Foto (e legenda) : © A. Teixeira-Pinto (2007). Todos os oireitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Capa do livro de Armando Tavares da Silva. “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)” (Porto: Caminhos Romanos, 2016, 972 pp.)
Os antecedentes que levaram o governador Andrade Sequeira a abandonar a Guiné a 11 de Julho de 1916 estão largamente referenciados e descritos em “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926”. E aí se encontra muito mais informação do que aquela transmitida para Lisboa pelo gerente do BNU em Bolama, que Beja Santos transcreve no seu Post n.º 17807 de 29 de Setembro. (**)
[José António]
Andrade Sequeira [.Portalegre, 1876 - Portalagre, 1952, capitão-tenente médico naval,] tinha feito graves acusações a Teixeira Pinto sobre a forma como decorrera
a campanha de Bissau de 1915, e acontecimentos subsequentes.
Estas acusações foram submetidas à apreciação do
vice-almirante na reforma Guilherme Augusto de Brito Capelo [1839-1926] que, relativamente às mesmas, promoveu vários inquéritos e diligências, tendo ouvido, além do próprio Teixeira Pinto, anteriores governadores, entre eles
Josué d’Oliveira Duque, sob cuja governação tinha decorrido a campanha de Bissau. (***)
Será em resultado do parecer de Brito Capelo que António José d’Almeida, na altura presidente do ministério e ministro das colónias, elabora um projecto dispensando Teixeira Pinto das provas de major. E, ao conhecer por telegrama de 1 de Julho este projecto, Andrade Sequeira responde ao ministro considerando que tal projecto demonstrava que tinham sido consideradas “inanes e talvez caluniosas” as acusações que fizera a Teixeira Pinto. Considerando-se numa situação “crítica e melindrosa” pedia que se fizesse “toda a luz” sobre os documentos da última campanha e que determinasse responder em conselho de guerra “a fim de ser punido quem caluniou ou quem prevaricou”. Neste caso confiava que lhe seria dada previamente a demissão. E a 11 de Julho de 1916 Andrade Sequeira abandona a Guiné seguindo no paquete para Lisboa.
Em Lisboa, Andrade Sequeira pede ao ministro um rigoroso inquérito “a fim de se averiguarem abusos vários praticados na colónia” e que ele ”sobejamente” documentara em seus relatórios. E para que o ministro ficasse inteiramente à vontade solicita-lhe a sua exoneração, que é recusada.
António José d’Almeida [Penacova, 1866- Lisboa, 1929] manda então que o coronel Manuel Maria Coelho investigue na própria província “as irregularidades que porventura tenha havido, discriminando as respectivas responsabilidades”, e que ao mesmo tempo se abra um ”rigoroso inquérito sobre a vida pública da mesma província, para assim se esclarecerem tantas e tão variadas queixas”, que haviam chegado ao ministério das colónias.
Enquanto Andrade Sequeira permanece em Lisboa,
Manuel Maria Coelho [Chaves, 1857-Lisboa. 1943] é investido em Janeiro de 1917 no cargo de governador interino e tomará as medidas várias que entendia necessárias para realizar a sindicância de que fora incumbido e ouvir as queixas e participações de quem pretendesse fazê-las. O relatório dessa sindicância é terminado a 2 de Julho de 1917 e a essência do seu conteúdo e conclusões é extensamente referida no livro acima indicado [, “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)”].
Importa aqui referir que nos comentários produzidos sobre este livro no Post n.º 17591 de Beja Santos (****) e referentes à presença e actuação de Manuel Maria Coelho na Guiné em 1917, apenas é referido que este “envolver-se-á numa teia de acusações a uma coluna de polícia à ilha de Canhabaque”. Beja Santos esqueceu-se ou não reparou na importância da sindicância realizada por M. M. Coelho e suas conclusões, não a mencionando no referido Post. Porém, tendo-se dela conhecimento e havendo sobre a mesma uma extensa documentação, não poderia ela ser olvidada, sob pena de se estar a privar o leitor do conhecimento de um conjunto importante de factos políticos determinantes na vida da colónia. Por isso eles estão relatados com objectivos de rigor e imparcialidade tal como o mostra a documentação existente.
Igualmente no mesmo livro são extensamente expostas as acusações que Andrade Sequeira faz a Teixeira Pinto, já acima referidas, assim como a defesa do próprio e os depoimentos de todos os que foram ouvidos sobre essas mesmas acusações, tendo igualmente como fonte documentação exclusivamente pública. É o relatório de Brito Capelo de 28 de Abril de 1916 que conclui que as acusações que lhe foram dirigidas pelo governador Andrade Sequeira não tinham fundamento e que, se “houvera erro”, a responsabilidade quanto à campanha era do governador Duque.
Também todas estas circunstâncias, pela sua importância na caracterização da vida política e social da Guiné, não poderiam deixar de ser relatadas, havendo delas conhecimento. E para quê, se assim não tivesse sido? Para se evitar ser acusado de se estar a “chamar a si a defesa do bom nome de Teixeira Pinto” – defesa esta que era independente do reconhecimento do “acervo de acusações” de atrocidades cometidas por Abdul Injai e os seus homens na campanha de Bissau?
Para se ocultar o conhecimento do clima de intriga e conflitualidade política existente na Guiné – como de resto a carta do gerente do BNU acima referida claramente indicia? Para se ocultar os “tristes e graves sintomas da situação moral de uma parte do funcionalismo que cerca o governador”, que deveria prestar-se a “um procedimento imediato e enérgico”, e que poderia comprometer a “segurança da colónia” – como refere o parecer de Brito Capelo?
Foto de
Abdul Injai em 1915, herói do Oio, no auge da sua glória.
Sobre a vida política da colónia e as várias facções de que se compunha a sociedade guineense, também se refere o relatório da sindicância de M. M. Coelho, que constituía, de resto, um dos objectivos da missão que lhe fora confiada. Verificara que a presença do elemento cabo-verdiano desempenhava aí grande influência. Era o pano de fundo sobre o qual tudo se tinha passado e que, em parte, o explicava.
Essas facções habitavam os dois principais centros: Bolama, onde estava o funcionalismo, e Bissau, importante pelo comércio aí estabelecido. A “guerra aberta” em que se transformou o conflito entre Andrade Sequeira e Teixeira Pinto, em que se misturavam “ambições, invejas, ódios, punha em evidência dois males terriveis a que era indispensável prover remédio; o fermento de rebelião do indígena, alimentado pela falta de patriotismo dos elementos cabo-verdianos, que vivem, alastram pela Guiné e a exploram, e a conivência de funcionários europeus e europeizados nessa absorção da província por elementos de sentimentos patrióticos mais que duvidosos, quais são esses cabo-verdianos”.
Manuel Maria Coelho identificava claramente a existência de dois partidos: o “partido dos cabo-verdianos e de poucos europeus, de que Andrade Sequeira se fêz chefe e protector, e [o] dos europeus e, felizmente alguns cabo-verdianos, que se agrupavam ao redor do nome de Teixeira Pinto”.
Parece, de resto, que a Guiné sempre viveu num clima de intriga: são várias as referências de governadores à existência de intrigas, quer nas disputas entre régulos, quer por elementos estrangeiros, que assim perturbavam o curso da administração da província.
O relato dos acontecimentos de Bissau de 1891, da sua razão de ser, das diligências tendentes a compreender e explicar a sua origem e a subsequente procura da paz e harmonia, está cheio de referências a “intrigas”. Em 1891 o governador estava convicto de que as hostilidades entre as duas tribos papéis da ilha de Bissau, Intim e Antula, se deviam às ”intrigas dos habitantes da praça”, que “formando dois partidos” entre os beligerantes ”alimentavam a guerra”.
O mesmo governador dirá que “o gentio branco e mulato (filhos da ilha do Fogo, principal colónia em Bissau) estão [...] mancomunados com os gentios e grumetes para nos desrespeitarem e desacatarem a autoridade; e os estrangeiros colaboram neste vil procedimento”, fim para que se serviam de “intrigas de toda a ordem”. E na procura de nomes dos instigadores do clima de desconfiança, um grumete afirma que “se fossem só portugueses e não do Fogo os que estavam na praça, não havia nunca guerra, nem com os grumetes, nem com Intim”. (*****)
Parece que a “intriga” é, ainda hoje, algo sempre presente na vida pública da Guiné-Bissau: quem assistir a reuniões em que se discute a sua situação política e administrativa poderá ouvir com alguma frequência pronunciar-se a palavra “intriga”.
Armando Tavares da Silva
_________________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 20 de março de 2007 >
Guiné 63/74 - P1615: Historiografia da presença portuguesa em África (5): O Capitão Diabo, herói do Oio, João Teixeira Pinto (1876-1917) (A. Teixeira-Pinto)
Vd. também 7 de abril de 2011 >
Guiné 63/74 - P8057: Notas de leitura (226): João Teixeira Pinto, A Ocupação Militar da Guiné (3) (Mário Beja Santos)
(...) Aqui se dá por terminado o relato das 4 campanhas de Teixeira Pinto entre 1913 e 1915.
A pacificação foi um facto, mas só se deu por concluída em 1936. Teixeira Pinto irá morrer no combate de Negomano, frente aos alemães, em 26 de Novembro de 1917.
Abdul Injai irá cair em desgraça e será deportado. Todo este episódio da campanha de 1915 decorre já numa atmosfera de envenenamento que preludia as calúnias sobre o grande herói Teixeira Pinto. Lastimavelmente, todos estes episódios históricos estão mal estudados, parece que a Guiné só ganha importância aos olhos do historiador com a chegada do comandante Sarmento Rodrigues. Coisas da história. (...)