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sábado, 7 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23240: Efemérides (368): Foi imposta a Medalha Comemorativa das Campanhas (Guiné, 1968-70) ao Maioral António Maria Úrsula, que apesar de sofrer de grave doença, se deslocou a Santa Margarida para com orgulho e alegria a receber (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro)

1. Mensagem de 6 de Maio de 2022 do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, QueboMampatá e Empada, 1968/70) com a notícia da imposição da Medalha Comemorativa das Campanhas (Guiné, 1968-70) ao seu companheiro Maioral, António Maria Úrsula, entregue em Santa Margarida, onde se deslocou para a receber apesar da doença grave que o atormenta:

Meus caros editores
Envio um texto sobre um camarada que se encontra há vários anos imobilizado numa cama pela ELA e ficou muito feliz por ainda chegar o tempo de poder receber a medalha a que tinha direito.

Fraternal abraço
Zé teixeira



MEDALHA COMEMORATIVA DAS CAMPANHAS - GUINÉ, 1968-70

O orgulho de um Combatente

O António Maria Úrsula, mas conhecido pelo Chamusca sofre há muito da ELA – Esclerose lateral amiotrófica, que o tem vindo a desgastar, estando há vários anos prostrado na cama, praticamente imobilizado.

O bom gigante do 1.º Grupo de Combate da CCaç 2381, o homem da MG. Homem simples e comunicativo, amigo do seu amigo, sempre alegre e bem disposto, está muito doente, mas teima em viver. Apoia-se na mulher que escolheu para esposa. Frágil, muito frágil, mas resistente. Resiliente e com um amor sem limites, quer o seu António em casa. Quer ser ela a cuidar dele. Entrega-se totalmente para que o seu António resista à doença que o devora lentamente. Durante vinte e quatro horas ao lado do António, para lhe fazer a higiene total, o alimentar, o ouvir a gemer de dor e desespero. Uma lição de amor que deve ser cantada aos quatro ventos. Enquanto o António pôde, (os braços foram os últimos a ceder) ajudava-o a sentar-se na cadeira e levava-o todos os dias ao café para estar com os amigos. Depois aproveitava a presença dos filhos para a ajudar a colocá-lo na cadeira para que pudesse ir ter com os amigos.

Durante vários anos, o Chamusca apareceu nos convívios anuais da Companhia, na cadeira de rodas, sempre acompanhado pela esposa e por um dos filhos. O convívio era para ele um ponto de encontro anual que não dispensava. Bem disposto, com a sua piada na ponta da língua, preso na sua companheira sob a vigilância atenta da esposa, adorava estar com os camaradas.

Convívio dos Maiorais de 2012
No Convívio dos Maiorais de 2016 já o Úrsula compareceu numa cadeira de rodas

Um ano descobriu que já não podia ir ao convívio. O corpo não obedecia para entrar dentro do automóvel. Ficou triste e nós, os Maiorais, sentimos a sua falta.

Por último, o António, o bom gigante, o meu amigo como todos os Maiorais, já não sai da cama há uns anos, não consegue movimentar o corpo, quase não se percebe a sua fala, mas teima em viver e não está sozinho. A extremamente dedicada esposa sempre a seu lado e os filhos por perto dão-lhe o alento necessário.

Há uns cinco, seis anos, o capitão levou impressos para solicitar a "Medalha Comemorativa das Campanhas - Guiné, 1968/1970", que nos foi atribuída no fim da Comissão, mas que não nos foi entregue na devida altura. Alguns dos camaradas presentes subscreveram o impresso e ainda hoje aguardam a medalha. O António sonhava com a medalha, queria receber a medalha, um direito. Sempre que nos encontrávamos ou falávamos, perguntava pela medalha. Até doía ouvi-lo, por ver o tempo a passar e a medalha do António sem chegar ao seu destino e sobretudo por sentir que ele não tinha condições para a ir receber a um quartel qualquer.

Há dias recebi um telefonema da esposa para saber da nossa saúde e dar notícias do António, como vem sendo hábito partilhado e para me dar a notícia que o António recebeu uma convocatória para ir ao Quartel de Santa Margarida receber a medalha e ficou muito feliz.

Os filhos organizaram a viagem, ajudaram-no a levantar-se e levaram o António ao quartel para receber a medalha a que tinha direito. Que alegria! Que orgulho de medalha ao peito! Um momento de felicidade.

Depois regressou ao seu cantinho e continua pacientemente a resistir, tendo como companhia a mulher e os filhos.

Obrigado, António, pelas lições de vida que me tens dado. Um agradecimento especial à tua esposa e aos teus filhos pela humanidade com que te tratam.

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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE MAIO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23237: Efemérides (367): Faz hoje precisamente 55 anos que um estrangeiro, o ten-cor H. Meyer, adjunto do Adido Militar Americano em Lisboa, participava, com as NT (CART 1525, Bissorã, 1966/67) na Op Beluário... Não sabemos em que circunstâncias nem a que título (Virgínio Briote)

terça-feira, 12 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20336: Blogoterapia (293): Neuro II - Quarto 7 - Cama 14, ou as camas por que passamos ao longo da nossa vida (Juvenal Amado)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo CAR da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", com data de 5 de Novembro de 2019:


NEURO II - QUARTO 7 - CAMA 14

O passado visita-nos, toma-se consciência do que fizemos e do que não fizemos. De  algumas coisas nos arrependemos, de outras temos pena de não ter feito de outra forma ou de ir mais além. No presente vivemos como se não tivéssemos muito tempo. Correr já não é opção, assim caminhamos para o futuro incerto, desejando ter ainda acesso ao que de bom a vida nos dá.

E que de bom tem mesmo, quando o simples é vedado a muitos camaradas quando a saúde os abandonou? Quando necessitam do carinho da família e vigilância, quando são remetidos para instituições, tantas vezes cansadas de ver degradação física e psíquica, e reagem como um cilindro, que vai calcando, ignorando os apelos de quem precisa de ir à casa de banho, ou tão simplesmente limpar os óculos? Os zeladores também têm preocupações familiares, como o dinheiro, com as condições de trabalho, por vezes são vilipendiados pelos utentes, mas não seria de mais vestirem o fato branco, pôr o seu melhor sorriso e com palavras de conforto, animarem um bocadinho a vida dos que estão a seu cargo ainda que por breves horas no seu turno.

Esta introdução um bocado sombria, deve-se ao apelo desesperado e de raiva, de um nosso camarada que sofre (ELA[1]) de abandono ao ponto de pedir que Deus o leve. Como dizer a um camarada neste sofrimento, que espere os impossíveis dias melhores, uma vez que só pode piorar?

O físico Stephen William Hawking, talvez o mais famoso doente com "ELA", que apesar da sua enfermidade viveu até aos 76 anos.

O que me leva a escrever hoje é uma coisa tão comum e tão banal que é uma cama. Todos nascemos numa, dormimos em várias ao longo da vida e a grande maioria em tempo de paz, também morrerá numa. Quando era criança, a minha cama como normal para a época era cheia de camisas de milho, por vezes com restos de tarolos à mistura, um dia de festa quando a minha mãe abrindo portas e janelas remexia a palha, que triplicava de altura e como garoto era uma brincadeira ficar enterrado no monte, que hoje traria alergias e renites alérgicas à maioria de garotos, que nem os ares condicionados aguentam. No nosso tempo passaria por vulgar constipação, com ameaças de que andássemos à chuva levávamos o tratamento profiláctico à base de uns tabefes.
Mas o meu pai homem atento às coisas modernas e simplificadas, logo trocou a palha por sumaúma e assim acabaram-se as comichões. Mais tarde passamos ao máximo da modernidade ao alcance dos nossos bolsos com os de esponja e por aí ficámos por muitos anos.

Quando fui para o CICA4, voltei a privar com a sumaúma que continha várias gerações de percevejos, que milagrosamente não me atacaram, já o meu amigo Sapateiro, ali da Calvaria de Porto Mós, fez com eles um contrato de exclusividade a fim de o só chatearem a ele, que dormia mesmo encostado a mim. Após muitas queixas selectivas, porque eles não atacavam todos, veio um belo dia que, tudo foi desmanchado e substituído por beliches acabados de pintar de verde, com limpíssimos também verdes colchões, que iriam levar algum tempo a ganhar inquilinos incómodos e malcheirosos. No tempo em que lá estive, não deu para constatar nada disto, e no RI6 do Porto, foi mais do mesmo, por ter por ali passado a modernidade da época.

Quando cheguei a Abrantes - RI2, aconteceu-me o impensável. Não tinha cama e passei a dormir à vez, na cama dos camaradas que estavam de serviço. Quando ele chegava eu procurava outra e ali ficava com sorte até de manhã. Como o frio apertava mandaram-me para Santa Margarida e aí por mais roupa de cama que requisitasse, o frio era tal que me fardava e deitava-me vestido.

Entretanto fui mobilizado e assim travei conhecimento com os beliches do Angra do Heroísmo, com os do Cumeré, e por fim cheguei a Galomaro onde a sobrelotação do quartel me obrigou a dormir numa grande tenda de campanha com um pano de tenda por baixo e o saco a servir de cabeceira. Nada que não tenha acontecido a milhares de camaradas. Por fim encontrei alojamento permanente, num abrigo habitado por uma mescla de camaradas das mais variadas especialidades, entre um dos morteiros 81 mm e da MG 42.

Galomaro - Dentro do abrigo, a partir da esquerda: Aljustrel, Ermesinde, Juvenal e Caramba

Finalmente, regressado em Abril de 74, em 79 passei da minha cama de solteiro para a de casado onde tenho sido constante e feliz.

Por desacatos do destino, pois não penso ter pecados dignos de castigo, fui parar ao hospital com uma doença rara, auto-imune, chamada Miastenia Gravis (que veio para ficar como a Toyota), onde pela primeira vez travei conhecimento com uma cama articulada. Estive onze dias hospitalizado, entrei junto com uma senhora com AVC, onde estava já um individuo com 61 anos com AVC isquémico, que saiu primeiro que eu e deu lugar a um jovem com 36 anos também acometido do mesmo, juntando-se assim aos vários casos espalhados pelo piso. Contei a história deveras apaixonante e corajosa do José Saúde, falei-lhe da associação de doentes dessa maleita e constatei, com os números de um AVC por cada quatro indivíduos.

Os alarme e sinais dos três F's

FACE, FORÇA e FALA, bem como a máxima importância de pedir ajuda dentro das primeiras duas horas em que começaram os sintomas e anomalias.

Por ultimo a forma como fui tratado e vi tratar. A excelência dos cuidados prestados por médicos, enfermeiras, auxiliares, de um sistema hospitalar cheio de deficiências e carências tão propaladas por bem intencionados e por muitos mais pelos mal intencionados, onde os profissionais fazem milagres com o que têm. O seu sorriso, carinho e palavra amiga, são parte das melhores recordações que guardarei para sempre.

Lembrei-me das campanhas muitas vezes mesquinhas e ignorantes, que contra o Serviço Nacional de Saúde fazem e querem acabar com ele. Meus camaradas e amigos é preciso defendê-lo por nós e pelas nossas famílias. A saúde e a liberdade só lhe damos valor quando as perdemos.

Já estou na minha cama felizmente.

Nota: - [1] - ELA - http://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/ela-esclerose-lateral-amiotrofica

Um abraço
Juvenal Amado
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Nota pessoal do editor CV:

Ao nosso camarada enfermo desejo a melhor qualidade de vida possível, dentro dos condicionalismos que esta terrível doença impõe.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20039: Blogoterapia (292): Os Impérios (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 e CART 2732)