.
Fotos: © Benjamim Durães (2010) / Legendas: L.G. Todos os direitos reservados
1. Mensagem de António Rosinha, com data de 6 do corrente, enviando-nos a III (e última) parte de um texto sobre a ascensão e queda da TECNIL, empresa de obras públicas portuguesa que operou na Guiné-Bissau, antes e depois da independência:
De: António Rosinha
Data: 6 de Março de 2012 20:57
Assunto: Como desparece em Bissau a empresa TECNIL e é substituida pela Soares da Costa
Um dos últimos trabalhos de que fui incumbido pelos meus patrões da TECNIL, foi uma «ordem» de Luís Cabral.
Este homem era muito dinâmico em questão de investimento em obras públicas e angariação dos respectivos financiamentos. E denotava gosto por tal actividade e tinha muitos engenheiros nacionais e cooperantes a mexer em tudo.
Luís Cabral pretendia reformular uma residência bastante moderna que foi propriedade de um antigo cólon que eu não conheci, para sua residência, penso eu. Essa residência ficava a traz do gabinete do primeiro ministro, e tinha uma portaria que era preciso adaptar, na cabeça de Luís Cabral, para receber o Volvo presidencial, bem junto à porta da residência.
Só que havia um pedaço de jardim e duas colunas à entrada da residência que era preciso derrubar construir noutra disposição, e isso Luís Cabral não queria.
E, agora vou falar em nomes de gente muito simpática e não quero de maneira nenhuma fazer «politiquice» nem com as pessoas nem com a atitude das mesmas nem do momento.
O ministro das Obras Públicas era Tino Lima Gomes que era arquitecto e ainda chegou a dar uma vista de olhos na portaria mas sem qualquer solução.
Mas a esposa dele, a camarada Milanka, de nacionalidade jugoslava, arquitecta nas Obras Públicas é que foi encarregue de descalçar a bota, e eu no campo executar o impossível. Só que a camarada Milanka não tinha coragem de dizer ao presidente que era impossível executar como ele queria, e eu descarreguei o meu fardo para o meu patrão Ramiro Sobral que se encontrava em Bissau. Onde ia mês sim, mês não.
E o velho de 75 anos, e muitos anos de África, habituado a resolver casos bicudos, analisou e solucionou:
- Senhora Dona Millanka, (toda a gente dizia camarada Milanka), sabe porque ando nesta vida com esta saúde aos 75 anos? Porque à porta da minha casa em Viseu tem 3 degraus. E subir e descer esses 3 degraus dão-me imensa saúde. Convença o senhor presidente que com 3 degraus resolve o problema e dá-lhe imensa saúde para daqui a muitos anos continuar com o meu dinamismo.
Passados uns instantes já só comigo no automóvel, Ramiro Sobral como que a falar para os próprios botões, previa:
- Com degraus ou sem degraus não vais envelhecer aqui, não.
Talvez uns 15 dias depois, dá-se o golpe a 14 de Novembro de 80 que derruba Luís Cabral.
Visto hoje a 32 anos de distância, sem dúvida que Luís Cabral que fazia muita falta à Guiné, para mim era uma pessoa muito honesta, mas esqueceu-se da política, do povo e dos «inimigos» que arranjou na Guiné, e foi esquecido e isolado pelos «amigos» da Caboverde, e o meu patrão já via isso tudo.
Os guineenses do partido e os congéneres caboverdeanos já tinham abandonado o «trilho» de Luís Cabral há muito tempo, e quando apareceu o precipício não estava lá ninguém para lhe dar a mão e quando chegou lá abaixo era o vazio. Quem estava em Bissau relembrou-se muito do que aconteceu a Amílcar, e ouvia-se muito " só agora é que somos independentes".
Claro que Ramiro Sobral, digo agora a esta distância, já estava também a ver o fim dele próprio naquela terra. E com o fim de Luís Cabral piorava tudo, como se viu até hoje.
Só que com Luís Cabral, havia as chamadas "engenharias financeiras" e os dinheiros iam aparecendo ou com atraso ou parcialmente. Com a fuga de quem sabia essas contabilidades, aí foi mesmo o fim de tudo.
E a TECNIL acaba passados mais ou menos meio ano com todos os bens, máquinas, armazéns, residência em tribunal à ordem dos Tribunais e da vontade da polícia, do ministro das Obras Públicas e dos humores dos engenheiros directores das Obras Públicas, que já nenhum era caboverdeano, os novos ninguém tinha compromisso em respeitar nada.
A TECNIL tinha recentemente como director da empresa um engenheiro Máximo que havia sido capitão de engenharia pouco antes da independência. Esse engenheiro Máximo teve que sair na TAP, clandestinamente, porque já tinha a residência vigiada e seria preso em qualquer altura porque não havia dinheiro para pagar nem salários do pessoal e naquele «comunismo» não havia advogados, e corria mesmo perigo até podiam pegar por ter sido militar tuga.
Estas peripécias já me são contadas cá pois vou a tribunal de trabalho como testemunha do engenheiro Máximo para a TECNIL lhe pagar o que lhe ficou a dever.
Mais tarde há negociações entre o Governo de Nino e a Soares da Costa, que estava como sócio no Liceu com a TECNIL, e esta empresa do Porto, já com gente «actualizada» para a nova realidade da vida, recuperou e lutou por substituir a TECNIL e parece que conseguiu alguns objectivos.
Como não tinha rotina colonial a Soares da Costa recorreu a alguns dos que já tínhamos andado por lá pelas Áfricas desde Moçambique a São Tomé, engenheiros, chefes de mecânica, encarregados de obra e de laboratórios, era uma equipa de "retornados".
Atenção, que grande parte dos engenheiro portugueses que trabalhavam e eram directores de obra dessas empresas que iam para o ultramar, a seguir às independências, eram em maioria ex-estudantes da Casa do Império que não fugiram para Paris nos anos 60.
Trabalhei com dois da terra do Pepetela que eram relacionados com dirigentes do PAIGC, o que lhe valeu algumas vantagens em concursos de obras.
Para terminar este" fim de uma empresa colonial", tenho a dizer que "paguei para ver". E o próprio velho Ramiro Sobral, bem lá no fundo, também pagou para ver. Sempre tive curiosidade o que é que os "tais ex-estudantes da Casa do Império" iam conseguir realizar com as independências.
Só me foi possível satisfazer a curiosidade suportando o "pesadelo TECNIL". Conheci e trabalhei com alguns que não foram para Paris e para a luta e depois conheci ou trabalhei com alguns que foram para a luta. Como alguns desses estudantes ou foram filhos de Chefes de Posto ou de velhos comerciantes ou já estava destribalizados por missionários cristãos, ou filhos de funcionários públicos, queria ver o grau de relacionamento com os povos após a independência.
Tal como se previa por quem conhecia um pouco da realidade africana em geral, qualquer chefe de posto colonial sem armas na mão, conseguia mais apoio popular e unanimidade dos diversos povos, do que Luís Cabral conseguiu. O inicial entusiasmo pela juventude e o fim da guerra era natural, assim como cá em Portugal com o 25 de Abril; assim como o entusiasmo com o derrube de Luís Cabral e um certo entusiasmo exagerado de alguns, até parecia trazer expectativa.
Só que o resultado é sempre negativo porque não é assente em bases definidas, eram apenas facções do mesmo caldeirão partidário a sobreporem-se.
A guerra que discutimos dos 13 anos da nossa guerra do Ultramar é apenas um pequeníssimo flash do péssimo que se passa em África desde 1960 devidamente apoiado pelas Nações Unidas e pela Europa democrática em particular.
E paguei para ver: a Tecnil não cumpriu comigo durante 1 ano, estive em bichas de pão com gorgulho, substitui com vantagem as batatas à mesa por inhame, vi formas de racionamento de sabão, que já não existia, e vi gente que não podia chorar em público os familiares assassinados.
E isto tudo testemunhado e apoiado pelas Nações Unidas e por toda a Europa, e assistido por mim que também ficava calado.
E como ao fim de 40 anos, está em curso um complexo processo de apagamento, ou diluição, ou esbatimento, de certas tribos nalguns países, podemos imaginar as coisas que a Europa e as Nações Unidas são capazes de promover em África, com assentimento dos seus dirigentes.
Hoje, sinto que pertenci a uma geração de portugueses que durante 13 anos Portugal teve uma opinião própria, contrária à maioria da Europa que hoje pouca opinião tem. Será que as pessoas de agora acreditam que tenha sido verdade? Opinião própria emitida em Plenas Nações Unidas, mensalmente em Nova Iorque ?
Para terminar, digo que conheci "um velho de Viseu" que não pensava como os "velhos do Restelo".
Um abraço
António Rosinha
_____________
Nota do editor: