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quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25870: Manuel de Pinho Brandão: entre o mito e a realidade - Parte III (Reclamação apresentada, em 1935, ao Chefe da Repartição Central dos Serviços de Administração Civil, Bolama)

 







Guiné > Bolama > 1935 > Repartição Central dos Serviços de Administração Civil - 4ª secção: Negócios Indígenas. Informação: Assunto - Refere-se ao pedido de restituição da importância proveniente da licença para extração de vinho de palma, que julga ter sido cobrada ilegalmente aos índígenas,  colonos da sua propriedade. Informação, datada de Bolama, 27 de julho de 1935. Assinatura ilegível.

Citação:(1935-1935), Sem Título, Fundação Mário Soares / C1.6 - Secretaria dos Negócios Indígenas, Disponível HTTP: http://www.casacomum.org/cc/visualizador?pasta=10429.230 (2024-8-20)


1. Não percebo nada de direito administrativo colonial... Nem sequer alguma vez li o Acto Colonial de 1933 (mas hoje tive que o ler, está aqui disponível em formato pdf, no sítio da Assembleia da República). O artº 3º é taxativo: "Os domínios ultramarinos de Portugal denoninam-se colónias e constituem o Império Colonial Português". 

O Pacto Colonial (Decreto-Lei nº 22 465, de 22 de abril de 1933) tem apenas 47 artigos. Retive estes:



A leitura do Pacto Colonial deve ser complementada pela da Carta Orgânica do Império Colonial Português.

Segundo entrada na Wikipedia, "o Acto Colonial definiu durante muito tempo o conceito ultramarino português, tendo sido revogado na revisão da Constituição portuguesa feita em 1951, que o modificou e integrou no texto da Constituição.

"Com a revisão constitucional de 1951, a visão imperalista foi teoricamente abandonada, sendo substituída por uma estratégia que visava a assimilação civilizadora das colónias à metrópole, com o objectivo final de criar uma nova ordem política, que podia ser a integração total, autonomia, federação, confederação, etc. Reflectindo esta nova visão teórica, as colónias passaram a designar-se por 'províncias ultramarinas' ".

2. Em 1935, o Manuel de Pinho Brandão já estava na colónia da Guiné, como se infere da reclamação que ele apresentou ao Chefe da Repartição Central dos Serviços de Administração Civil, com sede  em Bolama.

Na reclamação,que já reproduzimos em poste anterior (*), ficamos a saber que:

 (i) o Manuel de Pinho Brandão era maior, solteiro, proprietário e comerciante, residente em Bolama (então a capital); 

(ii) era dono e senhor de uma propriedade rústica denominado "Belém", na área da circunscrição civil de Fulacunda,  região de Quínara, exercendo legítima e legalmente o comércio com os indígenas da propriedade, a quem concedia regalias na agricultura e exploração dentro dela;

(iii) o reclamente insurge-se contra a cobrança de imposto de extração de vinho de palma ("licença de furação") a indígenas manjacos, que ele trouxera consigo há vários anos atrás, e  que, com a sua autorização, praticavam esta atividade na sua propriedade para consumo exclusivamente próprio;

(iv) o administrador de Fulacunda mandou-lhes cobrar, indevidamente, o imposto na importância de 760$00 (talvez mais de 500 euros, a preços de hoje):

(v) além disso, terá usado e abusado da sua autoridade, mandando prender e conduzir ao posto de Empada aqueles indígenas;

(vi) pede. por fim, que sejam "restituídos aos indígenas interessados os escudos 760$00 para o bom nome das autoridades administrativas e para o bem geral da colónia" (sic).


3. Um funcionário da 4ª secção (Negócios Indígenas) da Repartição Central  dos Serviços de Administração Civil, dá um parecer em que arrasa o administrador de Fulacunda: a comprovarem-se os factos alegados pelo requerente, o administrador de Fulacunda (na altura teria violado a lei (Código Civil, artºs. 2167 e 2187; Carta Orgânica do Império Colonial Português, artºs.231, 232 e 233).

Era chefe da Repartição José Peixoto Ponces de Carvalho. E o administrador de Fulacunda era o Ernesto Lima Wahnon (cuja resposta ao chefe da repartição publicaremos em próximo poste.)

PS - O Ernesto Lima Wahnon terá nascido na Praia, Santiago, Cabo Verde, em 1895.

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Nota do editor:

(*) Vd. poste anterior da série > 21 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25863: Manuel de Pinho Brandão: entre o mito e a realidade - Parte II (J. L. Mendes Gomes / Victor Condeço, 1943-2010)

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18341: Historiografia da presença portuguesa em África (109): I Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente (Cabo Verde, Guiné, São Tome e Principe, Angola), no vapor "Moçambique", de agosto a outubro de 1935... A iniciativa foi da revista "O Mundo Português", sendo o diretor cultural do cruzeiro o jovem Marcelo Caetano (1906-1980), então com 29 anos, e que só voltaria a estes territórios em abril de 1969, com 62 anos, mas já então na qualidade de chefe do governo


Guiné > Bolama > Agosto de 1935 > "Guarda do Palácio do Governador. Foto de Manuel Emídio da Silva, no âmbito do 1.º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente ( Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e Angola).


Guiné > Bolama > Agosto de 1935 > A chegada do vapor Moçambique, com os participantes do 1.º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente. (O N/M Moçambique esteve ao serviço da Companhia Nacional de Navegação, entre 1912 e 1939; com mais de 5700 toneladas, 122 m de comprimento e 133 tripulantes fazia a carreira da África Oriental; seria desmantelado em 1939.).

Fonte: "O Mundo Português", vol II, nºs 21-22, setembro-outubro de 1935 (Exemplar oferecido ao nosso blogue por Mário Beja Santos)

Digitalização, edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018) 


Guiné > Zona Leste > Bafatá > c. 1931 > "Jangada no Rio Geba. Passagem entre Bafatá e Contuboel"... Imagem reproduzida em "O Missionário Católico, Boletim mensal dos Colégios das Missões Religiosas Ultramarinas dos Padres Seculares Portugueses, Ano VIII, n.º 81, Abril de 1931, p. 169 (Exemplar oferecido ao nosso blogue por Mário Beja Santos).

Digitalização, edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018) 


Angola > Agosto de 1935 > Visita à Fazenda Tentativa, no âmbito do 1.º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente. Foto da autoria de Sam Payo.

Fonte: "O Mundo Português", vol II, nºs 21-22, setembro-outubro de 1935 (Exemplar oferecido ao nosso blogue por Mário Beja Santos).

Digitalização, edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)


1. O director cultural deste  cruzeiro foi o prof doutor Marcelo Caetano (1906-1980), então um jovem, com 29 anos, entusiasta do Estado Novo, brilhante académico, especialista em direito administrativo, doutrinador do corporativismo. (Será comissário da Mocidade Portuguesa em 1940 e ministro das colónias em 1944, até chegar a sucessor de Salazar, de 1968 a 1974).

A iniciativa partiu revista "O Mundo Português", tendo juntado cerca de duas centenas de "estudantes, professores, médicos, engenheiros, advogados, artistas, escritores, industriais e comerciantes"...

Esta "revista de cultura e propaganda, arte e literatura coloniais" era dirigida por Augusto Cunha, sendo propriedade da Agência Geral das Colónias e do Secretariado da Propaganda Nacional.

 .
2. A Cinemateca Nacional tem um documentário, de longa duração, sobre este cruzeiro:

 I Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente (San Payo, 1936)

Título original: I Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente

De: San Payo

Outros dados: POR, 1936, Cores, 71 min.

(...) "Realizado pelo fotógrafo Manuel Alves San Payo (1890-1974), este documentário regista a viagem do paquete "Moçambique" a Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe e Angola entre agosto e outubro de 1935.

O cruzeiro foi uma iniciativa da revista O Mundo Português (editada pela Agência Geral das Colónias e pelo Secretariado da Propaganda Nacional), que assim premiava os melhores alunos na conclusão do curso geral dos liceus. O mentor do projeto, que tinha como objetivo cativar as jovens elites do país para a questão colonial, foi Marcelo Caetano." (...)


Texto: Cinemateca Portuguesa, reproduzido no CineCartaz, do jornal Público.


3. Nota biográfica sobre Marcelo Caetano (1906-1980):

(...) "Marcelo José das Neves Alves Caetano nasceu em Lisboa, em 17 de Agosto de 1906, filho de José Maria Alves Caetano e de Josefa Maria das Neves Caetano. Licenciou-se em Direito pela Universidade de Lisboa, em 13 de Julho de 1927, com a informação final de Muito Bom, com 18 valores. 

"Exerceu funções de oficial do Registo Civil, em Óbidos, colaborando, em simultâneo, em vários periódicos e revistas científicas e de especialidade. A convite de António de Oliveira Salazar, Ministro das Finanças, tomou posse como auditor jurídico do mesmo ministério, em 13 de Novembro de 1929, declarando, no entanto, por ocasião do convite, o seu objectivo de seguir a carreira docente na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. 

"Com esse fim, doutorou-se em 17 de Junho de 1931, com a dissertação "Depreciação da moeda depois da guerra", e, em Agosto de 1932, concorreu a uma vaga de professor auxiliar "do terceiro grupo da Faculdade de Direito (Ciências Políticas)", com a dissertação "Do poder disciplinar no Direito Administrativo Português", tendo sido aprovado por unanimidade e tomado posse do respectivo lugar em 12 de Julho de 1933. 

"No ano lectivo de 1938-1939 é já apresentado, no Anuário da Universidade de Lisboa, como professor catedrático contratado, sendo simplesmente apresentado como professor catedrático no anuário para o ano lectivo de 1940-1941. 

"Ao longo da sua carreira docente leccionou as cadeiras de Direito Administrativo, Administração Colonial, Direito Internacional Público, Direito Corporativo, Economia Política, Direito Penal e Direito Constitucional, publicando uma vasta obra com vertentes jurídica, histórica e de intervenção socio-política. 

"Foi reitor da Universidade de Lisboa, de 20 de Janeiro de 1959 a 12 Abril de1962 (cargo de que se demitiu por divergências com o Ministro da Educação, na sequência de oscilações de atitude do Governo perante as manifestações estudantis de Abril de 1962, em Lisboa)." (...)

Fonte: Arquivo Nacional Torre do Tombo > Arquivo Marcello Caetano

Para saber mais clicar aqui.
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Guiné 61/74 - P18337: Recortes de imprensa (92): A primeira visita de um chefe do governo português ao Ultramar: Marcelo Caetano, em Bissau ("Diário de Lisboa", 14/4/1969)






"Diário de Lisboa", nº 16637, ano 49, segunda feira, 14 de abril de 1969, 3ª edição, pp. 1 e 10. Diretor: António Ruella Ramos. Cortesia de Casa Comum > Fundação Mário Soares > Fundos DRR - Documentos Ruella Ramos.

Citação:(1969), "Diário de Lisboa", nº 16637, Ano 49, Segunda, 14 de Abril de 1969, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_7219 (2018-2-20)


1. Complementando a "cobertura fotográfica" da visita a Bissau, do prof Marcelo Caetano, da autoria do nosso grã-tabanqueiro Virgílio Teixeira (*), publica-se um recorte de imprensa da época, mais exatamente do vespertino "Diário de Lisboa", com data de 14 de abril de 1969. (**)

Tratava-se de um jornal "independente", considerado de "referência", que se publicou entre 1921 e 1990,  e que foi, entre nós, uma grande escola de jornalismo.  Chama-se a atenção para o título de caixa alta, publicado na primeira página: "A primeira visita de um chefe do governo português ao Ultramar"...

Caetano, que sucedeu a Salazar, tinha estado na Guiné em 1935, no âmbito do I Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente (Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e Angola), de que foi o diretor cultural. (Este cruzeiro foi uma inciativa da revista "O Mundo Português",  tendo juntado  cerca de duas centenas de "estudantes, professores, médicos, engenheiros, advogados, artistas, escritores, industriais e comeriantes").

Há aqui uma crítica implícita ao seu antecessor que nunca quis pôr os pés no "império"... Nesta viagem, de 14 a 21 de abril de 1968,   às capitais da Guiné, Angola e Moçambique os aviões da TAP iriam fazer qualquer coisa como 19 mil quilómetros, o que dá uma ideia da distância dos territórios ultramarinos em relação a Lisboa.

O jornal é politicamente correto, referindo-se sempre às "províncias ultramarinas" (e não colónias, desde a reforma de 1951). Não nos parece que tenha mandado um "enviado especial" a acompanhar o périplo de Marcelo Caetano  pelo Ultramar, tendo por isso que recorrer ao material enviado pelas "agências noticiosas do regime", a Lusitânia e  a ANI. 

Relativamente aos representantes das principais etnias presentes nas cerimónias de boas vindas, é dado o destaque aos fulas, mandingas, felupes e bijagós, mas fazem-se também referências a outros como os papéis, os manjacos e os balantas...

A "representação social" destes grupos continua a ser "estereotipada" na imprensa portuguesa:  "os Papéis dos subúrbios de Bissau, os Manjacos, trabalhadores do porto, os Balantas, cultivadores de arroz, os Beafadas, os Nalus, hábeis escultores de madeira, os Saracolés,  notáveis ourives, enfim, todas as raças"...  Mas antes deles, vêm os "chefes fulas e mandingas que ostentam condecorações ganhas por atos de bravura em campanha"... E ainda, "com turbantes e formatos especiais, os maometanos que já foram em peregrinação a Meca, nas viagens que todos os anos o Ministério do Ultramar organiza"...

Era aguardado, com expetativa e interesse, o discurso do chefe do governo no palácio do Governador. Nessa cerimónia usaram igualmente da palavra o vogal do conselho legislativo Joaquim Baticã Ferreira (, de etnia manjaca, fuzilado pelo PAIGC depois da independência) e o brigadeiro António de Spínola governador-geral e comandante-chefe. 

O último ato público do presidente do conselho de ministros, antes de partir, no dia seguinte, 15 de abril, para Luanda foi a homenagem aos "mortos em defesa da Pátria", no cemitério de Bissau.

Destaque também para a entrevista do brigadeiro António de Spínola, à Emissora Nacional, em que "minimiza" o problema "militar", face às preocupações do governo da província, que seriam a promoção económica, social e cultural do povo guineense, com vista a "acelerar o seu processo de desenvolvimento" (sic)... Começa talvez aqui, menos de um ano depois da sua chegada à Guiné, a consolidar-se a tese (spinolista) de que a solução para o conflito que se trava no território, é muito mais "política" do que "militar"...



Guiné > Bissau > 14 de abril de 1969 > Visita presidencial do Professor Marcelo Caetano a Bissau: lado a lado, mas já de costas viradas, Marcelo Caetano e Spínola...

Foto: © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. O que os jornais (e muito menos a televisão...) não noticiaram foi a reunião extraordinária de comandos, ocorrida a 14 de abril de 1969, na sala de operações do comando chefe, em que estiveram presentes, além de Spínola e de Marcelo Caetano, o ministro do ultramar [, Silva Cunha], o CEMGFA [, gen Venâncio Deslandes,] e mais cerca de duas dezenas oficiais com funções operacionais e de comando no TO da Guiné.  Foi seguramente mais importante do que a reunião anterior, protocolar e propagandística, do conselho legislativo...

A reunião extraordinária de comandos acabou num tom sombrio, face às perspetivas de deterioração da situação militar,  à consolidação e relativo sucesso da estratégia do IN (e à sua mais que previsível escalada militar), à ausência de uma "ideia de manobra à escala estratégica nacional", à incapacidade de resposta da "infra-estrutura administrativa-militar", à desmoralização dos operacionais metropolitanos no CTIG, à dramática falta de reforços (em homens e material)...

Segundo o biógrafo de Spínola, Luís Nuno Rodrigues, Marcelo Caetano tende  a ser visto pelo primeiro  como um político, fraco e impotente, nomeadamente face à inércia da estrutura administrativo-militar.  Mas Spínola, que chega ao generalato em julho desse ano, não se coíbe  de falar alto e bom som, ao CEMGFAQ, o gen Venâncio Deslandes, que ele trata por tu, que nunca aceitaria, em terras da Guiné, um segundo caso da Índia...em que os militares foram os bodes expiatórios do desastre político e diplomático... (Rodrigues, L. N. - Spínola: biografia. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2010,  pp. 130-135).

Spínola recordou o pedido, ainda em grande parte por satisfazer, que tinha feito em nobvembro de 1968, em termos de "necessidades imediatas": 4 comandos de batalhão  e 13 companhias, além de material de artilharia e antiaéreas...

Marcelo Caetano terá perguntado a Spínola porque é que não utilizava "mais pessoal africano",  uma vez que se encontravam "exaustas as possibilidades demográficas metropolitanas" (sic). Spínola respondeu que a africanização da guerra poderia resolver o "problema humano", mas não dispensava a solução do "problema financeiro"... O tosco do ministro do Ultramar ainda perguntou se as unidades africanas não seriam "mais baratas"... Estou a imaginar a  irritação (contida) de Spínola, ao responder-lhe que já não o eram, por que: (i) "os africanos já tinham tomado consciência de que "neste tipo de guerra e neste terreno são mais aptos do que os metropolitanos" (sic); e (ii) e já não aceitam auferir remunerações inferiores a estes, tendo perdido o seu "complexo de inferioridade" (ibidem, p. 131).

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Nota do editor:


quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15464: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (40): "A colónia onde todas as Fatumata tinham de se chamar Maria" -Guiné Bissau (Sobre a reportagem do jornal Público)

1. Mensagem do Antº Rosinha

[, foto à esquerda: emigrou para Angola nos anos 50, foi  fur mil em 1961/62; saiu de Angola com a independência, emigrou para o Brasil e finalmente foi topógrafo da TECNIL, Guiné-Bissau, em 1979/93;  é um "ex-colon e retornado", como ele gosta de dizer com a sabedoria, bonomia e o sentido de humor de quem tem várias vidas para contar; é membro sénior da Tabanca Grande]: 


Data: 8 de dezembro de 2015 às 00:09

Assunto: A colónia onde todas as Fatumata tinham de se chamar Maria - Guiné Bissau (Sobre a a reportagem do jornal Público)


Luís e Carlos, só se não houver inconveniente...

Interessantíssima esta reportagem que Carlos Vinhal enviou para  conhecimento do pessoal da Tabanca Grande [ "A colónia onde todas as Fatumata tinham de se chamar Maria", de Joana Gorjão Henriques (texto), Adriano Miranda (fotos) e Frederico Batista (vídeo), Público, 6 de dezembro de 2015 (Série especial: Racismo português)].

Esta reportagem pouco traz de novo para quem antigamente ouvia as emissoras rádio Pequim, rádio Moscovo, rádio Praga, Deutsche Welle, etc., em programas em português do MPLA,  PAIGC e FRELIMO.

A maior diferença de discurso, está entre o anti-colonialismo primário e demagógico daqueles movimentos, e aqui sobressai apenas a crítica aos defeitos da colonização portuguesa.

O que é mais estranho é que as pessoas, filhos das "vítimas" do colonialismo, africanos dos PALOP em geral, continuem passivamente a não se descolonizarem mais radicalmente, ao ponto de abusarem, hoje, cada vez mais de "perucas" e a viver em cubatas de vários pisos ( Prédios enormes no caso de Luanda). A preferir viver em andares sem quintal, sem a antiga tradicional qualidade de vida familiar africana,

Não resisto a respigar uns tópicos dessa reportagem e entre parênteses fazer os meus comentários um tanto levianamente, porque colaborei e vi fazer essa tão má e tão pouco intensa colonização (parece que se diz "colonização suave"). 

Aliás, se qualquer colonização fosse boa, ninguém queria ser descolonizado, antes pelo contrário. Era caso para dizer vai chamar pai a outro, de um lado , ou vai chamar filho a outro, do outro lado E como sei que se foi difícil ser colonizado, também muito difícil era colonizar.
.
A prova que era difícil colonizar, é que os Europeus desistiram bem cedo dessa colonização, e com certeza aos olhos de muitos africanos antigos, até teria sido cedo demais, que pensam isso mas não dizem.

Então lá vão os tópicos que me chamaram mais a atenção, nessa grande reportagem, e que alguns são bem genuínos, outros "assim-assim". (Entre parênteses é explicação minha, que fui cólon em Luanda muitos anos)

A colónia onde todas as Fatumata tinham de se chamar Maria. (Também se chamavam Domingas ou Segunda, talvez inspirados no inglês Robinson Crusoe com o seu Fryday)

Nos tempos do colonialismo português, o guineense tinha de vestir-se como um europeu para provar que tinha direito a ser cidadão.(Aqui haveria mesmo discriminação, ficavam isentas dessa obrigação as bajudas bijagós com as saias de palha? )

As mulheres tinham de desfrisar o cabelo, desfazer as tranças africanas. (Era o colono a ditar moda.)

A separação entre os guineenses e portugueses era real. (Só na praça o guineense não podia viver, porque na tabanca o português entrava e saía quando queria.)

Ninguém podia atravessar descalço a fronteira que dava acesso a Bissau.
(Chapa Bissau)(eram manias de colonos que na terrinha até andavam sempre descalços.)

Num exemplar da Caderneta do Indígena vêem-se várias folhas, cada uma com itens que alguém preencheria: as características, o imposto indígena, a contribuição braçal, castigos e condenações…(Era um autêntico cartão de cidadão com registo criminal.)

Os velhos contam que, quando se abriam as estradas, as pessoas eram obrigadas a ir trabalhar. (Com a agravante de só os brancos é que tinham automóvel.),

Quem eram os administradores? Raramente eram os lisboetas, os minhotos — muitas vezes eram os cabo-verdianos. (Pois, como além de administradores, também os dirigentes do PAIGC, Amílcar e os outros eram berdianos, imagina-se a indignação dos guineenses, não serem pioneiros nem na colonização nem na descolonização.) 

Não fez uma única amiga nesse tempo. Quando ia de férias para o Norte, o pai guiando o seu Cadillac, havia sempre uma pequena multidão de curiosos atrás, tinham de fechar os vidros :"olha o preto, olha o preto, olha o preto", gritavam. Eram os anos 1960, a época de um "Portugal tacanho". E ignorante. A mentalidade dos portugueses na Guiné-Bissau não era muito diferente. (Refere-se aos tugas colonos que tínhamos abandonado as cabrinhas, vindo a escorregar por uma tábua, embarcámos em Alcântara num porão de navio e regressámos de Cadillac, com uma prole mestiça, hoje já não somos ignorantes e vamos para Bissau via Dakar de Jeep e para Luanda de avião e vimos sem Cadillac e sem prole.... E se fosse agora não se dizia "olha o preto" dizia-se "olha mais um escarumba".)

A maior parte do tempo o mestiço está a ter de provar que é tão guineense como os pretos. (O racismo dos pretos chegou ao ponto de em Luanda, no 25 de Abril,  dizerem que os brancos vão para a terrinha, os mestiços não têm terra, vão para o mar.)

A teoria do luso-tropicalismo de Gilberto Freyre (1900-1987) suportou a ideologia do Estado Novo sobre a excepcionalidade portuguesa de estar nos trópicos. (Ideologia do Estado Novo, do Estado velho, de Marquês de Pombal, de António Vieira, de Sá da Bandeira e continuará cada vez mais.)

P.S. - Não menciono o nome dos vários entrevistados nesta reportagem, para não aumentar muito o poste

Cumprimentos

Antº Rosinha


Angola >  Agosto de 1935 > Visita à Fazenda Tentativa,  no âmbito do 1º Cruzeiro de Férias às Colónias de Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Princípe e Angola, uma inciativa da revista O Mundo Português, que juntou cerca de duas centenas de "estudantes, professores, médicos, engenheiros, advogados, artistas, escritores, industriais e comeriantes"...

O director cultural do cruzeiro foi o  prof doutor Marcelo Caetano (1906-1980), então um jovem entusiasta do Estado Novo e doutrinador do corporativismo.(Será comisário da Mocidade Portuguesa em 1940 e ministro das colónias em 1944, até chegar a sucessor de Salazar, de 1968 a 1974).

Esta "revista de cultura e propaganda, arte e literatura coloniais" era dirigida pro Augusto Cunha, sendo propriedade da Agência Geral das Colónias e do Secretariado da Propaganda Nacional.

Fonte: O Mundo Português, vol II, nºs 21-22, setembro-outubro de 1935 (Exemplar oferecido ao nosso blogue por Mário Beja Santos; foto da autoria de Sam Payo, digitalizada e editada por L.G.; reproduzida com a devida vénia).
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