Timor > s/l > s/d (c. 1936-1940) > O régulo ("liurai") de Ainaro e Suro, Dom Aleixo Corte Real, com a esposa de um funcionário português. Foi O "liurai" Dom Aleixo Corte-Real (1886-1943), régulo de Ainaro e Suro. Foi um dos heróis luso-timorenses da resistência contra o ocupante japonês na II Guerra Mundial. Morreu heroicamente com grande parte dos seus filhos.
Foto do Arquivo de História Social > Álbum Fontoura. Imagem do domínio público, de acordo com a Wikimedia Commons. Editada (e legendada) por blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)
O Álbum «Colónia Portuguesa de Timor», mais conhecido por «Álbum Fontoura», nome do governador que o mandou elaborar em finais dos anos 30, e coincidindo, então, com a permanência em Timor de uma missão geográfica e geológica, chefiada pelo geógrafo Jorge Castilho, contém 549 fotografias relativas a «grupos étnico-linguísticos e tipos em geral», «trajos, ornamentos, pertences e armas», «vida familiar e social», «formas de trabalho (…), arte indígena e instrumentos musicais» e «acção civilizadora e colonizadora». O exemplar do álbum, recuperado após Abril de 1974 pelo antropólogo, professor António de Almeida, foi depositado no AHS (Arquivo Histório Social, ISC/UL, pela «Família Almeida», através do Doutor Pedro Cardim. (Fonte: AHS/Album Fontoura)
1. Mesmo publicado tardiamente, em 1972, trinta anos depois dos acontecimentos (aliás, numa época em que ainda havia a censura a obras literárias, e os autores faziam autocensura), o livro em apreço, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (*), disponível em formato digital no Internet Archive, continua a ser um documento importante para o estudo deste dramático período da história do Timor português (mas também da nossa história),
Há outras fontes contemporâneas: o autor cita, por exemplo, os livros do deportado Cal Brandão e do tenente António Liberato, em complemento do seu relato em primeira mão (que, de resto, só peca por tardio; o de Cal Brandão, "Funo", foi publicado logo em 1946; os do António Oliveira Liberato, "O caso Timor" e "Os Japoneses Estiveram erm Timor" logo a seguir, c. 1946-1951).
Para ajudar a leitura que estamos a fazer, voltamos a reproduzir neste poste o mapa de Timor em 1940 (da autoria de José dos Santos Carvalho). Em termos administrativos, a atual República Democrática de Timor-Leste encontra-se dividido em 13 distritos (contrariamente ao que se passou na Guiné-Bissau ou em Angola, por exemplo, os topónimos continuam a ser os mesmos): (i) Bobonaro, Liquiçá, Díli, Baucau, Manatuto e Lautém na costa norte; | (ii) Cova-Lima, Ainaro, Manufahi e Viqueque, na costa sul; (iii) Ermera e Aileu, situados no interior montanhoso; |(iv) e Oecussi-Ambeno, enclave no território indonésio.
Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.)
Parte IX: resumo dos acontecimentos do 2º semestre de 1943 (pp. 75-79)
(i) O drama dos portugueses (e dos timorenses) durante a ocupação japonesa vai continuar nos últimos meses que faltam para completar o ano de 1943. A pequena comunidade europeia está concentrada
na zona de Liquiçá e Maubara, a oeste de Díli.
Um outro grupo, está em Lahane, nos arredores de Díli
(e nele se encontra o médico José dos Santos,
um dos dois que restam: eram quatro, dois suicidaram-se).
Para a Austrália, conseguiram escapar-se umas tantas famílias.
(...) No dia seguinte ao da sua chegada a Lahane, os portugueses vindos de Viqueque foram cumprimentar e informar o Governador do que tinham passado. Foi então, que o aspirante Oliveira reconheceu as crianças há tempos trazidas pelos japoneses, por serem filhas do seu colega José Armelim de Mendonça que prestava serviço na administração da circunscrição de Manatuto.
Tratava-se das meninas Maria Helena e Maria Ida e foi, para o aspirante Oliveira, grande surpresa encontrá-las pois lhe tinha constado que toda a família do aspirante Mendonça, inexplicavelmente excluída da lista das pessoas autorizadas a embarcar para a Austrália, havia perecido em abril, na região de Barique, no mato para onde fugira, acompanhando o seu chefe.
Conta-nos o capitão Liberato, num dos seus livros (1) o sucedido a essa infeliz família.
«Foram patéticas as operações de embarque. Ninguém queria ficar em terra. Os excluídos das listas pediam que os deixassem embarcar. O oficial australiano, superintendente no serviço de embarque, não se demoveu. Nem as súplicas de uma mãe, acompanhadas do choro enternecedor de seis crianças, de idade inferior a dez anos, conseguiram comover o duro coração do australiano. Foi o caso da família do aspirante administrativo Mendonça. Sucumbiram depois. Minados pela fome, pela febre e pela vérmina, morreram em qualquer parte da colónia. Só duas filhas do casal se salvaram» (1) .
Soubemos no fim da guerra que as duas crianças haviam escapado à morte por se terem perdido dos pais, na ocasião de uma precipitada fuga, sendo encontradas por timorenses que as entregaram aos japoneses.
Na tarde do dia 25 de maio estabeleceu-se em Maubara uma força nipónica comandada pelo tenente Sibassáki que, no dia seguinte, impunha ao tenente Liberato a entrega do armamento do destacamento por ele comandado e instalado em Guguleur (1).
Assim foi dissolvida a última força militar de que dispúnhamos, recolhendo o tenente Liberato a Liquiçá, a 29, ficando alojado numa casa do governador, denominada «o palácio», conjuntamente com as famílias do dr. Nepomuceno dos Santos, juiz da comarca [pai do futuro cantar Zeca Afonso, na altura ainda a estudar em Coimbra] , do sargento Ribeiro e do funcionário da F.O.A.G.E., Cláudio Alexandre Vaz, e com o aspirante Eugénio de Oliveira, ao todo treze pessoas ocupando seis compartimentos! (1).
Tratava-se das meninas Maria Helena e Maria Ida e foi, para o aspirante Oliveira, grande surpresa encontrá-las pois lhe tinha constado que toda a família do aspirante Mendonça, inexplicavelmente excluída da lista das pessoas autorizadas a embarcar para a Austrália, havia perecido em abril, na região de Barique, no mato para onde fugira, acompanhando o seu chefe.
Conta-nos o capitão Liberato, num dos seus livros (1) o sucedido a essa infeliz família.
«Foram patéticas as operações de embarque. Ninguém queria ficar em terra. Os excluídos das listas pediam que os deixassem embarcar. O oficial australiano, superintendente no serviço de embarque, não se demoveu. Nem as súplicas de uma mãe, acompanhadas do choro enternecedor de seis crianças, de idade inferior a dez anos, conseguiram comover o duro coração do australiano. Foi o caso da família do aspirante administrativo Mendonça. Sucumbiram depois. Minados pela fome, pela febre e pela vérmina, morreram em qualquer parte da colónia. Só duas filhas do casal se salvaram» (1) .
Soubemos no fim da guerra que as duas crianças haviam escapado à morte por se terem perdido dos pais, na ocasião de uma precipitada fuga, sendo encontradas por timorenses que as entregaram aos japoneses.
Na tarde do dia 25 de maio estabeleceu-se em Maubara uma força nipónica comandada pelo tenente Sibassáki que, no dia seguinte, impunha ao tenente Liberato a entrega do armamento do destacamento por ele comandado e instalado em Guguleur (1).
Assim foi dissolvida a última força militar de que dispúnhamos, recolhendo o tenente Liberato a Liquiçá, a 29, ficando alojado numa casa do governador, denominada «o palácio», conjuntamente com as famílias do dr. Nepomuceno dos Santos, juiz da comarca [pai do futuro cantar Zeca Afonso, na altura ainda a estudar em Coimbra] , do sargento Ribeiro e do funcionário da F.O.A.G.E., Cláudio Alexandre Vaz, e com o aspirante Eugénio de Oliveira, ao todo treze pessoas ocupando seis compartimentos! (1).
Pouco tempo se demorou o tenente Sibassáki na região de Maubara, voltando para Liquiçá, onde reassumiu o comando das forças japonesas acantonadas na localidade (1) .
«Depois de cinco meses de permanência quase ininterrupta na zona e durante os quais fora o árbitro dos nossos destinos, deixou-nos em princípios de Agosto, não sem que primeiro desse largas ao ódio que lhe inspirávamos, descarregando todo o rancor, acumulado na sua alma perversa, sobre dois infelizes concentrados, esbofeteando-os em plena rua, perante os olhares curiosos dos indígenas e a ira recalcada dos europeus, que assistiram ao ultrajante espectáculo. Motivos fúteis serviram de pretexto à agressão» (1) .
A afronta matou o chefe de posto Nascimento. Sofrendo de doença que não perdoa, o enxovalho abreviou-lhe a existência. Não resistiu à vergonha de se ver esbofeteado na presença de timorenses seus súbditos de véspera (1).
Em fins de julho [de 1943] , os japoneses exigiram a entrega dos pouquíssimos aparelhos recetores de rádio e respetivo material, que ainda possuíamos, os quais, de resto, já não eram, praticamente, utilizados pela dificuldade de carregar as baterias queos alimentariam de corrente eléctrica. Desapareceu, assim, para nós, este último elo que nos ligava ao mundo, ficando completamente isolados.
(ii) Mas o drama dos portugueses e timorenses (e também australianos) (terror, fuzilamentos, isolamento, fome, doença, humilhações, racismo, etc.) foi também, de algum modo, contrabalançado por muitos atos de altruísmo e heroísmo por parte de alguns, que inclusivamente se envolveram
na resistência armada contra o ocupante .
Os japoneses eram implacáveis contra a guerrilha luso-timorense,
procedendo a execuções sumárias.
(...) Também, neste mesmo mês [de julho de 1943], impuseram termo às arriscadíssimas viagens que os deportados, senhores José Rodrigues da Silva (2) e João dos Santos faziam, desde o estabelecimento da zona de concentração, à zona Leste e ao território do Oecússi, para trazerem para Liquiçá todos os géneros alimentícios que pudessem adquirir.
Viajando nas frágeis embarcações à vela, denominadas «corcoras» em Timor, não haviam temido insistir na sua abnegada empresa apesar de terem sido recebidos a tiro em alguns pontos e, sobretudo, das suspeitas e vexames dos japoneses, a que se expuseram com a maior temeridade.
Em Lahane, éramos testemunhas da permanente e intensa actividade diplomática do engenheiro Canto, exercida temerariamente perante os japoneses, e da vida febril que levava, sempre com o pensamento de levar a bom termo a tarefa em quepatriótica e abnegadamente estava empenhado.
As suas idas e vindas a Liquiçá eram constantes, deixando-nos em Lahane sempre à espera de lhe ser causado o maior dano pelos japoneses. Ele, nunca desanimava. Cheio de energia e com inteiro desprezo pelo perigo que perfeitamente conhecia, enfrentava sorridente as mais difíceis situações e não se dobrava às veladas ameaças.
A polícia nipónica aparecia frequentemente no hospital, para «o visitar», e com infinda diplomacia os aturava, fingindo não compreender as suas intenções. É inenarrável a paciência com que o engenheiro aguentava as suas exigências ou «pedidos» e lutava contra as suas desconfianças, mostrando-lhes, sempre, que a nossa atitude perante eles, somente poderia ser de completa neutralidade e nunca de «cooperação», palavra que muito usavam e, veladamente, insinuavam deveríamos seguir para não sofrermos as agruras da ocupação.
(iii) Julgando poder manter alguma normalidade, mesmo sob violenta ocupação estrangeira, o Governador lá ia tomando algumas decisões administrativas como, por exemplo, nomear (o que é patético!) o dr. José dos Santos Carvalho, novato em Timor (tinha chegado em finais de 1940)
para chefiar os serviços de saúde pública... E este, por sua vez, ainda arranjava tempo e pachorra para fazer
os burocráticos relatórios anuais de saúde que a lei exigia...
Grande exemplo como português e homem foi
o do engenheiro e cartógrafo da Missão Geográfica,
o açoriano Artur do Canto Resende ( 1897-1945),
que acabaria de morrer na prisão, em resultado de sevícias, fome e doença.
Será agraciado, a título póstumo, com o grau de oficial
da Ordem Militar da Torre e Espada
(...) Em fins de agosto resolveu o engenheiro Canto um dos maiores problemas que, então, era necessário eliminar, para sossego dos portugueses. As atividades da guerrilha do sr. Júlio Madeira na região da Hátu-Lia é Ermera, afligiam, incessantemente, os nipónicos, tendo-lhe causado várias baixas, entre mortos e feridos.
Falhadas algumas tentativas para o apanhar, apresentaram nas suas «visitas» o assunto ao engenheiro, mostrando-lhe as gravíssimas consequências que para a comunidade portuguesa concentrada poderiam advir, de portugueses estarem, ainda, violando a neutralidade em favor dos aliados.
O engenheiro iniciou, então, com conhecimento dos japoneses, tentativas perigosíssimas, para ir ao encontro do sr. Júlio Madeira e convencê-lo a vir para a zona de concentração [de Liquiçá / Maubara].
Depois de com ele falar, obteve dos nipónicos a promessa de que garantiam a vida e integridade física do guerrilheiro se viesse para Lahane, à responsabilidade do engenheiro Canto.
Voltou este ao encontro do sr. Júlio e consigo o trouxe para o hospital, onde ficou a viver connosco, nunca incmodado pelos nipónicos, até ao fim da guerra.
Nesta sua última viagem à região da Ermera, colheu o engenheiro Canto a notícia da morte dos europeus que se tinham juntado aos povos do liurai do Suro, D. Aleixo Corte Real.
Falhadas algumas tentativas para o apanhar, apresentaram nas suas «visitas» o assunto ao engenheiro, mostrando-lhe as gravíssimas consequências que para a comunidade portuguesa concentrada poderiam advir, de portugueses estarem, ainda, violando a neutralidade em favor dos aliados.
O engenheiro iniciou, então, com conhecimento dos japoneses, tentativas perigosíssimas, para ir ao encontro do sr. Júlio Madeira e convencê-lo a vir para a zona de concentração [de Liquiçá / Maubara].
Depois de com ele falar, obteve dos nipónicos a promessa de que garantiam a vida e integridade física do guerrilheiro se viesse para Lahane, à responsabilidade do engenheiro Canto.
Voltou este ao encontro do sr. Júlio e consigo o trouxe para o hospital, onde ficou a viver connosco, nunca incmodado pelos nipónicos, até ao fim da guerra.
Nesta sua última viagem à região da Ermera, colheu o engenheiro Canto a notícia da morte dos europeus que se tinham juntado aos povos do liurai do Suro, D. Aleixo Corte Real.
Fortificando-se em posições que aguentaram durante longas semanas e rechassando as tentativas de assalto em que se empregava já o uso de morteiros e artilharia de montanha, havia o grupo de D. Aleixo, numa hora feliz, abatido um dos aviões nipónicos que procurava desalojá-los à metralhadora (3).
As forças japonesas, postas em cheque, redobraram os seus esforços, a fundo, para aniquilar os sitiados, e fizeram quebrar aquela heróica resistência (3) .
Neste último combate, travado em maio, nas faldas do monte Ramelau, morreu o deportado sr. Eduardo Felner Duarte, e foram aprisionados o sargento José Estêvão Alexandrino e os soldados Romualdo Aniceto e José Cachaço.
Levados para a Ermera, foram aí fusilados, no mês de junho, os dois soldados. O sargento Alexandrino, quando já os japoneses se tinham comprometido a entregá-lo ao administrador, engenheiro Canto, foi assassinado com um tiro de pistola,na nuca, por um oficial japonês que o convidara a dar um passeio (1). O seu corpo está enterrado junto à tranqueira da pequena localidade (4).
No dia 2 de agosto, o médico que prestava serviço em Lahane foi nomeado, interinamente, por portaria do Governador, chefe da Repartição Técnica de Saúde e Higiene. Assim, passei eu a ser o responsável pelos Serviços de Saúde que, felizmente, puderam sempre cumprir integralmente a sua missão de assistência médica e de enfermagem, apesar de desprovidos da maior parte dos meios de que, antes da ocupação dispunham.
Devido às dificuldades de comunicações e relativo isolamento entre médico responsável pela zona de Liquiçá e Maubara e o chefe da Repartição em Lahane, resolvi delegar no dr. Francisco Rodrigues vários dos meus poderes, o que lheparticipei por nota datada do dia 21.
Logo após a minha nomeação ponderei a grande vantagem em os dois médicos existentes poderem ministrar conhecimentos de enfermagem aos jovens que nada tinham em que se ocupar e que mostravam grande interesse em aprender.
Deste modo, organizei e propus ao Governador cursos intensivos de enfermagem, elaborando os respectivos programas e modo de funcionamento, contando com um único professor, em cada uma das localidades de Liquiçá e Lahane. Em 4 de Setem-bro, principiaram as respectivas lições que puderam ser mantidas, ininterruptamente, até aos exames que se fizeram no fim do 2.° ano.
No dia 17 de setembro fomos surpreendidos no hospital de Lahane pelo aparecimento duma pequena força japonesa que mandou desocupar a casa mortuária e logo aí se instalou, montando uma guarda com patrulhas, durante a noite, em frente ao hospital.
Em breve soubemos que haviam procedido da mesma maneira quanto ao palácio do Governador, instalando-se na casa da guarda, à sua entrada.
O engenheiro Canto foi, então, avisado no consulado nipónico de que todos os portugueses residentes no hospital, assim como os seus criados e auxiliares, se deveriam, sempre, fazer acompanhar de um salvo-conduto, fornecido pelo consulado, para poderem ser identificados pela guarda ao entrarem nopalácio ou no hospital.
Assim, me foi fornecido um quadrilátero de papel, cabendo na carteira, onde o meu nome, escrito em caracteres sínicos e dirigido verticalmente de cima para baixo, era acompanhado da indicação da minha profissão.
Na primeira visita que, a seguir, fiz ao palácio (5) encontrei montado o serviço de guarda, perante o comandante da qual pronunciei a palavra que sabia ser, em japonês, a correspondente a «governador», isto é, «sòtòkò» e apresentei o meu salvo-conduto.
O comandante, leu, em voz alta «JIÕSÉ DOS SANTOSSÊ CÃRÃVÃRIO» e lançou-me a palavra «doutoro», que eu confirmei com um aceno de cabeça afirmativo.
Um seu gesto permitiu, logo, a minha entrada, e assim se passou das outras vezes em que eu visitei o palácio, com guarda, portando-se sempre esta, para comigo, com correcção que posso sinceramente classificar de delicadeza. (...)
As forças japonesas, postas em cheque, redobraram os seus esforços, a fundo, para aniquilar os sitiados, e fizeram quebrar aquela heróica resistência (3) .
Neste último combate, travado em maio, nas faldas do monte Ramelau, morreu o deportado sr. Eduardo Felner Duarte, e foram aprisionados o sargento José Estêvão Alexandrino e os soldados Romualdo Aniceto e José Cachaço.
Levados para a Ermera, foram aí fusilados, no mês de junho, os dois soldados. O sargento Alexandrino, quando já os japoneses se tinham comprometido a entregá-lo ao administrador, engenheiro Canto, foi assassinado com um tiro de pistola,na nuca, por um oficial japonês que o convidara a dar um passeio (1). O seu corpo está enterrado junto à tranqueira da pequena localidade (4).
No dia 2 de agosto, o médico que prestava serviço em Lahane foi nomeado, interinamente, por portaria do Governador, chefe da Repartição Técnica de Saúde e Higiene. Assim, passei eu a ser o responsável pelos Serviços de Saúde que, felizmente, puderam sempre cumprir integralmente a sua missão de assistência médica e de enfermagem, apesar de desprovidos da maior parte dos meios de que, antes da ocupação dispunham.
Devido às dificuldades de comunicações e relativo isolamento entre médico responsável pela zona de Liquiçá e Maubara e o chefe da Repartição em Lahane, resolvi delegar no dr. Francisco Rodrigues vários dos meus poderes, o que lheparticipei por nota datada do dia 21.
Logo após a minha nomeação ponderei a grande vantagem em os dois médicos existentes poderem ministrar conhecimentos de enfermagem aos jovens que nada tinham em que se ocupar e que mostravam grande interesse em aprender.
Deste modo, organizei e propus ao Governador cursos intensivos de enfermagem, elaborando os respectivos programas e modo de funcionamento, contando com um único professor, em cada uma das localidades de Liquiçá e Lahane. Em 4 de Setem-bro, principiaram as respectivas lições que puderam ser mantidas, ininterruptamente, até aos exames que se fizeram no fim do 2.° ano.
No dia 17 de setembro fomos surpreendidos no hospital de Lahane pelo aparecimento duma pequena força japonesa que mandou desocupar a casa mortuária e logo aí se instalou, montando uma guarda com patrulhas, durante a noite, em frente ao hospital.
Em breve soubemos que haviam procedido da mesma maneira quanto ao palácio do Governador, instalando-se na casa da guarda, à sua entrada.
O engenheiro Canto foi, então, avisado no consulado nipónico de que todos os portugueses residentes no hospital, assim como os seus criados e auxiliares, se deveriam, sempre, fazer acompanhar de um salvo-conduto, fornecido pelo consulado, para poderem ser identificados pela guarda ao entrarem nopalácio ou no hospital.
Assim, me foi fornecido um quadrilátero de papel, cabendo na carteira, onde o meu nome, escrito em caracteres sínicos e dirigido verticalmente de cima para baixo, era acompanhado da indicação da minha profissão.
Na primeira visita que, a seguir, fiz ao palácio (5) encontrei montado o serviço de guarda, perante o comandante da qual pronunciei a palavra que sabia ser, em japonês, a correspondente a «governador», isto é, «sòtòkò» e apresentei o meu salvo-conduto.
O comandante, leu, em voz alta «JIÕSÉ DOS SANTOSSÊ CÃRÃVÃRIO» e lançou-me a palavra «doutoro», que eu confirmei com um aceno de cabeça afirmativo.
Um seu gesto permitiu, logo, a minha entrada, e assim se passou das outras vezes em que eu visitei o palácio, com guarda, portando-se sempre esta, para comigo, com correcção que posso sinceramente classificar de delicadeza. (...)
(Continua): A seguir: Os acontecimentos de 1944
(Seleção, revisão / fixação de texto, reordenação das notas de rodapé, comentários introdutórios, negritos, itálicos: LG)
Mapa de Timor em 1940.
In: José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972, pág. 11. (Com a devida vénia). Assinalado a vermelho a posição relativa de Maubara e Liquiçá, a oeste de Díli, onde se situava a zona de detenção dos portugueses, imposta pelos japoneses (finais de 1942 - setembro de 1945)
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)
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Notas do autor (JSC):
(1) Vd. Capitão António de Oliveira Liberato, "Os japoneses Estiveram em Timor". Lisboa: Empresa Nacional de Publicidade. Lisboa, 1951.
(2) O deportado José Rodrigues da Silva, que deu provas de excepcional valor, era em Timor conhecido como o senhor «José da Rosa».
(3) Vd. Carlos Cal Brandão, "Funo". Porto, 1946.
(4) Vd. Capitão António Oliveira Liberato, "O Caso de Timor", Portugália, Lisboa.
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Nota do editor
Último poste da série > 14 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25840: Timor: passado e presente (17): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte VIII: O campo de concentração de Liquiçá e Maubara