Foto: © Carlos Marques Santos (2005)
Texto do nosso camarada Carlos Marques dos Santos, coimbrão, que foi furriel miliciano, de artilharia da CART 2339, Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69:
A Operação Meia Onça, que foi referida pelo Beja Santos (1).... Aqui vai o descritivo dessa operação inscrita no Historial da CART 2339
Operação Meia Onça
Iniciada em 13 de Outubro de 1968, às 18h00.
Duração: 2 dias.
Finalidade: atacar e destruir objectivos na região de Buruntoni – Baio.
Efectivos:
CART 1746 (Xime)
CART 2339 (Mansambo)
PEL CAÇ NAT 52 (Missirá)
PEL CAÇ NAT 53
1 Gr Comb CCAÇ 2401
4.º PEL ART
Desenrolar da acção:
A CART 2339 saíra de Mansambo em viaturas em 13 de Outubro de 1968, tendo recebido o PEL CCAÇ NAT 52 e o Gr Comb CCAÇ 2401 em Bambadinca.
AS NT seguiram para Taibatá onde se iniciou o movimento apeado às 23h00.
Os guias, logo de início, mostraram-se receosos, por causa do possível armadilhamento dos trilhos. Conduziram o Destacamento a corta-mato, mostrando-se confundidos e, em 14, às 2h30, o comandante da CART constatou que estava junto a Dembataco.
Instigando os guias, reiniciou-se o movimento constatando-se que às 4h00 se estava junto a Taibatá, ou seja, no ponto de início...
Esperou-se pelo nascer do dia e enviou-se um Grupo de Combate a Taibatá. Com uma mensagem para transmitir através de AN/GRC-9 deste destacamento em que se comunicava o sucedido.
Às 5h00 reiniciou-se o movimento.
Às 9h15 entrou-se em contacto com o PC no Xime, tendo informado do seu atraso. O PCV passou às 10h30, tendo-se ouvido a sua chamada mas não se obtendo resposta.
O PC deu ordem para continuar a marchar em direcção ao objectivo, o que se fez.
Às 13h15 as NT receberam ordem para regressar, chegando a Taibatá às 16h30, depois de terem constatado que não chegaram à nascente do Burontoni., mas sim do Gundagué.
O Destacamento foi recolhido em Taibatá, por viaturas, chegando a Bambadinca às 2015h.
PS - Não participei nesta operação pois tinha saído para férias, na Metrópole, a 4 de Outubro de 1968. Viajei no Boeing 707 – Algarve. Regressei a 10 de Novembro de 1968. A 11 houve uma operação à Ponte dos Fulas com muito, mas muito barulho. Também não estava lá ainda. Regressei a Mansambo a 13.
Comentário de L.G.:
Carlos: Quantas centenas - ou até milhares de quilómetros - não palmilhámos nós, nos penosos 21 meses de comissão ? Quantas dezenas de operações e de acções não fizemos nós, tão ineficazes e frustantes como a Op Meia Onça ? Quantas noitres, quantos dias ?... Infelizmente, operações mal planeadas, mal conduzidas!
Não me fales em PCV (Posto de Comando Volante) que eu tenho más recordações desses objectos voadores não-identificados...Tenho sempre a sensação que os turistas que iam lá em cima, no bem-bom da DO27, se riam de nós que nem uns perdidos, da tropa-macaca que andava cá por baixo, aos ziguezagues como baratas tontas...
Não me fales no Baio-Buruntoni, camarada... Ou melhor: diz-me que tudo isso não passou de um pesadelo, e que nunca aconteceu, e que nomes como Xime, Ponta Varela, Ponta do Inglês, Poindon, Gundagué Beafada, Biro, Galo Corubal, Seco Braima, Satecuta, Fiofioli, Mina, etc., nunca existiram, não existem, a não ser nas velhas cartas dos serviços cartográficos do exército colonial do tempo dos soldadinhos de chumbo e dos generais de opereta...
Obrigado, Carlos, por me teres lembrado que o Baio/Buruntoni fazia parte dos nossos percursos turísticos nos regulados do Xime e de Bissari, os pedaços de terra do Império que nos coube em sorte... (LG)
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(1) Vd. post de 14 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1276: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (20): A (má) fama do Tigre de Missirá em Bambadinca
"O Almeida [, cmdt do Pel Caç Nat 63,] respondeu descontraído:- Pá, eu não vou nada para Mato de Cão, eu vou para Missirá e tu vais para o Burontoni.
"Assim era, embora eu nada soubesse. Partimos para Missirá, alojei o pelotão do Almeida depois de lhe apresentar os meios de defesa, preparei 35 homens e nessa tarde apresentei-me em Bambadinca, tendo imediato pedido uma entrevista ao novo Major de operações, de nome Viriato Pires da Silva. Era um oficial extrovertido e com vozeirão:-Ah, quer saber o que vai fazer ao Burontoni, não é? Não se preocupe que daqui a um bocado vou fazer a apresentação da operação, espere um pouco. (...)
"Por volta das 6 e meia da tarde, teve lugar a apresentação da operação. Recordo que o Burontoni foi apresentado como um santuário quase inexpugnável, dotado do melhor armamento, bem posicionado dentro de uma floresta, o Baio, entre vários rios. Sei que ia dentro do destacamento A, seis pelotões, parámos em Amedalai, e em Taibatá partimos a corta-mato acompanhados por dois guias.
"Primeira surpresa: os guias informaram que não sabiam entrar na mata à noite, estavam desorientados. Irrompeu entretanto uma chuva torrencial, lá fomos a passo de caracol, de madrugada fez-se um alto para repouso e ao amanhecer continuámos a progressão. Talvez aí pelas 9 horas chegámos perto de um rio, o nosso guia disse que não podíamos passar não só porque o rio era profundo como tínhamos em frente uma ampla bolanha, havia que a flanquear dentro da mata.
"É precisamente quando estamos a entrar na mata do Baio que toda a floresta é sacudida de explosões. Parecia que uma aviação invisível lançava tapetes de bombas a 10 Km de distância. Pela rádio procurámos saber o que se passava e pouco depois a notícia chegou, estarrecedora: Mansambo estava a ser severamente flagelada. Ora toda a companhia de Mansambo estava nesta operação, o aquartelamento ficara entregue a milícias e à população civil. O estado de espírito da tropa era de cortar à faca. Do comando, por via aérea, chegou a ordem de retirar para Taibatá, o que veio a acontecer, e lá fomos a patinar na lama e depois regressámos a Bambadinca.
"Ainda hoje me interrogo sobre a forma como se preparou esta ida ao Burontoni, independentemente do triste acaso da flagelação a Mansambo, que marcou a corrente do jogo" (...).