessante conver­sar com ele. Noto que me tem muito respeito, não sei se por ser oficial do exército, se por ser terceiranista da Universi­dade e ele simples para­quedista, isto é, nem bicho nem ca­loiro, segundo a praxe académica.

Tomar, Setembro, 14

Apresentei-me ao coman­dante da uni­dade.

Den­tro de dias, vou principiar a dar uma recruta em substituição de um aspi­rante, perten­cente a um Batalhão de Caçadores com des­tino a An­gola, que se encontra de baixa. O comandante desse contingente, um tenente-coronel muito aprumado e de pinguelim, tem um ar de lunático e parece de uma tropa de outro tempo.

Enshy;contrei dois açoria­nos na unidade. O capitão Moniz e um cabo mil­ici­ano, o Pedro Jácome Correia. Três ilho­tas neste mar de terra e oliveiras. Não há ainda instalações para oficiais no quartel novo, que ainda se não acabou de construir. E no velho estão já lotadas. Tive de ar­rendar um quarto, que fica na rua da sinagoga.

Setembro, 30

O comandante do regimento mandou-me cha­mar ao gabi­nete.

Fiquei assustado. Depois de lhe ter pedido licença para en­trar, ele, depois de desfazer a continência, disse-me com bons modo:
- Soube que o nosso aspi­rante acamarada com um cabo mili­ciano e até se tratam por tu; quero infor­má-lo que tal atitude é contra o Regulamento Militar.

Nem justificando-me que se tratava de um con­ter­râ­neo e colega de Liceu, o homem se demoveu. Vem no regu­la­mento!

Dezembro, 15

A minha companhia tem o número oito­cen­tos e destina-se a Cabo Verde, Ilha do Sal.

Acho que é muita sorte para um homem só.

Coimbra, Dezembro, 22

Cheguei de Tomar em meia tarde, ainda a tempo de comprar a "Praça da Canção", que saiu ontem ou anteontem, mas que já os­ten­ta, na capa, a data de 1965.

Foi o Antero Dias quem me deu a novidade. Fui com ele jantar ao Texas da baixinha e a seguir viemos para a República, onde es­tive até al­tas horas a ouvi-lo ler em voz alta o livro do Manuel Alegre do primeiro ao úl­timo verso. Ele declama tão bem e com tamanha força expres­siva, que fiquei arre­piado por dentro e por fora. Como não houvesse mais poe­mas, principiámos de novo.

Ficámos com a sensação de que nos encontráva­mos perante uma poesia tão diferente daquela que estávamos habitua­dos, revolucionária e lírica ao mesmo tempo, com uma lingua­gem poética tão encan­tatória, que nos encheu o íntimo não sei de que energia e entu­siasmo. Dava vontade de sair por aí tocando os sinos que cada homem tem no cora­ção. É livro para ser proibido pela PIDE. Felizmente, está a edição prestes a esgo­tar-se, se­gundo me disse o livreiro. É natural que os esbirros não cheguem a tempo.

Coimbra, Dezembro, 24

Natal passado com a família cor­sária, com vinho abundante para afogar não sei que saudade im­pertinente.

Não consigo arrancá-la do pensamento. E nestes dias lem­brados ainda pior. Não sei que nome hei-de dar a este ardume que me corrói as vísceras como um ácido forte. Não, não quero sequer pensar que seja o que neste instante estou pen­sando!

Hospital Militar de Coimbra, Fevereiro, 26 de 1965

Dei entrada de urgência neste hospital.

Apendicite aguda. Fui operado ontem de manhã. Anestesia só da cin­tura para baixo. Dei conta de tudo. Depois de uma aula de aplicação mili­tar, em que pus o meu pelotão de língua de fora e completamente enlameado, como eu, que era sempre o primeiro a demonstrar o que queria que os homens fizessem, sobre­veio-me o castigo, dores de barriga insuportáveis. Vim de am­bulância de Tomar para Coimbra e aqui estou numa cama de hospital. Há pouco veio-me ver o Antero Dias.

Março, 4

Cabo enfermeiro

Como não me permitiram que saísse do hospi­tal para ir dar uma volta, chamei o cabo enfermeiro, dei-lhe uma nota de vinte escudos e disse-lhe que ia guindar o muro das traseiras. Nem esperei pela reacção dele. No fim e ao cabo, era ou não era seu superior hierárquico? E, com a breca, a ginástica de apli­ca­ção militar sempre havia de servir para alguma coisa de préstimo.

Abril, 6

Afinal, a minha companhia vai para a Guiné.

O co­man­dante recebeu hoje um rádio urgente a anunciar a mu­dança. Olhámos uns para os ou­tros como condenados à morte. Só o capitão é que aparentemente se não des­caiu. É a vida que escolheu. E eu que já tinha comprado sabonetes es­peci­ais para a água salo­bra da Ilha do Sal!
__________


Notas de vb:

Último artigo do Diário de Guerra, do Cristóvão de Aguiar em

5 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3843: Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins) (III): Mafra, Maio/Junho de 1964



Guiné 63/74 - P3943: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (5): Quero exprimir a minha revolta (Fernando Franco)

1. Mensagem do nosso camarada Fernando Franco, ex-1.º Cabo Caixeiro do Pelotão de Intendência (PIAD), Cufar, 1973/74, com data de 26 de Fevereiro de 2009:

Amigos, há muito que ando afastado de escrever algo, mas não de visitar o nosso blogue e não fosse um conselho do meu psiquiatra, que em vez de me alienar de tudo sobre a Guiné, deveria fazer o contrário, porque me ia sentir e dormir melhor, se tal me agradasse como vinha acontecendo.

Como tal aqui estou revoltado, para me juntar a tantas outras vozes indignadas, com o que se escreve sobre nós , ex-combatentes.

Falam e escrevem como tivessem, alguma vez, sentido na pele o medo de morrer ou ficar mutilado, numa guerra que nos impuseram e a que não fugimos, simplesmente enfrentámos cada um à sua maneira... E como escreve o Mário Fitas, “fomos combatentes e não assassinos”.
Escreverem sobre as noites e dias sucessivos que passámos em alerta máximo nos ataques, patrulhas, colunas militares ou outras operações sempre com os nossos mil sentidos a funcionar em pleno, isso não merece a pena falar ou escrever, pois será que alguma vez aconteceu?

Apesar de ter sido um felizardo em relação a outros camaradas que frequentam o nosso blogue, digo bem alto e escrevo que passei por alguns momentos desses e que ainda hoje me atormentam com noites mal dormidas, momentos de solidão e má disposição, enfim igual a tantos outros camaradas que sofrem, ainda na pele, todos esses momentos nas nossas mentes.
Cada um tenta superar esses momentos de crise duma forma ou doutra e todos temos a certeza, os que estivemos na guerra “não fomos assassinos mas sim combatentes”.

Um abraço para todo o pessoal da Tabanca Grande
Fernando Franco

OBS: Negrito da responsabilidade do editor
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3942: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não asssassinos (4): Compreendo o que vos vai na alma (Virgínio Briote)

Guiné 63/74 - P3942: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (4): Camaradas, sei o que vos vai na alma (Virgínio Briote)

1. Mensagem de Virgínio Briote, nosso co-editor, ex-Alf Mil Comando, CCAV 489/BCAV 490, Cuntima, e CCmds, Brá, 1965/67, com data de 25 de Fevereiro de 2009:

Caros Luís, Carlos e Camaradas,

[Negrito, do editor, C.V]


Compreendo bem o que vos vai na alma. Quem deu o corpo e a alma por aquele Portugal de então, a troco de cigarros e cerveja (e uísque, para os mais favorecidos), sente-se ofendido, no seu mais íntimo, por tão apressada crónica.

E, no entanto, a opinião do Luís Almeida Martins, embora muito à tona (duas páginas também não davam para muito mais e, ainda por cima, com marcianos no filme), não me parece totalmente incorrecta. Massacres e acidentes de viação, são, na referida crónica, os aspectos mais discutíveis.

Massacres, é a palavra que mais nos dói e é injusta, felizmente, para a grande maioria de nós. Mas houve-os, comprovadamente. Para referir apenas dois: o assassinato dos "majores" e acompanhantes, no chão Manjaco, na Guiné, e o "Wiriamu", em Moçambique, ocorreram. Luís Cabral, Aristides Pereira e Pedro Pires referiram-se a esse facto com uma frase simples: era guerra, tratava-se de guerra.

O alferes de "Wiriamu", acidentalmente cmdt da CCmds e responsável pela operação, confessou-o para as câmaras. Pediu perdão às vítimas. Senti-me envergonhado quando o ouvi descrever como tudo se processou. Um jovem de 20 e poucos, com a mesma idade dos seus camaradas, com um historial de baixas na companhia... compreendi-o, mas confesso-vos que não fiquei orgulhoso.

Foram casos que não fazem exemplo, dirão muitos e eu também, mas existiram vítimas. Embora raros, casos desses fazem parte da guerra. E a guerra é um charco, quanto mais nos metemos nele, mais sujos ficamos.

Que as baixas eram mais devidas a minas fortuitas e a acidentes de viação... Não posso falar por Moçambique nem por Angola. O tipo de guerra era similar, diferentes eram o IN, as características do território e as populações. Da Guiné, temos, entre nós, infelizmente, gente mais habilitada para falar de como o IN se comportava no terreno. Apenas acrescento: é verdadeiramente invulgar que, sujeitos a uma guerra a sério, com testemunhas que, ainda hoje estão vivas e que trazem no corpo as marcas da luta, os INs de então sintam uns pelos outros uma compreensão e amizade tão grande.

Acima de tudo, da crónica do Almeida Martins, o que ressalta, para mim, é que reflecte a visão dos que têm, acima de tudo, privilegiado a chamada opinião politicamente correcta, a de que aqueles povos estavam submetidos a uma ocupação, que, embora histórica, lhes parece ilegítima.
Massacres só houve de um lado, pelo que depreendo da crónica. Não é novidade, é uma opinião recorrente, temo-la ouvido estes anos todos. E têm todo o direito, como qualquer um de nós, de expressar o seu ponto de vista. Diferente, para mim, é que, no seu afã de defenderem ou justificarem esse ponto de vista, deixam passar para último plano o que de melhor Portugal tem tido ao longo da sua História, os seus Soldados. Foi com eles que este pequeno País se fez e se tem mantido, há quase mil anos.

Mas este Portugal, da pena do articulista de que estamos a falar, é o que estamos a viver. Não sei é se há muita gente que gosta dele. Eu não.

Um abraço do
Briote
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3941: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (3): Mário Fitas, aliás, Mamadu (CCAÇ 763, Cufar, 1965/66)

Guiné 63/74 - P3941: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (3): Mário Fitas, aliás, Mamadu (CCAÇ 763, Cufar, 1965/66)

1. Do nosso camarada Mário Fitas - de seu nome completo, Mário Vicente Fitas Ralhete -, alentejano danado, natural de Elvas, residente em S. Pedro do Estoril, Cascais, homem de fé e de coragem, homem de sete ofícios e talentos, que foi puto, gandulo, vagabundo e Mamadu na Região de Tombali, Cufar, ex-Fur Mil Op Esp, que pertenceu aos temíveis dos Lassas, a CCAÇ 763, 1965/66...

É autor de dois livros, de fundo autobiográfico, sobre a guerra colonial da Guiné, Putos, Gandulos e Guerra (2000) e Pami Na Dondo, a guerrilheira (2005); criador de uma notável personagem, uma mulher guineense, balanta, exemplo de grande coragem e dignidade, a quem ele deu o nome de Pami Na Dondo.


Caro pessoal da Tabanca Grande

Não há crise?... Uma porra! Há e é de valores!

Andei aqui a rodilhar, para não ultrapassar as 60 palavras. Mas estou preparado, se lhe não agradar, não escrevem.

Mas pelo menos disse ao sr. Luís Martins (*), que tinha pena de ele não me ter acompanhado nas e bolanhas da Guiné, e convidei-o a visitar o blogue LuisGraça& CamaradasdaGuiné - vamos ver é se contam uma palavra - para ver se aprende alguma coisa.

É claro que estou em consonância com toda a Tabanca. E aqui se vê como aquela linda Terra une a malta, independentemente das sensibilidades.

Força, Tabanqueiros! Aqui se escreve e aqui se diz o que estes... ia largar uma morteirada Alentejana, mas... Não vale a pena!

Também morrem! Julgam que ficam cá para semente? És barro e à terra voltarás.

Em frente! Vamos para o milhão!

Hoje ainda mais forte não só do Cumbijã, mas de todos os rios da Guiné o Veterano Abraço,

Mário Fitas
__________

Os Alentejanos são Assim:
Sugestão para encher a caixa de correio da "Visão"

Texto:

Exmo sr. Director da Revista Visão

Favor transmitir, ao Exmo. Sr. "JORNALISTA" Luís Almeida Martins, a tristeza que se apoderou de mim, por o referido Sr. não me ter acompanhado, nas matas, bolanhas, lalas e rios da Guiné.

Com os desejos de grandes reportagens como a efectuada por Luís Almeida Martins.
Com os melhores cumprimentos,

Um turista na Guiné

Mário Fitas

___________

Resposta ao artigo de Luís Almeida Martins, sobre a Guerra (Colonial)

Pena não sermos companheiros nas matas, bolanhas, e rios Sul da Guiné, Cufar, CCAÇ 763! Era comandante do (PAIGC) o actual presidente da GUINÉ-BISSAU! Tivemos (7) mortos (53) feridos em combate.

Deveria ler "Pami na Dondo, a Guerrilheira", comentado por René Pélissier, "Guerres Australes et Guerres Coloniales" . Visite o Blogue LuísGraça&CamaradasdaGuiné, a verdade sobre a Guerra, por aqueles que nela participaram. Mário Fitas (...)

___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste anterior desta série > 26 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3940: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (2): J. Mexia Alves, ex-Alf Mil (Xitole, Mato Cão, Mansoa)

Guiné 63/74 - P3940: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (2): J. Mexia Alves, ex-Alf Mil (Xitole, Mato Cão, Mansoa)

1. O primeiro de mais de 3 dezenas de comentários e mensagens que suscitou o poste do Vasco da Gama (*), desta feita enviada pelo nosso camarigo J. Mexia Alves (hoje, à esquerda; ontem, à direita):

O Joaquim Mexia Alves que organizou o nosso último encontro (Monte Real, 2008), vive na Marinha Grande. É autor de letras e cantor de fado. Quando menino e moço, esteve na Guiné e na zona leste (Sector L1) e também na região do Óio (1971/73)... Recorde-se o seu historial de playboy, gozando as delícias do sistema: Depois de Bolama, veio com a sua CART 3942 para o Xitole, comandou, como Alf Mil Op Esp, o Pel Caç Nat 52 (Mato Cão / Rio Udunduma) e esteve ainda, na parte finald a sua comissão, na CCAÇ 15 (Mansoa).

Caros Camarigos

Não sei quem é o sr. Luís Almeida Martins e nem me interessa!

Quando as coisas me tocam cá por dentro, confesso que me irrito, será lá o tal “stress da guerra” como já me disseram, e respondo desabridamente.

Hoje neste país qualquer sujeito escreve nos jornais e revistas porque tem umas ideias sobre umas coisas e vai daí decide expor as suas teorias.

É verdade que muitas baixas foram devidas a acidentes, não só de viação, mas de armas de fogo, mas com certeza e também de emboscadas e ataques e flagelações.

Reduzir a guerra a umas bombas de napalm e a umas aldeias montadas por nós, é de quem não faz ideia do que está a dizer, nem faz ideia do que se passou.

"massacres como armas ditadas pelo desespero."... Será o desespero de quem escreve uma merda destas.

Não seria grave para mim, pois quem escreve tal coisa apenas merece a minha total indiferença, mas nós temos filhos e netos e esses têm obrigação de saber que nós não andámos numa “guerra do Raul Solnado”.

Não vou escrever para a Visão, porque “tão ladrão é o que vai à vinha como o que fica a vigiar”, ou seja, aquela revista há-de ter um director que tem por obrigação dar um mínimo de credibilidade àquilo que na mesma é escrito.

Mas não tenham dúvidas, meus camarigos, isto faz parte de uma “estratégia”, agora que começou a falar-se mais nos ex-combatentes.

Dêem a vida pela Nação, mas não chateiem! Há dinheiro para almoços e jantares, prémios de administrações e quejandos, mas não há para os desgraçados que andaram por África a combater.

Sabem porquê? Porque eles afinal não estiveram na guerra, não houve combates frontais, foram apenas baixas de acidentes e minas!!!!

Não peço nada para mim, mas exijo para aqueles que ainda não dormem e têm os seus sonhos povoados de gritos e explosões, para aqueles que ainda não conseguem dominar as suas irritações, para aqueles que ainda não conseguem ter uma vida familiar estável.

Estes “escritores” não merecem o meu desprezo!

Abraço a todos camarigos e levantemo-nos decididamente, porque todos não somos demais para lutar por aqueles que tendo estado connosco ainda precisam da nossa ajuda.

Joaquim Mexia Alves
________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 24 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3935: O Spínola que eu conheci (2): O artigo da Visão e o meu direito à indignação (Vasco da Gama)

Guiné 63/74 - P3939: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (III) Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos

1. Mensagem do Vasco da Gama, que reside na Figueira da Foz, e foi Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74

BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO - III

Sr. Jornalista (*)

Antes que se digne responder a alguém do nosso blogue e, se tiver postura moral para tal, faça-o em sentido, pois toda esta malta que ronda os sessenta anos, são os velhinhos da geração mais sacrificada de Portugal a quem portanto o sr. jornalista, os srs. governantes, os srs. banqueiros, os srs. políticos em geral, e os outros srs. que por aí pululam, devem o maior respeito!

Não sei o seu nome, não sei a sua idade, mas de uma coisa eu tenho a certeza: não pertence à minha geração. Vª. Exª., como eu detesto a palavra Vª.Exª., não sabe sequer o significado da palavra solidariedade, difícil de escrever, difícil de ler e ainda mais difícil de praticar, mas que é apanágio e privilégio da minha geração que combateu na Guiné!

Vª Exª não confunda regimes políticos nem cabos de guerra nem exageros pontuais, com os combatentes da Guiné, nem com a guerra que travámos.

Vª Exª não pode afirmar que a maior parte das baixas se deveram a desastres de viação ou ao rebentamento de minas.

Vª Exª não pode ignorar as centenas e centenas de mortos em combate.

Vª Exª. não pode ignorar as centenas de deficientes que a guerra colonial provocou.

Vª Exª não pode ignorar os lares desfeitos pela guerra.

Vª Exª não pode ignorar o sofrimento de muitos de nós, onde eu me incluo, que ainda hoje acorda pela madrugada dentro aos gritos, julgando estar no inferno da Guiné.

Exijo que Vª Exª se curve perante a memória dos mortos em combate da Companhia de Cavalaria 8351 que eu comandei na Guiné (**);

exijo que Vª. Exª. respeite os mortos da minha Companhia que, feridos em combate, vieram a falecer em Portugal;

exijo que Vª Exª. respeite os meus camaradas que não resistindo aos pesadelos do pós – guerra se vieram a suicidar;

exijo que Vª Exª respeite toda a minha geração de combatentes da Guiné: O vento sopra a nosso favor, pois sabemos para onde ir. Estive, como outros camaradas, para ignorar o seu escrito, mas ignorar os factos não os altera, por isso erguendo as mãos ao céu exclamo: Que Deus nos proteja dos medíocres!

Queria ainda dizer a Vª Exª que camaradas meus chegarão dentro de dois dias àquele país onde lutaram – A Guiné Bissau - , numa missão humanitária de auxílio às crianças do povo irmão! Que linda reportagem daria se jornalistas como Vª Exª. se interessassem por tais eventos… O vosso silêncio a este respeito ficará para outra altura…

Gostaria ainda de mostrar uma fotografia tirada em 12 de Maio de 1974!

Como podem verificar, soldados da CCav 8351, Os Tigres do Cumbijã, aguardam juntamente com elementos do grupo de milícias, o início de um terrível “massacre” a duas cabras do mato e a não sei quantas galinhas, na comemoração do nascimento da primeira alma no Cumbijã. O padrinho foi o Vasco e a menina chama-se Fatmata Gama. O Dotô Carvalho, de Mampatá [, que vai integrado na Missão Humanitária - Memórias e Gente, 2009, que deve chegar amanhã à Guiné-Bissau], foi portador de duas fotografias e desejo do fundo do coração que a consiga encontrar algures na Guiné.


Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCav 8351 (1972/74), Os Tigres do Cumbijã > 12 de Maio de 1974 > Malta da companhia e da milícia local festejam o nascimento da Fatmata Gama, a primeira criança a nascer no Cumbijã, no Cantanhez. O padrinho foi o Vasco da Gama (aqui na foto, de óculos escuros, bigode, sentado, ao centro direita).

Foto: © Vasco da Gama (2009). Direitos reservados

Para todos os meus camaradas e amigos da Guiné, um pequeno poema [, de Pablo Neruda] :



Se não puderes ser um pinheiro, no topo de uma colina,
Sê um arbusto no vale mas sê
O melhor arbusto à margem do regato.
Sê um ramo, se não puderes ser uma árvore.
Se não puderes ser um ramo, sê um pouco de relva
E dá alegria a algum caminho.

Se não puderes ser uma estrada,
Sê apenas uma senda,
Se não puderes ser o Sol, sê uma estrela.
Não é pelo tamanho que terás êxito ou fracasso...
Mas sê o melhor no que quer que sejas.

Pablo Neruda


Nós fomos, camaradas da Guiné!

Um abraço fraterno do

Vasco da Gama
__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 24 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3935: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (II): O artigo da Visão e o meu direito à indignação

(**) Vd. último poste da série > 15 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3898: A história dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (8): Maio de 1973 na vida da CCAV 8351 - (Parte I)

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3938: Brasões, guiões ou crachás (7): Pelotão Independente de Morteiros 912 (Santos Oliveira)



Pelotão Independente de Morteiros n.º 912

Unidade de Mobilização:
R I 2 – Abrantes

Partida: Embarque em 13 de Outubro de 1963; desembarque em 18 de Outubro de 1963
Regresso: Embarque em 28 de Outubro de 1965

Como Pelotão Independente, foi substituir o Pel Mort 19, em Tite, ficando adido aos BCaç 237/599 e, pelos finais da Comissão, ao BCaç 1860.

Participou, com uma Secção, na OPERAÇÃO TRIDENTE e, após o seu término, aí permanecendo até 18 de Julho de 1964, havendo sido, posteriormente, rendida por uma outra Secção e que prolongou, no tempo, o apoio da CCaç 557 e, após a rotação desta, a CCaç 728, que ocupavam a Posição de Destacamento, na parte norte, no local denominado Cachil (Ilha do Como) conforme o determinado pelo Comandante Militar.

Destacam-se, ainda participações, durante 4 meses, desta última Secção em Cufar onde cooperou e apoiou as CCav 703 e CCaç 763.

Regressada a Tite, desembaraçou a CCaç 797 na sequência do Golpe de Mão a Bissilão, onde esta CCaç se encontrou em situação muito delicada e desfavorável.

Do grosso do Pelotão de Morteiros, além de diversas participações em Operações colectivas (S. João, Nova Sintra, Aldeia Nova, Iusse, etc.), destaca-se a construção e defesa do Destacamento de Jabadá e vários acantonamentos no Destacamento do Enxudé, ponto crucial no abastecimento por via fluvial.

Santos Oliveira (*)
Ex-2.º Srgt Mil Armas Pesadas
Pel Mort 912
Como, Cufar e Tite, 1964/66

19FEV09
__________

(*) Vd. último poste de 11 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3874: Blogoterapia (90): Natal é quando o Homem quiser (Santos Oliveira)

Vd. último poste da série de 14 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3622: Brasões, guiões ou crachás (6): BART 2917 e 2924, BCAÇ 507 e 512, CCAV 1484, Pel Caç Nat 52 e Pel Mort 4574 (José Martins)